A LITERATURA NO ENSINO MÉDIO: DIÁLOGO ENTRE EXPERIÊNCIAS. Alyere
Silva Farias, Andréa Grace Silva de Souza, Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves
(orientador). Universidade Federal de Campina Grande – PB.
1. Introdução
A seleção de textos literários no contexto escolar geralmente é orientada por
fatores como o programa educacional e a disponibilidade nos livros didáticos.
Entretanto, esses critérios de seleção contrariam a prática cotidiana de leitura
individual, que é orientada a partir das preferências do leitor.
Especificamente no Ensino Médio, a leitura dos textos literários é realizada de
modo a privilegiar o estudo da história da literatura brasileira. Os textos possuem a
finalidade de verificar as características de época, tornando-se uma prática de leitura
reducionista e que desconsidera os demais aspectos considerados na seleção
pessoal de textos literários, como: preferência pessoal, faixa etária e legibilidade.
Assim, consideramos de extrema importância que o ensino de literatura, além
de atender as exigências do processo vestibular, respeite o aluno como um leitor em
potencial, oferecendo-lhe textos os mais variados, que se aproximem da sua
realidade histórico-social, a fim de fornecer subsídios para que ele possa construir
sua identidade, enquanto leitor, além de tornar-se um sujeito “agindo sobre o mundo
para transformá-lo e, para, por meio de sua ação, afirmar sua liberdade e fugir à
alienação”. (CHIAPPINI, 2005, 109).
Fundamentando nossas práticas nessas reflexões e visando oferecer aos
alunos, além dos textos canônicos, também o contato com textos não privilegiados
no espaço escolar, realizamos a leitura da letra da canção Conversa de Botas
Batidas e do poema popular A Locomotiva em uma turma mista de alunos de
segundo e terceiro ano do Ensino Médio e a leitura do folheto de cordel Por você eu
mato gente/ mato você e me mato com uma turma do terceiro ano do Ensino Médio
em escolas distintas da rede pública de ensino.
2. Descrição do Objeto e Objetivos
A primeira experiência a ser relatada foi realizada no Colégio Estadual de
Ensino Fundamental e Médio Dr. Elpídio de Almeida - o Estadual da Prata – durante
o Curso Piloto de Produção Textual e Literatura, oferecido aos alunos do 2º e 3º
anos do Ensino Médio. O curso teve carga horária de 60 horas/aula e foi ministrado,
como intervenção didático-pedagógica, por alunos do curso de Licenciatura Plena
em Letras da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), como requisito
básico para o cumprimento da disciplina Prática de Ensino de Língua Portuguesa e
Literatura II, orientada pelas professoras Maria do Socorro Paz e Albuquerque, na
área de Língua, e Vânia Sueli Guimarães Rocha, na área de Literatura, durante o
período 2006.2.
A experiência seguinte ocorreu na Escola Normal Estadual Padre Emídio
Vianna Correa, no terceiro ano, turma A, durante o ano letivo de 2007, ocasião em
que houve necessidade da substituição da professora efetiva.
O objeto de nossa análise constitui-se das aulas ministradas nesses espaços,
nas quais trabalhamos os textos Conversa de Botas Batidas, A Locomotiva e Por
você eu mato gente/ mato você e me mato. As aulas, em que estes textos foram
trabalhados, correspondem a aulas iniciais nas quais se caracterizavam os textos
literários em contraposição aos textos não-literários.
A partir desse artigo, pretendemos auxiliar o professor a despertar o interesse
dos seus alunos pela literatura, enfocando, na sala de aula, o texto literário em suas
diferentes realizações.
3. Procedimentos Adotados
Discutiremos, neste tópico, algumas das reflexões teórico-metodológicas que
nortearam a nossa prática e, conseqüentemente, a nossa reflexão.
A Literatura, segundo COSSON (2006, 17) é uma experiência que nos
permite saber, experimentar e ver a vida pelos olhos de outrem. Nas palavras do
autor, a Literatura é “mais que um saber reelaborado, ela é a incorporação do outro
em mim sem renúncia da minha própria identidade”, isso se dá, segundo o autor,
porque “a Literatura é plena de saberes sobre o homem e o mundo”.
A leitura de um texto literário, no contexto cotidiano, é orientada a partir das
preferências de cada leitor. No contexto escolar, entretanto, os fatores que
influenciam a seleção dos textos didáticos são outros, como o programa
educacional; a faixa etária e a disponibilidade de obras na escola (COSSON, 2006,
32).
COSSON (2006, 21) salienta ainda que, no ensino fundamental, a literatura
“engloba qualquer texto escrito que apresente parentesco com a história da
literatura”. Já no ensino médio, o ensino de literatura confunde-se com o estudo da
história da literatura brasileira, “quase como uma cronologia literária”; quando
aparecem os textos literários, na sala de aula, eles são fragmentados e servem
como fontes de verificação das características de época.
ALVES (2006, 14) propõe que o ensino de literatura deve ser significativo,
enfocando, nessa perspectiva, o texto literário como eixo do estudo. A partir da
leitura dos textos e após ler diversos gêneros, o professor pode “ir formulando com
eles os conceitos” e ir introduzindo informações mais teóricas.
Inverter esse processo, partindo da teoria e passando ao texto para verificar a
aplicação teórica, pode fazer com que os alunos deixem de perceber as demais
funções que possui a literatura, – comentadas por COELHO (1976, 30) –
automatizando-os a reconhecerem nos textos literários, apenas a função
pragmática.
É importante que o contato dos alunos com a literatura seja tão profundo e
significativo, a ponto do aluno perceber as outras funções da literatura.
Modernamente, se sabe que a literatura não possui uma única função; daí ser mais
coerente se falar em função plural da literatura. Qualquer que seja ela,
separadamente, representa uma errada concepção do fenômeno literário. Nessa
nova perspectiva, temos que a sua função primeira é estabelecer a comunicação
entre os homens.
Um segundo e importante objetivo da literatura é a de promover a
desautomatização1 da percepção, desse modo, a obra literária faz o processo
inverso da automatização.
Outra função da literatura é a lúdica, concebida como uma forma de
entretenimento, atribuindo a essa arte a finalidade de proporcionar prazer literário,
despertando emoções, distraindo, alegrando e comovendo. Isso pode se dá, por
exemplo, quando temos num texto literário o jogo com palavras, ritmos, sons e
imagens, causando prazer aos sentidos e à sensibilidade do leitor.
Temos também como finalidade atribuída à literatura, que se aproxima do
pragmatismo, a pragmática. Ela atribui à literatura uma função prática que vai além
do valor puramente estético. Isso se dá quando se tenta convencer o leitor de
alguma coisa, ensinar, esclarecer algum problema, difundir valores, etc.
Uma outra função literária é a que chamamos sintonizadora (ou sinfrônica).
Essa função nos possibilita, segundo COELHO (1976, 31), “estabelecer a comunhão
entre homens de diferentes épocas ou níveis de cultura”.
A literatura também é uma forma de cognição - função cognitiva - traduzindo
uma experiência humana. Ela nos possibilita conhecer a natureza das relações entre
os homens, e destes com o mundo.
Outra peculiaridade da arte literária é a de funcionar como um elemento de
catarse (função catártica ou purificadora). O texto literário pode provocar uma tensão
tanto no leitor quanto no escritor; essa tensão resulta numa descarga emocional que
alivia (ou purifica) a pressão de suas emoções.
A literatura pode funcionar também como uma forma de fugir da realidade,
muitas vezes, opressora. Mesmo se dando temporariamente, esse esquecimento da
realidade concreta, proporcionado pela literatura, é o que se denomina função
liberadora do “eu” ou evasão.
Além das diversas funções que são inerentes à literatura, podemos destacar
as diversas temáticas que são discutidas a partir dela. Trazer à sala de aula textos
que se aproximem, tematicamente, do mundo dos alunos, ou que, de alguma forma,
tratem de assuntos que lhes chamariam a atenção é uma boa porta de entrada para
o trabalho com a literatura em sala de aula.
COSSON (2006,35) propõe para o professor três critérios de seleção de
textos: não desprezar os textos consagrados, tendo em vista que eles são
representantes da herança cultural da Humanidade; privilegiar não a
contemporaneidade dos textos, mas a atualidade deles; e diversificar o texto,
1
Entendemos aqui desautomatização, segundo CHKLOVSKI (1976), como sendo a reinvenção dos
procedimentos lingüísticos normalmente utilizados no cotidiano. Assim, a expressão literária desconstrói hábitos
de linguagem, baseando sua recriação no aproveitamento de novas formas de dizer, recriando o real.
trazendo para a sala de aula o trivial e o complexo, a fim de manter o interesse dos
alunos na aula.
O autor também propõe uma seqüência básica para o trabalho com a
literatura dentro de sala de aula. Para ele, a seqüência deve ser iniciada por uma
motivação, que consiste na mobilização dos alunos em realizar uma atividade em
torno da temática dos textos que serão trabalhados, como uma forma de preparação
para a recepção dos textos. Em seguida, o professor introduziria o texto à turma,
familiarizando os alunos com o autor do texto que será trabalhado e a sua obra.
Após, o professor deve introduzir a leitura dos textos; essa leitura, entretanto, deve
ser acompanhada pelo professor, de modo a esclarecer os alunos acerca das
dificuldades que, porventura, surjam. Por último, vem a interpretação, momento no
qual os alunos discutirão as observações feitas e o professor mediará essa
discussão, apresentando pontos que não sejam levantados pelos alunos.
Acreditamos que uma seqüência que envolva o aluno de modo a levá-lo a
construir sua interpretação acerca de um texto e a se envolver na temática por ele
levantada estará cumprindo um papel muito importante, não só na formação
intelectual do aluno, mas também na formação de cidadão do mundo, pois a
literatura possui uma força humanizadora inegável.
Acreditamos, assim como ressalta ALVES (2006, 118), que a literatura deve
abrir caminho para o diálogo em sala de aula, para as descobertas, a identificação e
a formação da identidade dos jovens.
3.1. Canção e poema popular
A primeira experiência a ser relatada desenvolveu-se em duas aulas, cada
uma com a duração de 90 minutos, no Colégio Estadual da Prata.
Após discussões realizadas nas aulas anteriores acerca das funções da
linguagem, iniciamos a caracterização dos textos literários. Como ponto de partida,
utilizamos o esquema do quadro comunicacional, proposto por CHALUB (1997, 12).
Explicitamos que a função poética da linguagem contribui para que se possa fazer a
distinção entre textos literários e não-literários. Dessa forma, o trabalho com a
linguagem e a construção do texto, exercido através da função poética, determinaria
a literariedade destes textos.
Assim, distribuímos aos alunos os dois fragmentos transcritos abaixo:
Fragmento 01:
Vítimas de desabamento são reconhecidas no Rio2
As vítimas do desabamento do prédio 55 da Rua do Rosário no Rio
de Janeiro foram reconhecidas hoje. Dois corpos foram localizados ontem à
noite pelos bombeiros em meio aos escombros da construção que ruiu na
última quarta-feira.
2
Fonte:http://noticias.terra.com.br/brasil/interna/0,5580,OI55020-EI306,00.html – Brasil - Sábado, 28 de
setembro de 2002, 00h53 Atualizada às 14h11
Maria das Graças Mendes Rocha, de 62 anos, funcionária da Caixa
Econômica Federal, e Ruy Diniz, de 71 anos, professor, estavam hospedados
no hotel no momento da tragédia. As buscas foram retomadas após terem
sido feitas escoras no prédio vizinho, que também ameaçava desabar.
O corpo de Maria das Graças foi resgatado hoje cedo após buscas
que empregaram tecnologias de rastreamento e um cão labrador. O outro
corpo, do professor Diniz, foi localizado logo depois. Ronaldo Diniz, filho da
vítima, não queria a divulgação do nome de seu pai em virtude das
circunstâncias que envolveram sua morte, que poderiam denegrir sua
imagem.
Fragmento 02:
"Conversa de botas batidas é uma divagação sobre uma situação
real. Um senhor e uma senhora morreram num desabamento aqui no Rio, e
eles eram amantes. A música é como se fosse uma conversa deles antes de
3
o prédio desabar” .
Após a distribuição dos fragmentos, solicitamos que os alunos os lessem e
tentassem identificar se eram literários ou não-literários, posteriormente abrindo
espaço para discussão acerca das impressões de cada um sobre os textos e se os
alunos encontraram correspondência entre ambos.
Encontrando a correspondência existente entre os textos, comentamos sobre
a literariedade destes, todos concordando que os dois fragmentos eram nãoliterários, pois possuíam linguagem objetiva e tinham, como principal objetivo,
informar.
Assim, distribuímos o terceiro fragmento, observado abaixo:
CONVERSA DE BOTAS BATIDAS4
- Veja você onde é que o barco foi desaguar
- a gente só queria o amor...
- Deus parece às vezes se esquecer
- ai, não fala isso, por favor
Esse é só o começo do fim da nossa vida
Deixa chegar o sonho, prepara uma avenida
que a gente vai passar...
- Veja você, quando é que tudo foi desabar a gente corre pra se esconder...
- E se amar, se amar até o fim
- sem saber que o fim já vai chegar
Deixa o moço bater que eu cansei da nossa fuga
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas
não ter o seu lugar
Abre a janela agora, deixa que o sol te veja
3
4
Fonte: http://www.loshermanos.blogger.com.br/2005_01_01_archive.html
Composição: Marcelo Camelo
Fonte:http://loshermanos.letras.terra.com.br/
É só lembrar que o amor é tão maior
que estamos sós no céu
Abre as cortinas pra mim
que eu não me escondo de ninguém
O amor já desvendou nosso lugar
e agora esta de bem
Deixa o moço bater que eu cansei da
nossa fuga
Já não vejo motivos pra um amor de tantas rugas
não ter o seu lugar
Diz quem é maior que o amor?
Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além. Vão dizer
que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela
vai cair
Após um primeiro momento de leitura do texto, os alunos associaram-no aos
dois fragmentos anteriores, entretanto, observaram a literariedade presente neste
último fragmento, representado através das imagens, como “conversa de botas
batidas”, “amor de tantas rugas”, “a nossa estrela vai cair”. Assim, os alunos
concluíram que o tratamento da linguagem neste último texto era diferenciado,
resultado de uma construção simbólica, feita pelo autor.
Vale salientar que realizamos uma análise de cada estrofe do texto, atentando
para os outros elementos que denunciam a literariedade deste texto, como a
estruturação em estrofes, a polissemia e as rimas. Essa análise proporcionou uma
discussão bastante proveitosa em torno do processo de envelhecimento e do
preconceito da sociedade em relação ao idoso.
Na aula seguinte, trabalhamos o texto Locomotiva, transcrito abaixo:
A LOCOMOTIVA5
A LO CO MO
A LO CO MO
ALOCOMO
TIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIIII
VA VA VA
VA VA
VA
5
Poema popular de autoria desconhecida
Ao observar o poema, a primeira reação dos alunos foi de não considerá-lo
um texto, pois, na perspectiva deles, não havia um conteúdo, uma mensagem sendo
veiculada. Assim, fizemos a leitura oral do texto para a sala; após isso, alguns dos
alunos entenderam que esse poema tratava de uma representação fônica de uma
locomotiva, mas ainda assim, outros alunos não sentiram-se motivados com o texto.
Assim, passamos a explorar o estrato visual de que o texto é composto, e que
se complementa ao estrato fônico. Passamos a mostrar que os três primeiros versos
demonstram os vagões da locomotiva em três momentos de velocidade diferentes.
O quarto verso representa os trilhos por onde corre a locomotiva e os três últimos
versos formam juntos a fumaça liberada pela máquina.
Depois dessa leitura, em alguns momentos, construída por nós, em outros,
atingida pelos próprios alunos, a turma conseguiu perceber o valor estético desse
texto e a construção lingüística necessária para chegar a esse fim, considerando-o,
então, um texto literário.
3.2. Folheto de Cordel
A segunda experiência corresponde à aula ministrada na Escola Normal, com a
duração de 90 minutos. Como consistia numa aula introdutória, e aproveitando a
liberdade que nos foi dada para a escolha da temática, optamos por tratar de um
tema universal: o amor, apresentando vários poemas e textos em prosa, de autores
do cânone literário e também de autores desconhecidos. Além da discussão sobre
as características especificas da construção de cada um dos textos, conseguimos
construir uma ponte, entre a ficção e a realidade, que nos conduziu ao
compartilhamento de experiências intimas.
A partir da reflexão sobre o amor e as suas diferentes formas de realização,
contidas nos textos literários, passamos a discutir aspectos que nos permitem
identificar um texto como literário, além de observar com os alunos as mudanças
que se configuram na representação do amor em cada período histórico e na visão
de cada autor, identificando por fim os aspectos característicos de cada um dos
textos literários, como os processos imagísticos, as imagens e a linguagem.
Dentre as várias leituras realizadas, a que mais despertou o interesse dos
alunos foi a do folheto de cordel Por você eu mato gente, mato você, e me mato, no
qual o autor Manoel Monteiro dá voz a um homem que se descobre amando e
decide se declarar de forma agressiva, ameaçando a companheira.
Considerando o interesse dos alunos, realizamos a leitura do folheto, com um
aluno desempenhando o papel do homem apaixonado enquanto os outros repetiam
o mote no qual se fundamenta o folheto, como no exemplo a seguir:
Quando olhei o teu semblante
Com a pele amorenada,
Nariz de ponta afilada,
Trança negra e ondulante,
Olhar castanho e brilhante
Quadril do tamanho exato
Quis guardar esse retrato
Com uma frase na frente:
POR VOCE EU MATO GENTE,
MATO VOCE E ME MATO.
Vendo os teus pés pequeninos
As tuas mas delicadas
Com as uinhas pintadas
Protegendo os dedos finos,
Os teus peitinhos divinos
Com cheiro doce de mato
Cai de paixão no ato
E gritei abertamente
POR VOCE EU MATO GENTE,
MATO VOCE E ME MATO.
A identificação dos alunos com o texto popular foi confirmada pela eleição
deste folheto como o texto com o qual realizaríamos o jogo dramático. Após tecer
junto com os alunos algumas considerações acerca da estrutura e das
características do folheto, observando aspectos que o configuram enquanto texto
literário,dividimos os alunos em cinco grupos para aprofundar as discussões e refletir
para apresentar o jogo dramático para toda a classe.
Uma discussão iniciada por um dos grupos acabou por despertar o interesse
dos outros alunos, cujo tema foi apresentado a partir da experiência de uma das
integrantes do grupo: “até que ponto o meu namorado manda em mim?”. Ao
questionarmos as alunas sobre os rumos desta reflexão, não só elas, como todos os
alunos revelaram a semelhança da história com a vida real, e todos responderam
afirmativamente, pedindo para que uma das moças contasse a sua história. Ela,
envergonhada, explicou que estava “tentando acabar um namoro” mas que o rapaz
sempre arrumava artifícios que a impediam de se separar dele, ora dizendo que ela
era a única razão da vida dele e ameaçando se suicidar, ora declarando que não
admitiria vê-la ao lado de outro homem, como no folheto:
Sou doente apaixonado
Negar não posso e não devo
Essa paixão é enlevo
Na qual vivo mergulhado,
Sinto o perfume deixado
Até pelo teu sapato,
Este amor tão insensato
Me domina inteiramente
POR VOCE EU MATO GENTE,
MATO VOCE E ME MATO.
A partir da experiência dessa aluna, discutimos não só sobre o que se entende
por amor em um relacionamento, como também como o autor traduziu esse
sentimento no folheto de cordel, lançando mão da literariedade para transformar
uma experiência cotidiana em uma experiência literária, contribuindo também para
que os alunos tivessem uma aproximação relevante com o texto literário.
4. Considerações Finais
Ao final desse artigo, levantamos alguns pontos importantes para o ensino de
literatura. Um dos pontos que trazemos para a discussão diz respeito ao manual
didático adotado pelo professor. O manual, assim como pressupõe o próprio nome,
possui a finalidade de orientar o estudo do conteúdo, dirigindo os pontos teóricos a
serem estudados.
Utilizar-se desse instrumento, sem refletir sobre seus direcionamentos e sem
aprofundar o conteúdo nele trazido é contentar-se a ensinar superficialmente e
permitir que nossos alunos apenas repitam conceitos e decorem a história da
literatura, sem senti-la, vivenciá-la e refletir sobre ela.
Foi com essa preocupação que, aliado ao conteúdo programático da unidade,
nos utilizamos dos textos literários para, não só ministrar o conteúdo, mas também
proporcionar aos alunos um contato mais efetivo com a literatura, favorecendo a
dialogicidade dos alunos entre si e também com o texto literário.
Além disso, deve ser uma preocupação do professor colocar à disposição dos
alunos o maior número de gêneros literários possível, inclusive dando lugar aos
textos mais consagrados; assim, nós estamos estimulando a formação do gosto
individual de cada leitor e proporcionando a possibilidade de que o aluno conheça os
mais variados gêneros; o modo como se pensou, em diferentes épocas, o mesmo
tema; as inúmeras formas de expressar os sentimentos análogos e antagônicos.
Entretanto, para que a literatura seja bem recebida, o professor deve ter
sensibilidade para sentir o nível da turma e respeitá-los, trazendo textos legíveis aos
alunos. Em seguida, é preciso introduzir textos que solicitem mais do aluno para
construir significado, a fim de estimular sempre o aluno.
O importante é que nós sejamos capazes de mostrar aos nossos alunos que
ler, compreender e gostar de literatura não é privilégio de poucos, mas o
estabelecimento de um diálogo possível a qualquer um que queira “ouvir” a sua voz.
A literatura não é só um objeto de estudo, é, sobretudo, em sua concepção mais
ampla, o conjunto de vozes declamadas por várias falas ao longo da história da
Humanidade.
5. Referências Bibliográficas
ALVES, Helder Pinheiro. Teoria da Literatura, crítica literária e ensino. IN: ALVES,
Hélder Pinheiro; NÓBREGA, Marta (orgs.). Literatura da crítica à sala de aula.
Campina Grande: Bagagem, 2006. p. 111 - 126.
CHALHUB, Samira. Funções da linguagem. São Paulo: Editora Ática, 1987. (Série
Princípios).
CHIAPPINI, Ligia. Reinvenção da Catedral: língua, literatura, comunicação: novas
tecnologias e políticas de ensino. São Paulo: Cortez, 2005.
CHKLOVSKI. A arte como Procedimento. In: TOLEDO, Dionísio (org. e
apresentação). Teoria da Literatura: formalistas russos. Trad. Ana M. R.
Filipouski et alli. Porto alegre: Globo, 1976.
COELHO, Nelly Novaes. Funções da literatura. In: Literatura e Linguagem. 2ª ed.
São Paulo: Quíron, 1976.
COSSON, Rildo. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2006.
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