Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Direito
Trabalho de Conclusão de Curso
ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O
PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL
Autor: Anderson Evangelista Silva
Orientador: Prof. José Roberto Moraes Marques
Brasília - DF
2012
ANDERSON EVANGELISTA SILVA
ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA LIMPA E O PRINCÍPIO DA
ANTERIORIDADE ELEITORAL
Monografia apresentada ao curso de
graduação em Direito da Universidade
Católica de Brasília – UCB, como
requisito parcial para obtenção do Título
de Bacharel em Direito.
Orientador: Prof. José Roberto Moraes
Marques
Brasília
2012
Silva, Anderson Evangelista
Análise Histórico-Jurídica da Lei da Ficha Limpa e o
Princípio da Anterioridade Eleitoral/Anderson Evangelista
Silva – Brasília 2012
77f.
Monografia apresentada ao curso de graduação em Direito
da Universidade Católica de Brasília – UCB, como requisito
parcial para obtenção do Título de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor José Roberto Moraes Marques
1. Análise histórico-jurídica da Lei da Ficha Limpa e o
Princípio da anterioridade eleitoral I. Título
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Pedro e Helenice, pela vida e pelo exemplo que me
deram.
Agradeço à Lucimeire pelo companheirismo e ajuda incondicional.
Agradeço ao meu irmão Álefe pelas ótimas gargalhadas de sempre.
Agradeço ao meu irmão Alisson por me mostrar que tudo é possível, desde que
nunca desista de acreditar.
Agradeço ao amigo Tony por todos os seus ótimos conselhos e pela paciência em
me ouvir tantas vezes.
Agradeço aos meus amigos Diogo e João Paulo pela virtude que vocês
transmitem.
Agradeço por fim ao professor José Roberto, meu ilustre orientador, por sua
disponibilidade em discutir o tema do meu trabalho e compartilhar seus
conhecimentos.
“Não adianta olhar pro céu,
com muita fé e pouca luta...”
– Gabriel, o Pensador
RESUMO
Silva, Anderson Evangelista. ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA
LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL. 2012. 77f. Trabalho de
Conclusão do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.
Este trabalho faz uma análise do contexto histórico-jurídico da edição da Lei
Complementar 135, de 2010, a “Lei da Ficha Limpa”. Essa norma surgiu da iniciativa
popular e contou com o apoio de mais de 1 milhão de eleitores, tendo sido aprovada
no Congresso Nacional em um curto período devido a pressão promovida pela mídia
e pela sociedade civil. Publicada alguns meses antes das eleições do ano de 2010,
esta lei causou grande repercussão jurídica e popular quanto à sua aplicabilidade.
Por meio da analise de decisões judiciais, será contextualizado ao leitor deste
trabalho o tema constitucional sobre os direitos políticos. Após, será tratada a
aplicação da lei e as decisões tomadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e Supremo
Tribunal Federal. Verificará a obrigatoriedade de se observar o princípio
constitucional da anterioridade eleitoral.
Palavras-chave: Lei da Ficha Limpa. Lei Complementar 135. Iniciativa popular.
Aplicação imediata. Princípio da anualidade eleitoral. Artigo 16 da Constituição.TSE.
STF.
ABSTRACT
Silva, Anderson Evangelista. ANÁLISE HISTÓRICO-JURÍDICA DA LEI DA FICHA
LIMPA E O PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL. 2012. 77f. Trabalho de
Conclusão do Curso de Direito da Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2012.
This paper analyzes the historical context of the legal issue of Complementary Law
135 of 2010, the "Law of Clean Record". This rule arose from the popular initiative
and with the support of more than 1 million voters and was approved in Congress in
a short period due to pressure promoted by the media and civil society. Published a
few months before the elections of 2010, this law has caused great repercussions
legal and popular as to its applicability. Through the analysis of court decisions, the
reader will be contextualized this study the constitutional issue on the political rights.
After, it will be treated in law enforcement and the decisions taken by the Superior
Electoral Court and Supreme Court. Check the obligation to observe the
constitutional principle of prior election.
Keywords: Law of Clean Record. Complementary Law 135. Popular iniciative.
Immediate Application. Principle annuality election. Article 16 of Constitution. TSE.
STF.
SUMÁRIO
1. Introdução ..............................................................................................................9
2. Direitos Políticos ..................................................................................................11
2.1. Cidadania..................................................................................................13
2.2. Inelegibilidades .........................................................................................15
2.3. Voto ..........................................................................................................18
2.3.1.Eleições .................................................................................................21
3. Iniciativa Popular – Seu Significado Constitucional .............................................23
3.1. Lei 9.840 de 1999 – Mobilização e Conquista de Iniciativa Popular .........27
4. Lei Complementar 135/2010 - A Lei da Ficha Limpa ...........................................33
4.1. Aplicação da Lei e os entendimentos do Poder Judiciário .................................41
4.1.1 O Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE............................43
4.1.2 O Entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF...........................48
4.1.2.1. Caso Joaquim Roriz – Recurso Extraordinário 630147 ...............49
4.1.2.2. Caso Jader Barbalho – Recurso Extraordinário 631102 ..............58
4.1.2.3. Caso Leonídio Bouças – Recurso Extraordinário 633703............60
4.1.2.4. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC 29 e 30 ..62
5. A Inconveniência da Aplicação da Ficha Limpa Sem a Observância do Princípio
da Anterioridade Eleitoral...................................................................................65
6. Conclusão ............................................................................................................69
7. Bibliografia ...........................................................................................................71
9
1. INTRODUÇÃO
Com relação aos direitos do homem, o grave problema de nosso tempo é
protegê-lo. O direito de ser representado em uma democracia por alguém probo é
um desses direitos que merece atenção. Todavia, seja esse direito de todo cidadão,
o que se vê, em geral, são os desmandos com o erário. Mensalão, propinas,
corrupção em licitações, e tantas outras ilicitudes, que há no Brasil o bordão “quem
rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é barão”.
Diante desse quadro político estarrecedor, fez-se necessário introduzir no
ordenamento jurídico pátrio uma norma que pudesse retirar da Administração
Pública os malversadores dos dinheiros públicos. Graças a esforços conjuntos entre
associações, organizações não governamentais e a sociedade civil pode-se
apresentar um Projeto de Lei de Iniciativa Popular ao Congresso Nacional que
culminou na promulgação da Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010,
cognominada Lei da Ficha Limpa.
Essa lei chama a atenção por ter alterado a Lei de Inelegibilidades e dar
concretude aos princípios elencados no artigo 14, § 9º do texto constitucional, quais
sejam, a probidade administrativa e a moralidade para o exercício do mandato. Além
disso, desde sua sanção, pelo então Presidente da República, Luiz Inácio Lula da
Silva, ela trouxe muitas polêmicas e dúvidas.
Neste trabalho, será feita uma análise histórico-jurídica da Lei da Ficha Limpa
frente ao princípio da anterioridade eleitoral, princípio este preceituado no artigo 16
do Texto Constitucional e muito debatido em sede de recursos aos Tribunais
Superiores.
Verificar-se-á o paradoxo entre os entendimentos do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) e o Supremo Tribunal Federal (STF) frente aos recursos sujeitos a
sua competência. Notar-se-á, também, que dentro do mesmo Tribunal há inúmeras
divergências entre seus Ministros quanto à aplicabilidade ou não do novel jurídico.
O objetivo desse trabalho é conhecer a importância e a aplicabilidade da Lei
da Ficha Limpa no cenário democrático nacional com base nas decisões dos
tribunais (TSE e STF). Orientando-se no sentido de explicar os institutos eleitorais e
constitucionais referentes à elegibilidade, expor a importância da sociedade na
feitura das leis de iniciativa popular, apresentar as principais decisões judiciais e
10
identificar as razões jurídicas que impediram a aplicabilidade da LC 135/2010 em
seu surgimento.
Com o fito de abordar todos os temas propostos, ele está organizado em
cinco capítulos. O primeiro capítulo dedica-se a demonstrar a forma de participação
do cidadão na esfera política brasileira.
O segundo capítulo abordará sobre a
iniciativa popular - definição constitucional e importância – como meio eficaz da
sociedade participar do processo legislativo. O terceiro capítulo abrangerá do início
da iniciativa popular para a elaboração da Lei da Ficha Limpa até o período em que
os primeiros recursos contra a lei foram interpostos. No quarto capítulo será
examinado os principais recursos interpostos contra a lei da Ficha limpa e os
entendimentos dos tribunais para a sua aplicação. O quinto e último capítulo trará
algumas considerações finais sobre os entendimentos aplicados a lei e aos casos
em concreto.
Para chegar ao ponto de vista almejado nesta monografia, de caráter
exploratório, buscou-se reconstituir o alvo do movimento que desencadeou na
apresentação do projeto e consequente aprovação. Para tanto, optou-se pela
utilização de várias fontes de pesquisa, tais como revisão de bibliografia sobre
democracia representativa, participação e mecanismos de participação popular;
artigos de jornais e revistas, além de material doutrinário e jurisprudencial, todos,
com o fim de buscar um caminho sólido para a exposição do tema.
O método de abordagem utilizado foi o dialético. Nele pode-se contrapor uma
trajetória às ideias, com intuito de alcançar um censo comum entre os temas
expostos. O método dedutivo também foi utilizado a fim de que as conclusões a
respeito dos tópicos apresentados pudessem partir do geral para o particular.
Por fim, o intento buscado foi o exaurimento do assunto abordado, a fim de
trazer uma conclusão coerente em relação ao tema exposto.
11
2. DIREITOS POLÍTICOS
Os direitos políticos são normas que asseguram ao cidadão a participação
nos negócios políticos do Estado, disciplinam a atuação popular e permitem a
participação do povo na esfera política. A Constituição Federal, em seus artigos 14 a
16, refere-se aos direitos políticos que nas palavras do mestre José Afonso da Silva
são definidas como o “conjunto de normas que regula a atuação da soberania
popular”1.
Nesta mesma seara, o constitucionalista Alexandre de Moraes conceitua
direitos políticos do seguinte modo:
É o conjunto de regras que disciplina as formas de atuação da soberania
popular, conforme preleciona o caput do art. 14 da Constituição Federal.
São direitos públicos subjetivos que investem o indivíduo no status activae
civitatis, permitindo-lhe o exercício concreto da liberdade de participação
nos negócios políticos do Estado, de maneira a conferir os atributos da
2
cidadania .
A cidadania é um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado,
delimitando o seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e
obrigações perante o Estado. Portanto, a cidadania não diz respeito somente aos
direitos políticos, mas ao conjunto de direitos fundamentais, que podem ser
constituídos individual e coletivamente.
Então, cidadão pode ser conceituado como o indivíduo titular dos direitos
políticos de votar e ser votado, adquirindo-se tal atributo com a obtenção da
qualidade de eleitor. Entretanto, “esses atributos representam apenas parcialmente
todas as possibilidades do que realmente seja o exercício da cidadania3.”
Desse modo, podemos subdividir os direitos políticos em: direito de votar e
direito de ser votado, respectivamente, cidadania ativa e passiva.
A cidadania ativa ou capacidade eleitoral ativa consiste na participação do
cidadão na democracia representativa por escolher os seus representantes. Tal
ação é feita por meio do voto.
Já a cidadania passiva ou capacidade eleitoral passiva trata-se da
possibilidade de o cidadão pleitear, mediante eleição popular, determinados
1
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 345.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed. rev. São Paulo, Atlas, 2008, p. 225.
3
LULA, Carlos Eduardo de Oliveira. Direito Eleitoral. 2 ed. Leme, SP: Imperium Editora, 2010, p.
216.
2
12
mandatos políticos. Vale salientar que para isso ocorrer é necessário o
preenchimento de certos requisitos – os quais serão abordados mais a frente.
Não se pode olvidar que a Carta Magna dita os alicerces dos direitos políticos.
Entretanto, outros diplomas infraconstitucionais – que regulamentam os dispositivos
constitucionais – regem parâmetros a serem observados no direito de cidadania.
Entre estas normas há: a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral, CE); a
Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990 (Lei de Inelegibilidades); a Lei 9.096,
de 19 de setembro de 1995 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos, LOPP); e a Lei
9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).
Os direitos políticos, segundo a doutrina, são subdivididos em positivos e
negativos. Os positivos consubstanciam-se, nas palavras do mestre José Afonso da
Silva:
Em um conjunto de normas que asseguram o direito subjetivo de
participação no processo político nos órgãos governamentais. Eles
garantem a participação do povo no poder de dominação política por meio
das diversas modalidades de direito de sufrágio: direito de voto nas
eleições, direito de elegibilidade (direito de ser votado), direito de voto nos
plebiscitos e referendos, assim como por outros direitos de participação
popular, como o direito de iniciativa popular, o direito de propor ação
popular e o direito de organizar e participar de partidos políticos. (direitos
previsto na CF: arts. 1º parágrafo único; 5º LXXIII; 14, I a III, §§ 3º e 4º; 27 §
4
4º; 29, XI; 49 XV e 61 § 2º .
O sufrágio é um direito público subjetivo democrático, que cabe ao povo nos
limites técnicos do princípio da universalidade e da igualdade de voto e de
elegibilidade. É um direito que se fundamenta no princípio da soberania popular e no
seu exercício por meio de representantes.
Já os direitos políticos negativos são entendidos como:
Aquelas determinações constitucionais que, de uma forma ou outra,
importem em privar o cidadão do direito de participação no processo político
e nos órgãos governamentais. São negativos precisamente porque
consistem no conjunto de regras que negam, ao cidadão, o direito de
eleger, ou de ser eleito, ou de exercer atividade político-partidária ou de
5
exercer função pública .
São, assim, regras que privam o cidadão, pela perda definitiva ou temporária
(suspensão), da totalidade dos direitos políticos de votar e ser votado, bem como
4
5
SILVA, 2012, p. 349.
Ibid., p. 381.
13
daquelas regras que determinam restrições à elegibilidade do cidadão, em certas
circunstâncias: as inelegibilidades.
Entretanto, o princípio que prevalece é o da plenitude do gozo dos direitos
políticos positivos, de votar e ser votado.6
Como já dito anteriormente, o sufrágio é um direito que se fundamenta no
princípio da soberania popular e no seu exercício por meio de representantes. A
Constituição Federal, no caput do artigo 14, conhece o sufrágio universal, com o
voto direto, secreto e com valor igual para todos. Um aspecto a ser salientado é que:
Apesar de ser um direito ligado diretamente a um aspecto formal do Estado
– tipicamente liberal, pois – vez que diz respeito à possibilidade de os
cidadãos influenciarem a vontade estatal, ele não pode ser reduzido ao
7
estreito mecanismo de escolha dos nossos representantes .
Nota-se, desse modo, que o direito de sufrágio não se reduz à possibilidade
de votar e ser votado, mas permite aos titulares que participem de referendo,
plebiscitos e iniciativas populares.
2.1. CIDADANIA
A cidadania é vista, no direito brasileiro, como mera condição da pessoa
natural que, como membro de um Estado, poder votar e ser votada. Verifica-se tal
definição nas palavras do professor Pedro Lenza:
Cidadania tem por pressuposto a nacionalidade (que é mais ampla que a
cidadania), caracterizando-se como a titularidade de direitos políticos de
votar e ser votado. O cidadão, portanto, nada mais é do que o nacional que
8
goza de direitos políticos .
A cidadania é entendida como condição da pessoa natural que faz parte de
um Estado membro e participa da vida política do Estado:
A nacionalidade é pressuposto da cidadania, uma vez que ser nacional é
condição essencial para o exercício dos direitos políticos. Ou seja, todo
cidadão deve ser nacional, em que pese o fato nem todo nacional ser
cidadão, pois pode não possuir plenitude de seus direitos9.
6
Trata-se de princípio fundamental que figura no artigo 21, I, da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948): Toda pessoa tem o direito de participar no Governo de seu país, diretamente ou por
meio de representantes livremente escolhidos.
7
LULA, 2010, p. 176.
8
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. atual. e ampl. São Paulo. Saraiva,
2011, p. 1022.
9
LULA, 2010, p. 214.
14
Tais noções podem ser equivocadas, uma vez que a definição de cidadania
não pode se referir tão-somente a direito políticos, muito menos só a possibilidade
de votar e ser votado.
A cidadania é, pois, um vínculo jurídico que liga o cidadão ao Estado,
delimitando o seu círculo de capacidade: o conjunto de direitos (políticos) e
obrigações perante o Estado. Significa, diante disso, “que a importância na
conceituação de cidadania, não é o individuo enquanto sujeito de direitos, mas a
própria figura do Estado, afinal, a cidadania é dada pelo Estado ao indivíduo através
da legislação”10.
O constitucionalista José Afonso da Silva ao explanar sobre o tema caminhou
no seguinte entendimento:
Cidadania qualifica os participantes da vida do Estado, é atributo das
pessoas integradas na sociedade estatal, atributo político decorrente do
direito de participar no governo e direito de ser ouvido pela representação
11
política .
Ela abrange tanto a fruição de direitos civis – direito à liberdade, à igualdade
formal perante a lei, por exemplo – quanto de direitos sociais – direito à educação, à
saúde, ao trabalho – bem como do direito de sufrágio, que pressupõe o gozo de
direitos políticos – direito de participação da vontade do Estado, seja votando ou
sendo votado.
Isso porque ser cidadão deve significar ter direitos, deveres e o poder de
exercitá-los, uma vez que a esfera política não se circunscreve meramente à esfera
estatal. A cidadania, portanto, não diz respeito só aos direitos políticos, mas ao
conjunto de direitos fundamentais, que podem ser construídos individual e
coletivamente.
A própria Constituição de 1988 dá sinais de que ela quis se referir à cidadania
num sentido mais amplo do que a titularidade de direitos políticos. Assim, a título
exemplificativo, o artigo 5º, inciso LXXVII; o artigo 62, § 1º, inciso I, alínea “a” e o
artigo 205.
10
11
Ibid., p. 215.
SILVA, 2012, p. 346.
15
Destarte, a dimensão do votar e ser votado representa apenas uma face das
possibilidades que o exercício da cidadania gera e que é concebida pelo exercício
dos direitos políticos.
2.2. INELEGIBILIDADES
As inelegibilidades são condições impeditivas do exercício da capacidade
eleitoral passiva. Retiram “a condição de ser candidato e, consequentemente, poder
ser votado”.12 Obsta à elegibilidade, por isso deve ser entendida de forma negativa,
ou seja, circunstância que impede o cidadão de pleitear a representação popular.
A Constituição traz algumas hipóteses de inelegibilidade. Prevê em seu artigo
14, § 9º, a criação de uma norma infraconstitucional para deliberar sobre o tema,
dispondo, in verbis:
§ 9º Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os
prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a
moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do
candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência
do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego
na administração direta ou indireta. (Redação dada pela Emenda
13
Constitucional de Revisão nº 4, de 1994)
Em nosso ordenamento jurídico, é conferida a Lei Complementar n.º 64/90 a
finalidade acima descrita.
Há dois critérios a serem considerados referentes à abrangência das
inelegibilidades: a absoluta e a relativa. A inelegibilidade absoluta caracteriza-se
pelo impedimento eleitoral para qualquer cargo eletivo. A pessoa que se encontra
nesta situação não pode concorrer a qualquer pleito até que a situação que a produz
seja absolutamente eliminada. Tal característica refere-se aos analfabetos e aos
inalistáveis (estrangeiros e conscritos). A inelegibilidade relativa ocorre quando há
restrições “a determinados mandados em razão de situações especiais em que, no
momento da eleição, se encontre o cidadão”14. Nesse caso, o relativamente elegível
é titular de elegibilidade, a qual não poderá ser exercida em relação a algum cargo
ou função eletiva. Temos exemplos de inelegibilidade relativa em razão de motivos
12
MORAES, 2008, p. 233.
13
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 2012.
14
SILVA, 2012, p. 390.
16
funcionais, de parentesco, exercício de determinadas funções ou cargos e as
definidas em lei.
Diante disso, verifica-se que não existe no Brasil a cassação dos direitos
políticos. A Constituição veda tal ação e trata do assunto em seu artigo 15, in verbis:
Art. 15. É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão
só se dará nos casos de:
I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado;
II - incapacidade civil absoluta;
III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus
efeitos;
IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa,
nos termos do art. 5º, VIII;
V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
Cumpre salientar que o traço distintivo entre a perda e a suspensão é a
existência de uma previsão de tempo de duração:
Quando a privação ocorre com prazo definido, fala-se em suspensão, mas
se não há prazo definido, refere-se à perda. O fato de a perda não ter tempo
definido de duração não significa que ela seja perpétua. Haverá sempre a
possibilidade de se afastar a causa da perda, restaurando-se os direitos
15
políticos.
Desse modo, há vedação expressa à cassação dos direitos políticos.
Entretanto, em casos de direitos suspensos por determinado período de tempo ou
perdidos, o individuo sofrerá o cancelamento do seu alistamento eleitoral e a
exclusão do corpo de eleitores (CE, artigo 71, II). Juntamente, poderá haver o
cancelamento da filiação partidária (LOPP, artigo 22, II); a perda de mandato eletivo
(CF, artigo 55, IV, §3º); a perda de cargo ou função pública (CF, artigo 37, I, c.c. Lei
8.112, de 1990, artigo 5º, I e III); a impossibilidade de ajuizar ação popular (CF,
artigo 5º, LXXIII); o impedimento para votar e ser votado (CF, artigo 14, § 3º, II); e a
impossibilidade de exercer a iniciativa popular (CF, artigo 61, §2º).
Como já considerado, para alguém concorrer a qualquer mandato eletivo não
pode
incidir
em
nenhuma
causa
de
inelegibilidade,
seja
ela
fixada
constitucionalmente ou através de lei complementar. Além disso, deve preencher
condições de elegibilidade, que estão dispostas no artigo 14, §§ 3º, 4º da
Constituição Federal:
15
ALBUQUERQUE, Fabrício Sarmanho. Direito Constitucional Positivo. v. 2. 2 ed. Brasília:
Vestcon, 2011, p. 167.
17
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo
voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante:
(...)
§ 3º - São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I - a nacionalidade brasileira;
II - o pleno exercício dos direitos políticos;
III - o alistamento eleitoral;
IV - o domicílio eleitoral na circunscrição;
V - a filiação partidária;
VI - a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e
Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito
Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital,
Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
§ 4º - São inelegíveis os inalistáveis e os analfabetos.
Inalistável é aquele que não está apto a integrar o colégio de eleitores,
inscrevendo-se e qualificando-se para a participação do cadastro de votantes
mantido pela Justiça Eleitoral. O alistamento é um ato jurídico complexo por meio do
qual o eleitor procura demonstrar o preenchimento dos requisitos constitucionais e
legais para votar (qualificação) e, logrando fazê-lo, vê-se admitido a integrar o
cadastro de eleitores (inscrição). Os inalistáveis estão elencados no artigo 5º16 do
Código Eleitoral, além dos casos expressos constitucionalmente: os analfabetos, os
menores de 16 anos17, os estrangeiros, durante o período de alistamento militar
obrigatório, os conscritos18 e os incapazes.
Outro caso que gera a inelegibilidade está previsto na Constituição Federal no
seu artigo 37 § 4º. É a improbidade administrativa. Ela é caracterizada pela conduta
de agentes públicos que agem de modo incorreto, desonesto, ilegal, abusivo e com
prejuízo ao erário ou com infringência aos princípios da Administração,
enriquecendo ilicitamente. Em nosso ordenamento jurídico, a Lei 8.429, de 2 de
junho de 1992, é a responsável pela regulamentação das atitudes que consistem em
atos de improbidade administrativa. São estabelecidas três hipóteses, quais sejam:
16
Art. 5º Não podem alistar-se eleitores:
I - os analfabetos; (Vide art. 14, § 1º, II, "a", da Constituição/88)
II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional;
III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos.
17
É válido lembrar que os maiores de 16 e menores de 18 anos, apesar de alistáveis, são inelegíveis.
18
São os convocados, ou melhor, recrutados, para o serviço militar obrigatório. No caso de se
engajarem no serviço militar permanente não são conscritos, e, em decorrência, José Afonso da Silva
(2012, p. 306) observa que “..soldados engajados, cabos, sargentos, suboficiais e oficiais das Forças
Armadas e Polícias Militares são obrigados a se alistarem como eleitores”.
18
os que importam enriquecimento ilícito (artigo 9º); os que causam lesão ao
patrimônio público (artigo 10); e os que atentam contra os princípios da
Administração Pública (artigo 11).
Além disso, nos termos do artigo 14, §7º da Constituição Federal, repetido
integralmente no §3º do artigo 1º da Lei Complementar 64/90, ocorre os casos de
inelegibilidade reflexa. Nesse caso, são inelegíveis no território da circunscrição do
titular, os cônjuges e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou
por adoção, do Presidente da República, do Governador de Estado, do Distrito
Federal e Território, de Prefeito ou de quem os haja substituído nos seis meses
anteriores ao pleito, a não ser que seja titular de cargo eletivo e candidato à
reeleição.
Por derradeiro, existe a obrigatoriedade da filiação partidária para a disputa
de cargos eletivos, com a antecedência mínima de um ano antes da eleição. Esse
período, porém, a critério do partido, e desde que fixado em estatuto, pode ser
superior ao prazo estipulado no artigo 20 da Lei 9.099, de 199519. Assim, aquele que
não estiver vinculado a partido político não poderá ser candidato, sendo, por
consequência, inelegível.
A incidência, portanto, das inelegibilidades ocorrem com o fito de proteger a
probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, levando em
consideração a vida pregressa do candidato e a normalidade e legitimidade das
eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício da função,
cargo ou emprego na administração direta ou indireta.
2.3. VOTO
Desde a antiguidade, já foram encontradas algumas formas de organização
social. Tanto na Grécia quanto em Roma, berço do mundo ocidental, isso foi
verificado. Os votos aconteciam em assembleias populares, as chamadas comitia e
ecclesia:
Desde a Antiguidade, o sufrágio era o direito de escolha; o voto, o ato que
assegurava e a eleição, o processo dessa escolha. As democracias gregas
tinham-nos como das mais relevantes instituições políticas. Os gregos
votavam nas assembleias populares levantando a mão ou a lança e, através
19
Art. 20. É facultado ao partido político estabelecer, em seu estatuto, prazos de filiação partidárias
superiores aos previstos em Lei, com vistas a candidatura a cargos eletivos.
19
do voto, exerciam grande papel na vida da cidade. Elaboravam-se as leis,
escolhiam-se os titulares das diversas magistraturas, julgavam-se os
criminosos e tomavam-se as mais graves deliberações por intermédio do
20
voto. O voto, nessa época, era coletivo, a descoberto e simbólico .
O voto, nesse período, era restrito a cidadãos do sexo masculino, maiores,
natos e que já houvessem cumprido o serviço militar. Os demais indivíduos eram,
pois, excluídos desse direito, quais sejam: mulheres, menores, estrangeiros e os
incapazes.
Em 1787, na Constituição americana, o sufrágio foi alçado à categoria de
direito constitucional, entretanto, o direito de votar continuava restrito. Albergava
somente os nacionais com residência mínima de um ano, os maiores de 21 anos, os
alfabetizados e os que pagassem o “imposto do voto”.
No Brasil, a primeira norma eleitoral foi elaborada em Portugal no fim da
Idade Média e aplicada até 1828, as chamadas Ordenações do Reino:
Sob a vigência desse “código”, D. João VI, mediante Decreto de 07 de
março de 1821, convocou as primeiras eleições gerais, para a escolha de
seus representantes às Cortes de Lisboa. Porém, a primeira lei eleitoral feita
no Brasil só foi publicada a 19 de junho de 1822; elaborada por
determinação de D. Pedro I, tinha como objetivo regulamentar a eleição de
uma Assembleia Geral Constituinte e Legislativa, composta de Deputados
das Províncias do Brasil21.
A Constituição do Império de 1824 estabeleceu vários critérios a fim de
conferir a alguém o direito de votar. A qualificação e, normalmente, a condição
financeira proporcionavam esse direito. A este modelo de voto restrito, atribui-se o
chamado voto censitário ou capacitário:
(...) estavam excluídos de votar nas eleições para deputados e senadores
do Império aqueles que não alcançassem renda líquida anual de cem mil
réis. Somente poderia ser eleito deputado se tivesse renda líquida anual de
duzentos mil réis22.
O primeiro Código Eleitoral brasileiro surge em 1932. Em 1934, com a
promulgação da nova Constituição a União recebeu a competência para legislar
20
NASCIMENTO, José Anderson. Tópicos de direito eleitoral: (anotações à Lei 9.504/97). São
Paulo: Ícone, 1998, p 11.
21
NASCIMENTO, 1998, p. 13.
22
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 7.
ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 542.
20
sobre matéria eleitoral e estabelecer normas relativas aos eleitores e às
inelegibilidades:
O Código Eleitoral de 1932 instituiu o voto universal, secreto e obrigatório e
criou a Justiça Eleitoral. Incorporou ao eleitorado mulheres e religiosos, mas
ainda excluiu os analfabetos, mendigos e praças de pré. (...) O Decreto nº
21.076 regulou as eleições federais, estaduais e municipais e instituiu a
23
representação proporcional .
Em 1945 foi editado um novo Código Eleitoral. No ano seguinte, 1946, um
novo texto constitucional foi promulgado:
A Constituição de 1946, que, entre outros avanços, estabeleceu: a)
representação proporcional; b) inelegibilidade dos analfabetos, praças de
pré, salvo os aspirantes a oficiais, os suboficiais, os subtenentes, os
sargentos e os alunos das escolas militares de ensino superior; c) voto
obrigatório para maiores de 18 anos de ambos os sexos, sucedeu o quarto
Código Eleitoral do Brasil, resultante da Lei nº 1.164, de 24 de julho de
1950. No Código Eleitoral de 1950, o sufrágio e o voto eram como hoje,
universal e direto, obrigatório e secreto; havia o sistema proporcional e
majoritário; as Juntas Especiais passaram a ser juntas Eleitorais, com
competência para apurar as eleições realizadas nas zonas eleitorais sob
sua jurisdição; o eleitor tinha que requerer o alistamento, não se
procedendo mais de ofício; dedicou-se, pela primeira vez, capítulo próprio
para a propaganda partidária, restringindo ou garantindo seu exercício; deu
aos juízes eleitorais competência plena em matéria criminal eleitoral,
ressalvando apenas a competência originária dos tribunais; autorizou a
aplicação subsidiária ou supletiva do Código de Processo Penal, mas
silenciou em relação ao Código Penal24.
No período compreendido entre 1964 e 1985 – Ditadura Militar – foram
reformuladas as organizações partidárias e extinguiram-se os partidos políticos, por
meio do Ato Institucional n.º 2 (AI-2). Neste cenário político surgiram a Aliança
Renovadora Nacional (ARENA) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Em 15 de julho de 1965, pela Lei 4.737, instituiu-se, o atual Código Eleitoral
(CE). Esse Código trouxe alteração substancial na legislação brasileira, pois passou
a cuidar tão-somente da organização dos eleitores e das eleições. Ainda no regime
militar surgiram documentos legislativos que merecem menção, como as revogadas
Lei 5.453, de 1968, e a Lei Complementar 5, de 1970 – antiga Lei das
Inelegibilidades.
Tal Código foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, a qual dispôs
sobre a soberania popular ser exercida por intermédio do voto direto e secreto,
23
24
NASCIMENTO, 1998, p. 15.
Ibid., p. 16.
21
universal e com valor igual para todos. Além disso, reconheceu o direito de votar aos
analfabetos, ainda que estes não sejam obrigados a exercê-lo.
Assim, discriminações entre eleitores em razão de sua qualificação ou
situação econômica foram sanadas pela Carta Republicana atual.
2.3.1. Eleições
Nem sempre houve eleições livres no Brasil, daí a disputa pelos cargos
políticos e a escolha de candidatos sem supressão das liberdades, ser um fenômeno
recente. A evolução político-constitucional brasileira foi marcada por percalços e
retrocessos. Entre a primeira Constituição, de 1824, outorgada na Era Imperial, e a
atual, de 1988, foram editadas outras seis, sem contar com atos institucionais e
emendas, algumas das quais, como, por exemplo, a de numero 1 de 1969, que
substituiu o texto até então vigente. Contando as oito Constituições, apenas a
metade pode ser tomada como originária da vontade popular ou classificada como
democrática25.
Nos períodos antidemocráticos, os textos constitucionais tratavam as eleições
como assunto sem importância. Embora o tema não faltasse em nenhuma delas. A
Constituição de 1824 abordava sobre o assunto no artigo 90, estabelecendo que as
nomeações de deputados, senadores e de membros de conselhos gerais das
províncias seriam feitos por eleições indiretas, cujo processo iniciava com as
assembleias paroquiais, nas quais os cidadãos daquele tempo selecionavam os
eleitores das províncias e estes escolhiam os representantes das províncias e da
nação.
A Constituição monárquica estabelecia como requisitos para a aquisição do
direito ao sufrágio: a) nacionalidade brasileira; b) idade mínima de 25 anos,
salvo para casados, os oficiais militares de 21 anos, os bacharéis formados
e os clérigos de ordens sacras; c) renda líquida mínima de cem mil réis por
bens de raiz, indústria, comércio ou emprego. Dividia os eleitores em dois
graus, os de assembleias primárias (municípios ou paróquias), e os de
assembleias secundárias (conselheiros ou deputados provinciais,
deputados e senadores), exigindo para estes renda líquida de duzentos mil
26
réis anuais.
25
São elas a Constituição de 1891, que inaugurou a fase republicana, conduzida pelo militares de
então; a de 1934, que cuidou da ordem econômica e social; a de 1946, que se preocupou com a
redemocratização, depois do Estado Novo de Vargas; e a de 1988, que pretendeu implantar o
paradigma da soberania popular (Lôbo, 2010, p. 9).
26
NASCIMENTO, 1998, p. 14.
22
Superada a Constituição imperial pela primeira da Era Republicana, o texto de
1891 trazia em seu artigo 47 a proposta de eleições diretas, permanecendo a
restrição à população de eleitores, excluindo deliberadamente as mulheres e
permitindo a participação somente aos maiores de vinte e um anos que se
alistassem na forma da lei.
Em 1934, após a revolução de 1930, promulgou-se uma nova Constituição,
apresentando uma redação muito próxima a da atual e quase igual à de 1946, com
traços democráticos jamais vistos e extensa preocupação com os direitos sociais, na
qual vinha o artigo 2º: “Todos os poderes emanam do povo e em nome dele são
exercidos.” É nesta Carta que ocorre a inserção da justiça eleitoral entre os órgãos
do poder judiciário.
Com a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, veio a Constituição de
1937, que concentrava poderes no Presidente da República, que elegia os
mandatários. Como era considerado autoridade suprema do Estado, detinha o poder
de indicar um dos candidatos à Presidência da República, os quais se submetiam à
eleição indireta pelo Colégio Eleitoral.
Em 1946, após a Segunda Guerra Mundial, promulgou-se a Constituição de
1946, a quinta da história brasileira. Ela estabelecia que todo poder emanava do
povo e em seu nome seria exercido. Estabeleceu no artigo 134 que “o sufrágio é
universal e, direto; o voto é secreto; e fica assegurada a representação proporcional
dos Partidos Políticos nacionais, na forma que a lei estabelecer”.
Esta Constituição foi substituída pela de 1967, criada para reger o governo
dos militares instalado em março de 1934. Sobre as eleições, ela fixava as de
deputado e senador em todo país simultaneamente. Enquanto que a de Presidente,
assim como a 1937, determinava que o cargo seria provido mediante eleições
indiretas, dentre o escolhido pelo Colégio Eleitoral.27
Nesse tempo, a Carta de 1967 foi bastante alterada pela Emenda n. 1 de
1969. Além disso, o país era governado por decretos, um dos quais, denominado
Ato Institucional n. 5, de 13 de dezembro de 1968. O AI-5, como era chamado,
fechou o Congresso Nacional e suspendeu as garantias públicas, alterando
substancialmente a Constituição em vigor.
27
Esse órgão era composto por membros do Congresso Nacional e de Delegados indicados pelas
Assembleias Legislativas dos Estados, criteriosamente controlados pelos militares no poder (LOBO,
p. 13)
23
Após mais de duas décadas de ditadura militar, o Brasil estabeleceu o
paradigma do Estado Democrático de Direito. Em 5 de outubro de 1988, foi
promulgada a Constituição cidadã, “a qual alterou a anatomia tradicional dos textos
que a antecederam, inclusive em matéria eleitoral”28. Reconheceu a soberania
popular exercida pelo povo, que o exerce por meio de representantes ou
diretamente. Ainda estabeleceu como cláusula pétrea o voto, direto, secreto,
universal e periódico.
Assim, o modelo da democracia participativa estabelecido pela Carta de 1988
fixou o referente lógico para o exercício das funções estatais básicas, legitimadas
pela ampla participação e pelo controle popular.
3. INICIATIVA POPULAR – SEU SIGNIFICADO CONSTITUCIONAL
Iniciativa é um ato que desabrocha o processo legislativo. É aquele que
propõe a feitura de um novo direito. É um ato simples, ou seja, ‘um ato emanado por
um sujeito ou órgão, no qual está concentrado o poder de editá-lo’. Assim, tal ato:
É uma declaração de vontade, que deve ser formulada por escrito e
articulada. Ato que se manifesta pelo depósito do instrumento, do projeto,
29
em mãos da autoridade competente.
A
Constituição
Federal
de
1988
consagrou,
em
seu
texto,
mais
especificamente em seu artigo 61, § 2º, a possibilidade de o processo legislativo ser
desencadeamento por meio de iniciativa popular. Vejamos:
Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer
membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do
Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal
Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara
dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Com o advento da Carta Magna de 1988, acresceu-se ao povo esta
competência. Ela será exercida pela apresentação de Projeto de Lei de Iniciativa
28
LOBO (2010, p. 14)
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 7. ed. rev. e atual. São Paulo:
Saraiva, 2012, p. 228.
29
24
Popular à Câmara dos Deputados. Há, porém, requisitos a serem considerados para
a proposição de um projeto de lei. É necessária a subscrição de no mínimo 1% dos
eleitores brasileiros, aproximadamente 1,4 milhão de eleitores que consintam com o
projeto.
Além disso, é necessário que as assinaturas sejam colhidas, no mínimo,
dentre 5 estados brasileiros com não menos de 0,3% de eleitores da respectiva
unidade federativa acompanhada do nome completo, endereço e número do título
eleitoral.
A regulamentação infraconstitucional que trata da iniciativa popular de leis
está elencada na Lei 9.079, de 199830:
LEI N° 9.709, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1998.
(...)
Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de Projeto de Lei à
Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
§ 1°. O Projeto de Lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só
assunto.
§ 2°. O Projeto de Lei iniciativa popular não poder á ser rejeitado por vício de
forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente,
providenciar a correção de eventuais impropriedades de técnica legislativa
ou de redação.
Art. 14. A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das
exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará
seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento
Interno.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados também discorre, em
detalhe, no artigo 252, as condições para a apresentação de projetos de lei de
iniciativa popular:
30
BRASIL. Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998. Regulamenta a execução
do disposto nos incisos I, II e III do artigo 14 da Constituição Federal. Vade Mecum
Universitário de Direito Rideel, 9 ed. São Paulo, p. 1149-1150, 2011.
25
REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
RESOLUÇÃO N° 17, de 1989.
TÍTULO VIII
DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL
CAPÍTULO I
DA INICIATIVA POPULAR DE LEI
(...)
Art. 252. A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara
dos Deputados de Projeto de Lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do
eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não
menos de três milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as
seguintes condições:
I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome
completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral;
II – as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado,
Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da
Câmara;
III – será lícito à entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação de
Projeto de Lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela
coleta das assinaturas;
IV – o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral
quanto ao contingente de eleitores alistados em cada Unidade da
Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano
anterior, se não disponíveis outros mais recentes;
V – o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que
verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua
apresentação;
VI – o Projeto de Lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos
demais, integrando a numeração geral das proposições;
VII – nas Comissões ou em Plenário, transformado em Comissão Geral,
poderá usar da palavra para discutir o Projeto de Lei, pelo prazo de vinte
minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da
apresentação do projeto;
VIII – cada Projeto de Lei deverá circunscrever-se a um único assunto,
podendo, caso contrário, ser desdobrado pela Comissão de Constituição e
Justiça e de Cidadania em proposições autônomas, para tramitação em
separado; (Inciso com redação adaptada à Resolução n° 20, de 2004)
IX – não se rejeitará, liminarmente, Projeto de Lei de iniciativa popular por
vícios de linguagem, lapsos ou imperfeições de técnica legislativa,
incumbindo à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania escoimálo dos vícios formais para sua regular tramitação; (Inciso com redação
adaptada à Resolução n° 20, de 2004)
X – a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao Projeto de Lei
de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidos por este
Regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem
tenha sido, com a sua anuência, previamente indicada com essa finalidade
pelo primeiro signatário do projeto.
No Brasil, até hoje, foram seis as iniciativas populares. Porém, somente
4 projetos de iniciativa popular que cumpriram as exigências constitucionais foram
26
aprovados em lei pelo Congresso Nacional31. São eles: a Lei dos Crimes Hediondos,
a Lei que instituiu o Fundo Nacional de Habitação, a Lei que coíbe a captação ilícita
de sufrágio e a Lei da Ficha Limpa.
O primeiro projeto de iniciativa popular entregue ao Parlamento foi o PL2710/1992, protocolado em janeiro de 1992, pelo Movimento Popular de Moradia.
Entretanto, a sua aprovação ocorreu somente no ano de 2005, ou seja, 17 anos
após a sua apresentação. O texto aprovado deu origem à Lei 11.124, de 2005 que
dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social e cria o Fundo
Nacional de Habitação de Interesse Social. O projeto de lei foi assinado pelo
deputado Nilmário Miranda, do Partido dos Trabalhadores (PT-MG), em razão de
não ter sido possível ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE), a pedido da Câmara dos
Deputados, proceder a conferência das assinaturas. Uma vez que na época não
havia um cadastro unificado de eleitores.
O segundo, o PL-4146/1993, foi apresentado após a ocorrência de um fato de
repercussão nacional. O assassinato da atriz Daniela Perez, filha da dramaturga
Glória Perez. Esta realizou uma grande campanha para coleta de assinaturas que
contou com o apoio da Rede Globo de televisão. Todavia, a proposta não conseguiu
a quantidade de assinaturas necessárias e o então Presidente da República, Itamar
Franco, decidiu subscrever o projeto e encaminhá-lo ao Congresso Nacional como
se fosse de sua autoria. Assim, a Lei 8.930, de 6 de setembro 1994 que modificou a
Lei dos Crimes Hediondos – Lei 8.072, de 1990 foi promulgada.
O terceiro projeto de iniciativa popular de lei foi uma petição, sem dados do
título de eleitor daqueles que o subscreviam e também tratou sobre o tema da lei de
crimes hediondos. Ele foi originado pelos pais do garoto Ives Ota, que aos oito anos
de
idade
fora
seqüestrado
e
assassinado.
Na
ocasião,
recolheram-se,
aproximadamente, três milhões de assinaturas para tornar mais rígida a pena para
casos similares a esse, e previa o aumentando de 30 para 100 anos de prisão para
os assassinos. As assinaturas foram entregues ao Congresso Nacional em treze de
maio de 1999, mas o projeto foi considerado inconstitucional e não chegou a
tramitar. Em 2010, a mãe do menino, Keiko Ota, foi eleita deputada federal pelo
31
As iniciativas aqui relatadas foram descritas por consulta feita ao site da
Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br >. Acesso em: 21
set. 2012.
27
PSB-SP e pediu o desarquivamento do projeto. O texto original está sendo alterado
para se adequar à Constituição.
A quarta iniciativa popular de lei, o PL-1517/1999, tinha por objeto dispor
sobre os mecanismos que a Justiça Eleitoral deveria se valer para preservar a lisura
dos pleitos. Esse PL resultou na Lei nº 9.840, de 28 de setembro de 1999. Por sua
pertinência e por ser uma das precursoras da Lei da Ficha Limpa, essa norma será
abordada no próximo tópico.
A quinta iniciativa popular de lei foi o PL-7053/2006, proposta pelo Movimento
― Gabriela Sou da Paz, criada após a morte de uma adolescente por uma bala
perdida no metrô na cidade do Rio de Janeiro. O projeto, entregue em março de
2006 e subscrito por 1,4 milhão de pessoas, tem como objetivo tornar mais rigorosa
a pena do condenado por crimes hediondos. As assinaturas também foram colhidas
na forma de petição, ou seja, sem os dados de título de eleitor, e foi protocolado por
meio do Deputado Antonio Carlos Biscaia (PT-RJ) e outros cinco parlamentares.
Desde então o projeto segue tramitando na Câmara, agora apensado ao PL4911/05.
A sexta, refere-se à apresentação da lei contra a corrupção eleitoral32. Com
mais de 1,6 milhão de subscrições, o Projeto de Lei Complementar, PLP-518/2009,
foi protocolado pelo Deputado Antonio Biscaia (PT-RJ) juntamente com outros 32
parlamentares, e resultou na Lei Complementar nº 135, de 4 de Junho de 2010,
conhecida como Ficha Limpa. Por ser objeto do trabalho, também, será considerada
mais a frente.
3.1. LEI 9.840 DE 1999 – MOBILIZAÇÃO E CONQUISTA DE INICIATIVA
POPULAR
Da mobilização da sociedade civil surgiu a quarta iniciativa popular,
mas terceira lei a ser aprovada. A Lei 9.840, de 29 de setembro de 1999 que dispôs
sobre os mecanismos de que a Justiça Eleitoral deveria se valer para preservar a
lisura dos pleitos.
32
http://g1.globo.com/especiais/eleicoes-2010/noticia/2010/05/ficha-limpa-e-o-quarto-projeto-deiniciativa-popular-se-tornar-lei.html; acessado em 21/09/2012.
Exemplo; KELLY, Ross. Electronic publishing at APS: its not just online journalism. APS News Online, Los Angeles, nov. 1996.
Disponível em: <http://www.aps.org/apsnews/1196/11965.html>. Acesso em: 13 jan. 2003.
28
Em fevereiro de 1997 a Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP),
organismo sem personalidade jurídica ligado à Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), lançou o projeto “Combatendo a Corrupção Eleitoral”. Em abril do
mesmo ano, o projeto foi submetido à deliberação por parte da 35ª Assembleia Geral
da CNBB. Após debate, o projeto foi aprovado junto com uma agenda de atividades
com o intuito de mobilizar a sociedade brasileira em torno do tema: a compra de
votos.
Foi realizada pesquisa – pelo Instituto Data Brasil da Universidade
Cândido Mendes do Rio de Janeiro – a fim de se verificar até que ponto a população
concordava ou não com a prática da compra de votos. Tal pesquisa foi feita por meio
de questionários, compostos de cinquenta questões, encaminhados para espaços
da Igreja Católica e pessoas interessadas no projeto.
A resposta ao questionário deveria se dar por intermédio de grupos
formados para debater as perguntas apresentadas a fim de chegar-se a
consensos. Isso – opção pela realização de uma pesquisa prévia e a
conjugação de opiniões para a concessão das respostas – era parte da
estratégia que contemplava não apenas a construção de um projeto popular
de legislação, mas envolvia a própria motivação dos participantes para que
33
assumissem uma postura diante do tema da corrupção eleitoral.
Num processo que levou quase um ano, e quase 300 questionários
devolvidos à CBJP, foi confirmada a prática, em todo o país (pela distribuição
geográfica das respostas), do “toma lá dá cá”, ou seja, a troca de bens e vantagens
aos eleitores pelo voto. Nesse momento, iniciaram-se as audiências públicas que
aconteceram entre novembro de 1997 e julho de 199834.
Em 27 de abril de 1998, apresentou-se aos presentes, na 36ª Assembléia
Geral da CNBB, o Projeto de Lei os primeiros resultados da pesquisa. No dia
seguinte, os participantes da Assembléia decidiram apoiar o lançamento da coleta
de assinaturas para a Iniciativa Popular. A partir daí, várias entidades nacionais,
religiosas e civis, foram convidadas a apoiar a Iniciativa Popular. Na lista abaixo,
seguem os nomes dos apoiadores da campanha em alguma de suas fases:
33
REIS, Márlon. Direito Eleitoral Brasileiro. Brasília: Alumnus, 2012, p. 44.
As primeiras foram realizadas em São Paulo, em 20 de novembro de 1997, e em 29 do mesmo
mês, em Petrolina, Estado de Pernambuco. As demais realizaram-se em 1998, em geral combinadas
com um debate sobre a questão da corrupção eleitoral: em 2 e 3 de Março em Belém do Pará, em 11
e 12 de maio em Fortaleza, em 15 de maio novamente em São Paulo, em 5 de junho em Curitiba, em
26 desse mesmo mês em Goiânia, em 31 de julho em Santos, São Paulo. Informações do site oficial
do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE): http://www.mcce.org.br.
34
29
ABESC - Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas
ABI - Associação Brasileira de Imprensa
ABONG - Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais
Ação da Cidadania - São Paulo - SP
ADI - Associação para o Desenvolvimento da Intercomunicação - São Paulo
- SP
AEC - Associação de Educação Católica do Brasil
AJD - Associação Juizes para a Democracia - São Paulo - SP
ANDES - Sindicato Nacional de Docentes das Instituições de Ensino
Superior
ANDI - Agência de Notícias de Defesa da Criança
ANSUR - Associação Nacional do Solo Urbano - São Paulo - SP
ASSESSOAR – Assoc. de Estudos, Orientação e Assistência Rural Francisco Beltrão - PR
Associação de Entidades do Canal Comunitário de Goiânia - Goiânia - GO
Caritas Brasileiras
CEARAH Periferia - Centro de Estudos , Articulação e Referência sobre
Assentamentos Urbanos - CE
CECIP - Centro de Criação de Imagem Popular - Rio de Janeiro - RJ
Centro Cida Romano de Formação de Educadores - São Paulo - SP
CERIS - Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais
CETRA - Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador Fortaleza - CE
CIMI - Conselho Indigenista Missionário
CIVES - Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania
CJP - Belém - Comissão Justiça e Paz - Regional Norte II
CJP - Brasília - Comissão Justiça e Paz - Brasília
CJP - Ceará - Comissão Justiça e Paz - Regional Nordeste I
CJP - São Paulo - Comissão Justiça e Paz - São Paulo
CNL - Conselho Nacional de Leigos
CONIC - Conselho Nacional de Igrejas Cristãs
CPO - Comissão Nacional de Pastoral Operária
CPT - Comissão Pastoral da Terra
CRB - Conferência dos Religiosos do Brasil
CUT - Central Única dos Trabalhadores
DIAP - Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar – Brasília DF
FAOR - Fórum da Amazônia Oriental - Belém - PA
FASE - Federação dos Órgãos para Assistência Social e Educacional
Fé e Alegria - Fundação Fé e Alegria - Rio de Janeiro - RJ
FENAJ - Federação Nacional dos Jornalistas
Força Sindical
IBASE - Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Rio de
Janeiro - RJ
IBRADES - Instituto Brasileiro de Desenvolvimento – Brasilia - DF
INESC - Instituto de Estudos Sócio-Econômicos – Brasilia - DF
JCJC - Movimento Nacional Juventude Comunidade Justiça Cidadania
MEB - Movimento de Educação de Base
MNDH - Movimento Nacional dos Direitos Humanos
Movimento do Ministério Público Democrático
Movimento dos Focolares - Região Centro-Sudeste
MST - Movimento Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
OAB - Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
PACS - Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – Rio de Janeiro RJ
Pastoral Carcerária
Pastoral da Criança
PJB - Pastoral da Juventude do Brasil
PNBE - Pensamento Nacional das Bases Empresariais
POLIS - Instituto Polis - São Paulo - SP
30
PU - Pastoral Universitária
SAPÉ - Serviços de Apoio à Pesquisa em Educação - Rio de Janeiro - RJ
Sociedade Goiana de Cultura - Goiânia – GO
Apesar de todo apoio, até abril de 1999 somente a metade do número de
assinaturas havia sido alcançado, cerca de quinhentas mil assinaturas. Entretanto,
um escândalo envolvendo vereadores da Câmara Municipal de São Paulo,
conhecido como a Máfia dos Fiscais, chamou a atenção da mídia e da população.
Com escandaloso caso de corrupção de políticos, vários canais noticiaram os
fatos e alertaram a população sobre a campanha:
Francisco Whintaker Ferreira telefonou para a Rede Globo de Televisão na
cidade de São Paulo para propor uma matéria que ligasse os dois fatos: a
corrupção praticada por vereadores eleitos por meio da compra de votos e a
campanha para criar uma lei que punisse com mais eficiência os praticantes
35
de corrupção eleitoral.
A matéria foi ao ar, primeiramente, no jornal local da cidade de São
Paulo. No dia seguinte, uma matéria semelhante foi apresentada no Jornal Nacional,
programa de maior audiência no país. Isso resultou em uma procura intensa por
parte de novos apoiadores de todos os cantos do país. Tanto que em 10 de agosto
de 1999, às 15 horas, o projeto de lei de iniciativa popular foi entregue ao então
Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer.
A apresentação do projeto dependeria da assinatura de mais de um
milhão de eleitores ativos, que foram distribuídos da seguinte maneira:
35
REIS, 2012, p. 49.
Acre
937
Alagoas
13.362
Amazonas
4.777
Amapá
1.584
Bahia
24.596
Ceará
46.504
Distrito Federal
27.727
Espírito Santo
53.144
Goiânia
24.720
31
Maranhão
5.769
Minas Gerais
173.722
Mato Grosso do Sul
5.348
Mato Grosso
9.642
Pará
24.688
Paraíba
11.713
Pernambuco
16.249
Piauí
10.304
Paraná
92.847
Rio de Janeiro
32.415
Rio Grande do Norte
3.993
Rondônia
2.446
Roraima
98
Rio Grande do Sul
37.632
Santa Catarina
13.420
Sergipe
4.587
São Paulo
393.259
Tocantins
1.895
Diversos
1.797
TOTAL
1.039.175
Os idealizadores do projeto tinham a ideia de aprovar o projeto antes de 30 de
setembro de 1999, a fim de que a lei aprovada pudesse ser aplicada nas eleições do
ano 2000. O primeiro turno das eleições do ano seguinte ocorreria no dia 1º de
outubro.
Com o intuito de evitar a contestação da lei oriunda da iniciativa popular, o
projeto foi subscrito também por parlamentares. Foram os seguintes deputados
subscritores:
•
•
•
•
•
•
Albérico Cordeiro – Partido Trabalhista Brasileiro
Aldo Rebelo – Partido Comunista Brasileiro
Antonio Carlos Biscaia – Partido dos Trabalhadores
Antonio Medeiros – Partido da Frente Liberal
Arnaldo Faria de Sá – Partido Progressista Brasileiro
Cabo Júlio – Partido Liberal
32
•
•
•
•
•
Fernando Gabeira – Partido Verde
Gustavo Fruet – Partido do Movimento DEmocrátivo Brasileiro
João Hermann Neto – Partido Popular Socialista
Luiza Erundina – Partido Socialista Brasileiro
Zulaiê Cobra Ribeiro – Partido do Social Democrata Brasileira.
As assinaturas dos parlamentares foram dispostas em ordem alfabética para
que nenhum dos subscritores assumisse a responsabilidade pela apresentação do
projeto. A Câmara reconheceu, oficialmente, que o projeto foi apresentado por
iniciativa popular e parlamentar. Isso pode ser verificado na justificativa do projeto
que possui as seguintes considerações:
Os Deputados que apresentam este Projeto de Lei, assumindo-o como seu,
o fazem no intuito de permitir que o mesmo possa começar imediatamente
sua tramitação no Congresso Nacional, considerando que estarão, dessa
forma, contribuindo para que o anseio de sociedade brasileira por uma
democracia sem distorções possa ser acolhido pleo Congresso Nacional,
com a relevância e a urgência que merece o fato de estar sendo expresso
por um milhão de brasileiros, de todos os rincões do país, no uso de um
instrumento de participação popular extremamente importante, mas ainda
pouco utilizado pelos cidadãos brasileiros.
Os subscritores deste Projeto convidam os demais Deputados a igualmente
o subscreverem, e em seguida deliberarem a seu respeito e o aprovarem no
prazo necessário a que a Lei promulgada possa vigiar nas eleições do ano
2000. O Congresso Nacional estará dessa forma marcando o início do novo
Milênio com um passo decisivo no esforço em que estamos todos
empenhados pela valorização do voto do cidadão e da função parlamentar.
A tramitação do projeto iniciou no dia 18 de agosto de 1999, com o número
1.517/1999. O texto foi encaminhado a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da
Câmara e sofreu pequenas alterações.
Foi, desse modo, encaminhado para apreciação no Plenário daquela Casa.
Foi discutido nos dias 16 e 21 de setembro de 1999. Sendo relevante salientar que,
após duas horas da reunião de líderes partidários e do Presidente da Câmara dos
Deputados, o projeto foi aprovado no dia 21 (terça-feira) às 14 horas.
Uma hora após sua aprovação, ou seja, às 15 horas, o projeto já estava
sendo lido no Senado Federal e, imediatamente, encaminhado à respectiva
Comissão de Constituição e Justiça, a qual aprovou o texto na manhã do dia 22.
Neste mesmo dia, à tarde, o Senado aprovou um requerimento de tramitação em
regime de urgência. No dia subseqüente (quinta-feira, 23 de setembro) discutiu-se o
projeto e, às 13 horas e 45 minutos o aprovou. A proposição seguiu imediatamente
para a sanção do então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso.
33
A sanção presidencial aconteceu após cinco dias. Nascia a Lei n.º 9.840,
publicada em 29 de setembro de 1999 no Diário Oficial da União.
É interessante notar a rapidez com que esta lei foi aprovada. Foram 41 dias
da apresentação do projeto à Câmara até a sua publicação. Isso destaca a força e o
comprometimento das entidades engajadas em munir a Justiça Eleitoral com meios
de reprimir e punir a captação ilícita de sufrágio.
4. LEI COMPLEMENTAR 135/2010 - A LEI DA FICHA LIMPA
A Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010, também chamada “Lei da
Ficha Limpa”, surgiu com o fito de alterar a Lei Complementar n.º 64, de 18 de maio
de 1990 – Lei das Inelegibilidades – a qual foi criada em conformidade com o artigo
14, §9.º da Constituição Federal. A adequação do projeto se dava por acrescentar
ao texto da LC 64/90 os casos de inelegibilidade que protegeriam a probidade
administrativa, a moralidade para o exercício do mandato levando em consideração
a vida pregressa do candidato.
Vale lembrar que o artigo 1º da Emenda de Revisão n.º 4, de 7 de junho de
1994 acrescentou ao artigo 14, § 9.º, as expressões: “probidade administrativa,
moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato
e a fim de proteger”36, entretanto a Lei de Inelegibilidades não acompanhou as
alterações dessa emenda, o que impossibilitou o cumprimento da norma e criou um
vazio na legislação.
Diante disso, o projeto se mostrava necessário e oportuno a fim de abranger
as novas possibilidades impostas pelo texto constitucional. Assim, em 10 de
dezembro de 2007, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE)
deflagrou a “Campanha Ficha Limpa”.
No momento em que o MCCE decidiu elaborar a proposta, havia alguns
projetos de iniciativa parlamentar com o escopo de alterar a Lei de Inelegibilidades
que tramitavam no Congresso. E todos estavam parados no Congresso.
36
A nova redação do artigo 14.§ 9º da Constituição Federal passou a vigorar com a seguinte redação:
“Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim
de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a
vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder
econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta”.
34
Pode-se citar como exemplo o Projeto de Lei Complementar n.º 203, de
2004, cuja autoria foi dos deputados federais Chico Alencar e Antônio Carlos
Biscaia, ambos do Partido dos Trabalhadores do Estado do Rio de Janeiro (PT-RJ),
no qual apresentava, na exposição de motivos, a razão da importância de aprovarse aquele projeto de lei que tramitava na Casa:
Levantamento do jornal O GLOBO de 5/9/2004, dando conta de que 20%
dos candidatos às eleições municipais do Rio de Janeiro (40% na Baixada
Fluminense!) respondem a processos, alguns por crimes graves, como
homicídio e tráfico de drogas, sensibilizou a opinião pública, que passou a
exigir uma tomada de posição, do Judiciário e do Legislativo, no sentido de
pôr termo a essa situação esdrúxula. Ante o fato, o Presidente do Tribunal
Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro (TRE-RJ), Desembargador
Marcus Faver, alegando que a Constituição estabelecia o princípio da
moralidade como requisito à candidatura, anunciou que impugnaria todos os
candidatos que estivessem respondendo a processos criminais e que
divulgaria a lista com os seus nomes. Como o Direito brasileiro,
corretamente, consagra a presunção de inocência até prova em contrário,
ou seja, até que o indiciado seja declarado definitivamente culpado,
anunciou-se que os candidatos, valendo-se do fato de que sobre eles não
pesava sentença transitada em julgado, recorreriam aos Tribunais
Superiores para revogarem a hipotética decisão do TRE-RJ. Com isso,
poderiam permanecer na disputa e, pior, vitoriosos no pleito, ganhariam
imunidade e foro privilegiado, já que a Lei garante esse benefício aos que
têm mandato.
A polêmica surgida não produziu unanimidade nem consenso entre os
juízes do TRE-RJ sobre a tese defendida pelo Presidente daquela corte. Por
outro lado, ministros do Tribunal Superior Eleitoral também levantaram
óbices à anunciada iniciativa do Desembargador Marcus Faver, o que
provocou um recuo, tendo o Presidente do TRE fluminense divulgado uma
lista com somente três candidatos impugnados por processos criminais. E
desistiu de divulgar os demais nomes, responsabilizando os partidos
políticos pelo lançamento de candidatos processados criminalmente. E
exortando o Legislativo a estabelecer novas e necessárias vedações, que,
37
obviamente, não são penas criminais.
A proposta original elaborada pelo MCCE fundava-se nas premissas de não
ser recomendável a candidatura de pessoas que pairem, contra elas, condenações
criminais emitidas por certos âmbitos do Poder Judiciário; daqueles que foram
parlamentares, mas para fugir de possíveis punições, renunciaram ao cargo para
evitar abertura de processo por quebra de decoro ou por desrespeito à Constituição;
e daqueles que foram condenados pela
compra de votos ou uso eleitoral da
máquina administrativa.
37
ALENCAR, Chico; BISCAIA, Antônio Carlos. Projeto de Lei Complementar 203/2004. Câmara
dos Deputados Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idP
roposicao=264755>. Acesso em: 10 out. 2012.
35
Propunha, ainda, que o período de impedimento da candidatura aumentaria
de três para oito anos, além disso, tornar mais célere os processos judiciais sobre
abuso de poder nas eleições e que as sentenças proferidas, mesmo que coubessem
recursos, fossem imediatamente executadas.
Em maio de 2008, o projeto de iniciativa popular foi então apresentado na
Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que é uma das
integrantes do movimento, e aprovado por unanimidade pelos presentes. A partir
daí, iniciou-se a coleta de assinaturas.
Utilizando-se o paradigma da campanha anterior – “Combatendo a Corrupção
Eleitoral” – o MCCE começou a coletar assinaturas em universidades e igrejas em
horário de missa. Publicou folhetos explicativos acerca da temática do Movimento
Ficha Limpa e organizou reuniões para dialogar com a sociedade sobre a
importância da inserção da população para a aprovação do projeto e o
fortalecimento da democracia brasileira:
Não é difícil entender o porquê da rápida adesão de centenas de
organizações sociais e de milhares de voluntários que, até setembro de
2009, conseguiram obter o número exigido pela Constituição para a
38
apresentação da nova iniciativa popular de projeto de lei.
A coleta do correspondente a 1% do eleitorado nacional à época durou
aproximadamente um ano e meio e alcançou mais do que o necessário que era 1,3
milhão de assinaturas. A proposição foi recebida na Câmara dos Deputados, em 29
de setembro de 200939, pelo então Presidente, Michel Temer, e autuada como
Projeto de Lei Complementar 518, de 2009 (PLP 518/2009). Interessante notar que
mesmo após a entrega ao Congresso Nacional, assinaturas continuaram a chegar e
somaram mais de 1,6 milhão de subscrições:
O Projeto Ficha Limpa, agora Lei Complementar nº 135/2010, nasceu da
mobilização da sociedade no sentido de melhorar a qualidade dos quadros
políticos no País. Mais de 1,6 milhão de assinaturas presenciais, sem contar
as adesões pelo correio eletrônico, elevaram a participação popular ao
expressivo número de 4 milhões de cidadãos diretamente empenhados com
40
essa mudança.
38
REIS, 2012, pg. 56.
Comemorava-se o 10º aniversário da aprovação da Lei 9.840/99.
40
CAVALCANTE JUNIOR, Ophir. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Ficha limpa – a vitória da
sociedade: comentários à Lei Complementar 135/2010. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2010,
p.9.
39
36
Tal número expressivo se deve ao apoio da mídia e da sociedade civil
organizada. Entretanto, o uso da internet, sem dúvida, possibilitou o rápido acesso
as informações do movimento e o respectivo apoio à proposta.
Pela inviabilidade de se conferir as assinaturas, muitos deputados se
prontificaram em assinar o projeto. Ao todo 33 deputados subscreveram o projeto
que foi protocolado e autuado com o número 518/2009. Os subscritores foram41:
41
•
Antonio Carlos Biscaia (PT/RJ)
•
Arnaldo Jardim (PPS/SP)
•
Camilo Cola (PMDB/ES)
•
Carlos Sampaio (PSDB/SP)
•
Celso Maldaner (PMDB/SC)
•
Chico Alencar (PSOL/RJ)
•
Domingos Dutra (PT/MA)
•
Dr. Rosinha (PT/PR)
•
Duarte Nogueira (PSDB/SP)
•
Fátima Bezerra (PT/RN)
•
Felipe Maia (DEM/RN)
•
Fernando Chiarelli (PDT/SP)
•
Fernando Coruja (PPS/SC)
•
Fernando Ferro (PT/PE)
•
Hugo Leal (PSC/RJ)
•
Humberto Souto (PPS/MG)
•
Ivan Valente (PSOL/SP)
•
Já Moraes (PCdoB/MG)
•
Luiz Carlos Hauly (PSDB/PR)
•
Luiz Couto (PT/PB)
•
Manato (PDT/ES)
•
Marcelo Ortiz (PV/SP)
•
Mendonça Prado (DEM/SE)
•
Miro Teixeira (PDT/RJ)
•
Odair Cunha (PT/MG)
Os partidos PP, PSB, PTB, PR, PRB, PTC, PMN, PHS e PTdoB não assinaram a proposta.
37
•
Osmar Serraglio (PMDB/PR)
•
Paulo Rubem Santiago (PDT/PE)
•
Rafael Guerra (PSDB/MG)
•
Rita Camata (PMDB/ES)
•
Rodovalho (DEM/DF)
•
Vieira da Cunha (PDT/RS)
•
Washington Luiz (PT/MA)
•
Zenaldo Coutinho (PSDB/PA)
Após a entrega, iniciou-se a mobilização para a aprovação do projeto de lei
nos termos em que foi entregue ao parlamento. Havia muita rejeição por parte dos
parlamentares, haja vista que a aprovação do PL 518/2009 poderia ensejar o
afastamento de muitos da vida política. Apesar disso, muitos políticos favoráveis a
proposta se engajaram para a aprovação do projeto da Lei da Ficha Limpa.
Embora não houvesse consenso entre os deputados para a votação da
proposta, a pressão sobre eles não abrandou. Em março de 2010, o MCCE teve a
grata surpresa de saber da criação de um grupo, no âmbito da Câmara dos
Deputados, composto por deputados de todos os partidos, com a tarefa de debater a
matéria e buscar a harmonia necessária para a sua aprovação. A presidência e a
relatoria deste grupo ficou a cargo, respectivamente, dos deputados Miguel Martini
(PHS-MG) e Índio da Costa (DEM-RJ).
Esse grupo apresentou um substitutivo que não descaracterizou o projeto
original e ainda solucionou positivamente algumas divergências do texto anterior:
O substitutivo elaborado pelo grupo de trabalho propunha algumas
modificações no texto original, sendo a mais relevante a que exigia, para a
ocorrência da inelegibilidade, que a condenação houvesse partido de um
órgão jurisdicional colegiado, abandonando-se a proposição original que
42
fazia menção à condenação oriunda de qualquer órgão Judiciário.
A esta altura a mídia cobria a tramitação do projeto. E, além dela, a internet
também teve um papel importantíssimo para a pressão e mobilização no que se
tratava ao andamento do projeto de lei:
Logo, se multiplicaram comunidades nas redes sociais e perfis no microblog
Twitter dedicados ao tema. Um dos grupos no Facebook (2010: Todos pela
Ficha Limpa) superou a casa dos 17 mil participantes. Segundo uma
42
REIS, 2012, p. 57.
38
empresa de consultoria, em apenas dois dias do mês de abril de 2010 a
hashtag #FichaLimpa foi citada em 312 mil mensagens postadas no
43
Twitter.
O projeto foi levado ao Plenário da Câmara, no dia sete de abril. Lá
apresentou-se
o
substitutivo
e
outras
emendas.
Algumas
proposições
descaracterizavam o projeto inicial por abordar sobre a ampliação das hipóteses de
inelegibilidade, a necessidade de trânsito em julgado de sentença condenatória para
caracterização da inelegibilidade, a criação do efeito suspensivo contra decisão que
caracterizasse inelegibilidade, redução do prazo de impedimento de oito para cinco
anos e a não aplicabilidade da lei a fatos ocorridos anteriormente à sua publicação.
Do Plenário, a proposta seguiu para a CCJC onde se acordou com os líderes
partidários que se, dentro de um mês, o debate não fosse encerrado no âmbito
daquela comissão a matéria seria encaminhada diretamente para deliberação do
Plenário. O relator nomeado foi o deputado José Eduardo Martins Cardozo (PT/SP).
Após a análise do projeto e de todas as emendas propostas, foi apresentado um
substitutivo que não comprometeu a finalidade primeira do projeto, ou seja, o
equilíbrio entre a moralidade no exercício da função pública e o direito de defesa.
Houve na comissão um pedido de vistas, mas, com o vencimento do prazo
estabelecido no acordo com os líderes o projeto foi encaminhado ao Plenário, no dia
4 de maio, mesmo sem a aprovação do substitutivo pela CCJC.
O acordo de dar urgência urgentíssima foi cumprido pelos partidos
governistas e no dia 4 de maio a matéria começou a ser votada em plenário.
Aprovou-se a subemenda apresentada pelo relator da CCJC, tendo o texto sido
aprovado pelos 389 dos 390 deputados presentes a sessão, de acordo com o sítio
eletrônico Congresso em Foco44:
Dos 513 deputados, 390 participaram da sessão que aprovou o texto-base
do projeto Ficha Limpa, aprovado na última noite por 388 votos. O deputado
Marcelo Melo (PMDB-GO) foi o único a votar contra. Logo em seguida, ele
se justificou alegando que, cansado, se equivocou ao digitar o seu voto. O
presidente da Câmara não votou por estar impedido regimentalmente.
Outros 123 parlamentares faltaram à sessão. Ainda falta a análise dos
destaques para que a proposta siga para o Senado.
43
REIS, 2012, p. 56.
FOCO, Congresso em. Quem aprovou o Ficha Limpa: Veja Como os Deputados Votaram.
Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/quem-aprovou-o-ficha-limpa-veja-comoos-deputados-votaram/>. Acesso em: 10 out. 2012.
44
39
Os destaques, 15 no total, foram apreciados, votados e derrubados no dia
seguinte e no dia 11 de maio (terça-feira). Alguns deles ameaçavam inteiramente o
espírito da lei proposta pelo movimento. A redação final do projeto foi aprovada com
votação de 412 presentes, com três abstenções.
Encaminhou-se o projeto ao Senado e no dia 14 de maio passou para a CCJC da
Casa. O relator escolhido foi o Senador Demóstenes Torres (DEM-GO). Rejeitaram-se 9
emendas no âmbito desta comissão e aceitou-se uma emenda, de autoria do Senador
Francisco Dornelles (PP-RJ). Essa emenda alterava o tempo verbal das hipóteses de
inelegibilidade, substituía “os que tenham sido condenados” para ― “os que forem
condenados”.
Em Plenário, o projeto foi incluído em pauta de votação, no dia 19 de maio, e
aprovado com a emenda de redação feita na CCJC do Senado. Estavam presentes 76
senadores e todos votaram a favor do projeto. Encaminhou-se, assim, ao então
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, que no dia 4 de junho sancionou sem
vetos o projeto de lei de iniciativa popular que converteu-se na Lei Complementar n.º
135, de 04 de junho de 2010 – Lei da Ficha Limpa.
Cinco dias antes do encerramento do prazo final, em 9 de junho, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva sancionou ontem, sem vetos nem mudanças, a lei que proíbe a
candidatura de políticos com condenação judicial por crimes graves. A lei, conhecida
como Ficha Limpa, é resultado de um projeto de iniciativa popular, apresentado na
Câmara em setembro do ano passado, com mais de 1,6 milhão de assinaturas.
As modificações trazidas pela LC 135/10 em comparação a legislação anterior
foram as seguintes:
A LC 64/1990 ANTES...
...E DEPOIS da FICHA LIMPA45
(LEGISLAÇÃO REVOGADA)
(PROJETO APROVADO)
O período de inelegibilidade varia de
três a oito anos. Também varia a
exigência de sentença transitada em
julgado e de decisão colegiada.
São inelegíveis os que forem
condenados
criminalmente,
com
sentença transitada em julgado, pela
prática de crime contra a economia
popular, a fé pública, a administração
45
O período de inelegibilidade é de oito anos
para todos os casos, da decisão transitada
em julgado ou proferida por órgão judicial
colegiado.
Ficam inelegíveis os que praticarem crimes
dolosos contra a economia popular, a
Administração Pública, o patrimônio
privado e o meio ambiente.
Ficam inelegíveis os que praticarem crimes
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O princípio da presunção de inocência e a
inconstitucionalidade de sua mitigação para fins de registro das candidaturas políticas: ficha
limpa. Em Revista Síntese de direito administrativo. Outubro de 2010, p.1250.
40
pública, o patrimônio público, o
mercado financeiro, por tráfico de
entorpecentes e crimes eleitorais,
pelo prazo de três anos, após o
cumprimento da pena.
São inelegíveis os que tiverem suas
contas relativas ao exercício de cargo
ou função pública rejeitadas por
irregularidade insanável e por decisão
irrecorrível do órgão competente,
salvo se a questão houver sido ou
estiver sendo submetida à apreciação
do Poder Judiciário.
São inelegíveis os detentores de
cargo na Administração Pública
direta, indireta ou fundacional, que
beneficiarem a si ou a terceiros, pelo
abuso do poder econômico ou
político, apurado em processo, com
sentença transitada em julgado, para
as eleições que se realizarem nos três
anos seguintes ao término do seu
mandato ou do período de sua
permanência no cargo.
Como não consta tal proibição na lei,
os políticos renunciam ao mandato
antes de ser instaurado o processo de
cassação evitando, com isso, a
inelegibilidade.
eleitorais (compra de votos, fraude,
falsificação de documento público) e forem
condenados à prisão.
Ficam inelegíveis os que praticarem crimes
de abuso de autoridade, nos casos em que
houver condenação à perda do cargo ou à
proibição para o exercício da função
pública.
Ficam inelegíveis os que praticarem os
seguintes crimes: lavagem ou ocultação de
bens, direitos e valores; tráfico de
entorpecentes e drogas afins; racismo;
tortura; terrorismo; crimes hediondos;
prática de trabalho escravo; crimes contra
a vida e a dignidade sexual; e delitos
praticados por organização criminosa,
quadrilha ou bando.
Ficam inelegíveis os que tiverem suas
contas relativas ao exercício de cargos ou
funções
públicas
rejeitadas
por
irregularidades configuradas como atos
dolosos de improbidade administrativa.
Ficam inelegíveis os detentores de cargo
na Administração Pública direta, indireta ou
fundacional, que praticarem abuso de
poder econômico ou político e se
beneficiarem com tal prática ou a terceiros.
A inelegibilidade é para a eleição na qual
concorrem ou tenham sido diplomados,
bem como para as que se realizarem nos
oito anos seguintes.
Ficam inelegíveis o Presidente da
República, Governadores, Prefeitos e
Parlamentares que renunciarem a seus
mandatos, desde o oferecimento de
representação ou petição para abertura de
processo, pelo fato de infringirem a
Constituição e as Leis Orgânicas de
Estados, Municípios e Distrito Federal para
as eleições que se realizarem durante o
período remanescente do mandato para o
qual foram eleitos e nos oito anos
subsequentes ao término da legislatura.
Ficam
inelegíveis
os
que
forem
condenados por ato doloso de improbidade
41
De acordo com a lei em vigor, são
proibidas as candidaturas de cônjuges
para
os
cargos
de
Prefeito,
Governador
e
Presidente
da
República. Também são inelegíveis,
no território de jurisdição do titular, os
parentes, consanguíneos ou afins, até
o segundo grau ou por adoção, do
Presidente
da
República,
dos
Governadores e Prefeitos ou de quem
os tenha substituído dentro dos seis
meses anteriores ao pleito, salvo se já
titular de mandato eletivo e candidato
à reeleição.
administrativa que importe lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito.
Ficam inelegíveis os condenados por
terem desfeito ou simulado vínculo
conjugal para evitar a inelegibilidade.
Ficam inelegíveis os que tenham sido
excluídos do exercício da profissão por
decisão do órgão profissional competente,
em decorrência de infração ética e
profissional.
São inelegíveis os que tenham sido
demitidos
do
serviço
público
em
decorrência de processo administrativo ou
judicial.
Ficam inelegíveis pessoas e dirigentes de
empresas responsáveis por doações
eleitorais ilegais.
Ficam inelegíveis magistrados e membros
do
Ministério
Público
aposentados
compulsoriamente ou que tenham perdido
o cargo devido à exoneração por processo
administrativo disciplinar.
4.1. APLICAÇÃO DA LEI E OS ENTENDIMENTOS DO PODER JUDICIÁRIO
A Lei da Ficha Limpa surgiu com a possibilidade de proteger de maneira
concreta os princípios da moralidade e probidade administrativas contidas no texto
constitucional. Mostrou também que a sociedade civil organizada pode, sim, obter
vitória e sair fortalecida ao exercer os seus direitos. Prova disso, foi ter conseguido
em um pequeno prazo aprovar um projeto de tamanha importância e repercussão
como foi o da LC 135/2010.
Entretanto, a aplicabilidade da Lei não estava tão clara quanto o seu objetivo.
Tanto que logo após sua publicação vieram os primeiros questionamentos sobre a
nova legislação, uma vez que ao ano de 2010 abrangia o período de eleições. No
mês de junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) respondeu a duas consultas que
possibilitariam a efetividade demandada pela sociedade.
A sociedade organizada e a imprensa esperavam que a lei fosse aplicada no
pleito de 2010, uma vez que era a oportunidade de alterar o cenário político nacional
que estava manchado por vários escândalos de corrupção. O Tribunal Superior
Eleitoral também entendeu, naquele momento, que a Lei da Ficha Limpa deveria ser
aplicada de imediato, ou seja, nas eleições de 2010.
42
Apesar de toda a euforia em torno da aplicação da lei, surgiu um entrave para
que isso ocorresse. Havia de se observar o princípio da anualidade ou anterioridade
eleitoral consagrado no artigo 16 da Constituição da República Federativa do Brasil
que diz:
Art. 16. A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua
publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de
sua vigência. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 4, de 1993).
O princípio da anterioridade eleitoral é uma proteção outorgada à sociedade
contra casuísmos que possam surgir na esfera política. Decorre do princípio da
segurança jurídica fundamental para que o exercício dos direitos políticos não se
veja embaraçado em face de eventuais alterações que possam ocorrer. É um
mecanismo de defesa, pois protege tanto partidos políticos quanto candidatos de
mudanças que possam gerar desigualdades.
Os Ministros do TSE com o intuito de fundamentar a aplicação imediata da
norma entenderam que ela não se enquadrava no princípio previsto no artigo 16 da
Constituição Federal. Usou-se como argumento a afirmação de que “o prazo de um
ano para a aplicação da lei só se justifica nos casos em que houver deformação do
processo eleitoral. Ou seja, nos casos em que desequilibra a disputa, beneficiando
ou prejudicando determinadas candidaturas”.46 Considerava, desse modo, que as
novas regras estabelecidas pela LC 135/2010 tratavam-se de unicamente de
conteúdo – direito material, pois. Com isso, se aplicava indistintamente a todos e
não interferia no processo eleitoral.
Esse entendimento gerou uma profunda divergência na hermenêutica da
norma e vários políticos foram barrados pela lei da Ficha Limpa. Com isso, vários
recursos forma interpostos e por meio de liminares conseguiram concorrer às
eleições, até que seus recursos fossem julgados em definitivo. Diversos recursos e
questionamentos (inclusive quanto à constitucionalidade) foram encaminhados ao
Pretório Excelso, por isso fazer uma análise em separado do entendimento dado
pelo TSE e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se faz pertinente.
46
GARCIA, Maria. Interpretação da Constituição e a “Lei da Ficha Limpa”. Em Revista de Direito
Constitucional e Internacional RDCI. Revista dos Tribunais: São Paulo, Ano 20. Vol. 78. Janeiro a
Março de 2012, p. 341.
43
4.1.1. O Entendimento do Tribunal Superior Eleitoral - TSE
Como já citado anteriormente, no mês de junho de 2010, o TSE respondeu a
duas consultas que geravam questionamentos sobre a aplicação da LC 135/2010.
A primeira, Consulta 1.120-26/DF, de 10 de junho de 2010, cuja relatoria ficou
a cargo do Ministro Hamilton Carvalhido, foi encaminhada pelo Senador Arthur
Virgílio (PSDB-AM), se referia sobre a aplicabilidade da “Lei Ficha Limpa” para as
eleições que ocorreriam em outubro daquele ano (2010). O TSE, por seis votos a
um, reconheceu a aplicabilidade das normas da Ficha Limpa para a eleição que
ocorreria nos próximos meses, uma vez que a convenção dos partidos, que ocorre
de 10 a 30 de junho de ano eleitoral, não tinha, até aquele momento, acontecido.
O entendimento do TSE firmou-se no sentido de que não havia violação ao
princípio da anualidade ou anterioridade anual a aplicação, de pronto, da Lei
Complementar 135/2010, uma vez que as alterações trazidas por esta norma não
alteravam o processo eleitoral e, não violava o texto constitucional. Dada sua
importância, faremos uma descrição analítica do teor do julgamento desta Consulta.
O eminente Ministro Hamilton Carvalhido em seu voto, enfatizou “que as
inovações trazidas pela Lei Complementar 135, de 2010, têm a natureza de norma
eleitoral material e em nada se identificam com as do processo eleitoral. Para o
referido ministro, o processo eleitoral não abrange, por maior que seja o sentido que
lhe é dado, todo o direito eleitoral, mas tão-somente os atos que estão diretamente
ligados às eleições. Fundamentou esse entendimento, na lição do ministro Moreira
Alves, do STF, que, quando da edição da Lei das Inelegibilidades (LC 64, de 1990),
afirmou:
A meu ver, e desde que processo eleitoral não se confunde com Direito
Eleitoral, parte que é dele, deve-se entender aquela expressão não como
abrangente de todas as normas que possam refletir-se direta ou
indiretamente na série de atos necessários ao funcionamento das eleições
por meio do sufrágio universal – o que constitui o conteúdo do Direito
eleitoral –, mas, sim, das normas instrumentais diretamente ligadas às
eleições.
(...)
Note-se, porém, que são apenas as normas instrumentais relativas às
eleições, e não as normas materiais que a elas de alguma forma se
44
prendam. Se a Constituição pretendesse chegar a tanto não teria usado a
47
expressão mais restrita que é “processo eleitoral”.
O relator, ao comentar o conteúdo do artigo 14, § 9º da Carta Política, teceu
esclarecimentos relativos a seu voto, na Consulta 1.120-26/DF, para firmar sua
posição no sentido de que a:
Vida pregressa, no sistema de direito positivo vigente, abrange
antecedentes sociais e penais, sendo, por isso mesmo, de consideração
necessária a presunção de não culpabilidade insculpida no artigo 5º, inciso
LVII, também da Constituição Federal, enquanto diz com o alcance da
norma constante do artigo 14, § 9º da Lei Fundamental.
A garantia da presunção de não culpabilidade protege, como direito
fundamental, o universo de direitos do cidadão, e a norma do artigo 14, § 9º,
da Constituição Federal restringe o direito fundamental à elegibilidade, em
obséquio da probidade administrativa para o exercício do mandato, em
função da vida pregressa do candidato.
A regra política visa acima de tudo ao futuro, função eminentemente
protetiva ou, em melhor termo, cautelar, alcançando restritivamente também
a meu ver, por isso mesmo, a garantia da presunção da não culpabilidade,
impondo-se a ponderação de valores para o estabelecimento dos limites
resultantes à norma de inelegibilidade.
Fê-lo o legislador, ao editar a Lei Complementar nº 135/2010, com o menor
sacrifício possível da presunção de não culpabilidade, ao ponderar os
valores protegidos, dando eficácia apenas aos antecedentes já
consolidados em julgamento colegiado, sujeitando-os, ainda, à suspensão
cautelar, quanto à inelegibilidade.
Tratando-se efetivamente de norma material como exsurge de todo exposto,
não há falar na incidência do princípio da anualidade, insculpido no artigo 16
da Constituição Federal.
Pelo exposto, respondo afirmativamente, no sentido de que a Lei
48
Complementar n° 135/12010 tem aplicação imediata .
O próximo membro do TSE a proferir o voto foi o Ministro Arnaldo Versiani.
Ele acompanhou o voto do eminente relator, ministro Carvalhido, no sentido de que
a ficha limpa deveria ser aplicada de imediato. Entretanto, o entendimento do
Ministro era o de que qualquer norma que estabelecesse novas condições na
legislação eleitoral deveriam observar o princípio da anualidade do artigo 16 da
Carta Magna.
[...] Fico apenas com a ressalva do meu ponto de vista. A minha
interpretação continua sendo esta: o artigo 16 da Constituição Federal se
aplica a qualquer legislação que trate a respeito desse assunto, tanto
ordinária quanto complementar e quanto a emenda constitucional. A
alteração do processo eleitoral, a meu ver, ocorreu, rompendo o equilíbrio,
estabelecendo novas condições de candidaturas, e até prejudicando outras
47
MALHEIROS, Arnaldo. Inelegibilidades nas eleições de 2010: Lei Complementar 135/2010. Em
Revista do Advogado. Agosto de 2010, p. 22.
48
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro
de 2010.
45
candidaturas que já estejam lançadas, inclusive, para o processo eleitoral
que, a meu ver, já iniciou, embora as convenções estejam marcadas a partir
de hoje.
Ressalvando meu ponto de vista, considerando esse novo entendimento ou
até o entendimento que prevaleceu para maioria dos ministros do Supremo
Tribunal Federal, pelos acórdãos que visualizei, acompanho o relator.
A terceira a votar e que acompanhou o voto do relator foi a ministra Cármen
Lúcia, a qual integra o STF. Teceu explanações a respeito do processo eleitoral. E
afirmou que a aplicação da Ficha Limpa, nas eleições de 2010, proporcionava a
máxima efetividade constitucional:
No curso de aplicação da Constituição, o que se pretendeu sempre e que se
reafirmou com essa nova lei, foi dar a máxima efetividade constitucional - o
que hoje o próprio Supremo Tribunal Federal e a sociedade como um todo
tem pretendido - e, neste caso, dar a maior legitimidade eleitoral. E isto é
obtido exatamente por uma lei que apenas desdobra aquilo que se contém
no § 9º do artigo 14 da Constituição Federal.
[...] a segurança do processo político-eleitoral é um dado, a segurança
jurídico-eleitoral é outro dado, e ele não é comprometido, a meu ver, com o
advento desta lei. Bem ao contrário. O que se tem, o ministro relator já
mencionou, é o princípio da proteção constitucional, exatamente o de se
garantirem todos os princípios constitucionais ou os valores constitucionais,
49
na palavra do professor Paulo Bonavides .
O primeiro e único voto contrário a consulta foi o do ministro Marco
Aurélio, também membro do STF. Para ele o objeto da consulta deveria ser
analisado na seara do controle abstrato de constitucionalidade, uma vez que o
pronunciamento do Tribunal poderia influir nas convenções dos partidos políticos
que aconteciam naquele momento:
O que se quer saber é se há - e já, agora, diante de um ato normativo
devidamente formalizado - harmonia quanto à observância imediata deste
ato normativo com a Carta da República. E nem mesmo o Supremo Tribunal
Federal exerce o controle abstrato, o controle concentrado no campo
administrativo. Somente o faz no campo jurisdicional. Se entendermos que
a Lei nova não se aplica às eleições, estaremos assentando que a
interpretação no sentido da aplicabilidade imediata é inconstitucional. Isso,
para mim, se resolve no campo do controle abstrato de constitucionalidade.
Ao concluir seu voto vencido àquele ponto considerado no TSE, não
reconhecendo a aplicabilidade da norma, o ministro permitiu prever qual seria seu
entendimento quando voltasse a analisar o tema no STF.
49
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro
de 2010.
46
A cláusula vedadora é categórica: não se aplicando, desde que altere o
processo eleitoral – e para mim, a mais não poder, a nova Lei, quanto à
escolha e quanto ao deferimento de registro a candidatos, modifica o
processo eleitoral –, à eleição que ocorra até um ano da data de sua
vigência.
[...] incide, na espécie, o disposto no artigo 16 da Constituição Federal e
que, portanto, a recente Lei Complementar nº 135/2010 entrou em vigor
imediatamente, como previsto na primeira parte do citado artigo, mas não
alcança a eleição que se avizinha, a de 2010, principalmente porque o
processo eleitoral já está em pleno curso, tendo em vista a escolha dos
50
candidatos.
Aldir Passarinho Junior foi o próximo ministro da justiça eleitoral a se
posicionar. Ele também acompanhou o voto do relator. Ressaltou em seu voto que
os direitos e condições para que alguém seja candidato somente podem ser
verificadas com a legislação em vigor ou até o registro das candidaturas51:
No caso, não vejo, efetivamente, óbice à aplicação imediata, seja porque o
texto da lei complementar é bastante claro a respeito seja porque entendo
que o processo eleitoral, nessa hipótese, para efeito de candidatura, ainda
não teve início.
O sexto a se pronunciar foi o ministro Marcelo Ribeiro que em seu voto
acompanhou o voto nos mesmo termos do eminente ministro relator, Hamilton
Carvalhido.
Por fim, no âmbito do TSE, se pronunciou o então presidente daquela Corte,
ministro Ricardo Lewandowski. Em seu voto, concluiu pela aplicabilidade imediata
da lei, vejamos:
Na verdade, existiria rompimento da denominada “paridade de armas” caso
a legislação eleitoral criasse mecanismos que importassem em um
desequilíbrio na disputa, prestigiando determinada candidatura, partido
político ou coligação em detrimento dos demais. Isso porque o processo
eleitoral é integrado por normas que regulam as condições em que se trava
o pleito, não se incluindo entre elas os critérios de definição daqueles que
podem ou não apresentar candidaturas.
Tal afirmação arrima-se no fato de que a modificação das regras
relativas às condições regedoras da disputa eleitoral daria azo à quebra da
isonomia entre os contendores. Tal não ocorre, todavia, com a alteração
das normas que definem os requisitos para o registro de candidaturas.
Neste caso, elas direcionam-se a todas as candidaturas, sem fazer
distinção entre candidatos, não tendo, portanto, o condão de afetar a
52
necessária isonomia .
50
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro
de 2010.
51
De acordo com o artigo 8º da Lei 9.504, de 1997 as convenções partidárias ocorrem de 10 a 30 de
junho do ano eleitoral. Já o artigo 11, estabelece que o prazo limite para o registro das candidaturas
ao pleito que se avizinha é o dia 5 de julho do ano eleitoral.
52
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro
de 2010.
47
Para o ministro Lewandowski, a lei não trouxe nada que pudesse romper com
as regras atuais do processo eleitoral. A ficha limpa criou apenas uma nova regra
que aplicar-se-ia a todos sem exceção, de sorte que “a Ficha Limpa é linear, ou seja,
se aplica para todos, indistintamente não se pode afirmar que ela interfira no
processo eleitoral.53”
O Ministro Lewandowski afirmou também que não havia de se falar em ofensa
ao princípio da anterioridade, porquanto ele considerar que:
[...] só se pode cogitar de afronta ao princípio da anterioridade quando
ocorrer: i) o rompimento da igualdade de participação dos partidos políticos
e dos respectivos candidatos no processo eleitoral; ii) a criação de
deformação que afete a normalidade das eleições; iii) a introdução de fator
de perturbação do pleito, ou iv) a promoção de alteração motivada por
propósito casuístico [...].
Não há o rompimento da igualdade das condições de disputa entre os
contendores, ocorrendo, simplesmente, o surgimento de novo regramento
normativo, de caráter linear, ou seja, de disciplina legal que atinge
54
igualmente todos os aspirantes a cargos eletivos .
Assim, o eminente ministro terminou seu voto, afirmando que a Lei
Complementar 135, de 4 de junho de 2010, teve em mira proteger valores
constitucionais que servem de arrimo ao próprio regime republicano, abrigados no §
9º do artigo 14 da Constituição, que integra e complementa o rol de direitos e
garantias fundamentais estabelecidos na Lei Maior.
A segunda, Consulta 1.147-09/DF, sendo relator o ministro Arnaldo Versiani,
foi feita pelo deputado federal Ilderley Cordeiro (PPS-AC). Questionava se a lei se
aplicava as condenações e renúncias de mandado pretéritas ou tão-somente
àquelas que viessem a ocorrer após a aprovação da medida. No dia 17 de junho,
novamente por seis votos a um, o TSE decidiu que, por não se tratarem de normas
penais, a lei deveria abranger a todas hipóteses de inelegibilidade abarcando, até
mesmo, “aqueles que se julgavam aptos a participar de pleitos por haverem sido
declaradas inelegíveis por prazo inferior do definido na nova legislação”.55 Nos
termos do voto do relator:
[...] considero irrelevante saber o tempo verbal empregado pelo legislador
complementar, quando prevê a inelegibilidade daqueles que "forem
53
54
GARCIA, 2012, p. 342.
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Informativo TSE, ano XII, n.º 30, Brasília, 20 de setembro a 3 de outubro
de 2010.
55
REIS, 2012, p. 58.
48
condenados", ou "tenham sido condenados", ou "tiverem contas rejeitadas",
ou "tenham tido contas rejeitadas", ou "perderem os mandatos", ou "tenham
perdido os mandatos". Estabelecido, sobretudo, agora, em lei, que o
momento de aferição das causas de inelegibilidade é o da "formalização do
pedido de registro da candidatura", pouco importa o tempo verbal. (Grifo no
original)
As novas disposições legais atingirão igualmente a todos aqueles que,
repito, "no momento da formalização do pedido de registro da candidatura",
incidirem em alguma causa de inelegibilidade, não se podendo cogitar de
direito adquirido às causas de inelegibilidade anteriormente previstas.
Concluídas as votações no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, deu-se a
impressão de que a aplicação da LC 135/2010 às eleições de 2010 representava o
sentimento de toda a sociedade brasileira. O sentimento de que um basta seria dado
às candidaturas de pessoas que não possuem perfil para gerir recursos públicos e
representar o povo no Parlamento. Entretanto, o desrespeito ao princípio da
anterioridade e, consequentemente, à Constituição nos coloca numa situação de
alerta. Já que aceitar a relativização de uma regra constitucional em troca de valores
sociais mais elevados pode-se levar ao equivoco de entender que, em tudo, pode
haver uma exceção, mesmo que esteja diante da Carta Magna.
A aplicação imediata da Lei Complementar 135, de 2010, provocou
insatisfações no cenário político, uma vez que vários candidatos às eleições de 2010
seriam alcançados pelas novas inelegibilidades previstas no novel jurídico. Como já
era previsível, a questão chegou ao STF. Foram três os recursos extraordinários
profundamente debatidos e de repercussão geral no âmbito do Pretório Excelso, os
quais serão tratados nas próximas páginas.
4.1.2. O Entendimento do Supremo Tribunal Federal – STF
Como previu o Ministro Marco Aurélio, ao proferir seu voto na Consulta 112026/DF, a questão chegou ao STF. Muitos candidatos que se sentiram prejudicados
de concorrer ao pleito em 2010 recorreram ao Supremo, a fim de impedir que as
novas regras introduzidas pela “Lei da ficha Limpa” e corroboradas pelo TSE fossem
aplicadas às eleições daquele ano.
No âmbito do STF, alguns ministros deferiram pedidos de medidas liminares,
mesmo antes da apreciação do mérito, gerando o direito de registro junto à justiça
eleitoral e a participação nas eleições de 2010. Tem-se como exemplo disso o RE
49
281.012/PI, cuja relatoria ficou a cargo do ministro Gilmar Mendes, e no AI
709.634/GO, em que o relator foi o ministro Dias Toffoli:
A urgência da pretensão cautelar parece evidente, ante a proximidade do
término do prazo para o registro das candidaturas, a ocorrer no próximo dia
5 de julho de 2010, data antes da qual não será possível a continuidade do
julgamento deste recurso perante a Segunda Turma do Tribunal, devido ao
fato de a última Sessão da Turma neste semestre ter recorrido no último dia
29 de junho de 2010, e tendo em vista que o período de férias forenses se
inicia no próximo dia 2 de julho de 2010.
Ante ao exposto, defiro o pedido e determino que o presente recurso seja
imediatamente processado com efeito suspensivo, ficando sobrestados os
efeitos do acórdão ocorrido. Após o término do período de férias forenses,
encaminhem-se os autos para ser referendado pelo órgão colegiado, nos
termos do art. 21, V, do RISTF e do art. 26-C da Lei Complementar nº
135/2010 (RE 281.012/PI, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes).
É notório o periculum in mora, tal como demonstrado na petição inicial. A
proximidade da data final para o registro de candidaturas poderá inviabilizar
o exercício de direito constitucional da requerente, caso não seja
emprestada eficácia suspensiva ao recurso extraordinário.
Ressalte-se que o deferimento desta liminar não implica juízo direito sobre a
inelegibilidade, mas o reconhecimento indireto de que a decisão atacada
pelo RE não poderá ser utilizada para os fins da declaração de
incompatibilidade da situação jurídica da requerente com o exercício do ius
honorum.
Como obter dictum, aponto que a própria adequação da Lei Complementar
nº 135/2010 com o texto constitucional é matéria que exige reflexão,
porquanto essa norma apresenta elementos jurídicos passíveis de
questionamentos absolutamente relevantes no plano hierárquico e
axiológico.
Ante ao exposto, recebo a petição como medida cautelar, impondo-se as
anotações de estilo e defiro a liminar para que se dê eficácia suspensiva ao
recurso extraordinário destrancado por força do AgRg 709.634 (AI
709.634/GO, relatoria do Ministro Dias Toffoli).
A aplicabilidade da LC 135/2010 foi pacificada na abrangência de jurisdição
constitucional do STF. Três recursos extraordinários (RE 630147, RE 631102 e RE
633703) serviram de parâmetro ou modelo, devido à repercussão geral reconhecida
pelos ministros de nosso órgão de cúpula.
4.1.2.1. Caso Joaquim Roriz – Recurso Extraordinário 630147
Em 24 de setembro de 2010, foi julgado o Recurso Extraordinário 630147
interposto pelo ex-senador Joaquim Roriz (PSC-DF) que, pela coligação Esperança
Renovada, candidatava-se a governador do Distrito Federal nas eleições de 2010. O
RE buscava reformar a decisão em Recurso Ordinário do TSE, que indeferia sua
candidatura fundamentando-se na lei da ficha limpa.
50
Ocorre que nas eleições do ano de 2006, Joaquim Roriz foi eleito para o
Senado Federal pelo PMDB.Porém, em seu primeiro ano de mandato (2007),
renunciou com o intuito de fugir de uma provável cassação por quebra de decoro,
uma vez que era suspeito de ter cometido vários atos de corrupção.
Nas eleições de 2010, ele surgiu como candidato a governador da coligação
Esperança Renovada. A coligação pediu ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito
Federal – TRE-DF o registro da candidatura de Joaquim Roriz a governador do DF.
O pedido de registro foi negado pelo TRE-DF fundamentando-se no artigo 1º, I, “k”,
da Lei das Inelegibilidades, Lei Complementar 64/1990, a qual foi alterada pela Lei
Complementar 135, de 2010:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
k) o Presidente da República, o Governador de Estado e do Distrito Federal,
o Prefeito, os membros do Congresso Nacional, das Assembleias
Legislativas, da Câmara Legislativa, das Câmaras Municipais, que
renunciarem a seus mandatos desde o oferecimento de representação ou
petição capaz de autorizar a abertura de processo por infringência a
dispositivo da Constituição Federal, da Constituição Estadual, da Lei
Orgânica do Distrito Federal ou da Lei Orgânica do Município, para as
eleições que se realizarem durante o período remanescente do mandato
para o qual foram eleitos e nos 8 (oito) anos subsequentes ao término da
legislatura.
Com a negativa do registro, o candidato e sua coligação interpuseram
Recurso Ordinário no TSE. Entretanto, a decisão do tribunal a quo foi mantida.
Diante dessa situação, a interposição de Recurso Extraordinário frente ao STF se
fez necessária. O ponto em questão levantado nesse recurso foi a desconsideração
do princípio da anterioridade, elencado no artigo 16 da Carta Cidadão de 1988, e a
defesa à renúncia ao cargo de Senador, uma vez que constituía ato jurídico perfeito,
albergado no artigo 5º, XXXVI, da Constituição Federal. Desse modo, a renúncia não
poderia ensejar a inelegibilidade.
O procurador-geral da República (PGR), Roberto Gurgel, ao se pronunciar
tentou refutar as teses apresentadas pela defesa. O PGR argumentou que a
inelegibilidade não tem a natureza jurídica de sanção penal. E que, por isso, não
haveria
a
incidência
do
princípio
da
irretroatividade
legal.
Para
Gurgel,
inelegibilidade é limitação temporária à possibilidade de candidatar-se, durante certo
tempo. Quanto ao princípio da anterioridade eleitoral, o procurador-geral da
República, Roberto Gurgel, entendeu que a lei da ficha limpa não ofende o artigo 16
51
da Carta Magna, pois o novel diploma apenas deu cumprimento aos preceitos do
artigo 14, § 9º da Carta Política, ao proteger a probidade administrativa e a
moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do
candidato. Quanto à alegação de que a renúncia de Roriz seria ato jurídico perfeito,
cujos efeitos não poderiam ser atingidos pela lei da ficha limpa, o PGR afirmou que o
ato de renúncia sofre efeitos futuros, e assim ser erigido à condição de causa de
inelegibilidade.
O ministro Ayres Britto, relator, foi o primeiro a votar e a não prover o recurso.
Ele ratificou a constitucionalidade da alínea “k”, do inciso I, do artigo 1º da Lei
Complementar nº 64/1990, dispositivo introduzido pela Lei Complementar 135, de
2010. E motivou seu voto com fulcro no artigo 14, § 9º da Carta de 1988, afirmando
que:
Foi o Texto Magno mesmo que, ao falar da inelegibilidade num contexto de
proteção da probidade administrativa e da moralidade para o exercício do
mandato popular, mandou que a lei complementar considerasse a vida
pregressa do candidato. E claro que vida pregressa é vida passada [...]
(grifo no original)
Destacou, ainda, em seu voto, que a lei decorrente da iniciativa popular não
feriu a Constituição Federal em seu artigo 16, pois “ela foi publicada em data anterior
à das convenções partidárias e todos os partidos políticos e seus filiados tiveram
tempo suficiente para deliberar em igualdade de condições quanto à escolha dos
respectivos candidatos.” Ressaltou que a razão de existir o princípio da anterioridade
se deve a fim de evitar casuísmos em períodos próximos à eleição, mudanças que
poderiam ferir a democracia representativa e quebrar os modelos ético-igualitários
de uma competição eleitoral. Além do mais:
[...] o chamamento da lei complementar para introduzir no sistema jurídico
brasileiro novas causas de inelegibilidade a partir da vida pregressa dos
candidatos remonta a 7 de junho de 1994. Que foi a data de edição da
Emenda Constitucional de Redação nº 4. A legitimar o juízo de que, em
verdade, essa positivação infraconstitucional de certos aspectos da vida
pregressa como causa de inelegibilidade chegou com 16 anos de atraso.
Com respeito à alegação de que o acórdão do TSE não respeitou o
texto constitucional por, segundo a tese de defesa, ter tornado um ato jurídico
perfeito, que não era causa de inelegibilidade, em um ato que ensejaria a
52
inelegibilidade de acordo com uma legislação posterior, o relator em seu voto
magistral entendeu que:
[...] a renúncia ao mandato de Senador da República não tem por efeito
imunizar o renunciante contra a incidência de causas de
inelegibilidade. (grifo no original)
Outro fundamento do recorrente foi o de que a presunção de inocência, do
artigo 5º, LVII da Carta de 1988, foi ferida uma vez que ‘somente uma conduta ilícita
poderá ser objeto de tipificação como causa de inelegibilidade’. Mais uma vez o
ministro-relator discorreu que a aplicação desse princípio se dá na esfera do Direito
Penal já que as condições de elegibilidade não estão ligadas necessariamente a
algum ato lícito ou ilícito. Vale lembrar que muitas das condições de inelegibilidade
não se caracterizam pela prática de algum ato ilícito e sim por alguma condição
impeditiva naquele momento.
O ministro Dias Toffoli se pronunciou após o relator. Deu provimento ao
recurso extraordinário e votou contra a aplicação da LC 135/2010 às eleições de
2010. O julgador entendeu ser constitucional o artigo 1º, inciso I, alínea k, da Lei
Complementar nº 64/1990, introduzido pela Lei da Ficha Limpa que traz mais uma
situação de inelegibilidade.
A aplicabilidade da lei não poderia ocorrer de imediato, pois, conforme seu
entendimento e de diversos doutrinadores citados em seu magistral voto, a utilização
da lei para dirimir as causas de inelegibilidades naquele momento iria afetar, alterar,
interferir, modificar e perturbar o processo eleitoral em curso. Entendeu que deve ser
cumprida a regra constitucional do artigo 16 sobre a alteração do processo eleitoral.
A lei deverá entrar em vigor na data de sua publicação, mas aplicar-se-á tãosomente à eleição que ocorrer até um ano da data da sua vigência, ou seja, não
deveria ser aplicada ao pleito de 2010:
Em nome de princípios moralizantes, que restringem a participação de
indivíduos no processo eleitoral, não podemos esquecer que deixamos de
lado um princípio abstrato e impessoal, veiculado no artigo 16, CF/1988,
que protege a própria Democracia contra o casuísmo, a surpresa, a
imprevisibilidade e a violação da simetria constitucional dos postulantes a
cargos eletivos. Se admitirmos a eficácia imediata da Lei Complementar
135/2010, no que se refere exclusivamente ao caso dos autos,
abriremos as portas para mudanças outras, de efeitos imprevisíveis e
resultados desastrosos para o concerto político nacional. (grifo no original)
53
Quanto ao argumento de que lei posterior não poderia alcançar a renúncia
efetuada pelo recorrente em 2007, por se tratar de ato jurídico perfeito, o ministro
Dias Toffoli assentou que a lei não retroagiu para desconstituir ou modificar o ato de
renúncia, mas apenas criou um novo requisito para aqueles que quisessem exercitar
o direito de candidatar-se a algum cargo eletivo:
[...] não há direito adquirido a regime jurídico de condições de
elegibilidade, muito menos se pode falar em ato jurídico perfeito de
renúncia, capaz de gera ao registro de candidatura por efeito de renúncia.
(grifo no original)
[...] Ao optar pela renúncia, ato necessariamente incondicionável e
estritamente unilateral, ele dispôs legitimamente de seu mandato, fazendo
com que sua condição de renunciante produzisse todos os efeitos
compatíveis com seu ato. Ele simplesmente passou à condição de
renunciante a mandato eletivo de Senador da República.(grifo no original)
Com a nova causa de inelegibilidade, não houve retroação para
desconstituir, interferir ou modificar o regime jurídico do recorrente. Criou-se
um novo requisito para o exercício do direito de candidatar-se a cargo
eletivo.
A próxima a votar foi a ministra Cármen Lúcia, que já havia se debruçado
sobre o tema no TSE e posicionou-se no mesmo sentido, ou seja, pela aplicação da
Lei Complementar 135, de 2010, nas eleições de 2010. Em seu voto acompanhou o
relator, o que deixou a votação em 2 a 1 a favor da aplicação imediata.
Em seu voto, ela conjecturou que a referida lei entrou em vigor em 7 de junho
de 2010, antes das convenções partidárias, desse modo, ela entende que:
Não procede o argumento de que a lei alterou o processo eleitoral, pois foi
promulgada antes de iniciado o prazo para convenções partidárias que
escolhem os candidatos e antecipam o período eleitoral para apresentação
dos registros de candidatura.
O quarto a se manifestar foi o ministro Joaquim Barbosa que optou pela
aplicação da Lei Complementar 135/2010 nas eleições daquele ano, acompanhando
integralmente o voto do ministro Ayres Britto, relator. A votação ficou em 3 a 1 para a
aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa.
O ministro Barbosa, em seu voto, ressaltou o avanço que a Lei da Ficha
Limpa trouxe para a esfera política de nosso país, por ressaltar a importância da
moralização daqueles que se dispõem a representar a sociedade. Para ele, seu voto
seguiria a direção da vontade popular, ou seja, o desenvolvimento e a consolidação
da democracia brasileira.
54
Para ele, a análise do conteúdo da Lei da Ficha Limpa deve ser entendida
como instituto de proteção aos direitos de toda a coletividade e que ratifique a moral
e a honestidade administrativa:
A LC 135/2010 tem objetivo moralizador, tem fundamento constitucional e,
no que tange às causas de inelegibilidade, não desestabiliza o processo
eleitoral em curso e não fere o princípio da isonomia e da segurança
jurídica, tampouco tem conotação casuística, pois incidirá sobre todos os
pleiteantes a cargo eleitoral de forma igual.
O quinto ministro a se pronunciar foi Ricardo Lewandowski. Ele manteve o
mesmo posicionamento manifestado no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral, do
qual era presidente, e negou provimento ao RE 630147. A votação em favor da
aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa nas eleições de 2010 estava de 4 a 1.
O Ministro em seu voto magistral lembrou que a alínea k, do inciso I do artigo
1º da LC 64/90, alterada pela LC 135/2010, vinha para suprir um vácuo existente na
legislação que possibilitava a um candidato renunciar a seu cargo a fim de driblar
potencial perda de mandato e consequente inelegibilidade.
Justamente nesse ponto reside a finalidade da norma sob exame. Partindo
do pressuposto de que eventual condenação leva não apenas à perda do
mandato, mas também à inelegibilidade, a LC 135/2010 veio suprir uma
lacuna decorrente de renúncia com o propósito de contorná-la.
[...]
A nova disposição legal, com efeito, impõe a inelegibilidade justamente
àqueles que abdicam do mandato, antes da instauração do processo, de
modo a impedir eventual inelegibilidade que poderia advir de uma futura
condenação.
Em outras palavras, a citada alínea k, ao invés de fazer oposição ao
dispositivo constitucional em tela, acaba por prestigiá-lo.
O ministro Gilmar Mendes foi o sexto a votar. Ele votou pela não
aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa às eleições daquele ano (2010) e deu
provimento ao RE 630147. Com seu entendimento ele deixou a votação em 4 a 2
para a aplicação imediata.
Para ele é cláusula pétrea o princípio da anterioridade eleitoral trazido no
artigo 16 da CF/1988. É uma garantia a todos: cidadão, eleitor e partidos políticos.
Em seu voto o ministro Mendes analisou a LC 135/2010 diante do princípio da
anterioridade eleitoral:
A LC 135/2101 foi editada para regulamentar o art. 14, §9º, da Constituição
e, dessa forma, fixou novas causas de inelegibilidade que levam em conta
fatos da vida pregressa do candidato.
55
Tendo em vista os parâmetros fixados na jurisprudência do STF, trata-se
de uma lei complementar que claramente está abrangida pelo significado do
vocábulo “lei” contido no art. 16 da Constituição, isto é, é uma lei
complementar que possui coeficiente de autonomia, generalidade e
abstração e foi editada pelo Congresso Nacional no exercício da
competência privativa da União para legislar sobre direito eleitoral.
Na medida em que legislou sobre causas de inelegibilidade, a LC 135/2010
interferiu numa fase específica do processo eleitoral, qualificada na
jurisprudência do STF como a fase pré-eleitoral. Não há dúvida, portanto,
que a alteração de regras de elegibilidade repercute de alguma forma no
processo eleitoral.
Frisou ainda que o processo eleitoral se inicia com a filiação partidária, ou
seja, no ano anterior às eleições. Nesse ponto, ele se contrapôs ao entendimento de
a Ficha Limpa ter sido publicada antes de ser iniciado o processo eleitoral:
Todos sabem que a escolha de candidatos para as eleições não é feita da
noite para o dia. A Lei Complementar 135/2010 interferiu numa fase
específica do processo eleitoral, qualificada na jurisprudência como fase
pré-eleitoral, que se inicia com a escolha e a apresentação das
candidaturas pelos partidos políticos, que vai até o registro das candidaturas
na Justiça Eleitoral. E frise-se: esta fase não pode ser delimitada entre os
dias 10 e 30 de junho, no qual ocorrem as convenções partidárias, pois o
processo político de escolha de candidaturas é muito mais complexo e tem
início com a própria filiação partidária do candidato, que tem início em
outubro do ano anterior.
A ministra Ellen Gracie foi a sétima a se posicionar. Ela votou pelo não
provimento do RE 630147 e acompanhou integralmente o voto do relator.
Considerou que o disposto no artigo 16 da Constituição da República, que trata da
anualidade da lei eleitoral não foi violado pela Lei da Ficha Limpa. A votação estava
com o placar de 5 votos a 2 para a aplicação da ficha limpa às eleições de 2010.
Em seu voto, a Ministra teceu observações no sentido de que a matéria
trazida a baila pela LC 135/2010, não infringia o artigo 16 do Texto Constitucional:
[...] a Lei Complementar 135/2010 não incide o comando do art. 16 da
Constituição Federal, uma vez que tratou aquele diploma de matéria que
não se volta para o processo eleitoral, mas para sua exclusiva diretriz
constitucional, que é o regime de inelegibilidades estabelecido no art. 14 da
Carta Magna.
O oitavo voto proferido foi o do ministro Marco Aurélio que decidiu pelo
provimento do RE 630147, e deixou o placar da votação em 5 a 3 a favor da
imediata aplicação da LC 135, de 2010.
Vale lembrar que o voto do eminente ministro já era de certa forma previsível,
uma vez que, em sessão no TSE, ele proferiu na Consulta 1.120-26/DF, de 10 de
56
junho de 2010, o voto vencido naquela ocasião pela não aplicabilidade de lei em
comento.
O Ministro Celso de Mello votou pelo provimento RE 630147, e apertou o
placar, deixando em 5 votos a 4 em favor da aplicabilidade imediata da Lei da Ficha
Limpa.
Segundo ele, qualquer que seja o marco temporal a ser considerado no caso
em tela – início das convenções partidárias para escolha de candidatos ou o dia da
realização das eleições – ele se situaria a menos de um ano da data em que foi
publicada a Lei Complementar 135, de 2010, que ocorreu no dia 7 de junho de 2010.
Além disso, ressaltou que a eficácia plena dada à lei naquele período se dava por
uma interpretação inconstitucional do Egrégio TSE:
Com efeito, tenho para mim que a Lei Complementar n.º 135, de
04/06/2010, que alterou regras materiais e formais inerentes ao processo
eleitoral, foi alçada pela incidência restritiva do postulado da anterioridade
eleitoral, eis que mencionado diploma legislativo – que entrou em vigor na
data de sua publicação (07/06/2010) – foi editado dentro do período
constitucionalmente vedado, dentro, portanto, do período a que alude o art.
16 da Carta Política. Só se fez aplicável, desde logo, no curso do processo
eleitoral ora em andamento, impregnado de plena carga eficacial, por força
da interpretação inconstitucional que lhe deu o E. Tribunal Superior
Eleitoral, eis que sequer decorrido, quanto a tal diploma legislativo, o prazo
de um ano a que se refere o art. 16 da Constituição da República.
Para o decano do STF, Celso de Mello, o exame à regra de inelegibilidade,
fundada na alínea “k”, do inciso I, do artigo 1º, da Lei Complementar nº 64/90,
introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010, fazendo-a aplicável desde logo às
eleições de 2010, implicou vulneração ao princípio constitucional do ato jurídico
perfeito:
Cabe enfatizar, portanto, Senhor Presidente, que as normas de ordem
pública encontram, no postulado tutelar inscrito no art.. 5º, XXXVI, da Lei
Fundamental, um obstáculo político-jurídico absolutamente insuperável, a
significar que não podem desconstituir consequências jurídicas resultantes
de situações pretéritas nem imputar, a fatos lícitos ocorridos no passado,
efeitos novos limitativos de direitos, ainda mais se se tratar de direitos
fundamentais, como o direito de participação política, fundamento
legitimador da prerrogativa de ser candidato.
Assim, asseverou que, ao verificar se as inelegibilidades podem ser
consideradas penas, considerou que a situação prevista no artigo siso citado
caracteriza-se como uma sanção, mas não de natureza penal, por configurar a
denominada “inelegibilidade cominada”, “não obstante o caráter plenamente lícito do
57
ato [renúncia ao mandato] que foi tipificado como causa geradora dessa nova
modalidade de privação da cidadania passiva”:
É fato irrecusável que ela traduz uma gravíssima limitação ao direito
fundamental de participação política, pois impõe severa restrição à
capacidade eleitoral passiva do cidadão, o que o priva e o destitui do direito
de participação no processo político e também nos órgãos governamentais.
O último voto proferido foi o do ministro Cezar Peluso, então presidente do
STF. Ele se posicionou pelo provimento do RE 630147, entendendo que a Lei
Complementar 135, de 2010, altera o quadro dos competidores, modificando, assim,
o processo eleitoral.
De acordo com o ministro, a aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa
não estaria em consonância com o artigo 16 da Carta Magna, que tem o escopo de
não permitir casuísmo, garantindo os bons trabalhos e segurança eleitorais.
O presidente do Supremo tratou a inelegibilidade como uma sanção, e por tal
motivo não poderia retroceder para alcançar situações passadas.
[...] a despeito de esse inciso como tal não violar nenhuma norma
constitucional, só pode tolerar interpretação de que alcança fatos que
venham a suceder depois de um ano de entrada em vigor da lei, e, ainda
assim, fatos praticados depois do seu início de vigência.
Após horas de debates, a sessão de votação no plenário do Supremo
Tribunal Federal foi encerrada como o empate de 5 votos sobre o provimento ou o
não provimento do RE 630147. Os ministros que votaram pelo não provimento, ou
seja, pelo indeferimento da candidatura de Joaquim Roriz foram os ministros: Ayres
Britto (relator), Cármen Lúcia, Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Ellen
Gracie. No sentido contrário, votaram pelo provimento os ministros Dias Toffoli,
Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Cezar Peluso.
O empate gerado após o julgamento do RE 630147 fez com que o Plenário do
Supremo Tribunal Federal decidisse pela suspensão da proclamação do resultado,
uma vez que o Regimento Interno do STF não prevê uma solução para casos de
empate quanto há vacância de ministro56.
Alguns dias após o julgamento, o candidato a governador do Distrito Federal,
Joaquim Roriz, e a coligação Esperança Renovada requereram, diante da iminente
56
O STF julgou o recurso com apenas 10 Ministros. O Ministro Eros Grau havia se aposentado e
nenhuma nomeação para a vaga em aberto havia sido feita.
58
eleição, a desistência do Recurso Extraordinário perante o STF. O candidato Roriz
renunciou à sua candidatura e colocou para concorrer em seu lugar à vaga de
governador do Distrito Federal sua esposa, Weslian Roriz.
Assim, acabou-se extinguindo o processo, mas reconhecendo a repercussão
geral do dispositivo da Lei da Ficha Limpa que torna inelegível quem tenha
renunciado ao cargo. A repercussão geral permitiria que a decisão tomada pudesse
ser aplicada, automaticamente, a outros recursos que tratassem de questão idêntica
ao recurso que vier a ser julgado.
4.1.2.2. Caso Jader Barbalho – Recurso Extraordinário 631102
O STF foi novamente provocado a se manifestar sobre a aplicação da Lei
Complementar 135 às eleições de 2010, no RE 631102, cujo relator foi o Ministro
Joaquim Barbosa. O recorrente do Recurso Ordinário do TSE era o candidato ao
cargo de senador pelo estado do Pará, Jader Barbalho. O Recurso Extraordinário
tentava impugnar decisão do TSE que havia cassado o registro de sua candidatura
com fundamento em inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa.
Jader Barbalho, em 2010, concorreu ao cargo de Senador da República e
obteve mais de um milhão de votos, o que permitia que exercesse o mandato no
Senado Federal representando o estado do Pará. Entretanto, os votos obtidos não
foram considerados válidos, pelo candidato ter tido o registro de sua candidatura
impugnado.
A impugnação da candidatura se deu sob o argumento de inelegibilidade
decorrente da renúncia ao mandato de senador, ocorrida no ano de 2001. O
Ministério Público Eleitoral do Estado do Pará fundamentou a impugnação pelo
artigo 1º, inciso I, alínea “k”, da Lei das Inelegibilidades (LC 64/90), modificada pela
Lei da Ficha Limpa.
O ministro relator, Joaquim Barbosa, assim como no RE 630147, votou pelo
não provimento do recurso, fundamentando-se que a Lei Complementar 135 deve
ser aplicada de imediato, já nas eleições de 2010.
[...] na ponderação entre os valores concernentes aos interesses políticos
individuais e valores de direitos políticos em sua dimensão coletiva, os
primeiros devem ceder pontualmente em face de um princípio de maior
envergadura constitucional que é a própria democracia, que não passa de
um mero conceito vazio, se não estiver revestida de legitimação.
59
[...] a renúncia é ato de quem não se preocupa com a sua biografia, mas de
quem leva em consideração apenas a chance, agora obstada, de conseguir,
mais uma vez, ser reeleito e de fazer uso das inúmeras prerrogativas e
benefícios que a condição de parlamentar propicia.
Assim, como ato reprovável que é, a renúncia tática para fugir ao
esclarecimento público do comportamento parlamentar merece, sim, ser
incluída entre os atos que maculam a vida pregressa do candidato.
Acompanharam integralmente o voto magistral do eminente relator em negar
provimento ao recurso os ministros: Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia, ambos
também membros do TSE naquele período, bem como os ministros Ayres Britto e
Ellen Gracie. Todos mantiveram seus posicionamentos no mesmo sentido do
apresentado no RE de Joaquim Roriz.
Do outro lado, os mesmos cinco membros do STF que foram a favoráveis ao
provimento do RE de Roriz também mantiveram seus posicionamentos no sentido
de prover, ou seja, acatar o pedido de deferir o registro da candidatura de Jader
Barbalho. Foram os ministros Dias Toffoli, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Celso de
Mello e Cezar Peluso.
O ministro Marco Aurélio salientou, em seu voto, que a alínea “k” do art. 1º, I,
da Lei n.º 64, de 1990, modificada pela LC 135, de 2010, não decorre da iniciativa
popular, pois a renúncia foi elevada a causa de inelegibilidade por emenda ao
projeto de lei.
O ministro Celso de Mello, ressaltou a importância do princípio da segurança
jurídica no processo eleitoral:
[...] que a garantia da anterioridade eleitoral ganha relevo e assume aspecto
de fundamentalidade, subsumindo-se ao âmbito de proteção das cláusulas
petreas, cujo domínio - a partir de exigências inafastáveis fundadas no
princípio da segurança jurídica e apoiadas no postulado que consagra a
proteção da confiança do cidadão no Estado – impede que qualquer ato
estatal, ainda que se trate de emenda à Constituição (ou, até mesmo, de
interpretação judicial), descaracterize o sentido e comprometa a própria
razão de ser do postulado inscrito no art. 16 da Constituição da República.
Novamente o Supremo Tribunal Federal se viu diante de um empate. Todavia,
diferentemente do que aconteceu no julgamento do RE 630147, STF entendeu que
a decisão do TSE é que iria prevalecer. Para chegar a essa solução, aplicou-se por
analogia, o artigo 205, parágrafo único, inciso II, do Regimento Interno do STF.
Desse modo, o recurso foi desprovido e a decisão do TSE, de impugnar a
candidatura de Jader Barbalho ao cargo de Senador, foi mantida no Pretório
60
Excelso, com fundamento na inelegibilidade prevista na alínea "k", da Lei da Ficha
Limpa.
4.1.2.3. Caso Leonídio Bouças – Recurso Extraordinário 633703
Embora o STF tenha achado uma solução para o julgamento do RE 631102,
por prevalecer as decisões do TSE, muitas insatisfações ainda surgiam no cenário
político nacional. Assim, pela terceira vez a Corte Suprema foi chamada a se
manifestar sobre a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa e produção de seus
efeitos nas eleições de 2010.
No entanto, diferentemente dos outros casos analisados, a vaga deixada pelo
ministro Eros Grau, aposentado em agosto de 2010, foi preenchida. O novo ministro
do STF, indicado pela presidenta Dilma Rousseff, foi o ministro do Superior Tribunal
de Justiça, Luiz Fux. Sua posse se deu em 3 de março de 2011.
Agora, com nenhuma vaga a ser preenchida, o RE 633703 ajuizado por
Leonídio Henrique Bouças, poderia ser julgado de acordo com o entendimento da
maioria dos ministros do STF.
Leonídio Bouças, candidato nas eleições de 2010, ao cargo de deputado
estadual do estado de Minas Gerais, teve o registro de sua candidatura negado, em
razão de condenação por improbidade administrativa no ano de 2002 pelo Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, nos termos do artigo 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei
Complementar 64/90,com redação dada pela Lei Complementar 135/2010.
O relator do RE 633703 foi o ministro Gilmar Mendes, que, em seu voto,
destacou, assim como no RE 630147 e 631102, que o princípio da anterioridade
eleitoral, previsto no artigo 16 da Carta Magna, é uma garantia constitucional das
minorias e constitui cláusula pétrea:
Com efeito, a inclusão de novas causas de inelegibilidade diferentes das
inicialmente previstas na legislação, além de afetar a segurança jurídica e a
isonomia inerentes ao devido processo legal eleitoral, influencia a própria
possibilidade de que as minorias partidárias exerçam suas estratégias de
articulação política em conformidade com os parâmetros inicialmente
instituídos.
O pleno exercício de direitos políticos por seus titulares (eleitores,
candidatos e partidos) é assegurado pela Constituição por meio de um
sistema de normas que conformam o que se poderia denominar de devido
processo legal eleitoral. Na medida em que estabelecem as garantias
fundamentais para a efetividade dos direitos políticos, essas regras também
compõem o rol das normas denominadas cláusulas pétreas e, por isso,
estão imunes a qualquer reforma que vise a aboli-las.
61
O ministro Luiz Fux, mais novo membro da Suprema Corte, votou após o
relator fundamentando o seu voto no princípio da anualidade, na proteção da
segurança jurídica e na proteção da confiança, ou seja, contra a aplicação imediata
da Lei da Ficha Limpa. Desse modo, o voto do ministro Fux consolidou o
entendimento do plenário do Supremo, por 6 votos a 5, no sentido de que a Lei
Complementar 135 só poderia ser aplicada efetivamente nas eleições de 2012:
À Suprema Corte brasileira descabe simplesmente reescrever o art. 16 da
Constituição Federal, no sentido de que, onde se lê “não se aplicando à
eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”, seja lido como
marco temporal a data da realização das convenções partidárias, ou a data
em que ocorrido o registro da candidatura, porquanto já tomada a decisão,
pelo legislador constitucional, a respeito do marco inicial para a segurança
jurídica no processo eleitoral, qual a inteireza do ano em que ocorrem as
eleições.
O ministro salientou que as novas causas de inelegibilidades alteram o
processo eleitoral, visto que restringem direitos dos candidatos a cargos eletivos:
A restrição do âmbito de legitimados a concorrem no pleito, veiculada por
normas de inelegibilidade, como fez a LC nº 135/10, configura inequívoca
alteração no processo eleitoral, entendido como a série concatenada de
atos dirigidos à definição dos mandatários políticos através do jogo
democrático. Entendimento diverso conduziria ao paradoxo de consentir
fosse dado aos titulares do poder a edição, em conflito com o princípio do
pluralismo político (CF, art. 1º, V), de regras de exceção restritivas do ponto
de vista subjetivo, interferindo na igualdade de chances de acesso aos
cargos públicos.
A regra do art. 16 da CF, ao concretizar o princípio da segurança jurídica no
domínio eleitoral, definiu um marco claro e preciso para a eficácia de novas
leis que pretendam alterar o processo eleitoral, qual seja: a lei não pode
atingir as eleições que ocorram no mesmo ano em que iniciada sua
vigência. E um ano, evidentemente, não é igual a quatro meses, espaço de
tempo que medeia entre o mês de junho (entrada em vigor da LC nº 135/10)
e o mês de outubro (mês de realização das eleições).
O eminente ministro Luiz Fux enfatizou os princípios da segurança jurídica e
da proteção da confiança, para fundamentar seu voto no sentido da não
aplicabilidade imediata da Lei da Ficha Limpa:
O princípio da proteção da confiança, imanente ao nosso sistema
constitucional, visa a proteger o indivíduo contra alterações súbitas e
injustas em sua esfera patrimonial e de liberdade, e deve fazer irradiar um
direito de reação contra um comportamento descontínuo e contraditório do
Estado.
A aplicação imediata da novel lei agride o princípio da proteção da
confiança, dimensão subjetiva do princípio da segurança jurídica, tornando
incerto o que certo, instável o que o texto constitucional buscou preservar.
Como corolário do dispositivo, todo e qualquer candidato ou eleitor não
62
esperavam ser afetados pelas mudanças encartadas na LC nº135/10 em
relação às eleições de 2010.
4.1.2.4. As Ações Declaratórias de Constitucionalidade – ADC 29 e 30
Embora o STF tenha definido sobre a não aplicabilidade da Lei da Ficha
Limpa nas eleições gerais do ano de 2010, a sua constitucionalidade ainda não
havia sido objeto de discussão e julgamento no Plenário do Pretório Excelso. Foi
somente no ano de 2012, pela relatoria do Ministro Luiz Fux, que isso ocorreu.
Chegou-se ao entendimento de que a Lei é, realmente, constitucional.
Por meio da análise conjunta das Ações Declaratórias de Constitucionalidade
(ADC 29 e 30) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4578) prevaleceu o
entendimento, por maioria de votos (7 x 4), a favor da constitucionalidade da Lei
Complementar 135/2010. Os ministros do STF ainda decidiram que a lei aplicar-se-á
a partir das eleições de 2012 e alcançará atos e fatos ocorridos antes da sua
vigência.
A Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) propôs, em março
de 2011, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 4578 – questionando o artigo
1º, inciso I, alínea “m” da Lei Complementar 64/90, alterada pela LC 135/2010 – Lei
da Ficha Limpa. Para a confederação o dispositivo em questão sofria de chapada
inconstitucionalidade. Em seu entender, os conselhos profissionais são órgãos de
estrita
fiscalização
da
atividade
profissional,
por
isso
as
sanções
que,
eventualmente, fossem aplicadas a seus fiscalizados não poderiam transbordar de
seu universo corporativo. Desse modo, a declaração de inconstitucionalidade do
dispositivo era pedida com esse argumento.
Já, em abril de 2011, o Partido Popular Socialista – PPS – pediu o
reconhecimento da validade da Lei da Ficha Limpa à Corte, com o fito de que ela se
aplicasse ao pleito de 2012 abrangendo fatos ocorridos antes de sua vigência. A
Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 29 – pretendia ratificar os
dispositivos da LC 135/2010 referentes às inelegibilidades, aplicando-os a fatos
anteriores à vigência da norma, sem que, com isso, causasse qualquer prejuízo aos
princípios da irretroatividade das leis e da segurança jurídica. Argumentou que os
dispositivos da Ficha Limpa, apenas, dão cumprimento ao que é determinado na
Constituição no artigo 14, parágrafo 9º. Por isso, poder-se-ia aplicar as restrições a
atos e fatos anteriores a vigência da lei. Além disso, discorreu que o aparente
63
conflito com o princípio da irretroatividade da lei penal não se caracteriza, uma vez
que não se trata pena, mas sim, uma mera restrição ao direito de ser votado.
A outra Ação Declaratória de Constitucionalidade – ADC 30 – foi ajuizada pela
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em maio daquele ano. Pedia a declaração
de constitucionalidade de todo o texto da Lei da Ficha Limpa. Na ação, a OAB
afirmou que a Lei da Ficha Limpa, quando estabeleceu as novas hipóteses de
inelegibilidade, não feriu aos princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade.
Alegou que a aplicabilidade da norma a atos e fatos passados não ofendia aos
princípios da coisa julgada, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito. Ainda,
frisava que inelegibilidade não se tratava de pena, pois, não impunha punição a
quem quer que fosse. Uma vez que as regras e sanções previstas na Lei da Ficha
Limpa são de natureza unicamente eleitoral.
O julgamento das três ações iniciou–se no dia nove de novembro de 2011. O
primeiro a proferir o seu voto foi o Ministro relator, Luiz Fux. Ele considerou
improcedente a ADI 4578, todavia declarou a parcial constitucionalidade da norma.
Fez uma ressalva no sentido de que havia na lei uma desproporcionalidade na
fixação no prazo de oito anos de inelegibilidade após o cumprimento da pena. Para
ele, esse tempo deveria ser descontado do prazo entre a condenação e o trânsito
em julgado da sentença.
Além disso, fez uma análise histórica do princípio da presunção da inocência,
firmando o seu entendimento de que esse princípio no âmbito do direito eleitoral,
deve ser flexibilizado, diferentemente do direito criminal. Além disso, disse acreditar
que a norma respeita o tripé adequação, necessidade e proporcionalidade.
O segundo a se manifestar foi o ministro Joaquim Barbosa, entretanto pelo
seu pedido de vista o voto só foi apresentado em 1º de dezembro. Em seu voto-vista
apontou que a Lei da Ficha Limpa está harmonizada com o parágrafo 9º do artigo 14
da Constituição Federal. Destacou a importância do estabelecimento dos princípios
da Lei da Ficha Limpa e o quão árduo foi o caminho percorrido para chegar àquela
norma. Salientou ainda que até a Lei Complementar 64 mostrou-se inapta, por
estabelecer exíguos prazos de inelegibilidade e a exigência de trânsito em julgado
de sentença condenatória. Quanto a ADI 4578 ele a julgou improcedente lembrando
que a condenação por infração ético-profissional macula a vida pregressa do
candidato a cargo eletivo, demonstrando a sua inaptidão para interferência na
gestão da coisa pública.
64
O terceiro ministro a votar foi Dias Toffoli. Ele também pediu vistas do
processo, suspendendo o julgamento. Somente no dia quinze de fevereiro de 2012 o
julgamento foi retomado. Ele baseou o seu voto no princípio da presunção de
inocência. Salientou que a inelegibilidade só poderia abranger ao cidadão que
tivesse sua condenação transitada em julgado conforme o artigo 15, inciso III, da
Constituição Federal. Sobre a retroatividade da lei, o ministro Dias Toffoli votou pela
sua aplicação a fatos ocorridos anteriormente à sua edição.
A próxima a proferir o seu voto foi a ministra Rosa Weber. No seu
entendimento a Lei da Ficha Limpa é inteiramente constitucional. Segundo ela a
norma se caracteriza pelo esforço da sociedade brasileira em trazer a seara política
uma norma moralizadora. Afirmou que as regras constitucionais sobre inelegibilidade
são para assegurar a soberania popular em sua plenitude e que não há nessas
regras caráter sancionador ou natureza jurídica de sanção penal.
A ministra Cármen Lúcia foi a próxima a emitir o seu voto e a defender a
constitucionalidade da lei. Frisou que a democracia representativa demanda uma
representação ética. A ministra disse entender que os que questionam a lei partem
de uma premissa da qual ela não adere, no sentido de que a inelegibilidade seria
uma forma de pena. Quanto a ADI 4578, a ministra acompanhou o entendimento do
relator, ou seja, pela improcedência da ação.
O sexto ministro a votar foi Ricardo Lewandowski, que votou pela total
constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Ressaltou que a norma foi de iniciativa
popular, aprovada em unanimidade nas duas Casas Legislativas e sancionada sem
qualquer veto por parte do Presidente da República. Quanto ao princípio da não
culpabilidade, o ministro explicou que o trânsito em julgado cabe para os casos de
sentença penal condenatória e que o princípio da presunção de inocência não pode
ser interpretado de forma ampla, para toda e qualquer situação restritiva de direito e
decorrente de ato jurisdicional.
O ministro Ayres Britto foi o sétimo a se manifestar. Ele votou favoravelmente
à Lei Complementar 135/2010 por entender que a Lei da Ficha Limpa tem a ambição
de mudar uma cultura perniciosa, de malversação da coisa pública, para implantar
no país o que se poderia chamar de qualidade de vida política, pela melhor seleção,
pela melhor escolha dos candidatos, candidatos respeitáveis.
O oitavo ministro a proferir seu voto foi Gilmar Mendes. Para ele, a lei não
pode retroagir para alcançar candidatos que já perderam seus cargos eletivos.
65
Segundo o ministro, a lei não pode retroagir para alcançar atos e fatos passados,
sob pena de violação ao princípio constitucional da segurança jurídica (art. 5º, inciso
XXXVI).
O Ministro Marco Aurélio se manifestou favoravelmente à constitucionalidade
dos dispositivos da Lei Complementar 135. O ministro julgou totalmente procedente
a ADC 30 e improcedente a ADI 4578. Quanto à ADC 29 votou pela improcedência
da ação. Para ele a lei não pode retroagir para alcançar atos e fatos jurídicos
pretéritos da entrada em vigor da norma, ou seja, junho de 2010, em estrita
observância ao princípio da segurança jurídica.
O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, foi o décimo
a votar e se manifestou pela inconstitucionalidade da regra da Lei Complementar
135/10, que prevê a suspensão de direitos políticos sem decisão condenatória
transitada em julgado. Além disso, assim como o Ministro Marco Aurélio, ele entende
que a norma não pode retroagir para alcançar fatos pretéritos. A aplicação dessa
norma iria de encontro ao artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal, que
integra o chamado “núcleo duro” da Carta Magna e tem como objetivo impedir
formulações casuísticas de lei.
Por derradeiro, o ministro Cezar Peluso votou. Segundo seu juízo, a Lei
Complementar 135/2010, ao dispor sobre inelegibilidade, não poderia alcançar fatos
ocorridos antes de sua vigência. O ministro Peluso disse concordar com o
argumento de que o momento de aferir a elegibilidade de um candidato é o
momento do pedido de registro de candidatura. Ele frisou que o juiz eleitoral tem que
estabelecer qual norma vai aplicar para fazer essa avaliação. Para o ministro, deve
ser uma lei vigente ao tempo do fato ocorrido, e não uma lei editada posteriormente.
5. A
INCONVENIÊNCIA
DA
APLICAÇÃO
DA
FICHA
LIMPA
SEM
A
OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE ELEITORAL
A Lei da Ficha Limpa, sem dúvida, significou ao nosso ordenamento jurídico
um importante meio de combate a corrupção política de nosso país. Ela significou a
evolução de um povo indignado com as mazelas e impunidade de muitos políticos
corruptos. A regra visa, acima de tudo, proteger a democracia representativa. O
movimento para a aprovação da Lei da Ficha Limpa com aproximadamente 1,6
milhão de assinaturas comprova isso.
66
Entretanto, apesar de toda importância da lei, não se pode olvidar que há
princípios constitucionais que devem ser considerados independentemente do caso
e da vontade popular. Estamos a falar do princípio da anterioridade ou anualidade
eleitoral. Tal princípio, juntamente com o da segurança jurídica, proporcionam ao
cidadão, aos candidatos e aos partidos políticos, enfim, a todos, a garantia de que
não existirão alterações eleitorais há menos de um ano da eleição.
A desconsideração do artigo 16 da Constituição Federal de 1988 pode nos
fazer retroceder ao início da história política brasileira, na qual as regras eleitorais
eram definidas por leis casuístas e parciais, que alimentavam sistemas autoritários.
Como exemplo, embora não seja objeto deste trabalho e apenas para suscitar a
respeito do tema, podemos citar o ocorrido no ano eleitoral de 2002. O Tribunal
Superior Eleitoral mudou entendimento pacificado sobre as coligações partidárias.
Decidiu que as coligações deveriam, obrigatoriamente, ser seguidas em todas as
esferas. Com esse entendimento, o TSE desconsiderou o princípio da anualidade
eleitoral naquele ano.
Quanto ao cerne deste estudo, aqueles que defendiam a imediata aplicação
da Lei Complementar 135, de 2010, ao pleito que ocorreria naquele ano, prendiamse ao argumento de que as inovações trazidas pelo novel jurídico não abrangiam a
alterações ao processo eleitoral. Tal interpretação, dada inclusive pela maioria dos
ministros do TSE, contrariava o conceito de processo eleitoral dado pelo STF e,
posteriormente, ratificado no julgamento do RE 633703:
Não se discute aqui a conveniência da adoção desta ou daquela regra de
inelegibilidade, notadamente num cenário em que é unânime o diagnóstico
quanto à necessidade de aperfeiçoamento de nosso sistema eleitoral. O
que se anota é a surpresa quanto á redução do universo de aplicação
objetiva da regra do art. 16 da CF, de modo a permitir que, no lugar dessa
garantia constitucional, atue um juízo “caso a caso” que o TSE reservou a si
para aplicar no exercício de uma atividade “moderadora”, semelhante
57
àquela reservada ao Imperador no Brasil, na Constituição de 1824 .
Entendemos, utilizando das palavras do Dr. Arnaldo Malheiros, que a
dilapidação ao principio da anterioridade eleitoral dada pelo TSE, no caso da Lei da
Ficha Limpa, não se adequava à realidade, uma vez que as alterações trazidas pela
lei interferiam no processo eleitoral e não apenas em matéria de direito:
57
PENTEADO (2010, p. 110)
67
É cediço que as normas sobre inelegibilidade são de direito material, e não
instrumental, e mais óbvio ainda que não são processuais, caso em que
vigorariam desde a sua introdução no sistema legal (...).
A lei nova é inaplicável ao pleito [de 2010] exatamente porque no momento
da sua publicação já haviam ocorrido vários atos necessários ao
funcionamento das eleições: (...)
- Os pretendentes a cargos eletivos que ocupavam determinados cargos ou
funções ou exerciam mandatos eletivos no Poder Executivo de qualquer
esfera administrativa já se desincompatibilizaram ou estão inelegíveis se
não o fizeram;
- Desde 6.4.2010, os órgãos de direção nacional dos partidos políticos
teriam de publicar, no Diário Oficial da União, as normas para a escolha e
substituição de candidatos e para a formação de coligações, na hipótese de
58
omissão dos respectivos estatutos (Lei n°9.504/1997 , art. 7°, § 1°) (...) .
O Supremo Tribunal Federal decidiu pela não aplicabilidade imediata da Lei
da Ficha Limpa no ano de 2010, pois, por não ser observado o princípio da
anterioridade eleitoral, o princípio da segurança jurídica também era ferido. Com
esta decisão vários recursos foram interpostos na Corte Suprema com pedido liminar
para antecipação de tutela para a diplomação no cargo para àqueles que foram
eleitos.
O ex-Senador Jader Barbalho interpôs embargos, no RE 631102, no sentido
de que houvesse o juízo de retratação da Corte. Como houve uma decisão do STF
RE 633703 entendendo pela inaplicabilidade da LC 135/2010 ao pleito de 2010 abriu
precedente para que o embargante pudesse tomar posse na vaga de Senador do
Estado do Pará. Entretanto, mais uma vez o Plenário do Supremo não estava
completo devido à vaga deixada pela aposentadoria da Ministra Ellen Gracie. Ao
votarem houve, novamente, empate no Plenário da Corte. Foram 5 votos rejeitando
os embargos – declarados pelos Ministros Joaquim Barbosa (Relator), Luiz Fux,
Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Ayres Britto – e os acolhendo, conforme
entendimento dos Ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de
Mello e Cezar Peluso (Presidente).
Os Ministros novamente entenderam que seria necessário haver a posse do
novo ministro para que a decisão definitiva fosse tomada àquele caso. Contudo foi
apresentada, pelo Presidente, a questão de ordem, suscitada pelo requerente,
solicitando a conclusão do julgamento pela aplicação do voto de qualidade,
conforme verificado no Regimento Interno daquela Casa, no artigo 13, inciso IX, letra
“b”59. Por unanimidade os ministros encerraram o julgamento, em 14 de novembro
58
59
MALHEIROS, 2010, p. 24.
Art. 13. São atribuições do Presidente:
68
de 2011, e acolheram os embargos de declaração com o voto do Presidente,
Ministro Cezar Peluso:
(...) Estou colhendo agora essa manifestação. E não podemos ouvir o
eminente Relator, porque Sua Excelência está de licença médica, de modo
que vou encerrar o julgamento proclamando o resultado: o Tribunal
deliberou encerrar o julgamento com a aplicação do artigo 13, inciso IX,
letra “b”, do Regimento Interno, acolhendo os embargos e atendendo, por
conseguinte, ao requerimento agora apresentado. Ficará com o acórdão,
para Relator, o Ministro Dias Toffoli, de quem foi o primeiro voto nesse
60
sentido.
Neste caso, Jader Barbalho foi empossado Senador em 28 de dezembro de
2011, para o exercício de duas legislaturas, ou seja, até o ano de 2019.
Embora o sentimento da sociedade fosse o de que a LC 135/2010 tivesse de
ser de pronto, imediatamente, o STF manteve o entendimento – não julgando contra
a sociedade, mas, sim, baseando-se no ordenamento jurídico vigente – e exercendo
a sua função precípua de guardar o texto constitucional.
Notamos que cada Ministro se valeu de um pensamento diferente, e por
vezes, contraditórios, por negar ou conceder alguns recursos, mas, o que vale é
considerado é o entendimento da maioria para aplicação de uma norma. Utilizandome das palavras do Ministro Cezar Peluso nos autos dos embargos de declaração
no RE 631.102 que bem define o que é o julgamento de um órgão de Cúpula:
O colegiado não é uma orquestra em que todos devam executar a mesma
melodia. Pode ser que determinados sons para a plateia sejam
dissonantes, mas essa é a mecânica do julgamento colegiado.
Apesar de o respeito ao princípio da anterioridade eleitoral, no caso da Ficha
Limpa, trazer a possibilidade de candidatos “Ficha Suja” tomarem posse como
representantes do povo, entendemos que garantias e princípios constitucionais
devem ser inteiramente respeitados, uma vez que a relativização de princípios e
garantias podem abrir um perigoso precedente de cairmos no terreno do jogo dos
abusos e casuísmo legislativo.
IX – proferir voto de qualidade nas decisões do Plenário, para as quais o Regimento Interno não
preveja solução diversa, quando o empate na votação decorra de ausência de Ministro em virtude de:
(...)
b) vaga ou licença médica superior a trinta dias, quando seja urgente a matéria e não se possa
convocar o Ministro licenciado.
60
Estavam ausentes, justificadamente, Ministro Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Licenciado, o
Ministro Joaquim Barbosa.
69
6. CONCLUSÃO
É fato que apenas uma lei não é capaz de tornar todo o sistema político
honesto ou mudar a mentalidade dos eleitores em nosso país. Entretanto, não se
pode negar que um projeto de lei de iniciativa popular que tratou especificamente de
um tema diretamente ligado à escolha dos nossos representantes, revela muito mais
do que uma simples mobilização social. Mostra evolução, sobretudo, da consciência
e respeito ao que realmente significa a democracia.
A Lei da Ficha Limpa surgiu para viabilizar a aplicabilidade das causas de
inelegibilidade que se mostravam inaptas à proteção dos mais elevados valores
emanados da nossa Constituição. Os exíguos prazos de duração da inelegibilidade
em relação à duração dos mandatos eletivos aliado à exigência de trânsito em
julgado de decisões condenatórias fragilizavam o sistema e tornavam esses
preceitos praticamente inaplicáveis.
Ao levar-se em conta a vida pregressa dos candidatos, foi preciso que a
sociedade brasileira, num raro momento de efetiva mobilização, reunisse número
suficiente de assinaturas para apresentar um projeto de lei complementar destinado
a, de acordo com o § 9º do art. 14 da Constituição Federal, incluir hipóteses de
inelegibilidade que visam a proteger a probidade administrativa e a moralidade no
exercício do mandato.
A Lei surgiu da sociedade que lutava pela moralização da política brasileira,
com o intuito de não permitir que a manipulação ou engodo com falsas promessas
ou artimanhas políticas. Foi um sinal da consciência popular, que juntamente com a
mídia, foram capazes de forçar a aprovação pelo parlamento de uma lei desse
calibre.
Apesar a Lei da Ficha Limpa ter sido de suma importância para regrar um
parâmetro para aqueles que se dispõe a concorrer a um cargo eletivo, ela trouxe
novas situações jurídicas que, por isso, impediu a sua aplicabilidade imediata. E
toda alteração legislativa que possa mexer com a isonomia do processo eleitoral
deve se atentar para o princípio da anterioridade ou anualidade eleitoral. Tal
princípio trata-se de proteção à coletividade, por definir que as regras do jogo, ou
seja, os preceitos estabelecidos para o pleito eleitoral serão preservados.
E o Poder Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal, teve um papel
de suma importância em estabelecer que os princípios constitucionais fossem
70
respeitados, mesmo que a vontade da sociedade, em geral, fosse de encontro às
garantias constitucionais. A atuação judicial se deu para a melhoria e
aperfeiçoamento das instituições democráticas brasileiras. Uma vez que o Pretório
Excelso julgou a lei dentro dos parâmetros e ditames estabelecidos na Constituição
Federal. Não dando brecha para expor-la a avaliações discricionárias e promover
fissuras na base democrática e ordenamento jurídico de nosso país.
Portanto, a posição do Supremo Tribunal Federal no sentido de não aplicar a
Lei da Ficha Limpa, conforme entendimento dado pelo Tribunal Superior Eleitoral à
Lei, no pleito de 2010, respeitando o princípio do artigo 16 do Texto Constitucional,
da anterioridade ou anualidade eleitoral, mostrou-se acertada. Assim como declarar
a constitucionalidade da Lei integrando-a de vez no ordenamento jurídico brasileiro.
71
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JORNAL DO BRASIL. TSE: 138,5 milhões de eleitores votarão em outubro.
Disponível em: <http://www.jb.com.br/eleicoes-2012/noticias/2012/07/30/tse-1385milhoes-de-eleitores-votarao-em-outubro/>. Acesso em: 29 set. 2012.
74
ANEXO JURISPRUDENCIAL
A. CONSULTA. ALTERAÇÃO. NORMA ELEITORAL. LEI COMPLEMENTAR Nº
135/2010. APLICABILIDADE. ELEIÇÕES 2010. AUSÊNCIA DE ALTERAÇÃO NO
PROCESSO ELEITORAL. OBSERVÂNCIA DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS.
PRECEDENTES.
- Consulta conhecida e respondida afirmativamente.
(Consulta nº 112026, Acórdão de 10/06/2010, Relator(a) Min. HAMILTON
CARVALHIDO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 30/09/2010,
Página 20-21).
B. ELEIÇÃO 2010. REGISTRO DE CANDIDATURA. DEPUTADO ESTADUAL.
RECURSO ORDINÁRIO. ARTIGO 1º, I, l, DA LC Nº 64/90, COM A REDAÇÃO
DADA PELA LC Nº 135/2010. CONDENAÇÃO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS
POLÍTICOS. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LESÃO AO PATRIMÔNIO
PÚBLICO. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. RECONHECIMENTO. CAUSA DE
INELEGIBILIDADE.
RECURSO PROVIDO.
(Recurso Ordinário nº 213689, Acórdão de 25/11/2010, Relator(a) Min. HAMILTON
CARVALHIDO, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 25/11/2010).
C. Consulta. Inelegibilidades. Lei Complementar nº 135/2010.
1. No julgamento da Consulta nº 1120-26.2010.6.00.0000, o Tribunal assentou que a
LC nº
135/2010 tem aplicação às eleições gerais de 2010.
2. A LC nº 135/2010, que alterou as causas de inelegibilidade, se aplica aos
processos em tramitação iniciados, ou mesmo já encerrados, antes de sua entrada
em vigor, nos quais tenha
sido imposta qualquer condenação a que se refere a nova lei.
3. A incidência da nova lei a casos pretéritos não diz respeito à retroatividade de
norma eleitoral, mas, sim, à sua aplicação aos pedidos de registro de candidatura
futuros, posteriores à entrada em vigor, não havendo que se perquirir de nenhum
agravamento, pois a causa de inelegibilidade incide sobre a situação do candidato
no momento de registro da candidatura.
4. Exsurge da nova lei que a incidência de causas de inelegibilidade em face de
condenações por órgão colegiado, sem exigência de trânsito em julgado, resulta da
necessidade de exigir dos candidatos vida pregressa compatível para o exercício de
mandato.
Consulta respondida afirmativamente e, em parte, prejudicada.
(Consulta nº 114709, Acórdão de 17/06/2010, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI
LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 24/09/2010,
Página
21).
D. As inelegibilidades da Lei Complementar nº 135/2010 incidem de imediato sobre
todas as hipóteses nela contempladas, ainda que os respectivos fatos ou
condenações sejam anteriores à sua entrada em vigor, pois as causas de
75
inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de
registro da candidatura, não havendo, portanto, que se falar em
retroatividade da lei.
Tendo sido condenado pela Justiça Eleitoral, em decisão transitada em julgado, por
captação
ilícita de recursos de campanha, com a cassação de diploma, é inelegível o
candidato pelo
prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição em que praticado o ilícito, nos termos da
alínea j do
inciso I do art. 1º da Lei Complementar nº 64/90, na redação dada pela Lei
Complementar nº
135/2010.
Recurso ordinário a que se nega provimento.
(Recurso Ordinário nº 413721, Acórdão de 14/09/2010, Relator(a) Min. MARCELO
HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão,
Data
14/09/2010).
E. REGISTRO DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2010. SENADOR. CAUSA DE
INELEGIBILIDADE. ART. 1º, I, j DA LEI COMPLEMENTAR Nº 64/90.
CONFIGURAÇÃO.
1. A Lei Complementar nº 135/2010, que alterou a Lei Complementar nº 64/90, tem
aplicação
imediata aos pedidos de registro de candidatura das Eleições 2010, segundo
entendimento firmado por maioria nesta c. Corte.
2. Considerando que o recorrente Cássio Cunha Lima foi condenado, por decisões
colegiadas proferidas pela Justiça Eleitoral (AIJE nº 215 e AIJE nº 251), pela prática
de condutas vedadas aos agentes públicos, incide na espécie a causa de
inelegibilidade prevista no art. 1º, I, j da LC nº 64/90 com redação dada pela LC nº
135/2010, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição de 2006.
3. Recurso ordinário improvido para manter o indeferimento do registro de
candidatura do recorrente ao pleito de 2010.
(Recurso Ordinário nº 459910, Acórdão de 21/10/2010, Relator(a) Min. ALDIR
GUIMARÃES PASSARINHO JUNIOR, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão,
Data 21/10/2010).
F. AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
EM
JULGAMENTO
CONJUNTO.
LEI
COMPLEMENTAR Nº 135/10. HIPÓTESES DE INELEGIBILIDADE. ART. 14, § 9º,
DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. MORALIDADE PARA O EXERCÍCIO DE
MANDATOS ELETIVOS. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA À IRRETROATIVIDADE
DAS LEIS: AGRAVAMENTO DO REGIME JURÍDICO ELEITORAL. ILEGITIMIDADE
DA EXPECTATIVA DO INDIVÍDUO ENQUADRADO NAS HIPÓTESES LEGAIS DE
INELEGIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (ART. 5º, LVII, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL): EXEGESE ANÁLOGA À REDUÇÃO TELEOLÓGICA,
PARA LIMITAR SUA APLICABILIDADE AOS EFEITOS DA CONDENAÇÃO PENAL.
ATENDIMENTO
DOS
PRINCÍPIOS
DA
RAZOABILIDADE
E
DA
PROPORCIONALIDADE. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO:
FIDELIDADE POLÍTICA AOS CIDADÃOS. VIDA PREGRESSA: CONCEITO
76
JURÍDICO INDETERMINADO. PRESTÍGIO DA SOLUÇÃO LEGISLATIVA NO
PREENCHIMENTO DO CONCEITO. CONSTITUCIONALIDADE DA LEI.
AFASTAMENTO DE SUA INCIDÊNCIA PARA AS ELEIÇÕES JÁ OCORRIDAS EM
2010 E AS ANTERIORES, BEM COMO E PARA OS MANDATOS EM CURSO. 1. A
elegibilidade é a adequação do indivíduo ao regime jurídico - constitucional e legal
complementar - do processo eleitoral, razão pela qual a aplicação da Lei
Complementar nº 135/10 com a consideração de fatos anteriores não pode ser
capitulada na retroatividade vedada pelo art. 5º, XXXVI, da Constituição, mercê de
incabível a invocação de direito adquirido ou de autoridade da coisa julgada (que
opera sob o pálio da cláusula rebus sic stantibus) anteriormente ao pleito em
oposição ao diploma legal retromencionado; subjaz a mera adequação ao sistema
normativo pretérito (expectativa de direito). 2. A razoabilidade da expectativa de um
indivíduo de concorrer a cargo público eletivo, à luz da exigência constitucional de
moralidade para o exercício do mandato (art. 14, § 9º), resta afastada em face da
condenação prolatada em segunda instância ou por um colegiado no exercício da
competência de foro por prerrogativa de função, da rejeição de contas públicas, da
perda de cargo público ou do impedimento do exercício de profissão por violação de
dever ético-profissional. 3. A presunção de inocência consagrada no art. 5º, LVII, da
Constituição Federal deve ser reconhecida como uma regra e interpretada com o
recurso da metodologia análoga a uma redução teleológica, que reaproxime o
enunciado normativo da sua própria literalidade, de modo a reconduzi-la aos efeitos
próprios da condenação criminal (que podem incluir a perda ou a suspensão de
direitos políticos, mas não a inelegibilidade), sob pena de frustrar o propósito
moralizante do art. 14, § 9º, da Constituição Federal. 4. Não é violado pela Lei
Complementar nº 135/10 o princípio constitucional da vedação de retrocesso, posto
não vislumbrado o pressuposto de sua aplicabilidade concernente na existência de
consenso básico, que tenha inserido na consciência jurídica geral a extensão da
presunção de inocência para o âmbito eleitoral. 5. O direito político passivo (ius
honorum) é possível de ser restringido pela lei, nas hipóteses que, in casu, não
podem ser consideradas arbitrárias, porquanto se adequam à exigência
constitucional da razoabilidade, revelando elevadíssima carga de reprovabilidade
social, sob os enfoques da violação à moralidade ou denotativos de improbidade, de
abuso de poder econômico ou de poder político. 6. O princípio da proporcionalidade
resta prestigiado pela Lei Complementar nº 135/10, na medida em que: (i) atende
aos fins moralizadores a que se destina; (ii) estabelece requisitos qualificados de
inelegibilidade e (iii) impõe sacrifício à liberdade individual de candidatar-se a cargo
público eletivo que não supera os benefícios socialmente desejados em termos de
moralidade e probidade para o exercício de referido munus publico. 7. O exercício
do ius honorum (direito de concorrer a cargos eletivos), em um juízo de ponderação
no caso das inelegibilidades previstas na Lei Complementar nº 135/10, opõe-se à
própria democracia, que pressupõe a fidelidade política da atuação dos
representantes populares. 8. A Lei Complementar nº 135/10 também não fere o
núcleo essencial dos direitos políticos, na medida em que estabelece restrições
temporárias aos direitos políticos passivos, sem prejuízo das situações políticas
ativas. 9. O cognominado desacordo moral razoável impõe o prestígio da
manifestação legítima do legislador democraticamente eleito acerca do conceito
jurídico indeterminado de vida pregressa, constante do art. 14, § 9.º, da Constituição
Federal. 10. O abuso de direito à renúncia é gerador de inelegibilidade dos
detentores de mandato eletivo que renunciarem aos seus cargos, posto hipótese em
perfeita compatibilidade com a repressão, constante do ordenamento jurídico
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brasileiro (v.g., o art. 55, § 4º, da Constituição Federal e o art. 187 do Código Civil),
ao exercício de direito em manifesta transposição dos limites da boa-fé. 11. A
inelegibilidade tem as suas causas previstas nos §§ 4º a 9º do art. 14 da Carta
Magna de 1988, que se traduzem em condições objetivas cuja verificação impede o
indivíduo de concorrer a cargos eletivos ou, acaso eleito, de os exercer, e não se
confunde com a suspensão ou perda dos direitos políticos, cujas hipóteses são
previstas no art. 15 da Constituição da República, e que importa restrição não
apenas ao direito de concorrer a cargos eletivos (ius honorum), mas também ao
direito de voto (ius sufragii). Por essa razão, não há inconstitucionalidade na
cumulação entre a inelegibilidade e a suspensão de direitos políticos. 12. A extensão
da inelegibilidade por oito anos após o cumprimento da pena, admissível à luz da
disciplina legal anterior, viola a proporcionalidade numa sistemática em que a
interdição política se põe já antes do trânsito em julgado, cumprindo, mediante
interpretação conforme a Constituição, deduzir do prazo posterior ao cumprimento
da pena o período de inelegibilidade decorrido entre a condenação e o trânsito em
julgado. 13. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente.
Ações declaratórias de constitucionalidade cujos pedidos se julgam procedentes,
mediante a declaração de constitucionalidade das hipóteses de inelegibilidade
instituídas pelas alíneas "c", "d", "f", "g", "h", "j", "m", "n", "o", "p" e "q" do art. 1º,
inciso I, da Lei Complementar nº 64/90, introduzidas pela Lei Complementar nº
135/10, vencido o Relator em parte mínima, naquilo em que, em interpretação
conforme a Constituição, admitia a subtração, do prazo de 8 (oito) anos de
inelegibilidade posteriores ao cumprimento da pena, do prazo de inelegibilidade
decorrido entre a condenação e o seu trânsito em julgado. 14. Inaplicabilidade das
hipóteses de inelegibilidade às eleições de 2010 e anteriores, bem como para os
mandatos em curso, à luz do disposto no art. 16 da Constituição. Precedente: RE
633.703,
Rel.
Min.
GILMAR
MENDES
(repercussão
geral).
(ADC 29, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 16/02/2012,
PROCESSO ELETRÔNICO DJe-127 DIVULG 28-06-2012 PUBLIC 29-06-2012)
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Anderson Evangelista Silva - Universidade Católica de Brasília