O Regresso das Bandeiras
Notas para Intervenção na Sessão de Abertura das Comemorações dos
80 anos da Jornada de Agitação e Luta de Fevereiro de 1935, no Barreiro
Boa tarde a todos,
Bem-vindos ao Barreiro,
Bem-vindos ao Espaço Memória,
Há 80 anos, na madrugada do dia 28 de fevereiro de 1935, vários homens colaram por toda a
Vila do Barreiro e Lavradio manifestos e tarjetas “Contra a guerra imperialista e o fascismo”,
“Contra a ditadura de Salazar”, pelo apoio ao “Socorro Vermelho Internacional”, pela “Jornada
de 7 horas sem redução de Salários”, entre outras reivindicações.
Colaram em portas, paredes, janelas, candeeiros. Às centenas.
As mesmas frases, pintaram-nas a preto em várias paredes.
Na mesma noite, foram hasteadas bandeiras vermelhas em algumas das principais ruas do
Barreiro. Na Rua Heliodoro Salgado, na Rua Joaquim António Aguiar, na Avenida da Bélgica
(atual Av. Alfredo da Silva), na Rua do Campo do Luso e na Rua Miguel Bombarda (Lavradio).
Mas a maior surpresa guardava-a a Chaminé das Oficinas Gerais da CP. Bem no topo dos seus
36 metros, ondulava ao vento uma bandeira vermelha na qual alguém pintara uma foice e um
martelo e as iniciais P.C.P.
Nessa noite, durante as últimas horas da madrugada, a GNR percorrerá todo o concelho.
Arrancando tarjetas e manifestos, cobrindo com cal as inscrições nas paredes, retirando as
bandeiras hasteadas nas ruas.
Restará a Chaminé das Oficinas Gerais da CP. Aí, a bandeira vermelha hasteada durante a noite
lançará o seu desafio até meio da manhã. Toda a Vila a vê. Não há como apaga-la.
Serão precisas equipas técnicas da C.P. para subir os 36 metros da Chaminé das Oficinas Gerais
e retirar a bandeira vermelha.
Já era tarde.
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Este episódio – o episódio das Bandeiras Vermelhas – será recordado durante gerações,
tornando-se parte inalienável da memória coletiva do Barreiro e do seu papel na resistência ao
regime fascista do “Estado Novo”.
Nele encontra-se a coragem de um punhado de barreirenses que afrontou a ditadura do
Estado Novo, numa época em que qualquer manifestação de resistência ao regime
representava o sacrifício da liberdade ou risco da própria vida, com a determinação do Partido
Comunista Português para, num quadro de duríssima repressão, indissociável do crescimento
do nazi-fascismo na Europa e da publicação da Constituição de 1933 em Portugal, levar a
efeito na vila operária do Barreiro uma surpreendente ação de agitação e protesto.
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Cabe a cada um de nós – a todos – travar a batalha da memória.
Cabe, naturalmente, às autarquias.
Dar voz ao tempo e aos homens, também dando memória aos que a não têm ou aos que vão
vendo a sua memória apagada e esquecida, é uma das funções deste Espaço Memória.
Com ele assumimos o papel ativo que defendemos para a administração pública na assunção
de políticas de valorização da memória.
Entendemos que passos como este assumem importância na formação da nossa identidade e
na compreensão dos alicerces do projeto societário nascido da Revolução de Abril.
Confiamos que defendendo e valorizando a memória tornamos possível e efetiva a
transmissão às gerações presentes e vindouras de experiências e percursos culturais
concretos.
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Foi há relativamente pouco tempo que “descobrimos” as bandeiras.
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Trabalhando outros temas, encontrámos na Torre do Tombo, nos arquivos da PIDE, o
“Processo das Bandeiras” como ficou conhecido.
Lá estava tudo. Os processos da polícia, os folhetos, as tarjetas, os relatos e, por último,
algumas das bandeiras.
A nossa memória estava ali. À nossa frente.
Era imprescindível resgata-la.
Era urgente fazer-lhe perguntas. Deixá-la respirar. Ouvir-lhe as respostas.
Até porque promover hoje o Regresso das Bandeiras era, para nós e a múltiplos títulos, um ato
pleno de significado.
Mais que o regresso daquelas bandeiras em concreto ao local do seu nascimento enquanto
atores duma história identificável e contável (um local que marcou e foi marcado pelo seu
potencial simbólico), assinalamos o regresso de um tempo de bandeiras.
Tomamos o nosso lugar na construção de um tempo de ideias. Assumimos a urgência de um
tempo de ideais.
Partimos para o debate. Qual o papel da memória? Como nascem e vivem os mitos, e o que
são? Que força e que sentido há neste ato praticado há 80 anos? Que contextos, então e
agora? Que agentes? Que caminhos? Que resistências?
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E este encontro ganhou um significado reforçado à medida que fomos percebendo que ao
nosso entusiasmo se somava o do Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
A quem, na pessoa do seu diretor, é imprescindível dirigir um enorme agradecimento.
O conjunto de comemorações que hoje se inicia e que se estenderá ao longo de todo o
primeiro semestre de 2016 só é possível graças a eles.
A própria ideia que está na origem deste ato inaugural – a entrega simbólica do processo das
Bandeiras em suporte informático, para que o Município do Barreiro possa, igualmente,
disponibilizá-lo a investigadores, estudantes e interessados na história – sugerida pelo Dr.
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Silvestre Lacerda, é um exemplo claro desta vontade de trabalhar em conjunto, de construir e
de partilhar.
Muito obrigado!
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Durante este processo, e ao longo dos próximos meses, procurámos, e continuaremos a
procurar, associar a estas comemorações a todos os que, de alguma forma, sintam que os seus
interesses, objetivos, histórias e campos de trabalho e de intervenção se cruzam com os
nossos e com o significado destas comemorações.
E aqui deve ficar também um primeiro agradecimento ao grupo de teatro Vigilâmbulo Caolho,
que se juntou a nós de imediato. Que já hoje está aqui connosco. Que ainda no passado
sábado distribuiu clandestinamente e com grande sucesso, penso que nenhum dos agitadores
foi detido, propaganda revolucionária convidando para o evento de hoje.
O movimento associativo local, a comunidade educativa, os meios universitários, organizações
de trabalhadores, os familiares de intervenientes diretos nestas ações de há 80 anos, entes
públicos e privados…
A nós, e aos que se nos juntarem, depara-se-nos um enorme desafio:
Construir e concretizar soluções arrojadas que contribuam para uma maior visibilidade,
divulgação e interesse em torno das linhas de trabalho desenvolvidas.
Que contextualizem estes acontecimentos num tempo e numa história determinados.
Que as aproximem de um público mais alargado.
Que as tornem conhecidas e acessíveis.
Que fomentem a interrogação, o debate, o interesse.
Que transformem a história, e a nossa memória, em matéria do presente e do futuro.
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Ao longo dos próximos seis meses é nossa intenção interrogar esta história, esta memória e a
sua experiência em múltiplas perspetivas: através do teatro, do cinema, da música, da história,
da antropologia, do debate, da visita aos locais que assistiram ao desenrolar destes
acontecimentos, do conhecimento da vida dos envolvidos, aprofundando o fundo de história
oral do Barreiro e aproveitando todas as linhas de trabalho ao nosso alcance.
A muito breve trecho apresentaremos todo o programa das comemorações.
Como próximo momento, retenhamos para já o dia 28 de Fevereiro de 2016, data da
inauguração – aqui no Espaço Memória – da exposição temporária “O Regresso das
Bandeiras”, ponto de partida para todas as restantes ações.
Estão todos convidados.
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