REVISTA LABORATÓRIO DO CURSO DE JORNALISMO - UFS
ANO 2 Nº 01
O ARTESÃO
DO SERTÃO
As curvas da madeira dão o
tom da arte de Véio
Entrevista
Amorosa fala sobre seu trabalho
na música e na gestão cultural
Alagamar
As riquezas da comunidade que
vive do Ouricuri no interior de
Sergipe
Diversão que não sai
de moda
Pião, Mané Gostoso e bonecas de
pano continuam encantando
gerações
EDITORIAL
E
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
UFS
Reitor: Angelo Roberto Antoniolli
Vice-Reitor: André Maurício Conceição de
Souza
Pró-Reitor de Graduação: Jonatas Silva
Meneses
DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
Chefe do Departamento: Maria Beatriz
Colucci
EXPEDIENTE
Editor e Orientador: Vitor Belém
Equipe MAIS CONTEXTO
Mais! Essa é a palavra-chave que orienta os trabalhos do novo produto laboratorial do curso de Jornalismo
da Universidade Federal de Sergipe.
A revista Mais Contexto surge com a proposta de
complementar as ferramentas informativas desenvolvidas
no Departamento de Comunicação Social (DCOS). Além do
Contexto impresso e do Contexto Online, os estudantes
passam a ter uma nova oportunidade para exercitar conhecimentos teóricos e técnicos com o jornalismo de revista. Nossa propósito é valorizar temas que fazem parte
do dia dia, mas que não estão nas pautas das outras mídias.
Um olhar diferenciado sobre fatos, comportamento
e personagens que revelam a pluralidade cultural do sergipano. As obras do seu Cícero Alves dos Santos, mais conhecido como Véio do sertão, estampam nossa primeira
capa. Um sujeito simples, que usa a madeira como matéria-prima das obras que compõem o próprio museu. E tem
muito mais! Só que folheando a revista, você nunca vai
sair da letra C: comunidade, comunicação, cultura, comportamento, caçarola, convida, clique e cotidiano. Os ‘‘C”
da revista Mais Contexto pretendem revelar novas perspectivas do ponto de vista da informação.
Espero que a leitura seja prazerosa!
Equipe de Reportagem:
Adson Santana, Alana Karolina, Camila Ramos, Cristiane Santos, Gabriela de la Vega,
Igor Bacelar, Jéssica Feitosa, Keizer Santos,
Leando Calado, Leila Almeida, Leonardo Vasconcelos, Letícia Santos, Luciana Nascimento,
Maria Beatriz Campos, Marília Santos, Regiane
Sá, Roseli Silva, Samara Pedral, Silas Brito e
Taiene Santos
Equipe de Diagramação:
Ana Medeiros, Érika Rodrigues, Francielle
Couto, Luzia Nunes e Ruhan Victor Oliveira
Fotografias:
Luciana Nascimento, Regiane Sá, Maria Beatriz Campos e Leila Almeida
Capa:
Érika Rodrigues
Revisão do projeto gráfico e da diagramação: Vitor Braga
Produção: Alunos do 6º período do curso de
Comunicação Social - Hab. Jornalismo da Universidade Federal de Sergipe.
FALE CONOSCO
Envie sua sugestão de pauta ou comente
sobre as matérias já publicadas através do
nosso e-mail ([email protected]).
ÍNDICE
Por Leandro Calado e Igor Barcelar
Fotos Reprodução
04 Conversando
03 Convida
Sergipe: rio de siris
A nomenclatura deixada pelos índios que aqui habitavam perdura até
hoje. Mas é só de crustáceos que é feito o sergipano? A coluna CONVIDA desta edição separou cinco indicações que driblam o senso comum.
Antônia Amorosa
08 Cotidiano
A discriminação nas cadeiras
da universidade
Gastronomia
10 Conhecimento
Rio Poxim: problemas causados
pela poluição
12 Comunidade
A arte que sustenta um lugar
16 Comunicação
Geração smartphone
18 Comportamento
A magia do ontem
20 Clique
Véio: o artesão do sertão
24 Caçarola
O cuscuz nosso de cada dia
Turismo
Ponto de partida para os mais
agradáveis passeios de catamarã, a Orla Pôr do Sol é uma
opção de lazer para toda a
família. Enquanto os adultos
tomam uma cerveja gelada e
degustam o famoso pastel de
aratu no Bar do Kid, as crianças comem pipoca e algodão
doce feitos por moradores
dopovoado Mosqueiro e brincam no parque infantil. O píer
com visão privilegiada para o
rio Vaza Barris e da ponte Jornalista Joel Silveira é parada
obrigatória para os amantes
da fotografia e apaixonados
pela natureza.
Desde a década de 80 o‘Tanga
Vuou’ oferece o melhor da
culinária nordestina com o
seu Pirão de Galinha de Capoeira. Localizado também no
Mosqueiro, o estabelecimento faz parte da cultura gastronômica de muitas famílias
sergipanas. Quem nunca riu
com os avisos na parede de
que “só é permitido o namoro
de tubarões”, ou da gravura
semi-nua da mulher que está
correndo atrás de sua tanga
tragada pelo vento observada
por um homem que murmura
“assim que é bom”, definitivamente não sabe o que é pirão!
Audiovisual
Caminhando pela Rua Barão
de Maruim em Aracaju, um
rapaz escuta gritos femininos
pedindo socorro vindo de uma
casa bem sinistra e ao resolver
ajudá-la percebe que não deveria ter bancado o herói. Esta
é a premissa do curta ‘Gritos
da Rua Barão’, idealizado e dirigido pelo aracajuano Marlon
Delano. O filme tem aproximadamente seis minutos e foi
considerado pelo Jornal do Dia
um marco no cenário audiovisual de Sergipe.
Música
Lançado em 2013, o Un’Nu, terceiro álbum da Maria Scombona, se
destaca em um ano fervilhante na música sergipana. É cru, direto,
totalmente gravado ao vivo apenas com os instrumentos tocados
pelo power trio Saulo Ferreira, Rafael Júnior e Robson Macaxeira
e a voz marcante destilada em poesia por Henrique Teles. Imprescindível na playlist de todo aquele que preza pela boa música
brasileira e praticantes de voyeurismo.
Literatura
Publicado por Cleomar Brandi em 2009, um dos últimos cronistas do jornalismo local,
“OS segredos da loba” é um conjunto de textos compilados dos seus 32 anos de jornalismo. Infelizmente, o lendário boêmio nascido na Bahia, mas Sergipano de coração,
veio a falecer em 2011 devido a um tumor cancerígeno, mas deixou o seu legado para
o jornalismo.
Amorosa: símbolo da
musicalidade sergipana
A
Por Adson Santana e Gabriela de la Vega
Foto Aquivo Pessoal
itabaianense Antônia Amorosa construiu sua carreira artística, como ela mesma diz,
de baixo para cima, lutando para chegar onde está hoje. Atualmente, a cantora, autora,
jornalista e gestora é Diretora de Arte e Cultura da Secretaria Especial de Cultura (Funcaju) em Aracaju, escreve semanalmente pelo Correio de Sergipe, aos sábados, na coluna
Poucas e Boas e possui mais de 400 artigos publicados nos principais jornais de Sergipe.
Sua extensa carreira musical, com 10 coletâneas, 1 LP duplo e 5 Cd’s gravados, rendeulhe diversos prêmios, como o de melhor intérprete do Festival Canta Nordeste, 1993, pela
Rede Globo/Nordeste e melhor intérprete do Brasil na Festa da Música Brasileira, em 2001,
no Rio de Janeiro. Além disso, atuou musicalmente em quase todos os estados brasileiros,
participou de eventos internacionais e fez turnê pela Alemanha, Áustria e Estados Unidios.
Nessa entrevista, ela conta um pouco mais sobre a sua carreira e as dificuldades enfrentadas como diretora da Funcaju.
04
Contexto: Quais foram os tos artistas querem ganhar
desafios que você enfrentou dez mil reais de cachê, sem
na sua carreira artística?
dar os primeiros passos de
crescimento que é pagar
Amorosa: Segui o trajeto o preço pela conquista do
da minha carreira obe- que cobra. Não se ganha
decendo a um critério fun- espaço com grito, só com
damental de crescimento talento. À medida que meu
artístico - conquistando nome se espalhou, alcancei
público. Há uma frase que diversos prêmios. Cheguei
diz que “o artista tem que ir ao lugar em que estou hoje
aonde o povo está.” Na dé- pelo meu talento.
cada de 80, período em que
comecei, eles estavam nas Em 2013, você partici-pou
casas noturnas de Aracaju. do Brazilian Day, em Nova
Durante anos ganhei dois York, um evento que tem
salários mínimos por mês o objetivo de divulgar a
para cantar quatro vezes cultura brasileira em outros
por semana, durante qua- países. Qual foi o significatro horas seguidas e con- do de participar desse um
solidar meu nome com o evento como representante
talento que Deus me conce- da cultura nordestina?
deu. Nos dias de hoje, mui- Recebi o convite do meu
parceiro de composição e
amigo pessoal, Del Feliz.
Quando me deparei com a
receptividade do meu trabalho em Nova York pude
me convencer que Deus me
concedeu talento para ir a
qualquer lugar do mundo. A
única coisa que me entristeceu foi o fato de ter sido
levada pelos baianos, e não
por minha terra.
Como você visualiza o
cenário cultural em Aracaju?
Temos muito para mostrar,
recursos insuficientes para
investir, muito trabalho
para iniciar, muitos vícios
para destruir, muita gente
05
nova para mostrar, muita
gente antiga, mas excelente
para investir, muita campanha para injetar, muito
bloqueio para intervir, muitos poetas para a-clamar,
muitas vozes para se ouvir,
muitos corpos para dançar,
muitas mãos para pintar,
patrimônios para preservar,
danças populares para “reexistir”, preconceitos para
quebrar, um novo tempo
para fluir. Não perco a esperança. Por isso, só por
isso, permaneço aqui.
todos com real capacidade
de se tornar nome nacional. Isto é fato. Reproduzir algo que já existe não é
novidade. Novidade é criar
algo novo, ser diferente,
ser algo que não tem parecido em lugar nenhum. Ou
fazer parte de um movimento musical ou artístico
onde um artista leva o outro. É este o segredo. Sem
esquecer do investimento
financeiro, o mais cruel, e
não menos importante.
Quais estão sendo suas
Você acredita que os artisiniciativas como cantora
tas sergipanos têm as mese gestora em prol de uma
mas oportunidades que ardifusão e solidificação da
tistas dos outros locais?
Naturalmente, não. Mas,
precisamos iniciar ou reiniciar quantas vezes for preciso até que consigamos
despontar um nome, seja
em que setor for. O grande
problema desta frase “artista sergipano” é que alguns
se apresentam como tal,
mas não têm talento, nem
história, nem cacife para se
intitular como artista. Nesta
seleção ainda existe muita
mistura, muitos equívocos.
Enquanto o próprio artista
não amadurecer sobre sua
obra, ela não caminhará na
dimensão devida. E construir uma carreira apenas
em Sergipe não é suficiente
para ser nome nacional. Sei
do que falo e por quê.
Quais as dificuldades que
os artistas sergipanos enfrentam para chegar ao
sucesso?
Produção e mídia. Talento
e criatividade. Temos muitos produtos. Porém, nem
06
“O poder é um polvo
com vários
tentáculos.
”
cultura sergipana dentro e
fora do estado?
caju, que espero em Deus e
nos homens de boa vontade, realizá-los. Não cito os
detalhes porque já fui “roubada” em diversas ideias
de nossa autoria. Fiquei esperta!
Quais os desafios enfrentados na sua carreira como
gestora?
O poder é um polvo com
vários tentáculos. Assumir um cargo não garante
que todos os seus projetos
serão realizados. Mas aceitar o desafio em tentar fazer é o grande motivador. A
primeira dificuldade é convencer sobre a importância da inovação, seguida
das limitações financeiras,
ausência de apoios externos consistentes em torno
do que você acredita. Sou
uma defensora do produto local em todas as suas
vertentes, por não acreditar em crescimento cultural
que não comece a partir da
sua aldeia. Somente no ano
de 2013, a Funcaju prestigiou mais de 300 artistas
sergipanos. Houve uma diminuição na contratação
exagerada de artistas nacionais e um fortalecimento
do produto local, mesmo
desagradando os que estão
midiaticamente viciados em
produtos culturais externos. A demanda é maior do
que o órgão suporta porque
a-tualmente ele tem sido
o único organismo cultural
que tem absorvido a ausência de outros.
Como cantora, já levei diversos artistas sergipanos
à Bahia, na terra de Dona
Canô para cantar para um
público diferenciado. Já levei para o carnaval em Salvador para cantar comigo
no circuito Barra Ondina; já
indiquei nomes para cantar
fora daqui. Como gestora,
disponho de mais de 32
projetos de minha autoria
que beneficia as áreas de
música, teatro, dança, audiovisual, artes plásticas,
literatura, patrimônio, fol- Os artistas sergipanos recclore e resgate da história lamam que falta espaço
indígena e negra em Ara- para eles nas festas munici-
Amorosa no Brazilian Day ao lado dos também músicos Adelmario Coelho e Del Feliz ( Foto arquivo pessoal)
“
pais, a exemplo do Manifesto Aracaju no a-niversário
Não se ganha
da capital, em que vários
artistas sergipanos se manespaço com grito,
ifestaram contra a contratação de artistas de fora
do Estado para cantar na
só com talento.
festa. Depois de eventos
como o Forró Caju e o Reveillon, que tiveram majoritariamente sergipanos, os volvidos pelo órgão durante
artistas estão mais satisfei- outras gestões, onde verificamos que um círculo retos?
petitivo de atrações estava
Se estão felizes, não sei. Se ocorrendo. Naturalmente,
eu estivesse no lugar deles todos, na medida do posme manteria sempre na ex- sível terão oportunidade.
pectativa de mais, porque Porém, estaremos semprecisamos de mais. Mas, pre buscando inovar e dar
acredito que estejam mais oportunidade a artistas
esperançosos. No ano pas- que nunca tiveram e, se
sado, a vitória em termos tiveram foi muito pouco, a
aumentado a programação chance de mostrar seu trado Forró Caju de 55% para balho. Temos projetos vol86% de artistas sergipanos tados para diversos estilos
foi um desafio. Fazer o musicais. E, a cada tempo
mesmo em eventos igual- e espaço devido estaremos
mente significativos como propondo os nomes que
o carnaval e réveillon tam- acreditamos serem referbém. Quanto aos artistas ências. No entanto, uma
que assinaram o manifesto, parte dos artistas que se
tivemos acesso aos arquiv- manifestou jamais procuos dos trabalhos desen- rou oficialmente esta rep-
”
resentante no órgão, o que
dificulta a possibilidade de
apresentarmos propostas
que nunca foram mostradas a uma colega em comum. Estou no cargo como
ponte. Mas alguns poucos
ainda não entenderam isso.
Apresentar-se é o primeiro
passo de um verdadeiro
profissional. Convidei alguns no ano passado, no
primeiro semestre para que
fossem até o órgão. Estamos em Janeiro de 2014 e
até hoje não apareceram,
especialmente os que lideraram o movimento. Permaneço à disposição para
servir e ser ponte entre o
poder e a classe cultural.
Ouvirei todos que quiserem
levar suas propostas e ideias. Mas não tenho como
forçar a irem. Isto não depende de mim. Orgulho não
leva ninguém aos espaços.
O que leva é a humildade
que dignifica, o talento, as
ideias e a oportunidade. E
isso nada tem a ver com
política. Tem a ver com
visão.
07
A realidade da
discriminação
na universidade
Por Rosely Silva e Silas Brito| Foto Silas Brito
Universidade, lugar da diversidade, mas onde nem sempre as difrenças são respeitadas
A
pesar das diversas
atitudes de respeito e aceitação
das diferenças, a discriminação e
o preconceito ainda vêm atravessando marcas do tempo e adentrando onde menos podíamos esperar: na academia. Essa atitude
pode ser presenciada na Universidade Federal de Sergipe (UFS),
onde na inevitável heterogeneidade dos povos, o estranho, o diferente e o novo, não conseguem
passar despercebido pelos corredores, didáticas e salas de aula.
Mesmo com projetos de inclusão
social, desenvolvidos em alguns
centros acadêmicos e trabalhados
em algumas disciplinas, a realidade da discriminação ainda pode ser
encontrada na universidade, trazida muitas vezes de âmbitos muito maiores, como na sociedade.
Diante dessas concepções, ainda pode-se definir diferenças, entre preconceito e dis-
08
criminação. O primeiro é um juízo
preconcebido que se manifesta
de maneira discriminatória e diz
respeito a uma valoração estereotipada e negativa atribuída a
pessoas, lugares ou tradições. Já
a discriminação tem um conceito
muito mais amplo e dinâmico, já
que os dois têm agentes diversos:
a discriminação pode ser provocada por vários indivíduos e instituições, enquanto o prejulgamento é
praticado apenas por uma pessoa.
No Brasil, segundo o art.
20 da lei nº 7.716, de 5 de janeiro
de 1989, praticar, induzir ou incitar
a discriminação ou preconceito de
raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, pode levar a uma
pena de reclusão de um a três
anos, acrescido de multa. Discernir, ainda, por sexo, idade, estado
civil, doença, orientação sexual
ou aparência, também pode aferir como um ato discriminatório.
A realidade nas salas de aula
Mesmo na comunidade
acadêmica, a discriminação ainda continua sendo uma realidade entre alunos. Este é o caso da
estudante de letras/português/
inglês, Sharliane Braz Santos. Ela
comenta que já foi vítima de uma
atitude discriminatória no campus, mas que conseguiu superá-la com a ajuda dos amigos. “Eu
mesma já senti na pele o que é
a discriminação. Sou mãe e engravidei muito jovem. Muitos dos
meus amigos que estudavam aqui
na UFS se afastaram de mim. Os
únicos que sobraram são realmente aqueles que gostam de
mim e não se importavam pelo
fato de ter sido mãe tão jovem”.
A estudante ainda completa dizendo que já presenciou
outro aluno sendo alvo de hosti-
lidades dentro da sala de aula e
afirma que a atitude do discriminador era evidente. “Já presenciei atos explícitos de racismo e
discriminação. Na minha turma,
um rapaz negro e homossexual
sofria preconceito de pelo menos
25% da turma, principalmente
de mulheres brancas, católicas
e de classe média alta. Muitas,
sempre se incomodavam quando ele falava em sala de aula ou
chegava mais próximo delas”.
No entanto, a estudante
de engenharia agrícola, Vanderly
Santos, diz não se sentir confortável na presença de casais do mesmo sexo. “Eu mesma tenho que
admitir que não gosto das atitudes dos homossexuais. Hoje em
dia é uma barbaridade tão grande.
Antes eles eram mais discretos,
cada um em seu canto e hoje em
dia eles estão expostos demais,
sempre se exibindo, querendo
chamar atenção e eu não gosto disso”, comenta a estudante.
Em entrevista, alguns estudantes demonstraram indiferença sobre o assunto e dizem nunca terem sido discriminados. No
entanto, todos afirmam já terem
presenciado atos de discriminação dentro do campus. A estudante de ecologia, Yane Regina conta
que nunca foi discernida, mas nos
corredores da universidade, já
ouviu relatos de muito que sofreram com essa prática em relação
a opção sexual. Ela confirma ainda que já presenciou condutas de
distinção entre professores com
alunos cotistas de escola pública.
No corpo docente
A situação também já foi
presenciada pelos docentes da
universidade. A professora e mestranda em Ciências Sociais, Julia-
na Correia Almeida e Silva, já verificou uma situação de segregação
de um professor de artes, que
praticou racismo com uma aluna
negra. O caso foi parar no Ministério Público, e o professor por
pouco não foi punido; foi o único
caso que presenciou desde 1998.
Outro fato curioso contado pela professora foi de um
dos seus alunos que é transexual e lhe enviou um e-mail antes
das aulas começarem, pedindo
para que ela o chamasse pelo
nome que ele realmente gostaria de ser chamado. A professora conta que ficou assustada, mas como a universidade
autorizou a realizar tal pedido,
se sentiu mais tranquila para
atendê-lo. “Por ordem do departamento, tive que fazer a chamada em sala de aula e chamá-lo pelo nome que ele escolheu
e não pelo nome de batismo”.
09
Rio Poxim: problemas
causados pela poluição
Por Maria Cristiane Santos
Marília Santos
Taiene Rodrigues| Foto Taiene Rodrigues
Importante fonte de água para a capital, o rio Poxim sofre com a poluição e o descaso do poder público
M
orar na beira do rio
é um privilégio para poucos.
Imagina então para quem gosta de pescar. Seu Josafá Santana, 48 anos, bem que gostaria
de viver em um paraíso nessas
condições. Embora viva nas
imediações do rio Poxim, em
São Cristóvão, lugar que poderia reunir muitos atrativos, o
ex-pedreiro vive uma realidade
bem diferente.
No local onde mora, restam poucas belezas naturais e
já não se pesca mais. Seu Josafá fica sentado olhando o rio
que um dia tirou seu alimento.
Muito poluído, o rio não oferece
condições para pesca, só resta
o lixo que podem ser vistos nas
margens e outros utensílios domésticos como latinhas de refrigerantes e cervejas, garrafas
pets, resto de sofás e tantos
outros, encontrados nas margens e dentro do rio, objetos
10
que são descartados por pessoas de outras localidades, pelos próprios moradores e também trazidos pelas enchentes.
Desde 1958, o rio Poxim
tem sido uma das principais
fontes de água para Aracaju.
Segundo a Companhia de Saneamento de Sergipe (Deso), o
rio abastece cerca de 790 mil
habitantes da cidade de Aracaju. Por outro lado é também
o mais poluído do Estado, de
acordo com a Semarh (Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos).
O descarte direto de
lixo, a contaminação por pesticidas, principalmente advindas
de agrotóxicos, fertilizantes,
herbicidas e em menor quantidade por afluentes industriais,
estão entre as fontes de poluição. Além disso, o fato de estar
localizado em uma área urbana
prejudica ainda mais, devido ao
despejo do esgoto doméstico.
Segundo Ailton Rocha,
Superintendente de Recursos
Hídricos da SEMARH (Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos) Sergipe, atualmente todo o esgoto de Aracaju
é descartado in natura nos rios.
As estações de tratamento do
esgoto estão em construção e
só devem concluídas no final
de 2014. “Cerca de 4 milhões
de reais, foram investidos na
preservação e recuperação das
nascentes, através do programa ‘Preservando Nascente e
Municípios’. Isso porque o rio
Poxim, é um rio estratégico
para abastecimento humano
e quando protegemos essas
áreas de recarga, estamos protegendo o rio como um todo”,
ressalta o superintendente.
Embora tardia, a obra
pode trazer um reflexo positivo na qualidade das águas.
Quem sabe até seu Josafá possa voltar a pescar. Coisa que há
cerca de cinco anos ele deixou
de fazer. Com essas obras que
visam a recuperação das nascentes e de saneamento, talvez
os moradores ribeirinhos do rio
Poxim e de outros rios Sergipanos, voltem a ter o prazer e a
alegria de alimentar seus fami-
liares e amigos, com os peixes
retirados dos rios.
A vida na beira do rio é também prejudicial. Tanto para o
rio, quanto para a população.
As moradias irregulares causam o desmatamento de matas ciliares e o aterramento de
margens, além do acréscimo
de esgoto e lixo sendo descartado de maneira irregular.
Josafá Santana, 48 anos, ex-pedreiro | Foto Marília Santos
O risco para quem vive
nestas áreas é justamento
pela poluição das águas.
Várias doenças atingem
com intensidade os moradores ribeirinhos e pescadores que entram em con-
tato com a água, assim como
os pescados ou animais que
são criados nas proximidades.
A nascente do rio é a área mais
crítica em poluição e está sendo recuperada. Um trabalho
que conta com a participação
do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Sergipe, Universidade
Federal de Sergipe, Comitê da
Bacia Hidrográfica do rio Sergipe e das prefeituras municipais.
Enquanto projetos e
promessas ainda não se concretizaram, seu Josafá Santana acompanha a destruição do
rio, esperando por dias melhores.
Uma pesquisa realizada pela Adema (Administração Estadual do Meio Ambiente) apontou que
o quadro de doenças entre os moradores da área
vai de micoses (40%); verminoses (33,33%); disenteria (20%) à esquistossomose (6,67%).
11
L
A arte que
sustenta um lugar
Alagamar, uma terra rica de gente simples
Por Letícia Kichnner e Jéssica Feitoza
Imagens Luciana Nascimento
12
ocalizada as margens
do rio Brito a aproximadamente 35 km da sede do
município de Pirambu, o povoado Alagamar é o berço do
artesanato oriundo da palha
do ouricuri. A planta nativa da
região nordeste é utilizada pelos moradores desde gerações
antigas para a fabricação de
utensílios domésticos.
A fabricação de produtos
artesanais tem forte ligação
com a cultura escrava. Segundo os registros históricos, durante no séc. 18, Sergipe passou a receber os braços fortes
de escravos, vindo principalmente de Salvador e do porto
de Pernambuco e eram levados à vila de Estância. Lá eram
vendidos aos proprietários de
terra de engenhos e de outros
colonos da região. Explorados
e maltratados, muitos fugiram
de seus donos e se esconderem próximos a rios e matas
fechadas.
De acordo com moradores
da região, o povoado Alagamar tem mais de 200 anos.
A cor da pele e os traços físicos dos moradores revelam
a naturalidade quilombola. A
região, acidentada por morros
e ladeiras, cortados por rios de
águas doces que se escondem
em meio à mata atlântica, foi o
local ideal para a instalação de
um quilombo. Os mais velhos
da comunidade contam que os
escravos se estabeleceram no
local, para se esconderem dos
seus senhores, quando fugiam
das fazendas.
Atualmente toda a população é tem um forte grau de
parentesco, não é por acaso
que um sobrenome é predominante: Santos. Em Alagamar,
quase todo mundo é parente.
Até seu José dos Santos, um
alagoano, popularmente con-
hecido por “Zé Pedreiro”, que
casou com uma alagamaense,
herdou o sobrenome e já mora
na comunidade há mais de 20
anos. Ele atua na comunidade
como pesquisador e contribuiu
para o reconhecimento da comunidade quilombola junto ao
congresso em Brasília.
A matéria-prima que
desenvolve um lugar
O ouricuri é uma planta
nativa da região nordeste,
seus frutos são comestíveis
e de suas sementes pode-se
extrair óleo vegetal. As fibras
das folhas são matéria-prima
para a confecção de chapéus
e outros objetos artesanais. A
fabricação do artesanato da
palha é uma atividade fortemente marcada pelas raízes
de origem negra, mas poucas
pessoas da comunidade sabem
de onde surgiu essa cultura
artesanal. Mas a memória da
artesã aposentada Cândida
dos Santos ajuda a manter
viva as raízes históricas. “Desde os mais antigos é que se
começou essa tradição. Isso
eu prendi desde pequena com
meus avós, então quando se
iniciou o povoado já pode se
registrar a cultura do artesanato. Começou pela tabúa,
fazendo esteirões, chapéus e
côfo”, explica Dona Cândida.
O artesanato dita as
relações sociais que territorializam o povoado, reproduzindo
o modelo de vida e refletindo
sobre o ofício do artesão. Por
esta causa o ouricuri torna-se
tão comum na comunidade,
pois sua utilização é tão frequente que faz de sua utilidade
a identificação das relações
sociais que perpetuam as gerações.
A matéria-prima nem
sempre foi acessível. A falta
13
de estradas e de transportes,
bem como as dificuldades
para retirar a palha verde da
palmeira (matas fechadas,
animais peçonhentos, etc.)
foram continuam sendo desafios para as artesãs.
O artesanato atualmente
tem sua função de gerador
do desen volvimento sustentável social do povo alagamaense, além de ser o
indicador do turismo local.
Muitos produtos são exportados para outros Estados. Não é surpresa passar
pelas ruas e ver mulheres
sentadas nas frentes das
casas, juntamente com
as filhas, a fiarem a palha
seca. A arte de fiar a palha
seca é tão séria para essas
mulheres que sua atenção
é totalmente voltada para
o vai e vem dos fios que
são enrolados no desenvolver do produto. Mesmo
com os dedos calejados
pelo árduo ofício, as artesãs produzem cada peça
com delicadeza e esmero.
O
perfeito
acabamento é o que irá atrair
os clientes. Enquanto fala
de sua arte e da importância de seu artesanato na
comunidade alagamaense,
dona Cândida costura rapidamente uma bolsa, que
em minutos fica pronta.
“De uns anos pra cá a gente começou a fabricar bolsas, passadeiras de mesa.
Temos também peças que
chamamos de enrolado,
que é um artesanato difícil
porque leva mais tempo
para ficar pronto e nem
todos conseguem fazer”,
enfatiza Cândida.
O
espírito
empreendedor fez tanto sucesso entre as mulheres
que há até alguns homens
que se ariscam a tecer os
fios da palha do ouricuri
pra desenvolver o ofício
artístico. O senhor Claudio
dos Santos, marido de Iranildes da Anunciação Santos, mostra que tem certa
paixão pela arte. “Esse artesanato é uma coisa que
ajuda para cobrir custos
dentro de casa, porque a
gente compra as coisas,
então quando temos tempo, nós homens ajudamos,
seja na hora de buscar a
palha no mato, seja quando tem que riscar a palha.
No caso, separando o talo
O ouricuri e o fruto, matéria-prima para o artesanato
14
do linho e quando a palha
está seca a gente faz tranças e aí a gente ajuda.” diz
satisfeito seu Claudio.
A confecção do artesanato feito da palha
do ouricuri é tradicional
e exercida tanto por idosas, quanto por mulheres
e crianças que podem ser
vistas em grupos durante
o dia a fazer tranças de
palha. Mesmo durante
a noite, o trabalho não
para. Embora existam oscilações nas vendas do artesanato, além do trabalho
cansativo, a prática dessa
arte em Alagamar nutre a
identidade do povo, fortalecendo seu pertencimento
a este lugar. Além de ser
considerada a atividade
econômica,
considerada
também uma ocupação
que distrai e afasta a falta
de dinamismo.
As artesãs que já são
aposentados veem esse
ofício como uma saída
para combater o desânimo
que os assola, pois estando eles juntos, tudo fica
mais fácil. É o que conta
a professora aposentada
Doralice. “Quando estamos juntas na associação,
nós conversamos, rimos,
falamos nossas besteiras
engraçadas umas com as
outras, e mantemos a mão
na palha, tecendo o artesanato”. Embora o artesanato seja de caráter rústico
e antigo, nos últimos anos
os produtos fabricados
tiveram de ser incrementados e moldados a fim de
atender as tendências do
mercado global. Por esta
razão o artesanato tornouse o elemento cultural na
construção do desenvolvimento regional da comunidade Alagamaense.
As relações sociais ultrapassam as fronteiras do
povoado e alcançam experiências e conhecimentos. Foi com essa meta
que a comunidade estabeleceu contatos com instituições que auxiliam no
setor de negócios em Sergipe, conheceu novas técnicas e formas de trabalho
e criou o grupo “Raízes da
Terra”. “Há oito anos nós
trabalhávamos só com o
chapéu. Depois de nos reunirmos com a prefeitura, SEBRAE, Emdagro e a
Universidade,
passamos
então por reuniões, participamos de cursos para
o aperfeiçoamento e en-
tão começamos a desenvolver melhor nosso trabalho no grupo Raízes da
Terra, durante o ano de
2005. Há três anos registramos a associação, trabalhamos, fazemos nossas
peças e levamos pra orla
de Atalaia, participamos
de vários eventos.”, salienta a presidente da associação, dona Iranildes.
Com essas capacitações,
essas associadas visaram
o progresso local, pois ter
aprendido novas técnicas
proporcionou
melhorias
nas vendas dos produtos.
O maior fluxo de produção
destina-se à capital do Estado, que conta com dois
mercados de referências
turísticas, nos quais os
comerciantes
revendem
obras artísticas.
O artesanato é a renda
complementar da maioria
das famílias no povoado
Alagamar. Com a simplicidade de gente humilde,
sorriso no rosto e as mãos
cheias de calos, essas pessoas seguem construindo
seu presente, na esperança de um futuro aonde o
artesanato irá lhes proporcionar melhores condições
de vida.
A arte sendo finalizada
15
Geração
smartphone
Por Leonardo Vasconcelos e Luciana
Nascimento | Foto Luciana Nascimento
N
o começo ele era utilizado apenas para fazer e receber ligações. Depois apareceram os serviços de mensagem
como o SMS, hoje já superados. Agora, com os smartphones é possível fazer muito mais,
como ler e-mails, acessar redes
sociais, tirar fotos, fazer vídeos,
ouvir música, acessar a internet, baixar aplicativos. Enfim,
os novos dispositivos móveis
estão cada vez mais presentes
no dia-a-dia das pessoas, principalmente dos jovens. E não é
difícil encontrar exemplos por
aí.
O estudante de audiovisual Victor Ramos, 21, é do
tipo que usa o smartphone para
‘‘quase tudo’’. Ele diz que usa o
aparelho para diversas funções
como acessar o e-mail, conversar com outras pessoas, ouvir
música e tirar fotos. Como todos esses dispositivos e tantos
outros estão literalmente ao alcance da mão, Victor revela que
às vezes nem liga o computador.
Mas ele não está sozi16
nho. Uma pesquisa feita pelo
Instituto IDC Brasil, empresa
que presta serviços de consultoria na área de tecnologia da
informação e telecomunicações, registrou um crescimento
de 19% na venda de smartphones no Brasil entre os meses
de julho e setembro de 2013
em relação ao trimestre anterior quando foram vendidos 8,7
milhões de aparelhos. Se comparado ao mesmo período de
2012, o crescimento anual foi
de 147%.
Os números apenas traduzem o que pode ser verificado no dia-a-dia. Basta lançar
um rápido olhar em volta para
verificar como os smartphones
estão cada vez mais presentes
na vida das pessoas. A secretária do Núcleo de Relações
Internacionais da UFS, Louise
Freitas, acredita que passa a
metade do dia usando o celular,
tempo que divide entre as ligações e o acesso às redes sociais,
como facebook e aplicativos de
comunicação, como o whatsapp. Ela confessa que esse tipo
de comportamento faz com que
Smartphones proporcionam praticidade e permitem acesso o dia todo, em todos os lugares.
se sinta dependente do aparelho. “Se eu sair sem ele não fico
bem. É como se tivesse faltando alguma coisa”, afirma.
Outro tipo de problema é apontado pelo estudante
Thiago Santos de Jesus, 19. Ao
relatar sua experiência pessoal
conta que por causa do smartphone deixava a vida acadêmica em segundo plano. “Eu estudava de última hora. Preferia
ficar no smartphone assistindo
vídeo”, confessa. A psicóloga
Camila Lima Tavares, 27, considera esse tipo de comportamento prejudicial. Segundo ela,
“falta participação, a atenção
está voltada para o celular e a
pessoa fica dispersa. Há problemas de aprendizagem e fixação
de conteúdo”, esclarece.
Camila diz que não se
assusta com a quantidade de
aparelhos, já que, segundo ela,
a procura por informação ágil
explica o crescimento na venda
e uso de smartphones. Porém,
ela se mostra preocupada com
os efeitos desse crescimento,
que tem provocado em alguns
casos uma relação de dependência. “Eu percebo que esse
uso exagerado tem gerado uma
vida mais virtual do que real.
Isso tem gerado um esvaziamento das relações sociais e
essas relações têm se tornado
cada vez mais escassas”, afirma
Camila.
Para os dependentes de
plantão, ela recomenda que
seja feita diminuição gradual
do uso, como em ambientes de
trabalho e em locais de estudo.
“A pessoa precisa se policiar.
Por exemplo, eu sou psicóloga
e não cabe a mim ficar no whatsapp no meio de uma consulta. Pessoas que trabalham com
programação ou mídias sociais
são casos diferentes. Mas é
preciso que a pessoa perceba
qual a real necessidade do uso”,
aconselha.
Smartphones e redes sociais
Não é apenas a venda de sartphones que está em alta. O acesso às redes sociais através
deles também. De acordo com uma pesquisa realizada em 2013 pela E. Life, empresa responsável pela gestão de relacionamento e mídias sociais na América latina e em Portugal, os aplicativos mais usados em tablets e smartphones são aqueles ligados a redes sociais e comunicação.
Segundo a pesquisa, 96,2% dos entrevistados que possuem entre 15 e 24 anos e 98,6% situados na faixa etária entre 25 e 65 anos dizem que utilizam o smartphone para acessar as redes
sociais.
17
A magia do ontem
Brinquedos que ultrapassam gerações
e continuam conquistando crianças
Por Camila Ramos e Maria Beatriz Campos / Imagens Maria Beatriz Campos
Q
uem não se lembra dos
brinquedos da infância?
Os prazeres de se divertir com
o pião, o Mané Gostoso, caminhões de carrinho e bonecas
de panos, ficam marcados na
memória de quem conviveu
numa época onde computador, televisão e video games,
não existiam.
No Mercado Municipal de Aracaju, a venda de brinquedos
antigos é uma tradição. José
Freire de Oliveira, mais conhecido como Zé Careca, é um dos
vendedores de brinquedos artesanais mais antigos do Mercado
e também um dos mais populares e conhecidos. Os brinquedos chegaram no seu box
há 62 anos e são responsáveis
por grande parte dos lucros do
comerciante. “Eu vendo bem,
até porque eu não vendo caro,
vendo por um preço normal,
então eu vendo muito. O pião,
por exemplo, custa 5 reais; o
Mané Gostoso varia de 2 a 3
reais e os carrinhos variam o
preço, mas não deixam de ter
preços populares”, explica o
18
comerciante.
No box de Zé, há brinquedos
de todos os tipos, uns mais
conhecidos e outros mais diferentes, mas as crianças aprendem com facilidade a manusear.
“Eu vendo de caminhõezinhos a
Mané Gostoso, são muitos brinquedos. Quando as crianças
chegam, a gente ensina como
é que brinca com eles ou às
vezes eles já pegam e passam
logo a perna no cavalinho, arrastam o caminhão, elas realmente gostam desse tipo de
brinquedo. E eu aproveito para
lembrar da minha infância”, enfatiza Zé Careca.
Gilmara Santana vende brinquedos infantis em seu box há
15 anos e se sente orgulhosa
em poder levar as crianças a
conhecer brinquedos que fizeram parte da sua infância.
“A ideia, quando eu comecei a
trabalhar com esses brinquedos, foi dar continuidade, não
deixar apagar esse costume.
As crianças precisam conhecer
os tipos de brinquedos que os
pais, as mães e avós brincaram,
mas elas não têm acesso hoje
em dia e se vierem ao Mercado,
elas podem passar a ter esse
conhecimento. Elas chegam
aqui e se encantam, o que elas
não conhecem, sempre dão
um jeito de aprender”, conta a
comerciante
Quanto ao brinquedo favorito
das crianças, os vendedores
têm opiniões parecidas: não
existe brinquedo preferido, todos fazem sucesso com a garotada. “É incrível, tudo o que
elas veem, elas se encantam.
É diferente, não é da época
delas, mas não importa a geração, esses brinquedos sempre
conquistam as crianças. Mesmo
quando não sabem brincar, elas
perguntam e a gente ensina.
Elas são muito espertas”, conclui Gilmara Santos.
Ubiratan Silva, de 9 anos, veio
de São Paulo para passar o final
de semana em Aracaju e ficou
encantado assim que viu os
brinquedos artesanais.“É bem
diferente dos meus brinquedos, mas eu gostei deles. Só
não sei dizer se gosto mais de-
les ou dos meus.”, diz o garoto
paulista.
A baianinha, Sofia Castro,
de 5 anos, também se rendeu
aos brinquedos antigos e ficou
fascinada com a variedade
que encontrou no Mercado. A
mãe de Sofia faz questão de
incentivar e tentar inseri-los
na rotina da criança. “Eu tento
sempre colocar esses brinquedos na rotina dela, são muitos
brinquedos modernos, mas
mesmo assim eu tento. Os
brinquedos mais simples estimulam a criatividade dela e
eu acho isso muito importante.
Ela é bem receptiva, gosta de
muitos brinquedos artesanais,
mas algumas vezes os brin-
Você sabia?
O pião é um objeto cônico,
geralmente de madeira, com
uma ponta de metal. É lançado com ajuda de um fio (con-
quedos modernos conseguem
deixar ela mais empolgada, do
que os mais simples”, contou
Isabella Castro, mãe de Sofia.
Segundo a pedagoga Edileusa Santana, os brinquedos
artesanais contribuem para
o desenvolvimento das habilidades motoras. Já que eles
exigem mais movimentos para
funcionar do que os eletrônicos. “Os brinquedos antigos
contribuem para o desenvolvimento motor da criança.
Os eletrônicos são interessantes e muitas vezes são a
preferência das crianças, por
conta do colorido e pelo fato
dela poder estar no comando,
que as deixam fascinada. Ela
se encanta ao perceber que
só de apertar um botão o
brinquedo já realiza os movimentos. Um brinquedo que é
excelente para ajudar no desenvolvimento psicomotor das
crianças é o pião, já que ele
exige movimento e cria nelas
a noção de espaço.”, indica a
pedagoga.
Mesmo os eletrônicos sendo
mais presentes nas brincadeiras atuais, os brinquedos antigos não perderam seu fascínio
e é possível ver o brilho nos
olhos e a curiosidade de cada
criança que tem seu primeiro
contato com os mesmos brinquedos com que seus pais se
divertiram por muitos anos.
hecido por “fieira”), que o faz
girar. Os piões são conhecidos desde a antiguidade, tendo sido encontrados piões de
argila, decorados, originários
da Babilônia. Piões foram encontrados nas escavações de
Pompéia. Cinco séculos antes
de Cristo, um poeta grego de
nome Calímaco fazia menção
ao pião como jogo infantil
popular. O brinquedo é citado
por Virgílio, Horácio e Plínio;
O Velho.
19
Véio: o artesão do sertão
Esculpindo em madeira, ele constrói história na cultura sergipana
Por Samara Pedral, Keizer Santos e Regiane
Sá | Foto Regiane Sá
D
ono de uma simplicidade natural e de uma criatividade peculiar, o artesão Cícero
Alves dos Santos, conhecido
como Véio, surpreende a todos
com o seu museu a céu aberto
em pleno alto sertão. Quem
passa pela BR 206, rodovia que
liga os municípios de Feira Nova
e Nossa Senhora da Glória, na
altura do km 8, se depara logo
na entrada do sítio com obras
de arte da coleção do autêntico
artesão, que mantém o Museu
Só Arte.
Com apenas 5 anos de
idade Véio já demonstrava seu
talento ao transformar cera de
abelha em arte. A escassez da
matéria-prima de suas primeiras obras o fez mudar e passar
a esculpir em madeira, material
que o consagrou como artista
de renome internacional. No
início da sua carreira foi considerado louco e preguiçoso por
dedicar seu tempo à atividade
artística.
A diversidade das obras de
Véio, chama atenção pelo fato
delas não terem um padrão
definido. O artesão tanto dá
ênfase às formas naturais da
madeira, quanto esculpe ima20
gens de personagens da cultura
popular. “Minha preocupação é
aproveitar as curvas da madeira
para torná-la uma obra única;
não me preocupo com o comércio e sim com a arte”, destaca
o artista.
No Brasil, quase todos os
Estados possuem obras de
Véio. Além disso, suas criações
ganharam destaque internacional, com obras espalhadas
por vários países, como Estados Unidos, Portugal, Nicarágua, Noruega e França, onde
em Paris, expôs a convite da
Fundação Cartier. No Estado,
o trabalho do artista pode ser
encontrado no Memorial de
Sergipe, no Museu da Gente
Sergipana, e em grande quantidade no seu museu particular.
Apesar desse reconhecimento expressivo o artesão
critica a falta de valorização
cultural e investimento financeiro por parte do poder
público. E relata também que
suas obras recebem pouco
reconhecimento da população
local. Preocupado com este
esquecimento, Véio mantém
em seu museu, além das suas
obras, um grande acervo que
preserva parte da história e da
cultura do Estado. Dentre as
relíquias mantidas estão discos LP’s, rádios, máquinas de
escrever, câmeras fotográficas,
objetos da época dos escravos,
primeiros pregos produzidos
por ferreiros de Nossa Senhora
da Glória, objetos domésticos,
peles de animais, entre outros.
Segundo o artista, até
hoje foram produzidas mais
de 17 mil obras, que variam
de tamanhos, formas e cores.
Véio afirma que esculpiu a
menor escultura em madeira
do mundo, reconhecida pelo
Guiness Book. A obra retrata
um homem montado em um
cavalo e de acordo com o escultor não foi utilizado nenhum
tipo de lente especial e levou
apenas dois dias para confeccioná-la.
21
Apesar disso o artesão não utiliza suas obras para competir.
“Se eu souber que na exposição
será escolhida a melhor arte
como forma de competição,
desisto de participar”, ressaltou.
Véio já foi personagem
de várias reportagens e documentários. Ele afirma, que
já foram produzidos 10 curtas, 2 longas-metragens, mais
de 100 jornais e cerca de 60
matérias em revistas sobre a
sua obra. Entre os documentários produzidos destacam-se
“Véio: Tradição e contemporaneidade”, “Cavalhada de Poço
Redondo”, “Nação
lascada
de Véio”, “A glória do sertão”,
“Véio: o filme” e “O universo
simbólico de Véio”.
O trabalho de Véio também ocupa os espaços virtuais
através de uma página de divulgação no Facebook administrada por sua filha. Na página
é divulgada a agenda, participação em eventos e a sua obra.
A arte não é a principal
fonte de renda de Véio, o artesão divide seu tempo entre a
22
produção artística e a agricultura. Suas obras não possuem
valores fixos, depende do interesse da pessoa e da relação
com a arte. Ele não manifesta
interesse em sair do seu sítio,
pois gosta da vida pacata que
leva, e as pessoas que quiserem conhecer sua obra vão ao
seu encontro, e sempre serão
bem-vindas, afirma o artista.
Véio consagrou-se um
importante personagem com
papel fundamental para a construção e preservação da cultura sergipana. Isso só foi possível
através da sua dedicação à arte
ao longo de várias décadas.
Preconceito, desvalorização e
desconfiança não foram obstáculos fortes o suficiente para
desanimá-lo ou para fazê-lo
desistir da arte. Em meio a sua
simplicidade, o artesão representa a força que vem do seu
interior demonstrada em diversas obras.
“Minha preocupação é aproveitar as
curvas da madeira para torná-la uma
obra única; não me preocupo com o
”
comércio e sim com a arte
23
O cuscuz nosso de cada dia
A
marelinho, simples e gostoso.
O cuscuz, apelidado carinhosamente como “teimosinho”, é um
prato que não pode faltar na maioria das mesas brasileiras, principalmente nas da região nordeste. Sorte
dos africanos em serem os criadores
dessa iguaria e nossa de recebê-la
pelos portugueses.
Como toda coisa boa sempre tem
uma boa história, o kuz-kuz ou alcuzcus - dialeto africano - é originário da
África Setentrional. Incialmente era
preparado com arroz, sorgo, farinha
de trigo e milheto, porém só se espalhou pelo mundo quando começou
a ser feito com a massa de milho
americano.
Quando chegou às terras brasileiras, ainda no período colonial, a
massa de milho pilada, temperada
com sal e cozida ao vapor ganhou
espaço nas mesas das famílias mais
humildes, tornando-se também a
base da alimentação dos negros.
Das mãos dos escravos, a iguaria
conquistou espaço nos tabuleiros e o
paladar do povo.
Incorporado à cultura brasileira,
o prato até hoje tem lugar garantido no cardápio dos nordestinos. E
nós tratamos de aprimorá-lo, acrescentando temperos da região e
sofisticando a simples tradição.
ANOTE AÍ
O empresário Suedson Cardoso
da Silva, proprietário da Casa
do Cuscuz, fez da tradição o seu
negócio, criando diversas receitas
com a massa de milho. Ele compartilha com a gente a receita de
um delicioso cuscuz de charque e
queijo coalho.
24
Por Alana Karolina e Leila Dolif
Foto Leila Dolif
Ingredientes
- 150g de massa de milho;
- 1 pitada de sal;
- 100g de charque;
- 50g de queijo coalho cortado em
cubos.
Modo de preparo
Molhe a massa de milho e deixe
descansar por 15 minutos. Escal-
de a carne, deixe secar e depois
triture no liquidificador. Misture a
massa de milho, a carne e o queijo
coalho e coloque no cuscuzeiro e
deixe cozinhar por 20 minutos.Em
seguida é só servir com um café
quentinho! Rende 1 porção.
Bom apetite!
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