ÁFRICA EM AÇÃO
Carlos Eduardo Siqueira Pinheiro (apresentador)
Fabiana Santana da Silva
Thiago Cavalcante Maciel da Silva Gomez
(graduandos do curso de História da FMU)
RELATO DE EXPERIÊNCIA
RESUMO
Diante da dificuldade em encontrar material referente à história dos
povos africanos, definimos a necessidade de constituição de recursos didáticopedagógicos capazes de romper com a perspectiva preconceituosa e limitadora
ligada à história que usualmente é reproduzida sobre o continente, sua
população e suas tradições.
Assim, pensando em um público do Ensino Médio, elaboramos um jogo
para tecer um diagnóstico sobre as informações trazidas pelos alunos. A partir
deste diagnóstico, o conteúdo seria trabalhado a partir de eixos temáticos,
onde o jogo seria realimentado e novamente utilizado como referência do
processo de avaliação final dos conteúdos analisados.
Neste sentido, como parte interativa do jogo, há um site no qual
existem partes específicas de acesso ao professor (onde ele poderá obter
indicações bibliográficas, filmografia, entre outros elementos) e outra área
destinada ao aluno (onde ele poderá interagir e realimentar o próprio jogo).
Entendemos que o jogo África em Ação deverá adotar elementos que
contribuam para motivar criativamente nosso alunado, funcionando como um
material que, se inicialmente se coloca como uma avaliação diagnóstica,
também abre a possibilidade para múltiplas intervenções do professor, de
acordo com sua práxis em sala, promovendo o incentivo à pesquisa e a
desmistificação e humanização do continente africano.
TEXTO
Introdução
Como professores, nos víamos diante da dificuldade de selecionar
material didático referente aos conteúdos ligados às temáticas africanas.
Pretendíamos organizar um material no qual fossem questionados os caminhos
que reafirmam o preconceito e o desconhecimento sobre o continente, seu
povo, suas tradições. Como é sabido, a História acaba se configurando como a
história dos vencedores, restando aos vencidos a construção estereotipada,
forjada e imposta pelos vencedores. A África tem sido colocada neste lugar
desde tempos remotos. Isso significar subtrair-lhe a potencialidade histórica, e
o que é mais sério: esta ação influi diretamente nas populações oriundas do
continente ou sua descendência, que passam a se ver sem representação,
alienando-se da percepção sobre suas raízes e identidades, quando, em
alguns casos, não encontram nelas um estímulo de resistência, de potência
transformadora. A partir desses questionamentos, resolvemos nos posicionar
contra essa história, baseando-se em um material que fosse contundente em
demonstrar a questão.
Assim, decidimos elaborar um material com o qual pudéssemos efetivar
uma ação cujo foco fosse desmitificar o preconceito, ao mesmo tempo em que
revelasse outro olhar sobre o povo africano. Para tanto, definimos ser a
estrutura pautada em um jogo, o caminho mais eficaz para estimular o
interesse do aluno, bem como desenvolver uma dinâmica capaz de aprofundar
o intercâmbio entre professor e aluno.
A partir desta inquietação inicial, estabeleceu-se a necessidade de
interagir fundamentação teórica do jogo, fosse como perspectiva para o
processo do ensino-aprendizagem, fosse para desenvolver a metodologia que
conduzirá o processo de materialização da proposta.
Naquele momento, outro elemento entrou em cena: o material que
comporia o próprio teor do jogo. A discussão em torno da História da África, de
intensa relevância, mostrou-se afinada com os objetivos conceituais do jogo,
justamente pelos problemas que sua aplicabilidade comporta desde a
implementação da lei 10.639, tornando obrigatório o seu ensino, mas,
principalmente, porque a sua adaptação ao universo da sala de aula ainda está
em construção, como um verdadeiro desafio pedagógico.
Fundamentação Teórica
É interessante pensar os motivos por que alguns dos elementos mais
fluidos aos primeiros anos são justamente os elementos preteridos quando
tratamos de educação escolar. O conjunto lúdico, a ideia de jogo ou
brincadeira, compõem os procedimentos sistematicamente solapados dentro
das técnicas pedagógicas dominantes.
A ideia de que o adulto detém um acervo importante, que precisa ser
transmitido à criança e ao adolescente, deixa de lado o próprio acervo cultural
infanto-juvenil construído ao longo dos tempos.
Se fornecemos, nos primeiros anos, um repertório de jogos que compõe
a formação dos indivíduos, depois, nos anos escolares, pedimos justamente
para que abram mão de tudo isso. Abram mão daquilo que, inclusive, ajudou a
definir o que hoje esses mesmos indivíduos são.
Segundo Gilberto Freire: “Lendo Stanley Hall e seus estudos da criança
e do adolescente. Suas teorias sobre os jogos e brinquedos. [...] O que eu
desejaria era escrever uma história como suponho ninguém ter escrito com
relação a país algum: a história do menino. [...] E creio que só por meio de uma
história desse tipo será possível chegar-se a uma ideia sobre a personalidade
do brasileiro. É o menino que revela o homem. Mas nunca ninguém aplicou
esse critério ao estudo da formação ou desenvolvimento nacional de um país.
Todo espaço nas histórias convencionais é ou tem sido para a glorificação dos
adultos. [...] É preciso que se reaja contra isso. Porque não há compreensão
possível do Homem, deixando-se de procurar compreender melhor a Mulher e
o Menino”. (FREIRE, Gilberto, 2012. p 129).
A história, portanto, deve ser reconstruída constantemente pela sua
vocação em tornar-se íntima do aluno. Insistimos, portanto, que a base da
educação seja constituída a partir de signos caros à criança e ao adolescente.
A dinâmica dos jogos, da brincadeira, da aventura: eis aqui um solo fértil para
mudar radicalmente as perspectivas colocadas até então.
Desta forma, entrelaçam-se o projeto do jogo e a escolha temática para
sua realização.
Metodologia
De que modo os problemas conceituais do jogo e os problemas em
relação ao desenvolvimento do tema África deram indicação de como
desenvolver uma metodologia aplicada? Em outras palavras: como, o próprio
limite historiográfico a respeito do tema e o nosso limite a respeito dessa
historiografia, ofereceram as alternativas criativas que ditaram a estrutura do
jogo, as soluções mais significativas?
Primeiramente, havia o problema de como o estudo da África havia se
construído a partir de perspectivas distorcidas, estereotipadas, repletas de
intencionalidade em relação ao modo como o continente africano e suas
populações deveriam ser inseridos na história ocidental contemporânea. Em
resumo: o papel a que foram destinados.
Identificado o problema, a proposta de ensinar pela dinâmica de jogo, de
modo a enriquecer o aprendizado partindo de elementos lúdicos e com os
quais o aluno se identificaria, encontrou a necessidade do acréscimo de um
objetivo ainda mais específico: ressignificar o lugar da África na História.
Após um conjunto de pesquisas, que intercavala: estudo do material
produzido pela historiografia acerca de África, estudo dos mecanismos internos
da dinâmica de inúmeros jogos e levantamento de recursos didáticos aplicáveis
ao projeto, foi elaborado, em linhas gerais, o que pode ser definido como a
própria “práxis do jogo”: sua capacidade física de materializar, efetivamente,
seu potencial abstrato.
Nada mais coerente, em se tratando de materialização, do que partir do
Mapa do continente, como núcleo organizativo das questões. O mapa se torna
o tabuleiro do jogo; o tabuleiro, a plataforma para a ação. Os jogadores
debruçam-se sobre o tabuleiro, contemplando o continente. O continente revela
a complexidade humana, através de imagens de povos, etnias, grupos
linguísticos. São destacadas personalidades dentro dessa composição
humana, de áreas diversas – literatura, música, comunicação, política -, cada
qual equivalendo, nas quinas do tabuleiro, a um ponto de partida e uma equipe
de jogadores, e de onde, avançando por casas sequenciadas, os levará ao
continente “desconhecido”. No trajeto, através de cartas-desafio compostas por
um conjunto elaborado de perguntas e respostas que partem do acervo de
conhecimento do tema, com intuito de revelar ao aluno-jogador o próprio limite
do seu conhecimento sobre África, seja para, pedagogicamente, diagnosticar
os pontos a serem trabalhados no desenvolvimento de eixos temáticos, seja
para reconstruir no imaginário do participante o papel dos africanos, o jogo
avança dentro do signo da travessia: a jornada física (as equipes caminhando
pelo tabuleiro) e a jornada do conhecimento (se desenvolvendo a medida que
perguntas e respostas são expostas). A síntese dessa dupla jornada mostra-se
evidente desde o nome que batiza o jogo: África em ação.
Uma vez elaborado o material, o jogo conterá o tabuleiro-continente, um
par de dados, um conjunto de quarenta cartas de perguntas e respostas, quatro
pinos de diferentes cores – verde, amarelo, azul, vermelho –, quatro fichas de
respostas diagnósticas e um manual de instrução para orientação, de uso do
professor.
Como citado, o jogo terá como objetivo desafiar o participante a
responder perguntas sobre o continente africano e seus habitantes – temas
como cultura, política, economia, esporte, atualidade – através de casas
sequenciadas no tabuleiro que, no término, o levará ao coração da África.
Poderá ser jogado por jovens acima de doze anos de idade. Cada
tabuleiro – a quantidade necessária para atender o número de alunos em sala
de aula – poderá ser jogado pelo número mínimo de quatro jogadores até doze
participantes, divididos em quatro equipes com três jogadores cada.
Sua funcionalidade baseia-se na dinâmica dos jogos de tabuleiro: após
disputa de dados, o jogo tem início com a equipe ganhadora desafiando a
equipe anterior, em sentido horário, a tirar uma carta e lançar-lhe a primeira
pergunta-desafio.
As perguntas abrangerão diversos temas, condizentes seja com o
mapeamento diagnóstico que revelará o grau de conhecimento dos alunos
sobre o assunto, seja com um acervo para enriquecê-los a respeito da história
da África não condicionada à historiografia dominante. Após a resposta, correta
ou não, a carta também trará um complemento, aprofundando a resposta,
acrescentando curiosidades e discussões que contribuam para a construção do
conhecimento crítico do aluno.
A cada acerto, a equipe desafiada avançará uma casa. Em caso de erro,
abre-se a possibilidade para as outras equipes responderem. Caso alguma
equipe aceite o desafio e acerte, avançará duas casas; recuará uma casa,
entretanto, em caso de erro. Se nenhuma equipe se arriscar, a equipe
desafiante é quem avança uma casa. O jogo seguirá esta dinâmica em sentido
anti-horário.
Ganha o jogo a equipe que responder o maior número de perguntasdesafios, avançando nas casas do tabuleiro e alcançando o continente africano
primeiro.
O objetivo final do jogo, além da vitória no tabuleiro, é a vitória do
conhecimento, levando os participantes a descobrirem um pouco mais sobre
este, que é chamado de o continente desconhecido.
Problemas Externos
No que diz respeito aos problemas para além do jogo, que inclusive
impôs limites ao processo de construção metodológica, o jogo surge para
discutir a escassez de recursos didáticos para abordagem e ensino da História
da África e da Cultura Afrobrasileira, que atenda à determinação da Lei 10.639,
com o objetivo de oferecer, aos professores do Ensino Fundamental e Médio,
possibilidades metodológicas para nortear os eixos temáticos do ensino de
História da África em sala de aula, que vá além dos materiais tradicionais que
privilegiam apenas aspectos de fauna e flora. Aqui o aspecto humano é o
primordial.
Portanto, se o jogo surge da necessidade de pensar maneiras de
trabalhar a história da cultura africana e afro-brasileira no Ensino Fundamental
e Médio, como determina a lei, concluíamos que isto não poderia ser
executado de qualquer maneira.
Afinal, queremos romper barreiras, vencer preconceitos, abrir novas
possibilidades! E para isso, devemos olhar para a África com o mesmo respeito
com que olhamos para qualquer continente. Para vencer os preconceitos que
os alunos carregam, precisamos, primeiro, fazer um exercício de autocrítica.
Se, para a pergunta acerca do grau de conhecimento sobre a África, a resposta
inicial for “muito pouco” ou até mesmo “nada”, este jogo será uma ótima
oportunidade para que o próprio professor aprenda junto com seus alunos,
afinal de contas, Paulo Freire sabiamente nos alertou que “ninguém ignora
tudo, ninguém sabe tudo. Por isso aprendemos sempre”.
O primeiro ponto a ser compreendido sobre o jogo é que se trata de um
material didático que deve ser utilizado como tal; isso implica em pesquisa e
preparação prévia. O professor receberá aqui alguns apontamentos sobre a
utilização do material, mas o sucesso do empreendimento depende em boa
medida do compromisso docente para com o ensino e a aprendizagem.
O aspecto central a ser trabalhado é que se trata de uma avaliação
diagnóstica. Então, o jogo se configura como uma ferramenta de avaliação
prévia sobre o conhecimento dos alunos sobre o tema. Nossa indicação é que
o professor realize a seguinte dinâmica com os alunos: distribua papéis em
branco e peça para que eles anotem seus nomes no início da folha. Em
seguida, peça para que escrevam rapidamente as cinco primeiras palavras que
lhes vêm à cabeça quando escutam a palavra ÁFRICA. Depois, ele deverá
recolher as perguntas sobre os resultados e também os papéis.
Em seguida, o professor fará uma introdução sobre o tema, com a sala
dividida de maneira que, em cada grupo, haja no máximo 12 (doze alunos).
Então esse grupo se subdividirá em 4 (quatro) pequenas equipes, quando
receberão o material dentro da embalagem. Vai ser pedido para que abram e
verifiquem se todas as peças estão em ordem. Depois, a indicação é que se
peça para os alunos observarem o tabuleiro, perguntando-se quem são as
pessoas que estão nas fotos do centro. O professor vai explicar que a África é
composta por vários grupos étnicos e que, ao contrário do que as pessoas
pensam, não existem apenas negros. É fundamental que os alunos entendam
que o elemento humano é o principal nesse trabalho. Também podem ser
perguntados se conhecem as pessoas que estão nas fotos das extremidades.
Depois de apresentado o tabuleiro, cada grupo lerá as regras do jogo. É
necessário explicar que o preenchimento das fichas é muito importante. Se o
ambiente for propício, enquanto os alunos jogam, pode ser colocado música
ambiente, com cantores e bandas africanas. É importante ter os nomes dos
artistas marcados para que os alunos que se interessarem possam anotar.
Depois de concluído o jogo, o professor deve recolher as quatro fichas
de cada tabuleiro, que podem ou não conter o nome dos jogadores. Esse
material é muito importante porque, por meio dele, será possível detectar quais
são as principais deficiências deste grupo específico. De acordo com o número
de equívocos, as aulas serão elaboradas buscando sanar exatamente essas
deficiências que os alunos apresentaram. É muito provável que essas palavras
indiquem uma série de “pré-conceitos” e generalidades que costuma-se
propagar sobre a África. Quando o professor montar seu plano de aula, não
poderá esquecer-se de pensar estratégias para trabalhar estas questões.
Considerações finais
Entendemos que o jogo África em Ação deverá adotar elementos que
contribuam para motivar criativamente nosso alunado, como um material que,
se inicialmente se coloca como uma avaliação diagnóstica, também abre a
possibilidade para múltiplas intervenções do professor de acordo com sua
práxis em sala, promovendo o incentivo à pesquisa e a desmistificação e
humanização do continente africano.
Pensando nas potencialidades do jogo, há ainda a proposta de
interface dessa ferramenta pedagógica, como parte interativa do jogo, com a
construção de um site no qual reservaremos uma área restrita ao acesso do
professor (onde ele poderá obter indicações bibliográficas, filmografia, entre
outros elementos) e outra área destinada ao aluno (onde ele poderá interagir e
realimentar o próprio jogo).
Portanto, concluímos que, dentro das possibilidades que o jogo oferece,
o professor precisa ter clareza do seu papel, de modo a manejar o jogo como
uma ação planejada, e cujo envolvimento se torna decisivo para sua boa
aplicabilidade.
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ÁFRICA EM AÇÃO Carlos Eduardo Siqueira Pinheiro - sinpro-sp