A TERCEIRA GERAÇÃO: CONDOREIRA
O fim da década de 60 assinalou o início de uma crise que atingiu a classe
dominante, composta por senhores rurais e grupos de exportadores. As
primeiras indústrias, o encarecimento do escravo como mão-de-obra e a
utilização de imigrantes nas fazendas de café de São Paulo indicavam
mudanças na ordem econômica.
Por esta época, começaram a se manifestar as primeiras fraturas na até
então sólida visão das elites dirigentes. O nacionalismo ufanista começou a
ser questionado. Estudantes de Direito, intelectuais da classe média urbana,
escritores, jornalistas e militares se davam conta da existência de uma
considerável distância entre os interesses escravocratas e monarquistas dos
proprietários de terras e os interesses do resto da população. Foi então que a
literatura assumiu uma função crítica.
Antônio de Castro Alves superou o extremado individualismo dos poetas
anteriores, dando ao Romantismo um sentido social e revolucionário que o
aproxima do Realismo. O padrão poético já não é Chateaubriand ou Byron,
mas sim o francês Vitor Hugo, burguês progressista, cantor da liberdade e do
futuro.
CASTRO ALVES
Vida: Descendente de uma família tradicional e
poderosa do interior baiano - seu pai era médico,
formado na Europa - Antônio de Castro Alves
nasceu na Fazenda das Cabeceiras, perto da
cidade de Curralinho. Quando tinha sete anos, a
família mudou-se para Salvador. Lá estudou no
Colégio Abílio, que revolucionara o ensino brasileiro
pela eliminação dos castigos físicos aplicados aos
alunos. Em 1858, morreu-lhe a mãe. Seu irmão
mais velho, José Antônio, ficou muito abalado,
suicidando-se alguns anos depois. Mas já no início
de 1862, Castro Alves estava no Recife, fazendo os
preparatórios para a Faculdade de Direito, ainda
em companhia do irmão. Conheceu então a famosa
atriz portuguesa Eugênia Câmara, de quem se
tornou amante aos dezenove anos. Na Faculdade,
parecia mais interessado em agitar idéias
abolicionistas e republicanas e produzir versos (que
obtinham grande repercussão entre os colegas) do
que propriamente estudar leis.
Após concluir um drama em prosa, Gonzaga, especialmente composto para
Eugênia Câmara, seguiu com a atriz rumo a Salvador. Ali os dois
receberam espetacular consagração com a estréia da peça no Teatro São
João. Estando ele disposto a retornar ao curso de Direito, viajaram para
São Paulo, antes parando dois meses no Rio de Janeiro, onde foram
celebrados por José de Alencar e Machado de Assis. A temporada paulista
durou apenas um ano. O nome de Castro Alves tornara-se uma legenda:
ótimo declamador de seus próprios poemas, recitou O navio negreiro e
Vozes d'África sob a ovação dos estudantes. Um colega escreveu que
Castro Alves "era grande e belo como um deus de Homero". Sua vida
afetiva, no entanto, entrou em crise pelas constantes traições à orgulhosa
Eugênia Câmara. Ela terminou por abandoná-lo definitivamente. Para
esquecer a ruptura, o poeta começou a se dedicar à caça, ferindo-se
casualmente no pé, que infeccionou. Levado para o Rio, foi submetido a
uma amputação sem anestesia. Depois disso, debilitado, retornou à Bahia,
onde viveu por pouco mais de um ano, até que sobreveio a tuberculose
fatal. Morreu em fevereiro de 1871, antes de completar vinte e quatro anos.
Obras: Espumas Flutuantes (1870); A cachoeira de Paulo Afonso (1876);
Os escravos (1883); Gonzaga ou A Revolução de Minas (drama - 1875).
Sua obra se abre em duas direções:
Poesia social - causas liberais e humanitárias.
Poesia lírica - natureza e amor sensual.
POESIA SOCIAL
Castro Alves é um caso típico do intelectual convertido em
homem de ação. Não apenas realizou uma poesia humanitária,
como participou ativamente de toda a propaganda abolicionista
e republicana. Esse engajamento político muitas vezes prejudica
a sua literatura - que se torna mais denúncia do que arte embora tal problema seja secundário diante da generosidade
social do poeta.
O jovem baiano tinha consciência de sua posição e de sua
situação de letrado, e do papel que poderia exercer dentro da
sociedade. Compreendia o significado da educação num país
constituído por analfabetos, e foi o primeiro dos grandes
românticos a valorizar a imprensa, o livro e a instrução,
conforme diz no poema O livro e a América:
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n'alma
É germe - que faz a palma,
É chuva - que faz o mar.
Castro Alves cantou todas as causas libertárias - a poesia como arma de
combate a serviço da justiça e da igualdade - mas o que ficou na memória
popular são os seus poemas abolicionistas.
A base econômica da sociedade agrária brasileira, na década de 1860,
ainda era o escravo, porém as pressões internacionais, somadas às críticas
das classes urbanas nacionais e à perspicácia de certos proprietários - que
viam a escravidão como anti-econômica - possibilitaram o surgimento das
primeiras vozes contestadoras. Castro Alves será a encarnação mais
retumbante desse protesto.
O condoreirismo
Os seus poemas sociais são conhecidos também como condoreiros. "A
praça, a praça é do povo, assim como o céu é do condor" - escreve num
de seus primeiros trabalhos. É uma metáfora exuberante: o condor voa
altaneiro e livre por sobre os Andes. Como exuberantes, indignados e
patéticos são parte considerável de seus versos. Ele quer inebriar os
jovens liberais com a força bombástica de um discurso metrificado. Quer
comover e convencer. Por isso, nem sempre se contenta em dizer o
essencial. Acaba caindo na retórica, provocada pelo excesso verbal, por
antíteses e hipérboles* em demasia e por várias imagens de mau gosto.
É possível, no entanto, compreender que o tom oratório dessas
composições tinham uma finalidade pedagógica: feitas para serem
declamadas em público, elas deviam se parecer a um discurso que
conscientizasse as massas. Daí sua redundância e sua ênfase
emocional. Mesmo assim, em vários textos condoreiros, o poeta atingiu
uma eloquência pura, vibrátil, "de poderosa sugestão visual e impressão
auditiva".
O navio negreiro e Vozes d'África se constituem nos mais soberbos
monumentos de poesia social do século XIX. E ainda que a escravidão
tenha acabado, e este tema não pertença mais a experiência atual, é
impossível ao leitor ficar indiferente diante de tamanha densidade
dramática.
* Hipérbole: figura do exagero
O navio negreiro, cujo título geral é Tragédia no mar, começa com uma longa
e belíssima descrição do oceano, até que o poeta, postado nas alturas, avista
um barco que parece navegar alegremente. Então o poeta solicita ao albatroz
("águia do oceano") que lhe dê suas asas para se aproximar da embarcação.
Ao mergulhar por sobre o navio, descobre a realidade em todo o seu horror.
As cenas que se sucedem são impressionantes: a violência opressiva dos
traficantes; as apóstrofes* exasperadas do poeta, tanto a Deus quanto às
forças mais grandiosas da natureza; o repúdio à bandeira nacional que cobre
tanta iniqüidade; e, por fim, o apelo aos heróis do Novo Mundo para que dêem
um basta à espantosa tragédia: Era um sonho dantesco...O tombadilho
Que das luzernas* avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros...estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite
Horrendos a dançar...
Negras mulheres suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães.
Outras, moças... mas nuas, espantadas
No turbilhão de espectros arrastadas
Em ânsia e mágoa vãs.
E ri-se a orquestra, irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doidas espirais...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala
E voa mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali ...
Um de raiva delira, outro enlouquece...
Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri...
No entanto o capitão manda a manobra...
E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz, do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar." (...)
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus...
Ó mar! por que não apagas
Com a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noite! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! (...)
E existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e covardia!...
E deixa-a transformar nessa festa
Em manto impuro de bacante* fria!...
Meu Deus! Meu Deus! mas que bandeira é esta
Que impudente* na gávea tripudia?! ...
Silêncio!... Musa! Chora, chora tanto,
Que o pavilhão se lave no teu pranto...
Auriverde pendão* de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!... (...)
...Mas é infâmia demais... Da etérea plaga*
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo...
Andrada! arranca este pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta de teus mares!"
* Apóstrofe: interpelação direta a alguém
* Luzernas: clarões
* Bacante: mulher devassa
* Impudente: sem pudor
* Pendão: bandeira
* Plaga: região, país
OUTROS POEMAS
Curioso é o poema narrativo A cachoeira de Paulo Afonso, composto por
uma série de quadros, onde se fundem o lírico e o social. É a história de
amor entre dois escravos, Lucas e Maria, que termina com o suicídio de
ambos na cachoeira. Uma história melodramática, mas pontilhada de
excepcionais descrições da natureza brasileira, como esse Crepúsculo
sertanejo:
A tarde morria. Nas águas barrentas
As sombras das margens deitavam-se longas!
Na esguia atalaia* das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
A tarde morria! Mais funda nas águas
Lavava-se a galha do escuro ingazeiro...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro. (...)
A tarde morria! Dos ramos, das lascas,
Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos*
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.
Somente por vezes, dos jungles* das bordas,
Dos golfos enormes daquela paragem,
Erguia a cabeça, surpreso, inquieto,
Coberto de limos - um touro selvagem.
Cardo: planta espinhosa, Jungle: mata espinhosa
Um Verdadeiro Defensor dos Escravos?
Nas últimas décadas, tornou-se moda acusar Castro Alves de ter apenas
piedade do escravo e de não vê-lo integrado no processo produtivo. Sendo
assim, seu condoreirismo estaria impregnado dos preconceitos da burguesia
branca contra o negro. Tal visão é ridícula. Basta atentarmos para poemas
como Saudação a Palmares e Bandido Negro. No último, há inclusive um
refrão verdadeiramente revolucionário para uma época em que o escravo que
levantasse o braço contra o seu senhor era punido com ferocidade:
Cai, orvalho de sangue do escravo,
Cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
Cresce, cresce, vingança feroz.
POESIA LÍRICA: O AMOR SENSUAL
O lirismo amoroso de Castro Alves distingue-se das
concepções dominantes na poesia romântica brasileira. Ao
contrário de Gonçalves Dias, não considera o amor como
impossível de ser realizado. Tampouco encobre a
sensualidade, como Casimiro de Abreu. Muito menos
apresenta a relação física como perversão fantasiosa, a
exemplo de Álvares de Azevedo. Em Castro Alves, as
ligações sentimentais são apresentadas de uma maneira
viril, sensual e calorosa.
Mário de Andrade observou que tanto o homem quanto o
artista alcançam a plena realização sexual. Disso resulta
uma lírica original por explorar o erotismo sem subterfúgios e
sem culpa.
Ninguém como Castro Alves sabe cantar as excelências das
uniões corpóreas, ninguém como ele sabe falar de homens e
mulheres reais. Até mesmo sua linguagem - freqüentemente
retórica ao tratar de temas condoreiros - torna-se simples e
coloquial na poesia amorosa.
A partir de um esplêndido domínio da metáfora, o poeta cria
imagens de rara beleza e intenso sentido de plasticidade,
conforme se pode observar em versos como: "Sob a chuva
noturna dos cabelos..." Ou: "Minha Maria é morena / Como
as tardes de verão." Ou ainda, referindo-se a uma de suas
amadas: "Lírio do vale oriental, brilhante! / Estrela vésper do
pastor errante!" Encantador e de singelo erotismo é o poema
Adormecida, onde galhos e ramos assediam amorosamente
a jovem que dorme numa rede:
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão...solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.(...)
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras*,
Iam na face trêmulos - beijá-la
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a ...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia... (...)
* Aura: vento brando.
Em Os anjos da meia-noite, o poeta inventa a imagem quase surrealista de
um seio solto a flutuar:
Como o gênio da noite que desta desata
O véu de rendas sobre a espádua nua,
Ela solta os cabelos...Bate a lua
Nas alvas dobras de um lençol de prata...
O seio virginal que a mão recata,
Embalde o prende a mão...cresce, flutua... (...)
O POETA E A MORTE
Antes de sua doença, Castro Alves já experimentara o velho tema romântico da
morte na juventude e o triste lamento que esta intuição do fim nele despertava.
O abismo entre os seus sonhos e a sombria realidade que impede a realização
dos mesmos aparece em Mocidade e Morte, um de seus poemas fundamentais
e, além de tudo, profético, conforme se pode ver nas primeiras estrofes:
Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minha alma adejar* pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
- Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.
Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea* fria.
Adejar: esvoaçar
Lájea: pedra do túmulo
SOUSÂNDRADE (1833-1902)
Vida: Joaquim de Sousa Andrade nasceu em Alcântara, Maranhão. De família
abonada, viajou muito desde jovem, percorrendo inúmeros países europeus.
Formou-se em Letras pela Sorbonne. Depois faz o curso de Engenharia. Em
1870, conheceu várias repúblicas latinoamericanas. A partir de 1871, fixou
residência em Nova Iorque, onde mandou imprimir suas Obras poéticas. ....
Em 1884, lançou a versão definitiva de seu O Guesa, obra radical e
renovadora. Morreu abandonado e com fama de louco.
Obras: Obras poéticas e O Guesa
Considerado em sua época um escritor extravagante, Sousândrade acaba
reabilitado pela vanguarda paulistana (os concretistas) como um caso de
"antecipação genial" da livre expressão modernista.
Criador de uma linguagem dominada pela elipse, por orações reduzidas e
fusões vocabulares, foge do discurso derramado dos românticos. Seu aspecto
inovador inclui também o uso de latinismos (palavras latinas), helenismos
(palavras gregas), arcaísmos (palavras fora de uso) e outras invenções
pessoais: metáforas complexas e aliterações, onomatopéias e criações
gráficas, etc. Trata-se de um poeta experimental, que surge como um corpo
estranho dentro de sua época literária.
O sol ao pôr-do-sol (triste soslaio!)...o arroio
Em pedras estendido, em seus soluços
Desmaia o céu d'estrelas arenoso
E o lago anila seus lençóis d'espelho...
Era a Ilha do Sol, sempre florida
Ferrete-azul, o céu, brando o ar pureza
E as vias-lácteas sendas odorantes
Alvas, tão alvas!... Sonoros mares, a onda
d'esmeralda
Pelo areal rolando luminosa...
As velas todas-chamas aclaram todo o ar.
O GUESA
Sua obra mais perturbadora é O Guesa, poema em treze cantos, dos quais
quatro ficaram inacabados. A base do poema é a lenda indígena do Guesa
Errante. O personagem Guesa é uma criança roubada aos pais pelo deus
do Sol e educado no templo da divindade até os 10 anos, sendo
sacrificado aos 15 anos, após longa peregrinação pela "estrada do Suna".
Na condição de poeta maldito, Sousândrade identifica seu destino pessoal
com o do jovem índio. Porém, no plano histórico-social, o poeta vê no
drama de Guesa o mesmo dos povos aborígenes da América, condenando
as formas de opressão dos colonialistas e defendendo uma república
utópica.
Cosmopolita, o escritor deixou quadros curiosos como a descrição do
Inferno de Wall Street, onde vê o capitalismo como doença.
Observe-se, por outro lado, que os seus achados poéticos mais felizes
coexistem com trechos ininteligíveis, retóricos e pretensiosos.
O ROMANCE ROMÂNTICOI - ORIGENS
Os romances dos autores românticos europeus como Victor Hugo,
Alexandre Dumas, Walter Scott e outros tornaram-se populares no Brasil
através de sua publicação em jornais, depois de 1830, criando no público o
gosto por um gênero ainda desconhecido entre nós.
Tanto na Europa quanto nas traduções brasileiras, essas narrativas eram
primeiramente publicadas na imprensa, na forma de capítulos diários ou
semanais, aumentando de maneira extraordinária a tiragem dos periódicos.
Os leitores não escondiam seu entusiasmo pelo desenvolvimento das
histórias, seduzidos pela sucessão de acontecimentos trepidantes, pelas
emoções desenfreadas, pela linguagem acessível e pela ausência de
qualquer abstração intelectual.
Tais romances receberam o nome de folhetins. Ao escrever um folhetim, o
artista submetia-se às exigências do público leitor e dos diretores de jornais.
O francês Eugène Sue chegou a ressuscitar um personagem porque os
leitores não haviam se conformado com sua morte. Ou seja, o que
determinava o desenvolvimento e o desfecho de uma narrativa era o gosto
popular. Desta forma, ao criar um folhetim o escritor se sujeitava aos valores
culturais e ideológicos do público, que desejava histórias melodramáticas e
alienadas da realidade.
Por razões econômicas, quase todos os ficcionistas do período passaram a
produzir primeiro para a imprensa. Mesmo alguns dos maiores novelistas do
século XIX, como Dostoievski e Machado de Assis, se viram compelidos a
lançar suas obras em fascículos. Todavia, eles não aceitavam a concepção
folhetinesca da narrativa, mantendo sua independência estética. Outros,
mais interessados na venda e na popularidade subordinavam seus textos à
estrutura típica do folhetim, que é a seguinte:
Harmonia
· felicidade
· ordem social
burguesa
Desarmonia
· conflito
· desordem
· crise da
sociedade
burguesa
Harmonia final
· reestabeleciment
o da felicidade
· reordenação
definitiva da
sociedade
burguesa, com o
triunfo de seus
valores
Com o tempo, os ficcionistas passaram a utilizar uma série de truques
narrativos, repetidos até a exaustão. Exemplo disso são os conflitos mais
óbvios e recorrentes, vividos pelos protagonistas, e suas soluções quase
sempre idênticas:
· a falta de dinheiro - o pobre casa com a rica e vice-versa, movido
apenas pelo amor; ou um deles recebe grande herança de parente
desconhecido, etc.
· a ausência de identidade - aparecem amuletos, retratos, objetos ou
sinais corporais que provam o que se deseja provar, geralmente a origem
nobre ou burguesa de um plebeu.
· a inexistência de testemunhos - surgem personagens, muitas vezes
vindos das sombras, que ouvem conversações secretas ou recebem
confissões proibidas, e que então confirmam uma identidade perdida ou
inculpam alguém por um crime cometido.
Como regra geral, no último capítulo, após intensos tormentos, maldade e
desolação, os obstáculos são removidos e o amor vence. Em vários
romances, contudo, a ordem social é mais forte que a paixão e os
amantes acabam destruídos pelas conveniências e pelos preconceitos.
De qualquer maneira, o final de um folhetim tem sempre um caráter
apoteótico e desmedido, seja na felicidade, seja na dor.
O sucesso do folhetim europeu, em jornais brasileiros, foi resultado da
emergência de um novo público leitor, composto basicamente por estudantes e
mulheres. Era um público urbano, mas não raro procedente do campo: em
geral, filhos e esposas de senhores rurais que haviam se estabelecido na
Corte, depois da Independência.
As mensagens sentimentais libertadoras dos folhetins serviram como uma luva
às necessidades daquela gente asfixiada pelas regras intolerantes de uma
sociedade economicamente agrária e culturalmente arcaica. E isso estimulou o
aparecimento de vulgares adaptações dos relatos românticos, feitas por
escritores de segunda categoria. Teixeira e Sousa, em 1843, publicou O filho
do pescador, tornando-se o pioneiro desse subgênero.
No entanto, em 1844, veio à luz A moreninha, de Joaquim Manuel de
Macedo. Pelo enredo melhor articulado, pelo registro do ambiente carioca e
pela sutil harmonização entre amor juvenil e preceitos conservadores, esta
narrativa ultrapassava a dimensão de simples cópia de folhetins europeus. Sob
certos aspectos, estava nascendo o romance brasileiro.
OS ROMANCISTAS ROMÂNTICOS
JOAQUIM MANUEL DE MACEDO (1820-1882)
Vida: Nasceu em Itaboraí (RJ), filho de uma família de posses.
Jovem ainda, formou-se em Medicina, a qual não praticaria,
seduzido pela carreira literária, pelo magistério (foi preceptor dos
filhos da princesa Isabel e professor de História no colégio Pedro
II) e pela política (tornou-se deputado pelo Partido Liberal em
várias legislaturas), além de fazer constantes incursões pelo
jornalismo. Foi o primeiro escritor brasileiro a conhecer grande
popularidade, deixando uma obra bastante vasta de mais de
quarenta títulos. Morreu no Rio de Janeiro.
Obras principais: A moreninha (1844); O moço loiro (1845);
Memórias do sobrinho de meu tio(1867); A luneta mágica (1869)
A importância de Joaquim Manuel de Macedo resulta de uma
percepção do próprio escritor: o público leitor nacional,
centralizado na capital federal e devorador de folhetins europeus,
estava disposto a aceitar um romance adaptado a cenários
brasileiros, desde que a conservado o modelo de enredo das
narrativas inglesas e francesas.
Além disso, o escritor deu-se conta de que precisava vencer a barreira
moral - imposta pela estrutura patriarcalista - que não via com bons olhos a
explosão de sentimentos naquelas histórias que afirmavam o direito da
paixão sobre a obediência e sobre a hierarquia social. A adaptação que
Macedo fez, portanto, era uma necessidade, podendo ser assim resumida:
Romance brasileiro=
(Romance romântico europeu + cenários brasileiros + valores patriarcais)
O produto desse esforço foram relatos desprovidos de grande valor
artístico, mas que possibilitavam ao leitor várias identificações. Tropeçavase a todo instante em ruas, praças, praias e outras paisagens conhecidas.
Aqui e ali, sob algum disfarce, topava-se com uma figura típica da
sociedade carioca (fluminense, se dizia então). Um nome era lembrado, um
costume coletivo evidenciado, de tal forma que a alegria do reconhecimento
tornava-se contínua - como se, atualmente, alguém descobrisse o seu
mundo e a si próprio num filme ou numa telenovela.
Outro fator de identificação resulta do processo de abrandamento do folhetim
europeu. Embora o tema predileto de Macedo fosse o amor, as aventuras
sentimentais que imaginou não possuíam nem a violência nem o velado
amoralismo das histórias dos romances europeus de então. Afinal, aqui era o
Brasil, país em que a burguesia não tinha expressão e a ideologia patriarcal
dominava completamente os espíritos.
Afetos sim, mas afetos mantidos nos limites do decoro, para não ferir os
leitores, nem com a tragédia, nem com a revolta. Mais açúcar do que sangue.
Em vez de paixões intempestivas, respeitáveis namoros que, passando pelo
noivado, terminam obviamente no casamento.
Não por casualidade, na obra de Macedo os impulsos íntimos dos enamorados
sempre se enquadram nas normas da família patriarcal. Nada de vulcões, nada
de protestos, nada de desrespeito. O universo pré-capitalista brasileiro ainda
não podia conviver com a liberdade sentimental. Até os vilões sabem adaptarse às conveniências sociais. Como disse um crítico, só praticam a vilania na
medida em que o enredo assim o exige. Quer dizer, o mundo narrativo de
Macedo não tem abismos.
Por isso, não devemos procurar no simpático "Dr. Macedinho" (assim o
tratavam) reflexões adultas ou conflitos comovedores. Tudo nele é
relativamente raso. Satisfaz-se com o que vê e vê apenas as aparências. E,
enquanto colecionador de aparências, é um cronista razoável dos hábitos, da
moda, dos tiques e - num certo sentido - da mediocridade das classes altas e
médias urbanas, retratadas numa ótica bastante ingênua.
A importância histórica O crítico Antônio Candido diz, com ironia, que
Macedo parece ceder "a um irresistível impulso de tagarelice". Tagarelice
comprovada na quantidade de sua produção: em pouco mais de trinta anos de
carreira, escreveu dezoito romances, quinze peças de teatro, dois livros de
poemas e sete volumes de variedades. Mesmo assim, forneceu as bases para
a criação do romance brasileiro. Ao focalizar os costumes patriarcais,
inventariou as dificuldades e os fuxicos próprios dos afetos juvenis,
invariavelmente centrados no namoro e na promessa de casamento, e acabou
mostrando (sem teor crítico), a pequenez de nossa vida urbana.
Acima de tudo, a sua importância na história literária advém do fato de
conquistar os leitores para uma ficção voltada para temas e cenários locais,
abrindo caminho a escritores de maior significado.
A Moreninha até hoje é a sua obra mais conhecida. Apesar da superficialidade
da trama, há no texto um tom alegre e descompromissado.
A MORENINHA
Resumo
O estudante Filipe convida seu amigo e também estudante, Augusto, para
um fim de semana em sua casa, na ilha de Paquetá. Augusto é famoso
pela inconstância em relação à namoradas. Filipe aposta que desta vez
ele se apaixonará por uma de suas primas. Na ilha, Augusto descobre a
adolescente Carolina (a Moreninha), irmã de Filipe, que lhe desperta
sentimentos contraditórios.
Em seguida, defendendo-se da acusação de leviano com as donzelas,
explica a dona Ana, avó da jovem, o motivo de sua volubilidade. Quando
tinha treze anos estava brincando na praia com uma linda e desconhecida
menina. Na ocasião, aparecera um rapazinho, dizendo que o pai estava
prestes a morrer. As crianças visitam o moribundo e, constatando a
pobreza da família, dão-lhe o dinheiro que possuíam. O doente pede um
objeto pessoal de cada um: Augusto entrega-lhe o camafeu da gravata, a
garota um anel. Os objetos são embrulhados em pedaços de pano e
cosidos por sua esposa. Depois, o moribundo entrega a cada um a jóia do
outro, dizendo que eles se amariam e no futuro se tornariam marido e
mulher. Portanto, o rapaz ficara preso a esta promessa juvenil.
O jogo entre o juramento do passado e o amor do presente - pois,
obviamente, Augusto acaba gostando de Carolina - se alterna com
brincadeiras marotas, erotismo negaceado, vinganças adolescentes,
bilhetes secretos, problemas nos estudos, proibições paternas, etc. Tudo é
bastante pueril e inocente, embora se possa perceber nessa ciranda de
namoricos um retrato aproximado dos folguedos sentimentais permitidos na
época. No fim da narrativa, Carolina entrega a Augusto o pacotinho
contendo o camafeu: ela era a menina da praia. Assim, o namoro pode ser
concretizado, sem que o estudante quebre a promessa feita cinco anos
antes.
JOSÉ DE ALENCAR (1829-1877)
Vida: Filho de tradicional família da elite cearense, José Martiniano de
Alencar nasceu em Mecejana, no interior do Ceará. Seu pai, homem culto,
liberal extremado, participou de várias revoluções, como a chefiada por
Frei Caneca, em 1817, e a Confederação do Equador, em 1824, exercendo
também cargos políticos importantes, como o de senador do Império. O
menino viveu, portanto, em um ambiente familiar intelectualizado e
favorável à formação cultural. Tinha nove anos quando se mudou com os
pais para a Corte (Rio de Janeiro), onde fez seus estudos primários,
seguindo depois para São Paulo com o objetivo de concluir o secundário e
matricular-se em Direito, curso no qual se formou em 1851, com vinte e
dois anos de idade.
De volta à Corte, trabalhou como advogado e jornalista. Em 1856, sob
pseudônimo de Ig, teceu duras críticas ao poema Confederação dos
tamoios, de Gonçalves de Magalhães, que, por seu turno, foi defendido
pelo próprio Imperador, também sob pseudônimo. No mesmo ano, Alencar
publicou seu romance de estréia, Cinco minutos. Em 1857, lançou no jornal
O Diário do Rio de Janeiro, sob a forma de capítulos, o folhetim O guarani,
que teve uma repercussão jamais conhecida por qualquer outro escritor até
então no país. Com trinta e cinco anos, casou-se com a sobrinha do
Almirante Cochrane, herói da Independência. O casal teve quatro filhos.
Obras principais:
Romances urbanos: Cinco minutos (1856); A viuvinha
(1857); Lucíola (1862); Diva (1864); A pata da gazela (1870);
Sonhos d'ouro (1872); Senhora (1875); Encarnação (1877).
Romances regionalistas ou sertanistas: O gaúcho (1870);
O tronco do ipê (1871); Til (1872); O sertanejo (1875);
Romances históricos: As minas de prata (1862); Alfarrábios
(1873); A guerra dos mascates (1873)
Romances indianistas: O guarani (1857); Iracema (1865);
Ubirajara (1874)
Estas categorias comprovam a amplitude geográfica, histórica
e social do projeto literário de José de Alencar. Sua ambição
era desmedida: cogitou fazer aqui o que Balzac fizera na
França, ou seja, um painel gigantesco dos múltiplos aspectos
da realidade nacional. Quis construir o romance brasileiro, a
partir de um projeto que abrangesse a totalidade da nação,
tanto na sua diversidade física-geográfica quanto em seus
aspectos sócio-culturais; tanto em suas origens históricas
gloriosas quanto nos mitos dos heróis fundadores da
nacionalidade.
Regiões, história, costumes e mitos: eis a sua fórmula.
A LITERATURA COMO ALMA DA PÁTRIA
Em conseqüência, a idéia chave para a compreensão da obra de Alencar
talvez esteja na sua célebre frase: "A literatura nacional que outra coisa é
senão a alma da pátria?" Ou seja, cabe ao texto literário expressar a nação.
Ele é o espelho no qual os brasileiros devem reconhecer-se como povo e
como unidade cultural e territorial. Nele, os leitores desse país jovem, (que
ainda não tivera nem sua geografia, nem sua alma, nem seus costumes
registrados) poderiam encontrar uma identidade, uma auto-imagem
favorável.
A LINGUAGEM BRASILEIRA
Mais tarde, Alencar percebeu que, para criar de fato o romance nacional
não bastava apenas o uso explícito da temática brasileira e "cor local". Era
preciso também tomar posição diante da questão da linguagem. Romper
com os cânones estilísticos da literatura portuguesa passou a ser, para ele,
um imperativo. Sem essa ruptura não se fundaria uma estética
verdadeiramente autóctone. Por isso, ele foi atacado sistematicamente por
gramáticos e escritores portugueses.
O esforço máximo de Alencar em torno da criação dessa linguagem brasileira
ocorreu em Iracema. Entre os aspectos mais significativos que ali encontramos
destacam-se:
- A utilização de períodos curtos, sintéticos, vinculando a prosa à concisão
expressiva da poesia lírica. A isso se acrescenta a intensa musicalidade e o
ritmo inovador da frase. Justifica-se assim a designação da narrativa como um
"verdadeiro poema em prosa".
- Um estilo que se vale de inumeráveis comparações e metáforas, usadas na
narração, nas descrições e nos diálogos. O estilo metafórico representaria uma
espécie de tradução para o vernáculo nacional das formas básicas de
expressão indígena, centrada em analogias e referências ao mundo natural.
- As comparações sempre vinculadas a elementos da paisagem física e animal
do ambiente tropical brasileiro, sublinhando a dicção nacionalista do escritor.
- O uso permanente de vocábulos indígenas, obrigando o autor a explicá-los
através de numerosas notas ao pé de página.
UM PAINEL INCOMPLETO DO PAÍS
Na celebração exaltada do nacional está a grandeza, mas também o
principal problema do espelho alencariano. O Brasil que ele mostra tende
à idealização da realidade humana e social. É um espelho opaco, que
não reflete nem as mazelas da escravidão nem a brutalidade das
camadas senhoriais. Reflete quase tão somente as luzes fulgurantes do
trópico, e o destemor, a generosidade e o altruísmo de sua gente.
Assim, as imagens que aparecem nos romances de Alencar, em regra,
são positivas e idealizadas. Elas transmitem uma certa sensação de
irrealidade e, às vezes, nos parecem retorcidas e falsas. Correspondem
menos aos fundamentos românticos da época e mais à necessidade das
elites letradas apresentarem o país sob uma ótica benigna e
autoelogiosa. Mesmo assim, em várias obras, o autor cearense consegue
ultrapassar os limites ideológicos que o aprisionavam à sua época,
revelando qualidades de grande ficcionista.
ROMANCES URBANOS
Numa Corte em que a imitação de costumes europeus convivia com a
mediocridade da vida cotidiana, Alencar percebeu a existência de uma
tensão: "a luta entre o espírito local (rasteiro, provinciano, patriarcal) e a
invasão da cultura estrangeira (modismos românticos, paixões extremadas,
etc.) ", como bem observa Roberto Schwarz.
O Rio de Janeiro - na metade do século XIX - era uma capital limitada e
pouco cosmopolita e, portanto, insuficiente para um romancista seduzido
pela idéia de grandeza. O autor cearense viu-se, pois, obrigado a inventar
histórias complicadas, conversões mirabolantes, renúncias sublimes,
amores violentos, etc., para sobrepô-los à pobreza humana e intelectual da
sociedade brasileira de então.
Alencar tenta retratar este conflito entre a vulgaridade nativa e o
sublime universo romântico. Contudo, suas narrativas acabam não se
definindo entre a estrutura do folhetim e a percepção pré-realista do
universo urbano brasileiro. São tão contraditórias quanto a realidade
que procuram refletir.
Assim, em muitas de suas ficções, o aspecto folhetinesco supera
completamente o registro da existência comum, do que resulta o
aspecto quase inverossímil de personagens e acontecimentos. No
entanto, duas narrativas permaneceram como modelares e ainda hoje
merecem ser lidas, seja por sua relativa complexidade psicológica, seja
pela novidade de incorporarem a questão econômica aos
relacionamentos afetivos.
Nestes relatos, Alencar - além de traçar alguns de seus melhores
"perfis femininos" - relaciona o drama dos indivíduos com o organismo
social. Em Lucíola a impossibilidade de união entre dois grupos sociais
distintos, o popular e o senhorial. Em Senhora o casamento por
interesse, um dos poucos instrumentos de ascensão na sociedade
brasileira da época.
LUCÍOLA
Resumo
Paulo, jovem bacharel pernambucano, escreve cartas à senhora G. M.,
para narrar-lhe a história de seu relacionamento com uma cortesã, já que
o assunto não poderia ser exposto oralmente, dada a presença da neta
da destinatária, uma moça inocente de apenas dezesseis anos. Nestas
cartas conta que, recém chegado de Olinda, conhecera uma jovem e bela
mulher, Lúcia, apaixonando-se à primeira vista por ela. Só mais tarde um
amigo iria informá-lo de que Lúcia exercia a alta prostituição, sendo
famosa por certas excentricidades, como vender todas as jóias que
recebia de presente e jamais aceitar ser a amante exclusiva de alguém.
Já abalado com a terrível revelação, Paulo se deprime ainda mais ao
presenciar o espetáculo que Lúcia promove na casa de Sá, um homem
dado a orgias. Lúcia exibe-se nua sobre uma mesa, imitando as cenas
libertinas dos quadros que decoram as paredes da casa. Paulo sente, ao
mesmo tempo, raiva, piedade e paixão pela cortesã mas, ao sair para o
jardim da casa, reencontra-a e obtém da mesma a promessa de nunca
mais repetir a cena. Em seguida, os dois declaram-se apaixonados e
terminam se amando sobre a relva.
A partir de então, Lúcia abandona a profissão e Paulo passa a sustentá-la
em nível modesto. O relacionamento entre os dois , entretanto, continua
muito complicado. O rapaz percebe-se fraco para enfrentar as pressões da
sociedade e a jovem, por seu turno, não se considera merecedora de tal
afeto, vendo objetivamente os terríveis impedimentos sociais colocados
diante de ambos.
Após uma injustificada crise de ciúmes de Paulo, Lúcia enfim conta-lhe
sua vida anterior, revelando que se prostituíra para ajudar sua família, de
classe média, mas duramente empobrecida durante uma epidemia de
febre amarela. Expulsa de casa pelo pai, trocara mais tarde seu verdadeiro
nome, Maria da Glória, pelo de Lúcia, nome de uma amiga sua, morta de
tuberculose. Depois de passar um ano na Europa, retornara ao Brasil,
descobrindo que seus pais já tinham falecido. Internara, então, sua última
parente, a irmã Ana, num colégio e seguira a profissão de cortesã.
Tempos depois, abandonando a prostituição, Lúcia busca Ana no
internato e as irmãs passam a viver juntas. Paulo tenta novamente
conquistar o amor da jovem, mas esta - embora correspondendo aos
sentimentos do rapaz - recusa-se ao relacionamento, alegando que para
destruir a sua condição de prostituta, precisava renunciar inclusive a
seus sentimentos. Em seguida, pede a Paulo que se case com a irmã,
porém este, desesperado, se nega a realizar o pedido. Subitamente,
Lúcia desmaia, revelando-se a sua gravidez: estava esperando um filho
do amante. O feto, contudo, morre no ventre materno. Dias depois,
Lúcia faz Paulo jurar que seria um legítimo pai para Ana, e , em
seguida, também morre.
Ao encerrar a correspondência dirigida à senhora G. M., Paulo informalhe que - conforme a promessa - servira de pai para Ana, que se casara.
1. BERNARDO GUIMARÃES (1825-1884)
Vida: Nasceu em Ouro Preto, onde passou a infância e
os primórdios da adolescência, indo depois para São
Paulo estudar Direito. Foi colega de Álvares de Azevedo
e na faculdade tinha fama de boêmio e satírico, tendo
inclusive produzido uma lírica (Cantos da solidão)
identificada com o satanismo byroniano e com
humorismo. Também escreveu poemas pornográficos
que obtiveram muito sucesso na época Foi nomeado
juiz no interior de Goiás, onde mostrou seu lado boêmio
até ser exonerado da função. Passou rapidamente pelo
Rio de Janeiro, voltou a Ouro Preto, casou-se e se
tornou professor secundário. A publicação de A escrava
Isaura, em 1875, garantiu-lhe prestígio nacional, a
ponto do próprio Imperador visitá-lo na antiga capital
mineira. Morreu aos cinqüenta e nove anos.
Obras principais O ermitão do Muquém (1864); O
garimpeiro (1872); O seminarista (1872); A escrava
Isaura (1875).
Nenhum autor expressou tão amplamente a tendência sertanista como
Bernardo Guimarães. Vivendo, alguns anos, no interior (oeste de Minas e sul
de Goiás), conheceu-o bem, descrevendo-o com certa minúcia e com um estilo
mais ou menos trivial, pontilhado por algumas falas pitorescas da região.
A exemplo dos demais ficcionistas de temática rural, suas narrativas variam
entre um modesto realismo e o melodrama romântico mais inverossímil. Quando
a primeira tendência domina, ele escreve um romance aceitável, O seminarista;
quando o folhetim impera, seus relatos tornam-se risíveis, caso de O garimpeiro
e A escrava Isaura.
A ESCRAVA ISAURA
Este é um dos livros cuja importância se situa fora da literatura, pela incrível
recepção que obteve e por sua importância na luta abolicionista.. Milhares de
brasileiros se comoveram com as desventuras da escrava submetida à perfídia
de seu dono e engrossaram o grupo dos que defendiam o fim da escravatura.
Até porque Bernardo Guimarães soube impregnar de denúncia social o mais
elementar uso dos arquétipos do Bem e do Mal, que sempre fascinam o grande
público.
Resumo
Isaura é filha de uma escrava e de um feitor português de uma enorme
fazenda, no interior do Rio de Janeiro. Após a morte da mãe, a menina é
adotada pela fazendeira que a trata como se fosse sua própria filha. Vem daí
a esmerada educação da escrava que conversa sobre todos os assuntos,
toca piano, canta e sabe línguas estrangeiras. Ainda por cima, é branca.
Paradoxalmente branca:
Acha-se ali sozinha e sentada ao piano uma bela e nobre figura de moça (...)
A tez é como marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada por uma
nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve palidez ou cor-de-rosa
desmaiada...
No entanto, com a morte da fazendeira, Leôncio, seu filho, assume a
propriedade e começa a perseguir obsessivamente Isaura, assediando-a
com propostas indecorosas. O pai da escrava, que agora trabalhava em
outra fazenda, sabedor da situação, rapta a filha e ambos vão morar no
Recife. Isaura adota o nome de Elvira. Um pernambucano riquíssimo,
Álvaro, a vê e se apaixona loucamente por ela. Mas, no primeiro baile a que
vão juntos, Elvira é desmascarada e sua condição de escrava fugida vem à
tona.
Álvaro e Leôncio enfrentam-se pela posse da moça, porém esta acaba
voltando á fazenda como cativa, embora resistindo a todo o assédio do cruel
fazendeiro. Este então promete libertá-la desde que ela casasse com o
jardineiro, um ser monstruoso, "cabeludo como um urso e feio como um
macaco". Na hora do casamento, ocorre a surpresa final: Álvaro aparece na
fazenda, dizendo que havia comprado todos os bens que Leôncio penhorara
por estar enredado em dívidas. Entre esses bens estavam todos os
escravos, inclusive a linda Isaura, que evidentemente vai se casar com
Álvaro. Neste momento, Leôncio sai da sala e se suicida, encerrando a
narrativa com o mais desbragado final feliz .
VISCONDE DE TAUNAY (1843-1899)
Vida: Alfredo d'Escragnolle-Taunay nasceu no Rio de Janeiro, no
seio de uma família aristocrática e dada às artes. Seu avô
paterno, Nicolau Antônio, viera da França para fundar a Academia
de Belas Artes do Rio de janeiro. Seu pai, o também pintor Félix
Taunay, tornara-se preceptor de d. Pedro II. Induzido pelos
familiares a abraçar a carreira das armas, Alfredo cursou
engenharia na Escola Militar e como segundo tenente participou
da expedição que tentou repelir os paraguaios que dominavam o
sul da província de Mato Grosso. A derrota militar que se seguiu,
ocasionada pela falta de víveres e pelo cólera, seria retratado de
forma pungente em A retirada de Laguna, relato escrito em
francês, já que o futuro visconde era bilíngüe.
Finda a Guerra do Paraguai tornou-se professor de geologia da
Escola Militar. Em 1872, publicou Inocência, espécie de Romeu e
Julieta sertanejo, certamente a sua principal obra. Foi nomeado
presidente da província de Santa Catarina e depois presidente do
Paraná. Em 1886, alcançou o Senado, mas por fidelidade ao
Imperador, abandonou a política após a proclamação da
República. Diabético, morreu na capital federal com cinqüenta e
seis anos incompletos.
Obras principais A retirada da Laguna (1871); Inocência (1872).
Visconde de Taunay é o mais interessante dos ficcionistas do
sertanismo romântico, embora tenha publicado apenas um
romance dentro da referida linhagem.
3. FRANKLIN TÁVORA (1842-1888)
Vida: Nasceu em Baturité, no interior do Ceará. Formou-se
em Direito, na célebre Faculdade do Recife. Em 1874
mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na vida
burocrática onde desempenhou funções mais ou menos
modestas. O gosto pela história acabou levando-o ao
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Morreu na
pobreza aos quarenta e seis anos.
Obras principais O Cabeleira (1876); O matuto (1878);
Lourenço (1881).
Em Franklin Távora, o regionalismo mais do que o assunto
é polêmica, conforme se vê no prefácio de O Cabeleira:
As letras têm, como a política, um certo caráter geográfico;
mais no Norte, porém, do que no Sul, abundam os
elementos para a formação de uma literatura propriamente
brasileira, filha da terra. A razão é óbvia: o Norte ainda não
foi invadido como está sendo o Sul de dia em dia pelo
estrangeiro. (...)
Temos o dever de levantar ainda com luta e esforço os nobres foros dessa
região, exumar seus tipos legendários, fazer conhecidos seus nomes, suas
lendas, sua poesias máscula, nova, vívida e louçã...
Os desígnios do romancista não se realizaram, no entanto. No caso de seu
relato mais conhecido, O Cabeleira, a intenção de realismo esgota-se na
reconstituição do ambiente e na escolha de uma história de cangaço,
ocorrida objetivamente no século XVIII. Nem o assunto nem a distância
histórica garantiram verossimilhança à narrativa, perturbada pela
contradição permanente dos sertanistas românticos: observações realistas
dentro de um arcabouço exagerado e melodramático de folhetim.
Download

Lúcia