“A BATALHA DO BEM CONTRA O MAL: A LUTA DE CRIANÇAS CONTRA O CÂNCER”
A possibilidade de viver melhor essa tão sofrida história
Larissa Soares Guaitoli1
Maria Letícia Cavalcanti Rotta Barsotti2
Marina Gregori Massarente3
Sentimentos de medo, angústia de morte, raiva, insegurança entre outros tantos
comuns ao longo da vida das pessoas são mobilizados e intensificados pelo adoecimento de
câncer, e o momento do diagnóstico traz consigo todos estes sentimentos juntos provocando
um estado de grande desorganização, dá a sensação de desamparo.
Vem, então o tratamento dando seguimento a um momento que parece interminável
(saber da doença) e então novas dúvidas, incertezas... como será? O que vai acontecer?
O diagnóstico do câncer infantil traz mais explicitamente as fantasias da criança,
interfere de forma ímpar na relação familiar, atualizando a história de toda uma vida de ser
criança, de brincar, de inocência, de proteção, de cuidados, por parte de todos os membros
dessa vida familiar. Esse despertar de sentimentos é, muitas vezes, difícil de ser
1
Psicóloga clínica formada pela UniFMU em São Paulo, Psico-Oncologista pela Sociedade Brasileira de PsicoOncologia. Atualmente é psicóloga na Unidade Básica de Saúde Pinheirinho, na Prefeitura da Estância Turística de
Embu
2
Psicóloga, Psico-Oncologista pela Sociedade Brasileira de Psico-Oncologia. Scholar e Assistente de Pesquisa em
Psico-Oncologia pelo Memorial Sloan Kettering Cancer Center-New York/NY. Scholar da American Cancer Society
University. Especialista em Psicologia da Saúde pela Associação Latino Americana em Psicologia da Saúde.
Psicóloga do Centro de Neurocirurgia e Neurologia. Especialista em Psicologia Clínica pelo Hospital do Servidor
Público Estadual “Francisco Morato de Oliveira”. Coordenadora do setor de Psicologia da Associação de Apoio à
Criança com Câncer (AACC).
3
Publicitária formada pela Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) em São Paulo foi vencedora do prêmio de
mídia do jornal Estado de São Paulo, na categoria estudante em talento de mídia. Trabalhou em agências de
publicidade e especializou-se em design gráfico na School of Visual Arts (SVA) em Nova York. É voluntária da
Associação de Apoio à Criança com Câncer (AACC) da área de comunicação e festas infantis. Atua em estúdio
próprio desenvolvendo trabalhos da área de identidade visual e design digital.
compartilhado. Culpa, castigo estão presentes na fantasia tanto da criança doente como de
seus pais e irmãos. O que ficou por fazer... O que poderia ter sido feito melhor...
Esse “não falar” desencadeia um afastamento entre as pessoas dessa família. Muitas
vezes está presente “a impressão de uma profunda incapacidade ante a perspectiva de ter de
responder as perguntas da criança ou de seus irmãos sobre a história da doença...” (Brun,
2003).
Uma aproximação possível se dá através do compartilhar o saber do processo da
doença de forma lúdica, mais próxima à realidade vivida pela criança e sensível no tocante a
identificação do adulto com as coisas infantis, a nossa criança interior como diz Franco em seu
texto “A criança escondida dentro de nós”.
A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade
psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais.
Na relação de objeto, o sujeito permite que se efetuem certas alterações no seu eu,
alterações do tipo que levou a criação do termo catexia. O objeto tornou-se significativo.
Mecanismos de projeção e identificações estiveram operando e o sujeito está esvaziado a
ponto de algo seu ser encontrado no objeto, embora enriquecido pelo sentimento.
O relacionamento pode ser descrito em função do sujeito individual e que o uso não
pode ser descrito, a não ser em função da aceitação da existência independente do objeto, a
sua propriedade de estar sempre ali. Para usar um objeto, o sujeito precisa ter desenvolvido
capacidade de usar objetos. Isso faz parte da mudança para o principio de realidade. O
desenvolvimento da capacidade de usar um objeto constitui outro exemplo do processo de
amadurecimento, como algo que depende de um meio propício.
A partir deste olhar e escuta surge o livro “A Batalha do Bem Contra o Mal: A Luta de
4 Crianças contra o Câncer” Uma breve apresentação do livro: A história se passa num
hospital onde 4 crianças com diferentes tipos de câncer, e em diferentes momentos do
tratamento se conhecem na enfermaria da oncologia pediátrica. A partir daí os dias de
tratamento ao longo desta internação trazem a tona muitas das questões vividas por estas
crianças, com o cuidado de manter alimentada a fantasia e o imaginário infantil. É um livro
informativo, ilustrado por Mauricio de Sousa, para as crianças com câncer, para que consigam
através do livro um reposicionamento diante da doença, seu tratamento e suas atividades da
vida cotidiana. Este livro também reconhece e incentiva de modo lúdico, que as crianças têm
vivências comuns, e que algumas delas são compreendidas apenas por elas mesmas. Quem
as acompanha sente e sofre, mas há o que é apenas de quem está doente.
O livro vem sendo um importante instrumento no trabalho com as crianças com câncer
e suas famílias, observando melhor compreensão do processo de tratamento e maior
acolhimento das emoções nas famílias.
Como exemplo citaremos um caso de uma paciente de nove anos, recém diagnosticada
de leucemia, tendo como queixa a sensação de não estarem falando a verdade para ela. Dizia
não conseguir acreditar no médico e nem em sua mãe (cuidadora principal), e também sentia
muito medo do que podia acontecer com ela. O livro, neste caso, foi indicado para a mãe ler
junto com a paciente, o que trouxe uma aproximação da relação mãe-filha, que puderam
conversar, dividir e compartilhar medos e angústias frente ao novo mundo ao que a criança
estava sendo submetida.
Numa sessão de psicoterapia de grupo infantil com crianças em uma UBS (Unidade
Básica de Saúde) uma das crianças optou por ler esta história para todo o grupo, e então todos
os participantes desse grupo se sensibilizaram com toda a vivência hospitalar das crianças com
câncer, os tratamentos sofridos e se entristeceram com o distanciamento da vida cotidiana que
o adoecimento demanda.
Ao saber da sua história e ter muitas de suas angústias, medos e inseguranças
acolhidas a criança pode, para além de sua família e reinserir e resignificar em todos os
aspectos de sua vida. É a possibilidade de um novo vir a ser-no-mundo.
Bibliografia
BRUN, D. A relação da criança com a morte: paradoxos de um sofrimento. São Paulo, Psychê,
ano VII, n. 12, p. 12-25, jul-dez, 2003.
BURITY, J.A. Psicanálise, identificação e a formação de atores coletivos. Consejo
Latinoamericano de Ciências Sciales CLACSO.
CARVALHO, M. M. M. J. Introdução a Psico-oncologia. Campinas, EDITORIAL PSY II, 1994.
CHIATTONE, H. B. C., ARAÚJO, L. T., SEBASTIANI, R. W. Resiliência e Leucemia na
Infância. Boletim Eletrônico SBPO. Ano II, edição 3, Maio Junho, 2005.
FREUD, S. Além do Principio do Prazer.. Vol. XVII. Rio de Janeiro, IMAGO, 1977.
FRANCO, M.H.P. A Criança Escondida Dentro de Nós. Texto disponível no site
www.4estacoes.com
HAGE, Anne. Luto e identificação: a propósito de a casa de boneca, de Henrik Ibsen. Psicol.
estud.,
Maringá,
v.
10,
n.
2, ago.
2005
.
Disponível
em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141373722005000200015&lng=pt&nrm=iso>. Acessos em29 maio 2009. doi: 10.1590/S141373722005000200015.
OLIVEIRA, L. L. AS mortes e a morte em oncologia. Texto disponível no site www.sbpo.org.br
VALLE, E. R. M.(ORG.). PSICO-ONCOLOGIA PEDIÁTRICA. São Paulo, CASA DO
PSICÓLOGO, 2001.
Download

Leia na íntegra