XVI ENDIPE - Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino - UNICAMP - Campinas - 2012
O ENSINO BÁSICO NA VOZ DE SEUS ALUNOS: EM FOCO, A
DIMENSÃO AFETIVA
Laurinda Ramalho de Almeida
Andrea Jamil Paiva Mollica
Claudia Maria Labinas Roncon Saud
Lilian Corrêia Pessôa
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP
Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da Educação
RESUMO
O trabalho apresentado é um recorte de pesquisa realizada entre 2008 e 2010 por um
grupo de estudo do Programa de estudos Pós-Graduados em Educação: Psicologia da
Educação da PUC de São Paulo cujo objetivo foi mapear e analisar a produção
acadêmica sobre a temática afetividade, no referido programa, de 1969 a 2009. Para o
presente artigo foram selecionadas 10 pesquisas desse mapeamento que apresentavam
emoções e sentimentos expressos por alunos de escolas públicas do ensino básico
objetivando, assim, analisar seus resultados. Os estudos revelaram aspectos importantes
que podem contribuir para a transformação da prática docente; a relevância da dimensão
afetiva é fortemente evidenciada. É possível reconhecer, por meio do que expressam os
alunos, as práticas ou situações que geram satisfação e prazer e que, por isso mesmo,
precisam ser intensificadas pelo professor para que sua relação com o aluno possa ser
produtiva para a aprendizagem de ambos. Por outro lado, a ausência de compromisso
por parte do professor, sua indiferença em relação ao que sentem os alunos durante a
sua aula, a adoção de posturas autoritárias, a falta de participação nas aulas, geram
sentimentos e emoções que têm no desprazer a sua tônica. A resposta dos alunos diante
de situações como essa é o conflito, a rebeldia, a “bagunça”, a falta de vontade de
assistir as aulas. Apesar das duras críticas tecidas pela maioria dos alunos das escolas
públicas, eles as justificam apoiando-se no sentimento que nutrem pela escola da qual se
sentem parte e da qual anseiam obter melhorias.
Palavras-chave: afetividade, alunos de escola pública, ensino básico
Introdução
O trabalho que ora apresentamos é um recorte de pesquisa realizada entre 2008 e
2010 por um grupo de estudo do Programa de estudos Pós-graduados em Educação:
Psicologia da Educação da PUC de São Paulo. O objetivo dessa pesquisa foi mapear e
analisar a produção acadêmica sobre a temática afetividade, no referido programa, de
1969 a 2009.
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Cabe ressaltar que o ponto de partida da referida pesquisa foi o reconhecimento
de que cognição e afetividade são dimensões constitutivas da pessoa e que, portanto, no
processo ensino-aprendizagem, em todos os níveis de ensino, não se pode privilegiar o
aspecto cognitivo, desmerecendo o afetivo, visto que o que se alcança na dimensão
afetiva repercute no cognitivo e vice-versa.
A pesquisa caracterizada como estado do conhecimento passou pelos seguintes
passos:
1) Foi elaborada uma lista de descritores relacionados à temática da afetividade
no contexto escolar, a ser usada para orientar a busca dos trabalhos. Tomou-se o
cuidado de selecionar tanto termos gerais como termos próprios de várias abordagens:
sentimentos, emoções, afetividade, dimensão afetiva, relações afetivas, relações
interpessoais, sentimentos nomeados (alegria, medo, raiva etc.), responsabilidade,
empatia,
consideração
positiva
incondicional,
autenticidade,
congruência,
comportamento emocional, conflitos, indisciplina, vínculo afetivo, relação professoraluno, relação professor-professor, relação entre agentes escolares nomeados (gestor,
coordenador pedagógico, professor etc.), vínculo professor-aluno, atenção, desatenção,
violência, bullying e burnout;
2) foram definidos como critérios, quanto ao processo de identificação dos
trabalhos: seleção por títulos, palavras-chave, resumos e, em caso de dúvida, leitura das
pesquisas na íntegra;
3) foram utilizados os seguintes caminhos, para a constituição do corpus para
análise: a) para os primeiros 30 anos de produção utilizou-se do catálogo 30 anos de
Produção em Psicologia da Educação - Dissertações e Teses (MOROZ,1999); b) para
os dez últimos, Biblioteca Digital da PUC-SP - Sapientia ou visitas à biblioteca, no caso
da necessidade de leitura do trabalho na íntegra.
O mapeamento revelou a existência de 71 pesquisas (teses e dissertações) que
tratavam da afetividade, sendo seis teóricas e 65 empíricas. Para critério de análise,
estas últimas foram classificadas em função dos sujeitos das pesquisas: aluno (30),
professor (15), professor e aluno (11), agentes educativos, como diretor, vice-diretor e
coordenador pedagógico, entre outros (09). A partir desse procedimento, cada pesquisa
foi analisada e foram feitas importantes reflexões acerca do debate sobre afetividade no
contexto escolar.
Para o presente artigo, selecionamos 10 pesquisas que têm como destaque o
sujeito aluno. Isto porque, dos 30 estudos mapeados, 10 deles revelam emoções e
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sentimentos expressos por alunos de escolas públicas do ensino básico. Assim sendo, o
presente trabalho tem como objetivo analisar os resultados das pesquisas que tratam da
afetividade no contexto escolar a partir do olhar do aluno.
Ao fazermos a discussão, fundamentamo-nos na teoria psicogenética de Henri
Wallon (1879-1962) por considerarmos que a mesma nos oferece recursos para
compreendermos, entre outros fatores, a manifestação da afetividade. A respeito desta,
basicamente, a teoria postula que é um conjunto de funções psíquicas, que ligado a
outros conjuntos, o cognitivo e o motor, constituem a pessoa. Considerando
especificamente a afetividade, a teoria apresenta três momentos de evolução emoção,
sentimento e paixão. A emoção é visivelmente percebida, por ser orgânica, expressa no
corpo, embora de curta duração; o sentimento não é tão visível quanto à emoção, mas é
mais duradouro, o ser humano expressa de forma representacional o que sente; a paixão
evidencia o autocontrole, para dominar a situação não deixando que as emoções e
sentimentos sejam percebidos pelo outro, para atender ao objetivo que pretende.
Além dos fundamentos indicados acima vale ainda salientar outro pressuposto
essencial dos estudos wallonianos: a integração organismo-meio. Para o teórico, o
desenvolvimento humano só é possível por meio da relação complementar e recíproca
entre os fatores orgânicos e socioculturais. O meio “[...] é o complemento indispensável
do ser vivo. Ele deverá corresponder às suas necessidades e às suas aptidões
sensoriomotoras e, depois, psicomotoras [...].” (WALLON, 1986, p.168).
A escola é um meio considerado por Wallon como funcional, pois tem a função
outorgada pela sociedade de promover ensino e aprendizagem. É nela que os alunos
passam boa parte do seu tempo e é o campo de atuação de diversos profissionais da
educação. Nas relações que se estabelecem no espaço escolar (salas de aula, salas de
reuniões, pátio etc.) seus membros afetam-se reciprocamente e nessas relações se dá o
desenvolvimento (este pode ser facilitado ou barrado). De acordo com os estudos
wallonianos, o meio social predomina sobre o meio físico, e o outro das reações
interpessoais tem papel fundamental.
Procedimento metodológico
Como já referido, este texto refere-se a um recorte de pesquisa já concluída. Para
efeito desta comunicação, e para atender aos objetivos do XVI ENDIPE, selecionamos,
em primeiro lugar, as 30 pesquisas analisadas que tinham como foco o sujeito aluno.
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Em seguida, identificamos aquelas que tratavam de emoções e sentimentos (dimensão
afetiva) dos alunos do ensino básico de escolas públicas.
Uma vez selecionados tais estudos, estes foram organizados em função dos
níveis de ensino aos quais se refere, explicitando o nome do autor, a data da pesquisa, o
título, a problemática e o referencial teórico. Tal organização permitiu a seguinte
categorização dos trabalhos.
Ensino Fundamental I:
1- PIRES, Raquel Domingues (1996). Esta é a escola que adoro: concepções de alunos
de 8 a10 anos- mestrado
PROBLEMA: Investigar que concepção criança de 8 a 10 anos tem de sua escola, como
concebem a escola real que lhes é oferecida e a distância que a separa da escola que
deseja.
REFERENCIAL: Wallon
2-FRANCO, Adriana de Fátima (2001). Auto-Estima nas Classes de Aceleração: da
Concepção Teórica à Implementação- mestrado
PROBLEMA: Qual a visão de alunos de classes de aceleração acerca de si mesmos e de
seu processo de escolarização?
REFERENCIAL: Vygostsky
Ensino fundamental II:
1- ARDITO, Maria Teresa Medeiros (1999). A raiva na escola: um estudo com
adolescentes- mestrado
PROBLEMA: Estudar as concepções do adolescente frente à emoção raiva no contexto
escolar
REFERENCIAL: Wallon
2- GONÇALVES, Marta de Oliveira (2005). A alegria na escola - um estudo com
adolescentes paulistanos- mestrado
PROBLEMA: O que provoca alegria em adolescentes no contexto escolar?
REFERENCIAL: Wallon
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3- MORAES. Regiane Rodrigues (2008). A escola vivida por adolescentes: situações
agradáveis e desagradáveis- mestrado
PROBLEMA: Investigar as situações agradáveis e desagradáveis que ocorrem na escola
a partir do ponto de vista do aluno, possibilitando o conhecimento destas situações e os
sentimentos nelas envolvidos.
REFERENCIAL: Wallon
4-HORNBLAS, David S. (2009) Bullying na escola: como as crianças lidam e reagem
diante de apelidos pejorativos- mestrado
PROBLEMA: Investigar um dos recortes do bullying:o uso de apelidos pejorativos, ou
seja, como sentem e reagem crianças vítimas desse processo
REFERENCIAL: Wallon
Ensino Médio:
1-THOMÉ, Melissa (2001). O quê ajuda a aprender? - Características da relação
professor-alunos segundo adolescentes.mestrado
PROBLEMA: O que o aluno adolescente concebe por relação professor-aluno?
REFERENCIAL: Wallon
2-VEREDA, Rita de Cássia (2007). O apelido pejorativo na escola - um estudo com
adolescentes paulistanos- mestrado
PROBLEMA: Qual a visão do adolescente sobre o apelido pejorativo na escola?
REFERENCIAL: Wallon
3-SCHARPF, Luciana (2008). Afetividade em sala de aula: um estudo com
adolescentes da rede pública de ensino- mestrado
PROBLEMA: A partir da perspectiva dos adolescentes, quais os sentimentos presentes
na relação entre professores e alunos, vulneráveis socialmente e suas situações
indutoras?
REFERENCIAL: Wallon
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4-SILVA, Helcio José dos Santos (2008). Afetividade e o estudo de filosofia: um estudo
com alunos do Ensino Médio de uma Escola Pública Paulista- mestrado
PROBLEMA: Identificar os sentimentos apresentados por adolescentes de Ensino
Médio da escola pública frente as aulas de Filosofia, bem como as situações
provocadoras destes sentimentos.
REFERENCIAL: Wallon
Portanto, das 10 pesquisas selecionadas, todas dissertações de mestrado, duas
referem-se ao ensino fundamental I, quatro ao ensino fundamental II e quatro ao ensino
médio. Com exceção de um trabalho (FRANCO, 2001), nove têm como referencial
teórico Henri Wallon.
A partir dos resultados das pesquisas fizemos as discussões que seguem.
O que dizem os alunos: o entrecruzamento de diferentes pesquisas
A discussão que propomos acerca da escola pública tem seu foco no aluno da
educação básica, o personagem mais importante na instituição escolar, embora
acreditemos que todos os envolvidos exercem papel de relevância no processo
educativo.
O entrecruzamento de diferentes pesquisas que será feito oportuniza ampliar a
compreensão sobre a questão estudada e levantar outros questionamentos que
individualmente não se tornaram evidentes, devido ao objetivo de cada uma das
pesquisas. O artigo que ora apresentamos teve por fundamento essa premissa.
A análise das duas pesquisas que ouviram os alunos do Ensino Fundamental I
(1º ao 5º ano) revelou que a ambivalência (própria do ser humano) dos sentimentos que
a escola suscita é merecedora de atenção e cuidado por parte do professor. Os resultados
da pesquisa de Pires (1996), realizada com alunos de 8 a 10 anos de uma escola pública
do interior de São Paulo, apontam para uma escola real que, apesar de suas limitações é
amada pelos alunos, e outra escola desejada, em que mais alegria, liberdade e respeito
possam existir. Os alunos expressam o seu amor pela escola, mas a desejam como
ambiente onde reine sentimentos de alegria, liberdade, respeito. Expressam também, ao
falar de escola desejada, a representação dos diferentes meios. Wallon (1975, p.167)
elucida esse aspecto:
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Vários meios podem então misturar-se dentro do mesmo indivíduo, podem
até encontrar-se em conflito. [...] Assim, a existência de meios reais pode ser
duplicada na criança por juízos de valor ou por aspirações imaginativas, no
desenrolar dos quais ela opõe a situação onde queria estar à sua e o caso dos
outros ao seu próprio destino.
Os meios onde a criança vive e os que ambiciona são o molde que dá cunho à
sua pessoa.
A compreensão de meio em Wallon vai além do espaço físico. Abarca também
as relações sociais (tal como também postula Vygotsky) a organização funcional que
reúne pessoas diferentes com objetivos comuns, com os mesmos direitos e deveres, e
abarca também aquilo que desejam, que sonham, que ambicionam. O que esperar,
então, de uma educação que busca apenas a concretização de seus objetivos de modo
unilateral, a partir de um único ponto de vista (o de seus idealizadores), sem que sejam
considerados os sujeitos implicados no processo? Quais são os efeitos de um ensino
padronizado, quando se sabe que o meio em que ele ocorre (a escola como espaço físico
e funcional) está constituindo, constantemente, aqueles que dele fazem parte?
O meio, portanto, ou os vários meios com os quais o aluno se relaciona, afetamno sobremaneira. O professor, ciente disso, poderá investir na busca de formas para
afetar o aluno de modo positivo (agradável, estimulante, interessante, desafiador etc),
importando-se com o que ele produz, com o que pensa, com o que deseja, com o que é
próprio da sua idade, com os limites necessários, com o respeito às regras de
convivência.
A pesquisa de Franco (2001) traz à tona a questão do fracasso escolar. O foco do
seu estudo foram os alunos das Classes de Aceleração. Essas classes faziam parte de um
programa (hoje extinto) de recuperação de alunos com dificuldade de aprendizagem e
defasagem de série em relação à idade. Os resultados que obteve revelam que o olhar do
outro é um elemento central na constituição do sujeito e, ao confluírem (olhar do
sujeito/olhar do outro), despertam medos que geram inseguranças e dificultam a
manutenção de um sentimento positivo sobre si mesmo. Não apenas nas classes de
aceleração, porém com mais razão nelas, a segurança e a autoestima são imprescindíveis
para que a aprendizagem possa ocorrer. Um professor que atue com segurança e
tranquilidade geralmente afeta de tal modo os seus alunos que contribui para a sua
aprendizagem. O contrário também é verdadeiro. Agitação e impaciência podem
favorecer a falta de concentração e indisponibilidade para aprender o que é proposto.
Como aprender com esse outro (neste caso o professor) que não acredita no aluno, que
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não lhe dá oportunidade de agir autonomamente ou não concede o devido valor às suas
produções?
A atuação docente deve, pois, cuidar das relações que se estabelecem no espaço
escolar, tendo em vista o fato de que essas são mutuamente constitutivas dos sujeitos
nela envolvidos. Placco (In PLACCO e ALMEIDA, 2008, p. 69) destaca que:
Pelas relações com seus alunos, o professor expressa seu conhecimento e
compromisso com seu desenvolvimento social, emocional e cognitivo, nas
diferentes faixas etárias. O aprimoramento dessas relações pode e deve
possibilitar a construção de um espaço individual e coletivo de
desenvolvimento de cada um – alunos e professores.
Dos quatro estudos cuja proposta foi compreender questões afetivas na
perspectiva dos alunos do Ensino Fundamental II (6º ao 9º ano), dois referem-se a
sentimentos de tonalidades desagradáveis, como raiva (ARDITO, 1999) e sentimentos
de mal- estar diante de apelidos pejorativos (HORNBLAS, 2009); um dos estudos teve
como foco a alegria (GONÇALVES, 2005), sentimento de tonalidades agradáveis; e o
último estudo dessa seleção tratou da afetividade em suas manifestações de tonalidades
agradáveis e desagradáveis (MORAES, 2008).
No que concerne à raiva, o estudo de Ardito (1999) evidencia o quanto as
experiências que envolvem injustiça, desrespeito, humilhação na frente de outras
pessoas, falta de diálogo entre alunos e professores, bem como quando estes agem de
forma autoritária, despertam o sentimento de raiva. A pesquisa realizada por Hornblas
(2009) revela que o uso de apelidos pejorativos, tão discutido atualmente, afeta o aluno
de tal modo que pode dar origem a sofrimentos psicológicos e reações intempestivas por
parte dos alunos a quem são destinados tais apelidos.
Esses estudos ratificam a importância de cuidados com as relações que se
estabelecem no contexto escolar. É comum ouvir o relato de professores sobre o quão
difícil é lidar com adolescentes, especialmente por causa do constante enfrentamento e
contestação, característicos dessa faixa etária. A compreensão sobre os motivos e
situações que afetam os alunos, despertando-lhes o sentimento de raiva e afins
(humilhação, tristeza, vingança etc.) pode contribuir para que a prática docente seja
constantemente revista, de modo a propiciar a diminuição desses eventos, melhorando a
relação professor-aluno e, como consequência, favorecer a aprendizagem.
Não é suficiente, porém, saber o que revelam os sentimentos de tonalidades
desagradáveis para investir na diminuição da frequência com que ocorrem. É preciso
conhecer os indutores dos sentimentos de tonalidades agradáveis para que seja possível
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propor mudanças significativas no trabalho docente. Nesse sentido, os resultados
obtidos na pesquisa realizada por Gonçalves (2005), apontam que as situações que
afetam o aluno, despertando nele o sentimento de alegria, ocorrem quando envolvem o
conhecimento, o espaço e a rotina escolar, os amigos, os professores, o sexo oposto.
Além disso, algumas atividades que a autora denomina como extraescolares. Para a
autora, é importante conhecer as situações indutoras da emoção e do sentimento alegria
no adolescente, pois, desse modo torna-se possível intensificar os momentos de
satisfação escolar.
Moraes (2008), em sua investigação sobre o que afeta os alunos adolescentes na
escola, seja de modo agradável ou desagradável, evidenciou o desejo que eles têm de
participar ativamente do processo ensinoaprendizagem. Essa pesquisa também revelou
que os alunos valorizam a escola onde estudam e, por isso mesmo, tecem críticas a ela
em alguns aspectos que acreditam que podem ser melhorados. Mais uma vez é
enfatizada a necessidade e, portanto, a importância de pensar no ensino considerando-se
as diferentes perspectivas, a diversidade de interesses e necessidades de todos os
envolvidos no processo.
As pesquisas que envolveram os alunos do Ensino Médio, buscando
compreender o que os afeta no contexto escolar, foram realizadas por Thomé (2001),
Vereda (2007), Scharpf (2008) e Silva (2008). Tal como as pesquisas citadas
anteriormente, que se referem a outros segmentos de ensino (Ensino Fundamental I e
II), essas também conferem relevo à necessidade de levar em consideração as situações
ou experiências que afetam os alunos de diferentes modos ao se planejarem as
atividades escolares.
Em sua pesquisa, Thomé (2001) conclui que o aluno adolescente deseja que o
professor demonstre interesse por ele; a forma como o professor se relaciona com ele,
pode gerar interesse ou desinteresse pela disciplina. A autora afirma que os alunos têm
clareza e descrevem comportamentos de professores que auxiliam ou não no
estabelecimento de uma relação que “ajuda a aprender”. Desse modo, nota-se que o
quanto esse “ouvir os alunos atentamente” pode fornecer bons encaminhamentos para as
interações que ocorrem no meio escolar.
O estudo de Vereda (2007), apresenta a visão do aluno adolescente a respeito do
apelido pejorativo na escola. Seu propósito foi oferecer subsídios aos professores no
enfrentamento de questões relacionais de seus alunos, revelando a importância de
conhecer e lidar com as ocorrências que afetam os alunos de modo desagradável, uma
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vez que isso pode comprometer tanto a sua aprendizagem como o modo de relacionar-se
com os colegas.
Scharpf (2008) também realiza um estudo com adolescentes, buscando
compreender, na perspectiva destes, os sentimentos decorrentes da relação professoraluno em sala de aula, as situações indutoras de tais sentimentos, bem como o modo
pelo qual esses adolescentes lidam com isso. Sua proposta buscou compreender
sentimentos que geram prazer ou desprazer, entretanto, a autora destaca que seus
resultados revelaram a ênfase que os adolescentes participantes da pesquisa deram aos
sentimentos de mal estar (provocado pela falta de compromisso do professor, por sua
indiferença, ausência de elaboração de uma boa aula,...), expondo a precariedade das
relações entre professores e alunos na rede pública de ensino, fato que merece a atenção
de todos os que se dedicam à pesquisa em educação.
O propósito do estudo de Silva (2008) foi identificar os sentimentos que os
alunos do Ensino Médio de uma escola estadual paulista expressam acerca das aulas de
filosofia e as situações provocadoras destes sentimentos. No caso dessas aulas, na
escola pesquisada, predominam no discurso dos alunos sentimentos de tonalidades
desagradáveis. Isto porque suas expectativas não são atendidas- esses adolescentes
esperam encontrar na filosofia a compreensão de si e do mundo em que vivem, e o
professor não dá conta desses aspectos.
Aprendizagem que advém do aluno: alguns apontamentos finais.
As pesquisas analisadas nesse texto contemplam aspectos importantes que
podem contribuir para a transformação da prática docente. Um dos aspectos que se
evidencia com força é a relevância da dimensão afetiva. Mostram as pesquisas, por
exemplo, que há alunos que revelam não gostar de uma determinada disciplina porque
não gostam do professor. Mostram, também, que os alunos compreendem que um
professor afetivo é aquele que estabelece os limites, as regras, a valorização do trabalho
do aluno, o respeito, a ética, enfim, toda a gama de normas e valores que fazem sentido
na nossa cultura.
O trabalho realizado pelos pesquisadores dos estudos ora apresentados,
evidencia a necessária compreensão da dimensão afetiva que, longe de abarcar apenas
sentimentos e emoções de tonalidades agradáveis, dela igualmente fazem parte aqueles
cuja tonalidade é desagradável.
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Desse modo, é possível reconhecer, por meio do que expressam os alunos, as
práticas ou situações que geram satisfação e prazer e que, por isso mesmo, precisam ser
intensificadas pelo professor para que sua relação com o aluno possa ser produtiva para
a aprendizagem de ambos. São os próprios alunos que relatam o quanto uma aula bem
preparada, uma dinâmica diferenciada quando possível, a valorização da sua produção,
o respeito mútuo, a possibilidade de participação durante as aulas, suscitam sentimentos
e emoções prazerosos e, portanto, os ajudam a aprender. O contrário também é
verdadeiro, ou seja, a ausência de compromisso por parte do professor, sua indiferença
em relação ao que sentem os alunos durante a sua aula, a adoção de posturas
autoritárias, a falta de participação nas aulas, geram sentimentos e emoções que têm no
desprazer a sua tônica. A resposta dos alunos diante de situações como essa é o conflito,
a rebeldia, a “bagunça”, a falta de vontade de assistir as aulas.
Sem a pretensão de apresentarmos respostas como verdades definitivas ou como
o único caminho a seguir, encerramos esse texto com a análise do conjunto de pesquisas
que o compuseram, afirmando sua crença numa escola pública de excelência,
partilhando, assim, do que disseram a maioria dos adolescentes participantes das
pesquisas apresentadas, quando apesar de tecerem duras críticas à escola em que
estudam, justificam tal atitude apoiando-se no sentimento que nutrem pela escola da
qual se sentem parte e da qual anseiam obter melhorias.
Referências
ALMEIDA, Laurinda Ramalho de et al . A produção de teses e dissertações do PED:
PUC-SP sobre afetividade no contexto escolar. Psicol. educ., São Paulo, n. 31, ago.
2010Disponível<http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S141469752010000200010&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 10 jan. 2012.
ARDITO, Maria Teresa Medeiros. A raiva na escola. Um estudo com adolescentes.
Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1999.
FRANCO, Adriana de Fátima. Auto-estima nas classes de aceleração. Da concepção
teórica à implementação. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2001.
GONÇALVES, Marta de Oliveira. A alegria na escola. Um estudo com adolescentes
paulistanos. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2005.
HORNBLAS, David Sérgio. Bullying na escola. Como as crianças lidam e reagem
diante de apelidos pejorativos. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2009.
MORAES, Regiane Rodrigues. A escola vivida por adolescentes. Situações agradáveis
e desagradáveis. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008.
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PIRES, Raquel Domingues. Esta é a escola que adoro. Concepções de alunos de 8 a 10
anos. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 1996.
PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza. IN: PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza e
ALMEIDA, Laurinda Ramalho. (Orgs). O coordenador pedagógico e os desafios da
educação. São Paulo: Edições Loyola, 2008.
SHARPF, Luciana. Afetividade em sala de aula. Um estudo com adolescentes da rede
pública de ensino. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2008.
SILVA, Hélcio José dos Santos. Afetividade e a aula de filosofia. Um estudo com
alunos do Ensino Médio de uma escola pública paulista. Dissertação de Mestrado. PUCSP, 2008.
THOMÉ, Melissa. O que ajuda a aprender? Características da relação professoralunos segundo adolescentes. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2001.
VEREDA, Rita de Cássia. O apelido pejorativo na escola. Um estudo com
adolescentes paulistanos. Dissertação de Mestrado. PUC-SP, 2007.
WALLON, Henri. Psicologia e Educação da Infância. Lisboa: Editorial Estampa,
1975.
_______________. Os meios, os grupos e a psicogênese da criança. In: WEREBE,
Maria José Garcia e NADEL-BRULFERT, Jacqueline. São Paulo: Ática, 1986.
Junqueira&Marin Editores
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