Inclusão, colaboração
e governança urbana
P e rspe c t iv as bra sile ir a s
_______________________
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The University of British Columbia
Center of Human Settlements
Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança
Metropolitana no Brasil (2006-2010)
Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional – CIDA
Diretor do Projeto Peter Boothroyd
Gerente do Projeto Erika de Castro
Coordenador de Campo Maciej John Wojciechowski
Ministério das Cidades
Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Habitação Cid Blanco Junior
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Grão-Chanceler
Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães
Reitor
Patrícia Bernardes
Vice-reitora
João Francisco de Abreu
Pró-reitor de Pesquisa e de Pós-graduação
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Coleção Limites da Cidade
Inclusão, colaboração
e governança urbana
P e r s p e c t i v as bra s i l e i ra s
_______________________
Erika de Castro
Maciej John Wojciechowski
OrganizadorES
University of
British Columbia
Canada
Observatório
das Metrópoles
Editora PUC Minas
Belo Horizonte
2010
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Copyright @ The University of British Columbia 2010
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem autorização
escrita do Editor.
__________________________________________________________________
I36 Inclusão, colaboração e governança urbana: perspectivas brasileiras /
Organizadores: Erika de Castro, Maciej John Wojciechowski. Vancouver:
The University of British Columbia; Rio de Janeiro: Observatório das
Metrópoles; Belo Horizonte: Ed. PUC Minas, 2010.
364 p. – (Coleção Limites da cidade)
ISBN 978-85-60778-51-5
Bibliografia.
1. Administração municipal. 2. Política urbana – Regiões metropo litanas. 3. Inclusão social. 4. Crescimento urbano. 5. Sociologia urbana.
6. Planejamento urbano. I. Castro, Erika de. II. Wojciechowski, Maciej
John. III. Título
CDU: 352:711
__________________________________________________________________
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Editora PUC Minas
Diretor Geraldo Márcio Alves Guimarães
Coordenação editorial Cláudia Teles de Menezes Teixeira
Assistente editorial Maria Cristina Araújo Rabelo
Revisão Darlene Ávila Figueiredo
Maria Lina Soares Souza
Virgínia Mata Machado
Divulgação Danielle de Freitas Mourão
Comercial Maria Aparecida dos Santos Mitraud
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www.pucminas.br/editora | [email protected]
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Sumário
7
PREFÁCIO
Ermínia Maricato
11
APRESENTAÇÃO
Erika de Castro
19
Construindo uma governança urbana colaborativa para
as regiões metropolitanas no brasil e no canadá
Terry Mc Gee
47
As grandes cidades e a questão social brasileira: reflexões sobre o
Estado de exceção nas metrópoles brasileiras
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Orlando Alves dos Santos Junior
65
Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão metropolitana:
virtude e fragilidade das políticas
Sérgio de Azevedo
Virgínia R. dos Mares Guia
101
Federalismo, relações intergovernamentais e gestão
metropolitana no Brasil
Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha
Carlos Aurélio Pimenta de Faria
121
Capacidades institucionais de governos municipais e
governança metropolitana
Cristina Almeida Cunha Filgueiras
Luciana Teixeira de Andrade
141
Fundamentação jurídico-legal e financiamento da cooperação
interinstitucional: construindo administrações públicas dialógicas
Marinella Machado Araújo
155
Mudanças legislativas e path dependence: cenários futuros
para nova lei dos consórcios públicos
Gustavo Gomes Machado
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161
O arranjo institucional de gestão da Região metropolitana de
belo horizonte – rMBH e o desafio de construir consensos
Maria Coeli Simões Pires
193
Trajetória e perspectivas da gestão metropolitana de
Belo Horizonte: as dificuldades de balancear governança e representatividade
Virgínia R. dos Mares Guia
Sérgio de Azevedo
245
Globalização, reestruturação territorial e o desafio da
governança metropolitana colaborativa: evidências recentes
e perspectivas brasileiras das cidades-região
Jeroen J. Klink
257
Habitação, inclusão social e governança urbana colaborativa
Rosana Denaldi
Jeroen J. Klink
Claudia de Souza
271
A governança colaborativa na região metropolitana de Campinas –
características, desafios e contribuições para reflexão
Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite
295
O papel das secretarias de planejamento no fortalecimento da
governança colaborativa metropolitana: um olhar sobre duas
experiências da região metropolitana de Belo Horizonte
Ana Luiza Nabuco Palhano
Eugenia Bossi Fraga
Maciej John Wojciechowski
319
Experiência de aplicação da lei de consórcios públicos no município
de Belo Horizonte: o Consórcio regional de promoção da cidadania
Marina Esteves Lopes
335
O fortalecimento da política de equidade de gênero por meio da
governança colaborativa
Márcia de Cássia Gomes
Andrea Chelles
Girlene Galgani Reis de Oliveira
351
Pedagogia urbana, espaços de autonomia
Rita Velloso
357
Sobre os colaboradores
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Prefácio
Ermínia Maricato
A sociedade brasileira protelou longamente as providências para o enfrentamento dos problemas urbanos, dos quais a questão fundiária / imobiliária
citada aqui é central, mas não a única. O novo século se iniciou sem que
o Brasil, Estado e sociedade apresentassem políticas sociais para as cidades
minimamente eficazes contra conflitos que passaram a adquirir dimensões
gigantescas. As mortes por desmoronamento, causadas pela ocupação irregular de encostas, têm crescido a cada ano. Dos habitantes de áreas urbanas, 60
milhões aproximadamente não têm coleta de esgotos e, do esgoto coletado,
75% é jogado in natura nos córregos, rios, lagos, praias etc. (SNIS/Mincid).
A população moradora de favelas cresce mais do que a população urbana.
Nas metrópoles, as periferias crescem mais do que os bairros ricos (IBGE). O
transporte de massa talvez seja o setor que mais involuiu, especialmente nas
grandes metrópoles. Um crescente número de transportes clandestinos (muitos
dos quais se descobre, desde 2003, que estão associados ao crime organizado
e à lavagem de dinheiro) mudou, nos últimos vinte anos, o quadro da mobilidade urbana. Mais pessoas andam a pé e exatamente os de mais baixa renda,
que frequentemente não saem de seus bairros periféricos (MARICATO, 2001,
2009). O trânsito mata mais do que qualquer outra modalidade de violência.
São mais de trezentos mil acidentes por ano, com vítimas, das quais aproximadamente trinta mil encontram a morte. O Ipea estima que os custos de
congestionamento e acidentes resultam em prejuízos sociais de R$ 4,3 bilhões
ao ano. Mas é a chamada violência urbana decorrente de assaltos, roubos,
sequestros e especialmente homicídios que aterroriza os moradores urbanos.
7
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E quem mais sofre com ela são os que habitam a periferia de forma ilegal e as
favelas, pois os levantamentos mostram que aí as taxas de homicídio são muito
mais elevadas (ver a respeito estudos do NEV-USP e Cesec/Ucam).
A reestruturação produtiva do capitalismo internacional do final do
século XX, transformação que tem sido chamada de globalização, tem muito
a ver com a evolução (ou involução) aqui apontada. Em primeiro lugar pelo
impacto do chamado desemprego tecnológico. Um olhar superficial na história
recente do ABCD – região dos municípios de Santo André, São Bernardo, São
Caetano e Diadema, que concentrou a poderosa e moderna indústria fordista
produtora de automóveis e o sindicalismo que mudou a história do país, revela
o quanto as estratégias adotadas pelas empresas causaram impacto na vida local
em todos os níveis, dos governos aos moradores (KLINK, 2000). A velocidade
imposta às comunicações, a crescente informatização e a também crescente
semantização das relações humanas deram ao capitalismo condições de mudar
a relação espaço e tempo, como bem desenvolveu Harvey (HARVEY, 2003). À
rigidez do welfare state seguiram-se a flexibilização e a desregulamentação das
políticas sociais e da relação capital/trabalho, mudando a política, o Estado,
os sindicatos e as empresas.
A ideologia presente nessas mudanças pelo Consenso de Washington
completou o trabalho de desarticular e desorganizar boa parte daquilo que
não havia ainda adquirido escala universalizante na sociedade brasileira: emprego, previdência social, assistência à saúde, educação, moradia, transporte,
saneamento...
No campo do urbanismo, não foram poucos os que se deixaram levar pelo
canto das sereias dos “planos estratégicos” inspirados no marketing urbano e nas
intervenções culturais características da “cidade do espetáculo” (ARANTES;
MARICATO; VAINER, 2000).
As cidades brasileiras sofreram profundamente o impacto das mudanças
ocorridas nas duas últimas décadas do século XX.
Nesse mesmo período, a eleição de governos municipais democráticos
que testaram políticas sociais participativas, bem como as lutas sociais pela
mudança dos marcos legais que regulam o uso e a ocupação do solo lograram
apresentar avanços. Já desenvolvemos, anteriormente, em diversas ocasiões, a
tese de que não é por falta de planos e leis que a situação descrita nos parágrafos
anteriores acontece (MARICATO, 1996 e 2000; VILLAÇA, 1999). A conhecida
lei de zoneamento, utilizada largamente como instrumento de ampliação da
carência habitacional, poderia, dependendo de sua formulação, ter o efeito
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contrário (MARICATO, 2001). No entanto, não se pode negar que a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2000 constituem paradigmas
inovadores e modernizantes no que diz respeito às relações de poder sobre a
base fundiária e imobiliária urbana. O nó da questão reside na aplicação dos
novos instrumentos urbanísticos trazidos por essa legislação quando se deseja
reestruturar (porque o problema é de estrutura) todo o quadro da produção
habitacional de modo a conter essa determinação da ocupação ilegal e predatória pela falta de alternativas.
A resistência à mudança nas regras do jogo é evidente quando após
muitas lutas sociais as conquistas se restringem principalmente à admissão
da regularização fundiária. Não que não haja resistências para sua aprovação
nos executivos, legislativos, judiciário, assim como na própria sociedade, mas
é cada vez mais óbvio que a regularização urbanística e jurídica das ocupações
ilegais vem sendo crescentemente admitida (LABHAB, 2000). O mesmo não
acontece com a mudança na chamada estrutura de provisão de moradia, ou
seja, a dificuldade está em apresentar alternativas para que grande parte da
população não seja forçada a invadir terras para poder morar. Em outras palavras, o desenvolvimento urbano includente exige que se atue em dois eixos:
urbanizar e legalizar a cidade informal, conferindo-lhe melhor qualidade e o
status de cidadania, e produzir novas moradias para aqueles que, sem outras
saídas e recursos técnicos ou financeiros, invadem terras para morar. Aparentemente, as ações governamentais começam a reconhecer o primeiro dos
eixos descritos. A própria legislação mais recente abre caminho nesse sentido
e menos no outro. A consolidação e melhoria da cidade ilegal e sem urbanização exigem o contraponto da produção de novas moradias. Do contrário
estaremos consolidando a dinâmica da “máquina de produzir favelas” com as
políticas públicas correndo sempre atrás do prejuízo.
A urbanização de favelas tem sido uma política crescentemente adotada
nos municípios brasileiros a partir das experiências pioneiras de Recife, Belo
Horizonte e Diadema (DENALDI, 2003). A regularização jurídica completa a
melhoria das condições sociais, já que confere mais estabilidade e segurança
ao morador, que pode até passar a livrar-se da condição penosa de morador
de favela, condição essa que interfere nas chances de obtenção de emprego,
crediário e até salários.
A representação ideológica da cidade no Brasil tem insistido na construção
de uma imagem hegemônica calcada nos espaços conferidores de distinção
e fortemente influenciados por símbolos internacionais. Essa representação
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acaba por ocultar os mencionados espaços ilegais e segregados. É evidente
também que essa representação é um instrumento de poder – dar aparência de
“natural” e “geral” a um ponto de vista parcial, que nas cidades está associado
aos expedientes de valorização imobiliária. Mas é preciso compreender que a
exceção está se tornando regra e a regra exceção. Dar visibilidade à dimensão
gigantesca do que está oculto e trabalhar para diminuir a desigualdade é a
tarefa mais importante que os planejadores podem ter neste momento nas
metrópoles do Brasil e de todo o mundo.
Este livro, reunindo uma série de artigos que discutem as diversas dimensões da inclusão social e da colaboração na governança metropolitana
no Brasil, é um subsídio na busca de incentivar uma reflexão mais profunda
sobre esse processo.
Referências
ARANTES, O.; MARICATO, E.; VAINER, C. A cidade do pensamento único. Petrópolis:
Vozes, 2000.
DENALDI, R. Políticas de urbanização de favelas: evolução e impasses. 2003. Tese (doutorado), São Paulo, FAU-USP.
HARVEY, D. A. The new imperialism. Oxford University Press, 2003.
KLINK, J. J. Cidade e região. Reestruturação produtiva da Região do Grande ABC. Rio
de Janeiro: D e P, 2000.
LABHAB. Parâmetros para urbanização de favelas. São Paulo, Labhab/FAU-USP/ Finep/
CEF, 2000.
MARICATO, E. Fighting for just cities on capitalism’s periphery. In: MARCUSE and
others (eds.). Searching for the just city. London/New York: Routledge, 2009.
MARICATO, E. Metrópole de São Paulo, entre o arcaico e a pós-modernidade. In:
SOUZA, M. A. et al. Metrópole e globalização. São Paulo: Cedesp, 1999.
MARICATO, E. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes,
2001.
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Apresentação
Erika de Castro
O projeto “Novos consórcios públicos para
governança metropolitana”
A governança metropolitana no Brasil não tem acompanhado o ritmo da
urbanização do país. Nas 26 áreas metropolitanas brasileiras se concentram
cerca de 90% dos domicílios localizados em favelas e assentamentos informais,
onde a moradia, a infraestrutura e os serviços urbanos em geral são extremamente deficientes e a violência é parte da vida cotidiana. A implementação
de medidas para melhorar as condições de vida tem sido dificultada pela falta
ou inadequação de mecanismos institucionais que possam coordenar as ações
entre as diversas jurisdições responsáveis pela infraestrutura e desenvolvimento
urbanos.
Como resposta a essa situação, várias formas de cooperação intermunicipal têm surgido nos últimos tempos, em diversas partes do Brasil. Da mesma
forma, a proposição de instituições regionais tem sido objeto de interesse por
parte de diversos níveis de governo. Universidades, centros de pesquisa e redes
acadêmicas vêm colocando recursos e demonstrando interesse em assuntos
regionais.
Algumas manifestações do novo quadro regional no Brasil incluem a
recente criação da Agência Metropolitana na região de Belo Horizonte, as
discussões públicas sobre governança metropolitana realizadas na Assembleia
Legislativa de São Paulo, as estratégias de consorciamento iniciadas pela Secretaria de Estado de Integração Regional do Pará e a consolidação de novas linhas
de pesquisa sobre governança regional pelo Observatório das Metrópoles.1
1 O Observatório das Metrópoles envolve várias universidades federais brasileiras, e tem sede junto
à Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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Em 2005, o governo federal do Brasil demonstrou claramente seu interesse
em promover uma governança regional mais efetiva através da aprovação e
regulamentação de uma lei específica autorizando e disciplinando a criação
de “consórcios públicos”.
Para explorar o potencial representado por essa nova lei, em 2006 o Ministério das Cidades do Brasil, em cooperação com a Universidade de British
Columbia (UBC) no Canadá, iniciou o projeto internacional “Novos consórcios públicos para governança metropolitana (NPC)”. A Agência Canadense
de Desenvolvimento Internacional (CIDA) concordou em financiar o projeto
nos quatro anos seguintes.
O projeto NPC vem conduzindo pesquisa-ação sobre governança colaborativa junto a 19 municipalidades em regiões centradas em Belo Horizonte,
Fortaleza, Recife, Santarém, e Santo André, e vem desenvolvendo e implementando cursos de extensão inovadores sobre o tema, em conjunto com
universidades e agências de treinamento institucional.2
Ao conduzir essas atividades, o projeto NPC tem utilizado ideias e conceitos que vêm sendo explorados no cada vez mais rico discurso brasileiro
sobre governança regional. Ao mesmo tempo, o projeto tem também buscado
contribuir para esse discurso através da análise de experiências nacionais e
internacionais.
A Mesa-redonda “Governança metropolitana colaborativa
para inclusão social”
Como uma importante contribuição ao processo de governança regional, o projeto NPC, em seu último ano, organizou uma Mesa-redonda onde
acadêmicos e profissionais trocassem informações, discutindo conceitos e
experiências relacionados à governança metropolitana colaborativa para a
inclusão social. A Mesa-redonda foi realizada em Belo Horizonte nos dias 2
e 3 de setembro de 2009.
Brasileiros e canadenses envolvidos no projeto NPC participaram, assim
como acadêmicos e outros especialistas com interesse e experiência na análise
das instituições metropolitanas e da evolução dos desafios metropolitanos
no Brasil. A Mesa-redonda ofereceu, portanto, uma rara oportunidade
para brasileiros e canadenses compararem perspectivas e abordagens
2 Informações detalhadas sobre o projeto NPC podem ser obtidas no site http://www.chs.ubc.
ca/consortia/index.html
12 | Apresentação
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para melhorar a inclusão social através do fortalecimento da governança
metropolitana colaborativa.
A Mesa-redonda foi estruturada de modo a facilitar aos participantes a
discussão e aprendizado a partir de experiências e conhecimento de outros
profissionais e acadêmicos. As apresentações e discussões foram pautadas
por três questões:
1) por que a governança colaborativa é necessária para fazer avançar a inclusão
social em áreas metropolitanas?
2) que tipos de governança colaborativa e estruturas e processos participativos
são mais apropriados e factíveis para se atingir a meta de uma governança
mais inclusiva e socialmente mais justa?
3) como as estruturas e processos de governança colaborativa podem ser
criados e reforçados de forma contínua e sustentável?
Os artigos desta obra seguem a ordem de apresentação da Mesa-redonda
dos participantes brasileiros. Embora sua ênfase varie, a maioria deles aborda
todas as três questões anteriormente mencionadas, direta ou indiretamente.
Coletivamente, os artigos fornecem uma ampla visão dos contextos
nos quais a governança metropolitana está evoluindo no Brasil, assim como
os complexos desafios que enfrentam os esforços colaborativos. Assim, eles
serão de interesse para estudantes de governança, assuntos urbanos e políticas sociais.
O artigo referencial de Terry McGee traz um breve resumo das principais
características da urbanização e seus condicionantes para a governança metropolitana no Canadá e no Brasil. O autor comenta os objetivos do projeto
NPC e os conceitos subjacentes que orientaram o desenho da Mesa-redonda.
Finalmente apresenta um amplo conjunto de paradigmas envolvidos na conceituação e análise da governança urbana colaborativa.
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro e Orlando A. dos Santos Júnior trazem um
panorama pouco otimista da gestão das metrópoles brasileiras, cenário onde
se concentram os efeitos mais perversos da presente crise social. Os autores
refletem sobre a enorme complexidade da questão metropolitana, analisando
as circunstâncias históricas que ajudam a entender a metrópole no contexto da
construção do Estado brasileiro. A despeito da existência de algumas iniciativas
positivas, é difícil identificar em um horizonte mais imediato os caminhos
institucionais que possam tornar as regiões metropolitanas mais governáveis.
Fazendo um balanço dos arranjos de gestão metropolitana no Brasil, os autores
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apontam os desafios para a construção de uma governança colaborativa que
possa responder aos problemas vividos pelas metrópoles brasileiras.
Quando se propõe “gestão metropolitana”, é preciso levar-se em conta
a virtude e a fragilidade das políticas públicas envolvidas, ponderam Sérgio
de Azevedo e Virgínia R. dos Mares Guia. Após uma análise da situação das
metrópoles brasileiras, os autores discutem como a interdependência das diversas políticas urbanas em áreas conurbadas afeta e compromete suas metas
de melhoria de vida da população. Refletem sobre a baixa possibilidade política
de arranjos institucionais metropolitanos dentro do federalismo brasileiro, pois
os mesmos são vistos como “jogos de soma zero”. Fica clara a necessidade
de gestação de uma política metropolitana federal pactuada entre todos os
agentes envolvidos, inclusive o Congresso Nacional, para garantir o êxito nos
resultados dos projetos sociais e de implantação de infraestrutura urbana nas
metrópoles brasileiras.
Os constrangimentos e incentivos à ação cooperativa das distintas esferas
de governo no âmbito metropolitano são analisados por Carlos Alberto de
Vasconcelos Rocha e Carlos Aurélio Pimenta de Faria. Os autores discutem, de
forma panorâmica e introdutória, como desde os anos 1970 se têm institucionalizado no Brasil diversos modelos de gestão metropolitana, classificando-os
e destacando as modalidades de relações intergovernamentais prevalecentes e
seus impactos. É ressaltada a interdependência entre gestão metropolitana e o
padrão de relação intergovernamental vigente, sob o cenário do federalismo
brasileiro.
Cristina A. C. Figueiras e Luciana T. de Andrade apontam claramente a
necessidade de consolidação das capacidades institucionais locais para a promoção da inclusão social nas regiões metropolitanas. Ao revisar os principais
argumentos para a governança metropolitana, examinam o papel crucial dos
governos municipais em relação à gestão social, especialmente as políticas de
habitação e segurança pública. A argumentação leva à assunção de que, para se
criar gestão metropolitana colaborativa, é necessário fortalecer a gestão local
inclusiva, evitando-se, no entanto, o excessivo “municipalismo”.
A cooperação interinstitucional como instrumento democrático de gestão
do interesse público é tratada no artigo de Marinella M. Araújo, que discute
os fundamentos jurídico-legais envolvidos em processos de consorciamento.
Entretanto, a autora ressalta que quem formula políticas públicas no Brasil
normalmente não as executa, e quem as executa não necessariamente compreende as implicações sociais, econômicas e políticas de sua formulação.
14 | Apresentação
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Portanto, o exercício eficiente da administração pública depende de leitura
democrático-participativa das duas funções, acrescentando que cooperar não
apenas significa fazer conjuntamente, mas sobretudo atuar de forma solidária,
ainda que por razões utilitaristas.
Gustavo G. Machado discute em seu artigo o processo de construção
institucional da Lei 11.107/2005, a lei de consórcios públicos. O autor comenta
alguns aspectos inerentes ao arcabouço ideológico que gerou a lei, criando
condicionantes que estão impactando as práticas dos arranjos institucionais
cooperativos anteriores à lei. Esses condicionantes contribuem para a explicação da dificuldade de adaptação dos arranjos ao novo regime jurídico (path
dependence). A grande resistência dos atores ao consorciamento público reflete
os custos de transação implícitos em uma racionalidade e organização que
desafia a natureza informal dos arranjos anteriores à lei. O autor sugere quatro
futuros cenários possíveis para os consórcios públicos.
Uma análise do fenômeno da urbanização global ameaçando a sustentabilidade das cidades faz o pano de fundo do artigo de Maria Coeli S. Pires, que
aponta especificidades do processo de metropolização no Brasil e os grandes
desafios enfrentados pela gestão das grandes cidades. Através de uma análise
detalhada do processo de institucionalização da Região Metropolitana de Belo
Horizonte até o momento, a autora reflete sobre a potencial compatibilidade – e graves desafios – de um arranjo institucional de gestão que leve em
conta as competências dos entes federativos e os mecanismos de uma efetiva
governança colaborativa.
A Região Metropolitana de Belo Horizonte é analisada por Virgínia R. dos
Mares Guia e Sergio de Azevedo em um artigo que oferece subsídios para os
debates sobre desafios e potencialidades da gestão metropolitana. No artigo,
os autores refletem sobre a relação entre o formato institucional e os atores
nas três fases históricas estratégicas que marcaram a gestão metropolitana
em Belo Horizonte. Apontando as mudanças positivas mais recentes, fica
entretanto claro que ainda há fragilidades a serem superadas e que envolvem
a cooperação e implementação de políticas públicas onde todos os atores –
federais, estaduais e municipais – caminhem no sentido de construção de uma
política pública urbana de “soma positiva”, que beneficie toda a população
metropolitana.
O argumento de que a análise normativa das dimensões institucionais é
insuficiente para o entendimento dos desafios da construção da governança
colaborativa no Brasil é desenvolvido no artigo de Jeroen Klink. Analisando
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os exemplos brasileiros de Curitiba e do ABC Paulista, o autor diz que uma
teoria mais ampla sobre o impacto da globalização e da reestruturação econômica e territorial das cidades-região é necessária para criar as condições que
alicercem uma proposta de arcabouço institucional mais robusto e adequado
à realidade brasileira.
A relação entre política habitacional e a questão metropolitana no Brasil
é tratada no artigo de Rosana Denaldi, Jeroen Klink e Cláudia de Souza. Os
arranjos colaborativos existentes (consórcios, agências metropolitanas etc.)
não desempenharam papel relevante na operacionalização do PAC (Programa
de Aceleração do Crescimento, a mais importante iniciativa de recuperação
urbana na história do Brasil), nem na mobilização de governos municipais
em torno da coordenação intermunicipal da política habitacional e urbana.
Os autores analisam as dificuldades da política urbano-habitacional à luz da
fragilidade ou ausência de uma real e efetiva governança colaborativa no cenário atual das grandes metrópoles do Brasil.
A Região Metropolitana de Campinas (RMC) é analisada no artigo de
Maria Amélia Leite, onde, além de um breve histórico de sua formação, são
apresentados alguns dados sobre a região, que, a despeito de seu grande potencial, não conseguiu evitar totalmente o surgimento de sérios problemas
urbanos. A autora discute o processo de gerenciamento da RMC até o momento e tece considerações sobre aspectos relacionados ao comprometimento
ambiental provocado por decisões sobre projetos regionais cujo impacto não
foi adequadamente considerado.
Ana Luiza Nabuco, Eugenia Bossi e Maciej John Wojciechowski comentam os múltiplos interesses envolvidos, a ausência de estímulos e as assimetrias
intermunicipais que dificultam a articulação de uma ação metropolitana concertada. Os autores usam sua experiência junto ao Consórcio de promoção da
cidadania – mulheres das Gerais para ressaltar o papel crítico que as Secretarias
Municipais de Planejamento tiveram na proposta, desenho e implantação
do consórcio. Cenário semelhante se desenha nos passos iniciais do atual
processo de formação da Rede 10, uma constelação de consórcios públicos
em discussão, envolvendo dez municípios da região metropolitana de Belo
Horizonte. O engajamento e apoio dessas secretarias é condição estratégica
para o avanço da cooperação regional, pois minimizam os chamados “custos
de transação” implícitos em processos de colaboração interinstitucional e
identificados como o fator crítico e determinante do sucesso (ou não) da
proposta de consorciamento.
16 | Apresentação
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Em seu artigo, Marina E. Lopes relata a experiência de implementação
do “Consórcio regional de promoção da cidadania - mulheres das Gerais”,
criado sob a égide do projeto NPC. Ela descreve as dificuldades e as opções
seguidas, particularmente na seara jurídica, ao longo de mais de dois anos de
trabalho que culminaram na aprovação do projeto. A autora discute ainda a
definição da temática – enfrentamento da violência contra a mulher – como
interesse passível de consorciamento, e os diversos aspectos específicos do
arranjo institucional desenhado.
As políticas públicas de promoção da cidadania das mulheres fazem o
pano de fundo para a formação do Consórcio Mulheres das Gerais, conforme
Márcia de Cassia Gomes, Andrea Chelles e Girlene G. R de Oliveira. As autoras
discutem a construção de referenciais políticos e metodológicos estratégicos
para o funcionamento do consórcio, que atende mulheres da região metropolitana vítimas de violência. Ações compartilhadas e consorciadas são aspectoschave no sucesso dessa colaboração intermunicipal, atendendo às atividades
de natureza preventiva e àquelas mais diretamente ligadas à situação da violência. É comentado o modelo de gestão do consórcio, assim como aspectos
relacionados ao planejamento administrativo e financeiro, e as metodologias
propostas nessa experiência única e fascinante de uma colaboração que consegue transcender os parâmetros tradicionais da cooperação interinstitucional
para promover políticas públicas de inclusão social e equidade.
O debate sobre a governança colaborativa no contexto da educação política e ampliação dos espaços de autonomia da sociedade é tratado no artigo
de Rita Velloso. A autora analisa a experiência da Região Metropolitana de
Belo Horizonte sob esse aspecto, e traz considerações a partir da política de
extensão universitária, refletindo sobre parcerias entre instituições ou entre
instituições e sociedade como elementos-chave na construção de competências e capacidades para uma mobilização cidadã que conduza à governança
metropolitana colaborativa.
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Construindo uma governança urbana
colaborativa para as regiões metropolitanas
no Brasil e no Canadá
Terry McGee
Este artigo oferece subsídios às discussões da Mesa-redonda “Inclusão,
colaboração e governança metropolitana: perspectivas brasileiras”, realizada
em Belo Horizonte, Brasil, nos dias 2 e 3 de setembro de 2009. A primeira
das três partes em que se divide traz um resumo das principais características
da urbanização e das estruturas políticas, econômicas e de governança metropolitana no Canadá e no Brasil; a segunda discute os principais conceitos
envolvidos na proposta do projeto “Novos consórcios públicos para governança
metropolitana” (NCP) e da referida Mesa-redonda; e a terceira apresenta alguns
componentes genéricos dos elementos-chaves do processo de urbanização em
ambos os países e discute algumas respostas oferecidas pelas políticas de governança metropolitana neles praticadas. Este artigo também discute experiências
de governança urbana colaborativa dentro do contexto global de crescente
urbanização e de surgimento de grandes regiões metropolitanas como uma
das mais importantes características desse processo de urbanização.
Embora possa parecer, em um exame superficial, que o Canadá e o Brasil
tenham seguido caminhos históricos diversos, com experiências que culminaram em características sociais e culturais muito diferentes, há muito em comum
nos desafios que ambos enfrentam em relação à construção da governança
colaborativa para suas respectivas regiões metropolitanas. De fato, este artigo
deixa claro que o desafio da construção da governança urbana colaborativa,
particularmente para áreas metropolitanas, está se tornando uma das principais
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questões políticas em todo o mundo.1 O processo de aprendizagem mútua
desenvolvido durante a implementação do projeto NCP obviamente nos ensina que o Canadá e o Brasil terão de desenvolver seus “próprios caminhos”
para aplicar, de forma seletiva, as lições vivenciadas a partir da experiência
de governança colaborativa nos dois países, complementando-as com outras
experiências internacionais.
Contexto
Esta seção traz uma avaliação geral do contexto nacional de urbanização,
economia política e sistemas governamentais dos dois países. Ela começa com
uma avaliação global dos processos de urbanização que dirigem o crescimento
da urbanização mundial e que estão levando a um aumento no número de
regiões metropolitanas com populações que variam entre um milhão e 30
milhões de habitantes. Esse crescimento metropolitano está fomentando um
debate das políticas internacionais sobre o grau em que esse desenvolvimento
deveria estar refletido em realinhamentos governamentais capazes de dar maior
autonomia às regiões metropolitanas dentro dos estados da nação. Segue-se
então uma discussão das semelhanças e das diferenças na economia política
do Canadá e do Brasil. Na última subseção foca-se o sistema governamental e
identificam-se diferenças significativas nos graus de autonomia municipal. No
Brasil, as municipalidades têm o mesmo status perante os governos estadual
e federal; no Canadá, elas estão sob a responsabilidade das províncias. Essa é
uma diferença legal fundamental, que influencia os processos de governança
urbana colaborativa nos dois países.
Processos de urbanização: padrões da urbanização global 2
Três tendências principais caracterizam a urbanização global atualmente.
Em primeiro lugar, reconhece-se, de forma geral, que o mundo está hoje
experimentando o crescimento de urbanização mais rápido já verificado na
1 Entre outros, os seguintes trabalhos apresentam uma discussão bastante útil sobre o tema em
questão: Brenner (1999), Chung e Lam (2004), Friedmann (1998), Gilbert (1996), Harriss (2007),
Kearns e Forrest (2000), Kearns e Paddison (2000), Keil (2000), Lefèvre (1998), Ma (2005), Ma e
Wu (2005), Mathur (1999), Rojas, Cuadrado e Guell (2009) e Satish e Shaw (2007). Há, certamente,
um grande número de trabalhos brasileiros sobre esse assunto, os quais podem ser acessados
no site do projeto. Não citamos aqui os trabalhos em português, mas eles serão incluídos numa
próxima versão deste artigo, que será revisado após discussões com os parceiros brasileiros.
2 A principal fonte de dados sobre as tendências da urbanização global é UNO Department
of Economic and Social Affairs (2002).
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história dos assentamentos humanos. O nível global de urbanização aumentou
de 30%, em 1950, para 50% em 2007, e projeta-se um aumento dele para 60%
até 2030. Essa tendência de urbanização das sociedades demonstra variações
marcantes entre as sub-regiões globais principais, com a Europa, a América
Latina e a América do Norte alcançando, em 2000, níveis de urbanização de
73%, 77% e 75%, respectivamente, enquanto a Ásia e a África apresentavam
um nível de 37%. Uma vez que a África e a Ásia contêm mais de dois terços da
população mundial (a maioria dela ainda rural), isso significa que, durante os
próximos 30 anos, quase dois terços do crescimento urbano global ocorrerão
nessas regiões subglobais; no mesmo período, o crescimento nas partes
mais urbanizadas do mundo ocorrerá muito lentamente, acompanhando o
envelhecimento da população e as menores taxas de natalidade.
Esses dados sub-regionais globais obscurecem, porém, diferenças tanto
nos níveis nacionais de urbanização quanto nos subnacionais. Dessa forma,
o Brasil, com quase dois terços da população da América Latina – 83% dela
definida como urbana –, contribui significativamente para o alto grau da
urbanização latino-americana, mas isso oculta o fato de que há muitos países
menores nessa sub-região global, como por exemplo o Haiti, com níveis de
urbanização semelhantes àqueles da África e da Ásia.3
Em segundo lugar, à medida que se tornam cada vez mais urbanizados,
os países sofrem uma alteração nas fontes de crescimento populacional das
áreas urbanas. Para muitas partes da Ásia e da África, o principal fator de crescimento urbano continua sendo a migração rural-urbana; porém, à medida
que elas se tornarem mais urbanizadas, esse aumento populacional decorrerá,
em grande parte, do crescimento populacional natural. Nas regiões subglobais mais urbanizadas, o crescimento urbano envolverá uma mudança na
distribuição da população urbana entre áreas urbanas de diferentes tamanhos,
com uma parcela crescente da população urbana natural nacional residindo
em grandes regiões urbanas e dominando a hierarquia urbana, sendo que as
maiores áreas, com o principal papel nessa rede, ocuparão o topo dessa pirâmide, ou seja, serão as “cidades globais” (SASSEN, 2001; SCOTT, 2001). Essas
grandes regiões urbanas produzem uma porção significativa do PIB dos seus
países e estão assumindo importância crescente na economia política deles.
3 A questão de a definição estatística de população urbana nacional refletir ou não o número real
de pessoas engajadas em atividades urbanas é complexa, pois ela é elaborada a partir de definições
nacionais de áreas urbanas. No contexto brasileiro, parece que as estatísticas nacionais sobre a
população urbana são dificultadas pelo fato de algumas fronteiras urbanas se estenderem para
dentro das áreas rurais.
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Frequentemente elas assumem a forma espacial de “regiões metropolitanas
estendidas” (Extended Metropolitan Regions – EMRs) (McGEE, 1991; McGEE;
ROBINSON, 1995).
Em terceiro lugar, o domínio crescente dessas EMRs representa grandes
desafios para as relações entre o estado federal e o governo local e também
para sustentabilidade do meio ambiente, coesão social e volatilidade econômica, para as quais o desenvolvimento da governança urbana colaborativa é
uma resposta importante.
De forma geral, cinco processos principais podem ser identificados como
propulsores dos atuais padrões globais de urbanização:
a)Globalização
A maioria das investigações contemporâneas sobre esse crescimento sem
paralelos da urbanização a partir da Segunda Guerra Mundial argumenta
que o propulsor principal dele é a globalização. Mudanças significativas na
economia global encorajaram maior integração econômica, o que acelerou
a urbanização e conduziu a uma rede global de grandes regiões urbanas, as
quais se uniram em cadeias econômicas que transcendem os limites nacionais. Esse desenvolvimento foi facilitado através de avanços tecnológicos
(transporte aéreo, transporte de containers, comunicação digital) que aceleraram a interação dessas cadeias e resultaram na reestruturação principal
do espaço urbano e das economias das EMRs. A globalização legitimou-se
por suposições neoliberais de que uma integração global crescente seria um
pré-requisito para se aumentar a riqueza econômica e para se desenvolver
um “estado moderno” (OLDS et al., 1999).
b)Desenvolvimentismo
Embora isso não seja, de forma alguma, universal, uma segunda força que
encorajou a urbanização foi o fato de os legisladores nacionais favorecerem
estratégias de desenvolvimento que enfatizam cada vez mais as trocas estruturais nas suas economias para o setor industrial e de serviços, incluindo-se
aí a ideia de industrialização da agricultura, o que levou a um declínio das
populações rurais. Há uma forte convicção de que a urbanização é parte
inevitável do processo de criação do estado nacional e de que as presumidas economias de escala que acontecem com a urbanização, a criação de
mercados de massa e a produtividade urbana mais alta são absolutamente
críticas para o processo de desenvolvimento.
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c)Descentralização
Como os níveis de urbanização aumentaram, muitos países começaram a
se ocupar com processos de descentralização, engendrados pela necessidade de maior controle fiscal local à medida que os Estados e a União se
esforçam para aumentar a geração de renda em um cenário de crescente
volatilidade econômica. Essas políticas são frequentemente dirigidas por
agências internacionais, como o FMI.
d) Forças sociais
Com o aumento dos níveis de urbanização, as forças globalizantes (imigração legal e imigração ilegal), juntamente com as mudanças estruturais
nas bases econômicas, levam a um crescimento da fragmentação social nas
cidades, com a persistência da pobreza e da desarmonia étnica e social.
e)Alterações ambientais
Macrotendências de mudanças climáticas, juntamente com problemas
ambientais desencadeados pelo crescimento urbano acelerado, têm criado
desafios ambientais para as cidades tanto nos países desenvolvidos quanto
naqueles em desenvolvimento.
Comparando a política econômica do Canadá e a do Brasil 4
À primeira vista pode-se considerar incomum comparar-se a economia
política desses países. Para começar, eles têm uma base populacional muito
diferente. O Canadá possui 33 milhões de habitantes (2009), o que representa
apenas 17% da população do Brasil, com 192 milhões de habitantes (2007). Há
também um grande contraste entre a renda nacional per capita: em 2008, o
Brasil alcançou US$10,100 de Paridade do Poder Aquisitivo (PPA),5 e o Canadá,
4 A adoção do termo “política econômica” pelas ciências sociais anglo-americanas foi influenciada
pelo neoliberalismo e pelo pós-modernismo. Mas, para a compreensão das questões centrais
da governança urbana em regiões metropolitanas, é importante ressaltar que o poder político
frequentemente se encontra nas mãos de partidos com visões distintas sobre políticas e práticas
de governança urbana colaborativa. Os trabalhos de David Harvey (1973, 1989, 2005, 2008) são
essenciais para essa abordagem. Mais recentemente, Goldfrank e Schrank (2009) apresentaram
uma visão geral bastante útil desse tema em relação à América Latina.
5 Para se calcular a Paridade do Poder Aquisitivo (PPA), divide-se o Produto Interno Bruto (PIB)
anual, em moeda corrente, pela taxa de câmbio em dólares americanos, dividindo-se então o
resultado dessa operação pelo número de habitantes. Alguns comentaristas têm propalado que
as três maiores economias em desenvolvimento – China, Brasil e Índia – conduzirão o mundo
ao fim da atual recessão global.
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US$39,300. Isso reflete a diferença em população, pois o Brasil, agora como
nona economia mundial, está de fato, na classificação global de países, à frente
do Canadá em termos de PIB anual. Uma comparação entre a contribuição
do PIB por setor e a distribuição da força operária (Tabela 1) sugere que, estruturalmente, os dois países estão em um macronível bastante semelhante.
A única diferença expressiva está na proporção de população empregada na
agricultura. Embora tenha uma parcela maior de força de trabalho ativa neste
setor, o Brasil caracteriza-se por um número significativo de trabalhadores em
ocupações de pouca produtividade e no setor informal de baixa renda localizados em áreas urbanas. Esse padrão reflete-se no número de habitantes que
vivem na pobreza, que, em 2007, era de 10% no Canadá e de 31% no Brasil.
Tabela 1
Distribuição da força de trabalho e composição do PIB por setor –
Brasil e Canadá – 2007
Força de trabalho
Composição do PIB por setor (%)
Brasil
Canadá
Brasil
Canadá
Agricultura
20.0
3.0
5.1
2.1
Indústria
14.0
20.6
30.8
28.8
Serviços
66.0
76.4
64.1
69.1
Fonte: Elaboração baseada em dados extraídos de várias publicações da ONU e do Banco Mundial.
Canadá e Brasil também compartilham certas características geográficas,
históricas e econômicas. Geograficamente, ambos são países grandes, com
recursos abundantes e uma ampla extensão territorial para expansão. Historicamente, ambos estão há muito tempo envolvidos na interação global, o que
se deu inicialmente através de uma relação colonial e mercantil que levou à
fundação de cidades interportuárias que tinham um papel fundamental – e
que perdurou por vários séculos – no sistema da ordem colonial e do comércio. Alguns podem argumentar que, no Brasil, essa experiência histórica deu
origem a uma sociedade altamente desigual, que aliás, notadamente, persiste
até hoje (SANTOS, 1979). Embora a situação no Canadá não seja idêntica, a
incorporação de uma população significativa de língua francesa (localizada
principalmente em Quebec) criou uma situação equivalente de desigualdade,
causa de um forte e bem estabelecido movimento separatista, que alcançou
seu ápice na década de 1970.
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Pode-se sugerir que a criação de estados independentes no Brasil (em 1824)
e no Canadá (em 1882) pouco mudou a economia política dos dois países, pois
ambos ainda dependiam basicamente da produção do setor primário, para o
qual a agricultura tinha um papel fundamental. Isso produziu um sistema
urbano que, no caso do Canadá, levou ao domínio dos dois centros principais
– Toronto e Montreal –, a eles se seguindo cidades provincianas e um grande
número de cidades menores. No Brasil, um padrão semelhante emergiu com
o domínio crescente do Rio de Janeiro e de São Paulo, seguidos das demais
capitais estatais e de cidades menores. A fase seguinte de urbanização envolveu uma migração acelerada da população rural para as cidades. No Canadá,
esse movimento começou no final do século XIX e resultou em um aumento
fixo do nível de urbanização naquela época. Esse processo de urbanização
desacelerou, chegando a 55% em 1970. Em ambos os países a urbanização foi
associada ao crescimento da industrialização, o que gerou diferenças espaciais
nos níveis de urbanização. No Brasil, a urbanização cresceu rapidamente no
Sudeste, particularmente nas metrópoles do Rio de Janeiro e de São Paulo.
No Canadá, ela foi mais acelerada no centro do país e incluiu as províncias de
Ontário e Quebec, onde estão localizadas as maiores regiões metropolitanas
(Toronto e Montreal) do país.
No período após a Segunda Guerra Mundial, essas tendências de urbanização acelerada geraram, em ambos os países, um crescimento continuado
da população nas áreas urbanas de maior porte. Esse crescimento foi estimulado, tanto no Canadá quanto no Brasil, pelo desenvolvimento de sistemas de
transporte automotivos – incluindo carros particulares e linhas de transporte
público baseadas em ônibus e micro-ônibus –, os quais encorajaram a expansão
externa das atividades de caráter urbano (lazer, trabalho, residências) e são regidos por políticas estatais que vêm se transformando lentamente em políticas
de transporte alternativo (FREUD; MARTIN, 1999). Os dois países também
experimentaram o crescimento da desigualdade econômica espacial dentro
dessas crescentes regiões metropolitanas. Na periferia delas verificam-se as
maiores concentrações de população de baixa renda e de problemas sociais, que
são agravados pela falta de acesso a comodidades sociais. Ainda hoje se veem
alguns dos habitantes mais pobres e mais fortemente prejudicados nos núcleos urbanos canadenses, que os marginalizam. No Brasil, o problema é muito
mais sério, pois o que caracteriza suas periferias urbanas são os assentamentos
ilegais (favelas), os níveis mais altos de pobreza e os problemas contínuos de
desemprego e violência. Nas periferias urbanas do Canadá esses problemas
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são menos graves, pois a migração da população para as periferias é associada
à provisão de moradias mais baratas, ao programa nacional de educação e a
outros serviços. Porém, nos últimos anos, algumas das maiores regiões urbanas
do Canadá viram o aparecimento de “quadrilhas” envolvidas, por exemplo, com
o tráfico de drogas. Também se detectam nesses anéis suburbanos exteriores
problemas sociais e econômicos que afetam imigrantes e comunidades locais.
Assim, ainda que diferentemente situada e contextualmente diversa, a questão
da inclusão social traz desafios semelhantes aos dois países.
Tanto no Canadá quanto no Brasil, três níveis de governo – federal,
estadual/provincial e municipal – interagem no que diz respeito às responsabilidades urbanas.6 Como ambos os países se tornaram mais urbanizados, há
uma pressão crescente para a descentralização das responsabilidades políticas
e fiscais, particularmente em nível urbano, através das coalizões de Prefeitos
e da Federação das Municipalidades, que estão exigindo maior autonomia e
apoio fiscal.
No Brasil esse processo avançou muito mais do que no Canadá. A autonomia de municipalidades foi fortificada na Constituição de 1988, que lhes
reconhece “o direito [...] de governarem de acordo com as suas próprias leis
orgânicas, impedindo, assim, que regras federais e estatais intervenham nos
seus negócios internos” (RIBEIRO; GARSON, 2009, p. 84). A Carta Magna
brasileira também lhes permitiu aumentar sua autoridade política e tributária e deu maior poder de decisão na política pública às comunidades locais
(RIBEIRO; GARSON, 2009, p. 84), possibilitando aos Estados, “por meio de
uma emenda constitucional, estabelecer regiões metropolitanas” (REZENDE;
GARSON, 2006). As municipalidades no Brasil têm responsabilidades muito
mais amplas, incluindo saúde e assistência social, combate à pobreza e à marginalização social, educação etc., embora a maioria delas ainda dependa do
governo federal e dos governos estaduais para vários níveis de apoio.7
O Canadá também possui três níveis de governo, mas as municipalidades
não possuem autonomia. Em geral, embora assumam algumas das mesmas
responsabilidades das municipalidades urbanas brasileiras, como a cobrança
de IPTU, elas não gozam de um estado legal, como ocorre com as províncias
6 A esse respeito, ver Ribeiro e Garson (2009) e Young (2009).
7 No Brasil, os Estados são inteiramente divididos em municípios, os quais compõem a terceira
camada do sistema federal. Isso significa que os municípios podem incluir populações não urbanas,
e em alguns deles, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, predominam as populações
rurais. A Lei de Consórcios pode ser utilizada por qualquer município, seja ele rural ou urbano
(GARSON, 2005).
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e com o governo nacional. O governo provincial aprova as leis municipais que
definem as responsabilidades das municipalidades. Dessa forma, as cidades
canadenses não são responsáveis pela educação nem pela saúde, que são da
alçada das províncias. Mas, assim como as brasileiras, elas arrecadam impostos,
criam e mantêm a infraestrutura urbana, e desenvolvem programas sociais
locais, como moradias populares, combate à pobreza etc. Elas também dependem dos governos provinciais e do governo nacional para apoio financeiro,
particularmente no que diz respeito à infraestrutura. Como destacado por
Hutton (2009), esse processo envolve o desenvolvimento de relações positivas
com esferas governamentais superiores, nas quais o Prefeito frequentemente
tem um papel crucial de lobista.
Cabe por fim ressaltar que, como uma parcela crescente da população
urbana começou a residir na aglomeração suburbana das municipalidades/
cidades e como esta vem assumindo um papel de importância na economia nacional, a pressão crescente para se desenvolver colaboração entre esses governos
submetropolitanos – no sentido de facilitar a prestação de serviços, aumentar a
eficiência dos sistemas de transporte, permitir economias de escala na compra
de materiais e desenvolver políticas sociais e econômicas – tem aumentado.
Durante a última década esses esforços de colaboração estão sendo fomentados
com as metas de criação de cidades mais habitáveis e sustentáveis.
Questões conceituais
Cinco são os principais conceitos na discussão de colaboração urbana
– governo e governança; regiões metropolitanas; governança colaborativa;
exclusão e inclusão social; e sustentabilidade –, e tentou-se esclarecer cada
um deles nas discussões durante a Mesa-redonda, particularmente no que diz
respeito à sua compreensão no Brasil e no Canadá. O significado do termo
inglês governance, por exemplo, que se define como “o exercício da autoridade
econômica, política e administrativa para gerir os negócios de um país em
todos os níveis, incluindo os mecanismos, processos e instituições pelos quais
os cidadãos e grupos articulam seus interesses, exercem seus direitos legais,
cumprem com suas obrigações e mediam estas diferenças” (PNUD, 1997, p.
2-3), é menos amplo do que o de seus correspondentes em espanhol e português – governabilidad e “governança”, respectivamente –, que abrangem ideias
de um maior envolvimento da sociedade civil.
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Uma sugestão seria identificarmos e refinarmos o uso desses cinco conceitos, que são centrais à compreensão dos esforços para se desenvolver a
governança urbana colaborativa no Brasil e no Canadá.
a) Governo e governança
Embora haja definições formais desses dois conceitos, deve-se reconhecer
que eles são “idealizações teóricas” e que há muitos tipos diferentes de governos e de governanças. As definições tradicionais enfatizam a distinção entre
“governo” – sistema político pelo qual um grupo de pessoas é administrado e
regulado e no qual níveis governamentais diferentes possuem responsabilidades
diferentes, que envolvem a autoridade/responsabilidade de criar e impor leis
e regulamentos – e “governança” – aquilo que o governo faz.
Em décadas recentes tem havido, porém, um debate teórico crescente
sobre a maneira como os processos desenvolvimentistas, aqui já abordados,
estão progredindo para uma confluência desses dois tipos de ideais, particularmente no que se refere às funções dos governos urbanos. Vranken, Decker
e Nieuwnhuyze (2003) argumentam que, no contexto urbano, ações governamentais estão sendo reformuladas, para que decisões de políticas urbanas
sejam dirigidas à inclusão de elementos da sociedade civil e mesmo do setor
privado. Teoricamente, isso traduz-se na procura de uma visão comum que
possa reforçar as funções governamentais urbanas, enquanto estas enfrentam
a necessidade de desenvolver políticas que efetivamente promovam o crescimento econômico, a sustentabilidade ecológica e a inclusão social. A liderança
global brasileira, por desenvolver orçamentos participativos em áreas urbanas,
é um exemplo desses desenvolvimentos.
Há dois grandes desafios para a eficácia dessas novas estruturas de governança urbana: desenvolver maiores relacionamentos colaborativos entre
os diferentes níveis – nacional, regional e urbano – de governo dentro do
país; e desenvolver mecanismos colaborativos dentro das áreas urbanas, que
frequentemente consistem de municipalidades fragmentadas e com recursos
fiscais, partidos políticos e até mesmo metas políticas diferentes.
b) Regiões metropolitanas
Esse termo é utilizado, em países como o Canadá e o Brasil, para definir
áreas urbanas que se compõem de várias municipalidades ou cidades. Ele
também é reconhecido em sistemas de coleta de dados nacionais que definem
as fronteiras de tais regiões, segundo alguns critérios, como por exemplo
o de densidade, mas tais dados raramente refletem, com precisão, o atual
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espalhamento espacial das atividades urbanas, e, portanto, a ocupação espacial
frequentemente extrapola as fronteiras formais definidas de administração das
regiões metropolitanas.
Atualmente há muita discussão sobre o crescimento relativo das áreas
metropolitanas e de outras unidades dentro de sistemas urbanos. Dados da
ONU sugerem que, em termos globais, o maior crescimento de populações
urbanas nas próximas três décadas ocorreria em cidades secundárias, com
menos de 100.000 habitantes (ONU, 2007). Entretanto, alguns estudos argumentam que essa análise não inclui o crescimento de unidades urbanas que,
embora integrem regiões metropolitanas, estão situadas em áreas de periferia
para além das fronteiras municipais existentes. Se tais unidades forem incluídas,
a maior parte dos dados demográficos irá apontar o fato de que as regiões
metropolitanas estão aumentando sua participação nos índices nacionais de
população urbana.
c) Governança colaborativa
Deve-se entender que governança colaborativa é um conceito que abrange
muitas variedades de mecanismos colaborativos, desde a colaboração internacional até a colaboração nacional, entre as três esferas governamentais, e, em
nível urbano, entre as municipalidades e as cidades. A princípio, é importante
distingui-la da visão tradicional de governo enquanto sistema político no qual
um grupo de pessoas é administrado e regulado e níveis diferentes de governo
possuem responsabilidades diferentes, com autoridade para criar e aplicar leis
e regulamentos e exercer governança, que é o que os governos fazem.
Ao longo das últimas décadas, escritores como Healey (1997) e Vranken,
Decker e Nieuwnhuyze (2003) têm advertido que essa distinção entre governo
e governança ficou menos clara, devido às redes formadas entre os governos,
o setor privado e a sociedade civil, as quais se tornaram o coração analítico
de governança colaborativa. Governança colaborativa tem mais a ver com o
desenvolvimento da capacidade de cooperação para a produção de resultados,
como, por exemplo, esforços para desenvolver políticas que alcancem metas de
sustentabilidade de uma região urbana. Para tanto faz-se necessária a criação
de arranjos institucionais capacitados. Os mesmos autores têm também enfatizado que áreas urbanas representam grandes desafios à governança devido
à sua complexidade, a diferenças sociais e à volatilidade econômica, o que
dificulta “[...] a formação de pautas compartilhadas” (VRANKEN; DECKER;
NIEUWNHUYZE, 2003, p. 25).
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Enquanto uma das razões para o desenvolvimento de políticas colaborativas tem sido um processo de descentralização, do nível nacional para níveis
mais baixos de governo, a governança colaborativa urbana não implica o desenvolvimento de respostas centralizadas que dependam de acordos colaborativos.
Estruturas regionais urbanas de atendimento a emergências, gerenciamento
de fluxo de trânsito ou políticas de sustentabilidade ambiental, por exemplo,
requerem controle centralizado.
Em alguns casos, como em Toronto e em Montreal (nesta, por um
período curto), o esforço para desenvolver a governança colaborativa entre
cidades falhou, tornando-se necessário integrá-las em uma unidade política
(BOUDREAU; KEIL; YOUNG, 2009; BOUDREAU et al., 2007; KEIL, 2000;
NIELSEN; HSU; JACOB, 2002; WALKS, 2006). Isso ocorreu, porque mecanismos de negociação precisam ser desenvolvidos de modo a suportar os desafios
do vital desenvolvimento da colaboração. Em outras unidades regionais foram
desenvolvidos e incorporados mecanismos para elaboração de políticas regionais e definição de responsabilidades (por exemplo, a Autoridade Regional
da Grande Vancouver, hoje Metro-Vancouver), e, em algumas, muitas redes
regionais alavancaram as metas da respectiva região metropolitana através
de um esforço direcionado ao envolvimento de partes da sociedade civil (por
exemplo, o Conselho de Frazer Basin).
d) Da exclusão à inclusão social
Uma das metas explícitas do projeto NP é estabelecer as formas em que
a colaboração pode ajudar a reduzir a exclusão social, na qual frequentemente se sobrepõem várias dimensões, como a pobreza, a diferenciação social,
a desigualdade social e a fragmentação social. Em termos pragmáticos, isso
quase sempre significa que, em comparação com o resto da população da área
urbana, a socialmente excluída tem acesso desigual ao emprego, aos serviços
de infraestrutura (como os de transporte público), aos serviços sociais (como
os de saúde) etc É preciso também enfatizar que os excluídos sociais urbanos
apresentam características bem diferentes das dos pobres rurais. Primeiro,
porque estão localizados em sociedades urbanas que, estando mais integradas
a um sistema global, são particularmente afetadas pela volatilidade existente
dentro desse sistema (KEIVANI; MATTINGLY, 2007); segundo, porque é muito
mais difícil identificar os problemas sociais dos pobres urbanos, devido à sua
localização em áreas urbanas; terceiro, porque os locais geográficos frequentemente dificultam o acesso de serviços sociais; e quarto, porque as redes das
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famílias são menos estáveis que em áreas rurais, o que comumente significa
que o suporte familiar é menor.
Em relação ao papel da colaboração urbana em reduzir a exclusão social,
existem arranjos colaborativos em “nível micro” (pessoas, domicílios e suas
redes), “nível meso” (grupos, bairros) e “nível macro” (jurisdição municipal).
A questão central é tentar compreender que, criando novos relacionamentos
institucionais, dentre os quais a implantação de consórcios públicos é somente
uma das várias respostas colaborativas possíveis, a colaboração interjurisdicional pode desenvolver políticas que reduzem a exclusão social através do acesso
aos recursos e do compartilhamento deles.
e) Sustentabilidade
Subjacente às metas mais específicas das ações urbanas colaborativas está
a necessidade de se reconhecer que as tendências contemporâneas de crescimento urbano estão sendo propulsionadas pelos processos de globalização,
pelo clima e pelas mudanças econômicas e sociais e, consequentemente, estão
tornando os sistemas mais tradicionais de governo e governança urbanos
menos efetivos. Se as áreas urbanas devem se tornar “cidades habitáveis” e
sustentáveis, promovendo inclusão social e sendo também economicamente
produtivas, é preciso então desenvolver respostas colaborativas em todos os
níveis governamentais. No entanto, como a maioria da população global será
urbana, essas respostas deverão ser incrementadas em nível urbano (BROWN
et al., 1995; MARCOTULLIO; LEE, 2003).
Governança colaborativa para regiões metropolitanas:
paradigmas conceituais
Propõe-se nesta seção a construção de um modelo genérico que possibilite estudo de casos mais específicos de colaboração urbana no Canadá e no
Brasil, para vê-los como parte do processo do desenvolvimento de respostas
para uma política de governança colaborativa urbana. A análise é dividida em
duas partes: na primeira, discutem-se, de forma geral, as mudanças sociais,
econômicas e ambientais ocorridas internacional e nacionalmente e como elas
têm afetado as regiões metropolitanas; na segunda, apresenta-se uma tipologia
de respostas políticas aos impactos desses processos, posicionando-se exemplos
específicos – dos quais a governança colaborativa é somente uma parte – de
casos no Brasil e no Canadá dentro dos referidos processos.
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Governança urbana colaborativa em nível internacional
e em nível nacional
Em nível global, a atual transformação urbana levanta muitas mudanças
políticas, cujo enfoque especial é encontrar uma maneira mais efetiva de se
gerenciar essa transição para sociedades altamente urbanizadas. Muitos autores, entre os quais se inclui Brenner (1999, 2006), discutem que, nesse sentido,
os maiores desafios políticos deverão ocorrer na escala das grandes regiões
metropolitanas, devido à importância econômica delas e aos obstáculos que
elas apresentam em relação à habitabilidade e à sustentabilidade. Três pressuposições influenciam esse argumento: a primeira é a de que uma reorganização
se faz necessária, pois o processo de urbanização traz sérios problemas aos
ecossistemas de todos os países (BROWN et al., 1995); a segunda refere-se à
necessidade de se reconhecer que, mesmo se levando em consideração que as
taxas de crescimento urbano variam muito entre os países em desenvolvimento
e os países desenvolvidos, todos eles vêm enfrentando dificuldades devido ao
fato de os sistemas de governança e gerenciamento desenvolvidos no passado
não estarem equipados para suportar as novas dimensões de urbanização; a
terceira é a de que a persistente desigualdade social e a volatilidade econômica
dificultam ainda mais o gerenciamento da transição urbana (BATLEY, 2000).
O Diagrama 1, no qual se tenta delinear os referidos processos de transformação e seu impacto nas localidades urbanas em nível nacional, mostra
como os impulsos de urbanização, gerados em nível global e identificados
como processos econômicos, tecnológicos, sociais, ideológicos e ambientais,
permeiam o nível nacional e, mais especificamente, as regiões metropolitanas
estendidas (EMRs). O modelo presume que os processos gerados em nível global e acomodados em nível nacional através de políticas de desenvolvimento
moldam as dimensões mais amplas do processo de urbanização e resultam no
crescimento estendido das regiões metropolitanas e nos desafios à governança
urbana que foram discutidos nas seções anteriores. Enfatiza-se que o modelo
é altamente genérico e que a intenção é levantar perguntas sobre os caminhos
urbanos específicos para a governança em regiões metropolitanas e tentar
encontrar respostas para elas.
É importante salientar ainda que os debates, ainda inconclusos, centrados
na relevância do processo de urbanização, que já havíamos dividido em nível
global e local (incluindo, nesse último, o escopo nacional e das grandes regiões
metropolitanas), terão continuidade.
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NÍVEL INTERNACIONAL
ECONÔMICO
Ex.: Comércio
TECNOLÓGICO
Ex.: Transporte
DIFERENÇAS SOCIAIS
E CONSUMISMO
Ex.: Valores
IDEOLÓGICO
Ex.: Neoliberalismo
AMBIENTAL
Ex.: Mudanças climáticas
DESENVOLVIMENTISMO
Urbanização é necessária
para o desenvolvimento
DEGRADAÇÃO
AMBIENTAL
NÍVEL NACIONAL
MUDANÇA PARA
SERVIÇOS
-
-
Liberalização do Comércio
Descentralização Fiscal
Surgimento das EMRs
-
AUTOCÊNTRICO
Portos marítimos
Aeroportos
Sistema rodoviário
FRAGMENTAÇÃO
SOCIAL
-
Desigualdade social
Desigualdade de renda
Pobreza persistente
NÍVEL METROPOLITANO
EMRs (Regiões
Metropolitanas
Estendidas) são os
grandes contribuintes
para a economia nacional
EMR: “spreading city”
Accesso desigual ao
transporte público
-
Exclusão social
Desigualdade social
Classe média emergente
Desigualdade de renda
Pobreza persistente
Cidades empreendedoras
SUSTENTABILIDADE
"Cidades verdes"
"Liveable cities"
Diagrama 1 – Modelo de transição urbana: processos de transformação.
Fonte: Elaboração própria.
Há uma linha de pensamento que se apoia na opinião de que processos
globais são mais importantes, porque afetam as políticas nacionais e metropolitanas, gerando as chamadas políticas de desenvolvimento (desenvolvimentistas), cujo enfoque principal é o crescimento econômico e a implantação de
programas que estimulem o desenvolvimento de cidades empreendedoras nas
grandes regiões metropolitanas.
Uma outra linha de pensamento defende a ideia de que esses processos
globais têm sido mediados, negociados e, em alguns casos, rejeitados em nível
local, embora a maioria dos Estados tenha aceitado a urbanização como uma
parte de seu planejamento estratégico (McGEE et al., 2007). Pode-se assim
argumentar que os propulsores da globalização desenvolvimentista foram os
moduladores dominantes dos espaços urbanos nos últimos cinquenta anos.
Porém, nas duas últimas décadas, a inquestionável mudança climática e seus
evidentes efeitos na sustentabilidade urbana, juntamente com a volatilidade
econômica e os aumentos de preço da energia, significam que os governos
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nacionais e urbanos estão ampliando a adoção de políticas destinadas à geração
de nações e áreas urbanas com maior habitabilidade e sustentabilidade.
O segundo modelo muda o foco para o nível das regiões metropolitanas
estendidas e tenta demonstrar como os processos de transformação trazem
desafios para diferentes componentes espaciais dessas áreas, posto que eles
produzem grandes diferenças nos espaços urbanos. Assim, em grandes áreas
metropolitanas, a reestruturação espacial frequentemente envolve a restauração de velhos centros e a expansão da atividade urbana, com assentamentos e
com a indústria, até a periferia. O Diagrama 2 ilustra os efeitos desses processos
na periferia urbana. Nele se percebe como os macroprocessos, ao operarem
no nível local da periferia urbana em interação com os microprocessos, criam
uma “arena de tensão política” (AGUILAR; WARD; SMITH, 2003; BROWDER;
BOHLAND; SCARPACI, 1995; KEIVANI; MATTINGLY, 2007; McGEE, 1991;
WEBSTER et al., 2003). Nessas áreas periféricas, onde a atividade tradicional
havia sido a agricultura, as atividades não agricultoras, especialmente com o
crescimento da indústria e das habitações de classes média e média alta, passam
a crescer. Os assentamentos criam conflitos de uso do solo e deteriorações
ambientais da água e de outros recursos naturais. Além disso, vê-se frequentemente, nessas áreas periféricas, um crescimento de moradias mais precárias
(tanto legais quanto ilegais), devido ao influxo da população de baixa renda,
que é para ali atraída pelas oportunidades de emprego e de habitação. Essa
situação é ainda agravada pelo fato de o espaço político de periferia urbana ser
frequentemente fragmentado entre diferentes governos locais, criando espaços
políticos “cinzentos”. Assim, no caso das periferias urbanas de muitos países,
a atividade urbana espalha-se de dentro para fora, até atingir áreas que estão
sob a administração de “condados rurais”, causando confusão administrativa.
O Diagrama 2 também enfatiza a interação entre as principais atividades em
processos top-down (de cima para baixo) e bottom-up (de baixo para cima), tema
discutido na primeira sessão de trabalho da Mesa-redonda.
Esses exemplos de “arenas de tensão política” emergentes nas áreas
periféricas configuram um perfil típico das dificuldades que, globalmente,
vêm sendo enfrentadas também em outros “espaços urbanos” de regiões
metropolitanas.
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(MACRO)PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO: GLOBAL & NACIONAL
Multinacionais, Estado, Grandes Empresas
ECONÔMICO
Expansão da
atividade urbana
TECNOLÓGICO
Privado:
Autocêntrico
Tensão Econômica
Tensão Socioeconômica
Ameaça a atividades
existentes
Falta de Transporte
Público
ARENA
MUDANÇAS
AMBIENTAIS
DIFERENÇAS SOCIAIS
E CONSUMISMO
IDEOLÓGICO
Exclusão especial
dos pobres,
desigualdades de
renda
Expansão de
comunidades
fechadas
Ameaça ao
ecossistema
Tensão Econômica
Tensão Econômico-social
Ameaça ao uso
do solo atual
Ameaça a
atividades
econômicas
Tensão Social
Falta de acesso
DE
TENSÃO
POLÍTICA
PROCESSOS DE TRANSFORMAÇÃO: LOCAL
Governos Locais, Pequenas e Médias Empresas, ONGs, Unidades Familiares
Diagrama 2 – Efeitos dos processos de transformação na periferia urbana
Fonte: Elaboração própria.
Respostas das políticas para a governança
urbana colaborativa
Nesta seção apresenta-se uma tipologia de respostas às políticas colaborativas que, especialmente focadas no Brasil e no Canadá podem ser desenvolvidas para os desafios enfrentados por suas respectivas regiões metropolitanas. Elas estão demonstradas no Diagrama 3, que sugere que as respostas
às políticas de governança podem ser agrupadas em uma tipologia de quatro
pontos, baseados nas formas de relacionamento das governanças:
a) Acordos multiníveis, envolvendo os níveis nacional, estaduais e municipais
de governo;
b) Acordos regionais, que operam em uma região metropolitana definida;
c) Acordos regionais submetropolitanos entre municipalidades que formam
parte de uma região metropolitana estendida;
d) Acordos descentralizados, que são semelhantes aos acordos regionais submetropolitanos, mas incluem processos bottom-up e são focados em políticas
de inclusão social.
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Colaboração multinível
•
•
•
Nacional / federal
Estado / província
Municipal / cidade
1. Colaboração centralizada
DE CIMA PARA BAIXO
Autoridade Metropolitana que é composta de todos os municípios.
•
•
•
•
No caso ideal, no nível de região metropolitana;
Legislada pelo governo estadual, de cima para baixo;
Cobertura geográfica abrangente (região metropolitana inteira);
Muitos setores, mas não todos, são incluídos (prioritariamente, setores de
infraestrutura);
• Planejamento estratégico;
• Pode envolver o governo federal, o estadual e os municipais.
Exemplo: Metro Vancouver.
2. Colaboração submetropolitana
A formação de acordos colaborativos para engajamento no planejamento estratégico
participativo (com representação dos governos municipais, da sociedade civil e do setor
privado).
Exemplo: Acordo de Vancouver; Consórcio ABC;
ergenc
ial.
C; Orga
Organiza
ni ções de Resposta Emergenc
er
As vantagens/de
ens/ s
ens/de
va agens de
vant
cada abordagem
e as dinâmicas
resultantes
podem ser
tó cos de
tópi
pesquisa
ui -ação e
uisa
de capa
ca citação
educacional.
3. Colaboração descentralizada
DE BAIXO PARA CIMA
• De baixo para cima (mas regidos pelas leis dos consórcios públicos e outras leis
•
•
•
•
federais);
Envolve só alguns municípios dentro da Região Metropolitana;
Pode envolver o Estado, órgãos federais e os municípios
Focado em um setor (os serviços públicos – ex.: saúde) que promova equidade social;
Um exemplo bem-sucedido pode se expandir
ndir ao nível metropolitano.
Exemplo: Consórcio Mulheres das Gerais ( e outros consórcios exis
ex tentes)
es .
es)
diagrama 3 – tipos de governança colaborativa para regiões metropolitanas.
Fonte: elaboração própria.
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a) Formas multiníveis de governança
Apesar de, tanto no Brasil quanto no Canadá, a estrutura de três níveis
governamentais impor limites aos graus de colaboração multinível que podem
ser alcançados para regiões metropolitanas e unidades urbanas individuais, há
um crescente reconhecimento de que certos desafios apresentados às regiões
metropolitanas somente podem ser solucionados através da colaboração entre
quantos sejam os níveis do governo. À medida que essa colaboração multinível
está avançando, ainda que lentamente, para além dos primeiros estágios nos
dois países, esforços estão sendo feitos para se encontrar uma maneira de ela
ser implantada sem a imposição de mudanças nas responsabilidades constitucionais fixas nas esferas governamentais. Deve-se enfatizar que a colaboração
multinível pode ser parte de outras formas de governança. São exemplos de
colaboração multinível de governança o Acordo de Vancouver, firmado entre
o governo federal canadense e a província da Colúmbia Britânica e, no Brasil,
o Ato Consorcia (Diagrama 3).
b) Formas regionais metropolitanas
Frente à necessidade premente de respostas políticas para os problemas
que estão surgindo nas regiões metropolitanas estendidas, assiste-se a uma
crescente conscientização de que há também necessidade de uma forma de
intervenção política em nível regional. Problemas de jurisdição política fazem
com que a criação de um governo regional seja muito difícil. No entanto, ela
é factível, como o foi, por exemplo, em Toronto, onde o governo da província
uniu as unidades das regiões submetropolitanas em uma única área, chamada
“Metro Toronto”, em 1992. Outra solução traduz-se em uma organização mais
flexível, focada em visões estratégicas e no planejamento e gerenciamento
dos elementos das estruturas cruciais da grande região urbana, medida que
se baseia nas seguintes premissas em relação à gestão regional:
ff
ff
ff
ff
desenvolvimento de uma visão estratégica de longo prazo para a região,
que permita o estabelecimento de prioridades estratégicas, como, por
exemplo, de proteção ambiental;
alocação de recursos mais racional;
serviços de infraestrutura (transporte rodoviário e ferroviário, água e
esgoto etc.) mais eficazes;
atuação no nível dos ecossistemas dos quais as EMRs fazem parte, visando à apresentação de políticas de sustentabilidade ambiental e de redução
de problemas ambientais;
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ff
ff
ff
capacidade de coleta e apresentação de dados regionais inéditos;
utilização de banco de dados estatísticos para desenvolvimento de planos mais atualizados e abrangentes relativos à, por exemplo, prestação
de serviços sociais;
foco na promoção da região e em estratégias de marketing, disponibilizando mais informações a investidores.
Os acordos colaborativos regionais podem ser de diversos tipos, abrangendo desde aqueles que possuem um amplo leque de responsabilidades em
nível metrorregional, como o “Metro Toronto”, até aqueles com foco no planejamento estratégico e no gerenciamento de uso de solo, água e esgoto, os
quais entretanto não seriam utilizados para a manutenção desses serviços em
nível municipal, como não o é, por exemplo, o ”Metro Vancouver”. Existem
também acordos regionais para gerenciamento de desastres e emergências.
Em muitas regiões metropolitanas canadenses, organizações regionais ainda
maiores são responsáveis, por exemplo, por sua sustentabilidade, como é o
caso do Conselho de Frazer Basin.
c) Formas regionais submetropolitanas
Outro grupo de respostas colaborativas consiste, essencialmente, na
formação de acordos colaborativos entre um determinado número de municípios dentro de uma região metropolitana (acordos de mesonível), os quais
compartilham desafios políticos comuns e podem se beneficiar de tal colaboração. Através deles pode-se dar enfoque ao planejamento estratégico, como
foi o caso do Consórcio do ABC, ou compartilhar serviços, como é o caso das
políticas de desenvolvimento de acesso ao trabalho decente lideradas pela
municipalidade de Santo André.
d) Forma descentralizada: governança colaborativa
urbana em nível local
Existem, ainda, os planos de ação colaborativa intermunicipal, que são
facilitados pela Lei dos Consórcios. Eles têm potencial para envolver todas as
municipalidades de uma região metropolitana, mas nossas observações indicam que a maioria deles opta pela colaboração entre um número menor delas,
entre as quais existam interesses comuns pelas metas do plano consorciado. É o
caso, por exemplo, do Consórcio “Mulheres e Violência”, que envolve cinco
municipalidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte. A principal
característica desses planos é que eles são fomentados pelas preocupações
da sociedade civil.
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Conclusão: algumas reflexões e lições aprendidas
Os processos de urbanização que se enquadram nas dimensões econômicas e políticas da nova realidade urbana brasileira estão enfrentando um
grupo distinto de desafios. No entanto, genericamente, tais desafios não são
muito diferentes no Canadá e precisam das mesmas respostas inovadoras.8 É
importante reconhecer que, embora os processos de mudanças sociais, econômicas e políticas estejam criando sociedades diversas e fragmentadas tanto no
Canadá quanto no Brasil, eles também vêm ocorrendo em localidades onde
as redes urbanas resultantes dos fluxos de transportes, de informações etc.
oferecem oportunidades para fomentar ainda mais a integração. Os desafios
de se criar uma sociedade urbana mais inclusiva são muito maiores no Brasil
do que no Canadá, pois os fluxos integrantes estão muito mais truncados nos
espaços urbanos, agravando os problemas das classes urbanas desfavorecidas,
particularmente os relacionados ao acesso a serviços sociais, habitação e emprego. Pode-se porém argumentar que a sociedade civil no Brasil é muito mais
ativa e que suas redes abriram espaço para o desenvolvimento de redes mais
inclusivas. O Brasil tem sido, de fato, pioneiro e líder em algumas dessas iniciativas. Muitos dos estudos de casos brasileiros apresentados na Mesa-redonda
são exemplos de cadeias inovadoras de governança. Obviamente, para que a
meta de cidades socialmente inclusivas seja alcançada, tais iniciativas devem
ser parte de um processo colaborativo que abranja todos os níveis da sociedade
nas grandes metrópoles brasileiras.
Este resumo dos conceitos referentes à viabilização da governança colaborativa em grandes regiões metropolitanas foi planejado para fomentar o
diálogo em relação às experiências canadenses e brasileiras e para aumentar
o entendimento de que uma coleção efetiva e abrangente de materiais de
treinamento e cursos pode ser desenvolvida para melhorar a capacidade e os
recursos humanos em todos os níveis das sociedades urbanas brasileiras (governos, setor privado e sociedade civil). Não se trata de incrementar apenas a
capacidade de se implantarem políticas de governança colaborativa, tais como
os consórcios públicos, mas também as prioridades estratégicas para tornar
as cidades habitáveis, sustentáveis, economicamente produtivas e socialmente
inclusivas. No Canadá, tanto quanto no Brasil, o maior desafio é a construção
de uma “cultura de cooperação” nas regiões metropolitanas.
8 Para uma discussão sobre respostas inovadoras de planejamento contexto brasileiro, ver
Wilheim (2004).
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As grandes cidades e a questão social brasileira:
reflexões sobre o Estado de exceção nas
metrópoles brasileiras
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Orlando Alves dos Santos Junior
As oito regiões metropolitanas tiveram, nos últimos dez anos, um verdadeiro salto populacional – de 37 milhões para 42 milhões de habitantes –,
e suas periferias apresentaram uma taxa de crescimento de 30%, enquanto as
áreas mais centrais das metrópoles não cresceram no mesmo período mais de
5%. Mas, apesar da importância demográfica, econômica, política e social das
metrópoles, constata-se um quadro de total fragmentação institucional, que
expressa o desinteresse na gestão pública das áreas metropolitanas. Diante desse
quadro, cabe indagar se não estaríamos em uma situação de ingovernabilidade
das metrópoles brasileiras, em razão: (i) do tamanho e da complexidade dos
problemas que se avolumaram ao longo dos últimos anos; (ii) do quadro de
fragmentação institucional e desinteresse político e; (iii) da inexistência de
valores que impulsionem a ações coletivas de cooperação interinstitucional
visando ao enfrentamento de problemas comuns.
Neste ensaio, argumentamos que nas metrópoles brasileiras estão se
concentrando os efeitos mais dramáticos da complicada crise societária
que atravessamos. Porém, além de conhecermos apenas superficialmente o
diagnóstico do problema, não identificamos no horizonte mais imediato os
caminhos institucionais capazes de tornar governáveis esses territórios, apesar de podermos encontrar iniciativas positivas aqui e acolá. Para enfrentar
esse quadro, o primeiro passo é compreender a questão metropolitana na sua
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complexidade. O objetivo deste ensaio é contribuir nessa direção. Para tanto,
ele está organizado em três partes. Primeiramente, buscamos refletir sobre
a questão metropolitana na sua complexidade contemporânea. Em seguida,
buscamos alguns elementos históricos para compreender a metrópole no
contexto da construção do Estado brasileiro. Por fim, fazemos um balanço
dos arranjos de gestão metropolitana no país, apontando os desafios para a
construção de uma governança cooperativa capaz de responder aos principais
problemas vividos pelas nossas metrópoles.
As metrópoles brasileiras: territórios desgovernados 1
As primeiras RMs foram criadas em 1973 pela Lei Complementar Federal
nº 14. Hoje elas totalizam 26 legalmente constituídas, considerando-se também a Região Integrada de Desenvolvimento (Ride) do Distrito Federal – por
ser a única Ride de porte metropolitano, segundo as características definidas
nesta pesquisa. No conjunto metropolitano, vivem pouco mais de 70 milhões
de habitantes, distribuídos em aproximadamente 167 mil km2. Conformam
uma realidade muito diversificada em termos da efetiva metropolização do
território nacional. De um lado, temos São Paulo e Rio de Janeiro com densidades demográficas de 2.220 e 1.899 habitantes por km2, respectivamente, e
de outro Tubarão e Carbonífera, em Santa Catarina, com apenas 19,54 e 87,7
habitantes por km2. Ao mesmo tempo, nos últimos dez anos, as sete principais regiões metropolitanas tiveram um verdadeiro salto populacional – de
37 milhões para 42 milhões de habitantes –, e suas periferias conheceram um
incremento de 30%, enquanto as áreas urbanas mais centrais não cresceram
no mesmo período mais de 5% e seus núcleos verificaram processos de diminuição da população residente. O processo de metropolização avança e se
diversifica no território nacional, de uma forma até então desconhecida. Temos
regiões metropolitanas com diferentes portes de população, desde megacidades
como São Paulo, reunindo mais de 19 milhões de habitantes, até pequenas aglomerações urbanas institucionalizadas como metropolitanas. Algumas crescem
a taxas anuais superiores a 3% ao ano (como Brasília, Goiânia e Curitiba), com
1 Esta seção está fundamentada nos trabalhos de pesquisa desenvolvidos pela Rede Observatório
das Metrópoles. A Rede é composta por instituições e pesquisadores, envolvendo centros acadêmicos e organizações não governamentais, em torno da questão metropolitana e da investigação das
desigualdades socioespaciais. Em 2006, compunha-se de 17 instituições e cerca de 100 pesquisadores
e educadores em 12 cidades metropolitanas ou em aglomerações urbanas. Esta sessão reproduz as
idéias centrais expostas em Ribeiro e Santos Junior (2007).
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expansão expressiva até mesmo nos polos, enquanto outras mantêm elevados
índices de crescimento apenas em suas periferias; regiões com distintos pesos no
que se refere à participação na renda e na dinâmica da economia, com destaque
para São Paulo, com 178 das 500 maiores empresas do Brasil e uma massa de rendimento pessoal que se aproxima de 1/3 da massa total do conjunto das regiões
metropolitanas brasileiras.
Muitas das nossas metrópoles e aglomerações urbanas se articulam
configurando novos arranjos espaciais, com redobrada importância no plano
econômico e social, e também redobrada complexidade quanto ao compartilhamento de uma gestão voltada à inclusão social e municipal. É o caso dos
complexos urbanos, como o que articula num processo único as regiões de
São Paulo, Campinas e Baixada Santista, além de outras aglomerações urbanas
vizinhas.
Ao lado das evidências do aumento da importância demográfica e econômica, as metrópoles brasileiras estão concentrando hoje a problemática
social, cujo lado mais evidente e dramático é a exacerbação da violência. O
aumento da violência nas metrópoles guarda fortes relações com os processos
de segmentação socioterritorial em curso, que separam as classes e grupos
sociais em espaços da abundância e da integração virtuosa, e em espaços da
concentração populacional e dos processos simultâneos de exclusão social.
Contatamos, porém, um quadro de total fragmentação institucional,
que explica o desinteresse na gestão pública das áreas metropolitanas. Como
é conhecido de todos, os organismos de planejamento metropolitano criados
na década de 70 tornaram-se entidades vazias de autoridade, função e capacidade, quando não desapareceram. As raras ações governamentais visando ao
enfrentamento dos problemas na escala metropolitana resultam de iniciativas
isoladas, de algumas prefeituras circunstancialmente administradas por coligações políticas sensíveis a essa problemática. Em quase todas as metrópoles, a
capacidade de governo dos municípios capitais não é utilizada para gerar uma
dinâmica cooperativa; ao contrário, suporta e legitima um padrão fragmentado
e segregado de gestão dos problemas urbanos, sejam eles de habitação, saúde,
transportes, educação etc. Por outro lado, as práticas de gestão das cidades das
periferias metropolitanas têm sido marcadas pelo velho e conhecido clientelismo, com poucas iniciativas de cooperação intermunicipal, combinado às práticas de free riders, cujas expressões sintéticas são as ambulâncias comunitárias
mantidas por prefeituras, além das inúmeras entidades filantrópicas criadas
por lideranças locais, que controlam o território e sua população, reeditando
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na cidade o padrão rural do coronelismo, enxada e voto, urbanizado pelo
trinômio da carência, assistencialismo e voto.
Sem medo de exagerar, podemos afirmar que as regiões metropolitanas
brasileiras atravessam um quadro institucional que pode ser chamado de desgovernança. Ou, podemos dizer de outra forma, nas áreas metrópoles somente
há ações de governo pela exceção,2 ampliando a expressão cunhada por Francisco
de Oliveira (2006). Multiplicam-se os projetos municipais de urbanização de
favelas, mas não existem políticas metropolitanas que aumentem a oferta
de moradia, a mobilidade urbana e que regulem a especulação imobiliária,
submetendo-a à função social do uso e ocupação do solo e aos imperativos
da justiça distributiva na alocação territorial dos bens e serviços urbanos. O
resultado é a reprodução do habitat precário não apenas na forma de novas
favelas – evidência midiática maior – e do seu adensamento, mas através de
vários mecanismos socioterritorais pelos quais os trabalhadores informais
buscam resolver a sua condição de não mercadoria pela recriação da habitação como valor de uso, expressão de relações não mercantis: as invasões de
prédios localizados nas áreas centrais ou nas antigas zonas industriais, desmercantilizados pela reestruturação do capitalismo global; ou as ocupações
dos logradouros públicos como moradias improvisadas; ou o crescimento da
denominada população de rua; ou as moradias transitórias como os cortiços
etc. O governo da exceção das áreas metropolitanas também está expresso na
forma pela qual se constitui o chamado problema da segurança pública, hertz
da assim chamada violência urbana. Com efeito, como bem demonstrou o
sociólogo Michel Misse (2006), a escalada de ações violentas nos territórios
populares das favelas e periferias, às vezes espraiando-se pelo território das
metrópoles, somente acontece quando o mercado de segurança privada resultante do uso privatizado pelos seus agentes do monopólio estatal da violência,
entra em disputa com o narcomercado. Nesses momentos, assistimos aos capítulos mais eloquentes da vigência do governo da exceção, sobretudo através
das imagens das invasões policiais dos territórios supostamente comandados
2 “A exceção se caracteriza pelo rebaixamento do nível das contradições, uma espécie de dialética
negativa: enquanto na história do Estado do Bem-Estar dos países ocidentais, que hoje formam
o pequeno pelotão dos desenvolvidos, o trabalho foi transformado em custo do capital, para cujo
ultrapassamento fez-se necessário um enorme aumento da produtividade, movida esta última
pelo próprio bem-estar – os países mais igualitários, os nórdicos, são também os mais produtivos
–, na periferia submundial o trabalho é objeto de políticas assistencialistas, que não são custo para
o capital. Ficam a cargo do Estado, o que pareceria transformá-lo em custo, mas com as políticas
econômicas, sobretudo a fiscal, constrangidas pela financeirização das economias submundiais,
estão sujeitas aos cortes que a conjuntura econômica impõe.” (OLIVEIRA, 2006, p. 52-53).
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pelo crime organizado. Nos dias de hoje, em extensas partes das metrópoles,
o poder de exceção do narcotráfico ou da polícia privatizada parece ser maior
na regulação do uso do território do que qualquer organismo de regulação e
planejamento públicos.
A desgovernança das metrópoles evoca a imagem e a hipótese de A
marcha da insensatez formulada pela historiadora Bárbara W. Tuchman. Com
efeito, baseada em vários acontecimentos históricos nos quais se observou a
adoção pelos governos de políticas contrárias aos seus próprios interesses, da
guerra de Troia à guerra do Vietnam, Tuchman (2003) catalogou situações
nas quais uma espécie de cegueira coletiva conduziu os governantes a atitudes
desastrosas, plenamente evitáveis se a sensatez prevalecesse como critério na
tomada de decisão. Por exemplo, logo no início do seu livro, a historiadora
se interroga sobre as razões que explicariam o fato de os dirigentes de Troia
terem permitido o ingresso, dentro de seus muros, daquele cavalo de madeira, portador de todos os sinais de que algo de muito errado e ameaçador
estava anunciado. Com base em outros exemplos históricos, ela constata que,
apesar dos enormes progressos da ciência e da tecnologia com os quais os
seres humanos vêm conseguindo controlar a natureza, apesar das condições
hoje disponíveis para prever e antecipar os acontecimentos, apesar, portanto,
do aumento da capacidade de governabilidade das sociedades, verificamos
inúmeros casos de desgoverno que muitas vezes resultam em catástrofes que
atingem os próprios interessados, aqueles que detêm os mandatos. Por que
os governos são incapazes de tomar decisões, mesmo quando elas são úteis à
manutenção do poder? A autora propõe quatro razões: tirania ou opressão,
ambição desmedida, incompetência e, finalmente, a insensatez. Esta última
se manifesta sob duas formas: por uma situação na qual ocorre uma decisão
equivocada; ou por uma não decisão frente a um problema percebido como
tal pela coletividade, ao mesmo tempo em que existe uma alternativa viável
para enfrentá-lo.
As reflexões, a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas pela Rede
Observatório das Metrópoles, indicam pelo menos algumas razões na explicação da cegueira da sociedade quanto aos desafios postos pelos problemas
acumulados em nossas metrópoles. Com efeito, as elites políticas mostram-se
incapazes de mobilizarem-se em torno de um projeto de construção de instituições que aproveitem a força produtiva e o potencial concentrado em um
sistema urbano-metropolitano complexo e diversificado como o brasileiro –
certamente só comparável ao de poucos países do mundo – e que, ao mesmo
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tempo, evite a sua anulação pelos potenciais desastres sociais e ambientais
flagrantemente presentes nas metrópoles brasileiras.
Nosso argumento central é o seguinte: o tamanho das nossas metrópoles,
suas desigualdades, suas favelas e periferias, sua violência são consequências
necessárias da disjunção entre economia, sociedade e território que caracteriza
a nossa expansão periférica na economia-mundo capitalista. Vivemos momento
semelhante ao descrito por F. Braudel à época da formação da economiamundo em relação aos planos e ao tempo da vida material e quotidiana da
maioria da população, que construía a sua sobrevivência diária praticamente
à margem da rede de trocas organizada sob a hegemonia das “altas finanças”
que atravessava as regiões da Europa.
O produtor da disjunção entre sociedade, território e economia no Brasil
é a metropolização da questão social. Esse termo pretende expressar a idéia de
que não apenas há uma concentração territorial dos problemas ocasionados
por essa disjunção, mas, sobretudo, de que as formas fragmentadas e fragmentadoras pelas quais as forças dominantes do sistema global da acumulação se apropriam do território metropolitano geram, como consequência, a
necessidade de dar centralidade ao território como objeto das estratégias de
enfrentamento do movimento de globalização conservadora.
Sabemos que a estabilização e a capacidade solvável da nossa economia
frente aos credores internacionais, embora sejam condições incontornáveis,
são insuficientes para garantir o nosso desenvolvimento, uma vez que a capacidade produtiva está ameaçada por vários processos de dilapidação. Como por
exemplo, vejamos a questão da violência. Embora existam notórias dificuldades
técnico-metodológicas para avaliar com precisão os custos impostos à sociedade pela violência, as estimativas feitas por vários organismos importantes
indicam um cenário de importante restrição ao desenvolvimento econômico.
Pesquisa feita pelo BID, por exemplo, estimou um custo de 84 bilhões, ou seja
10% do PIB nacional. O economista Ib Teixeira, da Fundação Getúlio Vargas,
calculou em 60 bilhões o valor perdido ou gasto com a prevenção e a repressão
ao crime. Tomando agora os problemas das metrópoles relacionados com a
mobilidade urbana, estudos estimaram que se os trabalhadores utilizassem de
maneira produtiva o tempo gasto em transporte, no conjunto das metrópoles,
tal fato significaria um aumento de cerca de 55 bilhões na renda do trabalho
em um ano (em valores de março de 2004). Nas metrópoles do Rio de Janeiro
e São Paulo, onde as distâncias dos bairros periféricos à cidade núcleo são as
maiores, essa perda potencial é de 55 bilhões, correspondendo em cada uma
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delas a cerca de 26% da massa de renda apropriada pelos trabalhadores. Em
outros termos, o aumento da eficiência da circulação nas metrópoles poderia
ter um impacto muito positivo na diminuição da pobreza, com repercussões
adicionais no aumento da produtividade da economia. No mercado imobiliário, também encontramos impactos negativos decorrentes das desgovernança
das metrópoles, pois as extremas desigualdades da qualidade de vida urbana
geradas pela concentração dos investimentos públicos em certas áreas acabam
por incentivar uma dinâmica construtiva altamente especulativa, em que os
ganhos com as rendas de localização se sobrepõem aos de aumento da produtividade. Além da concentração da renda pessoal, as desigualdades urbanas
bloqueiam o progresso técnico da construção civil, que funciona como um
“artesanato de luxo”, tomando de empréstimo a feliz expressão do professor
Nilton Vargas.
As metrópoles estão hoje, portanto, no coração dos dilemas políticos,
sociais e econômicos da sociedade brasileira, pois expressam as vertentes mais
dramáticas dos efeitos da disjunção entre nação, economia e sociedade, inerentes a nossa condição histórica de periferia da expansão capitalista, acelerados
pela nossa subordinação à globalização hegemonizada pelo capital financeiro.
Devemos ser capazes de dar uma resposta às ameaças de fragmentação nacional nos planos social e territorial, sem o que nenhuma mudança do rumo da
economia estabilizada será possível ou terá sentido. Lembrando Celso Furtado, diríamos com ele que nas metrópoles estão concentrados os processos
que interrompem a nossa construção como nação, uma vez que nelas estão
ocorrendo vários lances do jogo que está decidindo o nosso futuro como sociedade. Nesse sentido, podemos dizer que existe hoje no cenário metropolitano
um triplo desafio à nação: o do desenvolvimento do país, o da superação das
desigualdades sociais e o da governança democrática da sociedade.
Território, Estado e nação interrompida
Celso Furtado, um dos nossos mais brilhantes e importantes pensadores,
escreveu um pequeno livro em 1992 sob o título Brasil: uma construção interrompida. Nele, reflete sobre a nossa trajetória histórica após a crise dos anos
80, período em que o nosso modelo de desenvolvimento por substituição de
importações se esgotou e, ao mesmo tempo, a globalização liberal ganhou hegemonia e passou a orientar as ações do Estado brasileiro. Furtado (1992) avalia
que a nossa construção como nação se interrompe com a política liberal, uma
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vez que perdemos de maneira radical a nossa já frágil capacidade de controlar
as decisões sobre a dinâmica econômica, submetida agora completamente ao
sistema de forças comandado pelo mercado internacional, controlado pelas
empresas globais. Como nação, somos, portanto inconclusos, uma vez que
o território e a cultura nacionais deixam de coincidir com a economia. Mantemos a nossa identidade, mas perdemos a capacidade de controlar o nosso
destino.
Para Celso Furtado, há duas etapas do desenvolvimento histórico do capitalismo: a primeira, marcada pelo longo processo de acumulação fundado
na existência de mão de obra barata e abundante, no qual o progresso tecnológico era incremental e vegetativo; e a segunda, desencadeada pela revolução
tecnológico-industrial. Nessa segunda etapa, a Europa torna-se o epicentro
da economia mundial e inicia-se um processo de modernização da periferia
como base da acumulação do centro da economia mundial, que não realiza o
desenvolvimento daqueles países. A razão seria a geração de uma dualidade
estrutural nos países periféricos.
Há um modelo cultural das elites (cosmopolita) que orienta a definição
das necessidades a serem atendidas, do qual resulta uma estrutura produtiva
de bens de consumo de custo elevado, ou seja, os bens e serviços correspondentes à Revolução Tecnológico-Industrial ocorrida nos países centrais. Para
ser viável, essa estrutura necessita da concentração da renda, a qual se mantém
com a concentração do poder.
Quais as consequências para a nossa formação urbana?
Pensamos que as nossas metrópoles expressam esta inconclusividade da
nação brasileira. Nos países centrais da expansão capitalista, as metrópoles
expressam o processo de conclusão da construção nacional iniciado com o
désenclavement planétaire (ADDA, 2006, p. 20) do capitalismo nascido na Europa
entre 1430 e 1540. Como se sabe desde os textos de Polanyi (2000), comandaram esse movimento duas forças: uma primeira, liberalizante-internacional,
comandada pelo mercado autorregulado, e uma segunda, de proteção da sociedade. Da ação dessas duas forças, ocorreu nos países centrais do capitalismo
uma junção entre território, sociedade e economia, da qual o Estado-Nação
é resultado e agente.
A formação e a evolução das nossas metrópoles não expressam essa junção, mas o contrário, a sua disjunção, como efeito das forças liberalizantes.
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O surgimento das cidades brasileiras, com efeito, desde sua origem, exprime
as forças da expansão da economia-mundo capitalista e sua capacidade de
criar territórios hierarquizados por suas funções na acumulação global. Na
colônia, as cidades surgem como locus da dominação política que assegurou
o poder necessário à empreitada extrativista das novas riquezas requeridas
pelo neomercantilismo do século XVI. Nossas cidades surgem, portanto, com
funções improdutivas. No Império, as cidades passam a ser a sede do capital
mercantil-financeiro que assegurou a nossa inserção na divisão internacional
do trabalho comandada pela Inglaterra, sem o que os bens produzidos pelos
braços escravos não se tornariam mercadorias. Surge uma acumulação de base
urbana, mas totalmente resultante do papel da cidade na mediação do nosso
hinterland não capitalista com a acumulação internacional. A hegemonia da
lógica mercantil da economia urbana surgida nesse período constitui-se na raiz
da natureza especulativa dos capitais responsáveis pela expansão e modernização das cidades brasileiras, principalmente após 1870, quando a acumulação
nos circuitos da economia escravista-exportadora começa a apresentar problemas. A indústria nascente não encontra na cidade a sua base material de
força produtiva socializada, tendo que criar o seu urbano. As vilas operárias
expressam o caráter autárquico da indústria manufatureira.
Em resumo, em um rápido bosquejo histórico sobre a nossa formação
urbana, identificam-se três etapas:
(i) o urbano na colônia como locus do controle da acumulação do capital mercantil através da exploração do trabalho escravo: a cidade é improdutiva;
(ii)a cidade como sede de parte da acumulação do capital mercantil, quando
se desenvolve uma economia urbana no interior da economia agrário-exportadora;
(iii) a cidade da indústria, com dois subperíodos, o primeiro correspondendo
à fase do populismo, em que a estrutura produtiva estava orientada à
produção dos bens salariais de consumo (vestuário, têxtil, alimentos etc.),
e o segundo, correspondendo ao desenvolvimento-associado, em que a
produção foi orientada para os bens de consumo de luxo. Essa estrutura
produtiva foi o resultado daquilo que Celso Furtado chamou de processo de
“modernização”, em vez de desenvolvimento, através do qual se importou
um modelo cultural dos países desenvolvidos. Para viabilizar essa “modernização”, foi necessário criar e manter uma estrutura de desigualdade com
forte concentração da renda e da riqueza. O Estado teve um importante
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papel na concentração da renda. Como produto desse modelo temos um
processo de industrialização com a geração de uma “massa marginal”.
As raízes da nossa questão metropolitana estão no seu modelo de desenvolvimento.3 Em todos os três momentos mencionados da nossa formação
urbano-metropolitana temos três aspectos marcantes que estão na raiz dos
nossos problemas urbanos: (i) a industrialização com a formação concomitante
de uma “massa marginal” constituída por um excessivo exército industrial de
reserva; (ii) o bloqueio da formação moderna da cidadania; e, (iii) a constituição de poderosos interesses mercantis ligados à acumulação urbana, base do
que podemos chamar de “poder urbano corporativo”.
A cidade da industrialização com “massa marginal” permitiu que a formação da classe operária fosse vivida como um processo de mobilidade social
ascendente já que associada à intensa migração dos camponeses empobrecidos
do campo em razão dos efeitos de desarticulação das economias regionais provocada pelas relações de dependência. A migração foi um fator de “mobilidade
social ascendente” para esses trabalhadores, dadas as enormes disparidades de
condições de vida, resultando na formação de um extenso exército industrial
de reserva na cidade.
A partir da década de 1980, o Estado brasileiro passa por profundas mudanças políticas e institucionais. O país se redemocratizou, depois de um longo
período de ditadura militar, uma nova Constituição foi promulgada em 1988
e, desde o governo Collor de Melo (1989), passando pelos dois governos de
Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), uma agenda de reformas econômicas
estruturais de caráter neoliberal4 começou a ser implementada, com a adoção
de políticas de liberalização econômica e a privatização de empresas estatais
(SALLUM JR., 2003). Como resultado do ajuste fiscal e do rumo adotado na
3 No plano sociocultural, esse nosso modelo de desenvolvimento urbano seria a raiz socioeconômica
de nossa “modernização seletiva” (SOUZA, 2000), isto é, de uma modernização via mercado
e Estado racional-burocrático, mas que não revolucionou integralmente as relações sociais e
tampouco o sistema de representações coletivas. Revolucionou apenas a dimensão material das
cidades, produzindo a modernização física, mas não a modernidade sociocultural. É por essa
razão que o urbanismo nascido nos anos 20 vai “importar” apenas os aspectos “embelezadores”
do urbanismo americano e europeu, fazendo desaparecer, em seus princípios de orientação, a
sua relação com o projeto de reforma social.
4 Utilizamos o conceito neoliberal tal qual formulado por Fiori, para identificar as teses do chamado
Consenso de Washington, no qual é redefinido o papel do poder público, tendo por base a estratégia de livre mercado. O programa neoliberal, a ser aplicado nos países em desenvolvimento,
estaria assentado em três fases: (i) consagrada à estabilização macroeconômica; (ii) dedicada às
reformas estruturais, com a desregulação dos mercados e a privatização das empresas estatais; e
(iii) destinada à retomada do crescimento econômico (FIORI, 1995).
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política econômica, o Brasil chegou ao ano 2000 como um país marcado pela
contradição. Embora tendo figurado como a oitava economia do mundo, o
Brasil ostenta um dos maiores índices de desigualdades sociais e de concentração de renda, com 10% dos mais ricos detendo quase metade da riqueza
nacional (DUPAS, 1999; MANTEGA, 1998, 1999).
As políticas de desregulamentação da economia associadas à redução do
Estado trouxeram como efeito perverso o aumento da exclusão nas metrópoles brasileiras. Nessas áreas, podemos observar: (i) o crescimento da pobreza
urbana como resultado da incapacidade do sistema produtivo em ampliar as
opções de emprego estável, gerando tanto o crescimento do desemprego como
de formas de trabalho precário; (ii) o aumento dos assentamentos autoconstruídos e das formas de moradia precária, em especial das favelas e loteamentos
irregulares, bem como da segmentação social e da segregação urbana; (iii) a
proliferação de espaços urbanos destinados às classes alta e média, tanto na
forma de condomínios fechados, que se mostram verdadeiros enclaves de
riqueza, como de megacentros comerciais, na forma de shopping-centers; (iv)
a crescente diferenciação na oferta de bens e serviços urbanos segundo as
classes sociais, destinando excelentes condições de vida para as classes altas,
níveis aceitáveis de vida para as classes médias e situações de precariedade para
as classes populares e; (v) a permanente incapacidade do poder público em
controlar a ação do crime organizado, sobretudo ligado ao tráfico de drogas
e ao comércio ilegal, e de responder às formas perversas de integração social
que se encarnam na criminalidade e na violência, o que atinge particularmente
os jovens e gera a crescente insegurança das classes médias.
Mas ao mesmo tempo, no plano político, assistimos à crescente transferência de responsabilidades e de competências do governo nacional para os
governos locais, impulsionando profundas transformações nas instituições de
governo local do país, que alteram o sistema de decisões municipais e as práticas dos atores políticos. Desde então, verifica-se um crescente e generalizado
processo de fortalecimento da esfera local de governo, centrado na descentralização e na municipalização das políticas públicas. Assim, assistimos à difusão
de experiências de participação social e democratização do poder local em um
contexto de aprofundamento da crise econômica e social no país, durante a década de 90. No entanto, indicando uma possível mudança nos rumos da política
econômica em curso, Luís Inácio Lula da Silva, do Partido dos Trabalhadores
(PT) foi eleito presidente, e uma coalizão reunindo partidos de centro-esquerda
assumiu o governo a partir de janeiro de 2003, trazendo uma nova esperança
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de conciliação entre o território, o Estado e a Nação. Nesse contexto, caberia
esperar uma mudança nos arranjos de governança metropolitana e da política
implementada pelos governos estaduais e municipais, na perspectiva da maior
colaboração, em razão da nova conjuntura social e política.
Os des-arranjos de governança metropolitana 5
Em pesquisa realizada pelo Observatório das Metrópoles sobre os arranjos
de gestão metropolitana instituídos a partir da Constituição Federal de 1988 e
em vigência nas áreas metropolitanas brasileiras, buscou-se observar mudanças
mais recentes nesses aparatos institucionais.6 Nessa perspectiva, privilegiou-se
na análise duas questões. A primeira se relaciona ao quadro das relações federativas envolvendo a União, os Estados e os Municípios, quanto à definição de
competências no enfrentamento da problemática metropolitana, procurando
identificar possíveis diferenciações regionais nesses arranjos institucionais de
gestão. A segunda se refere à identificação de novos arranjos institucionais de
governança democrática, visando construir novas formas de interação entre
governo e sociedade (movimentos populares, organizações não governamentais
e atores privados), no trato das questões metropolitanas.
Como se sabe, a Constituição de 1988 transferiu a responsabilidade pela
criação e organização das RMs para os Estados, ao mesmo tempo em que
reconheceu os municípios como membros da federação, o que abre novas
dificuldades para a coordenação das ações de caráter metropolitano, em razão de estas requererem a adesão dos entes federados. Mas apesar de todas
as dificuldades, e de sua pouca efetividade, as regiões metropolitanas proliferaram, e o número de municípios das antigas regiões existentes bem como o
das recém-criadas vem crescendo, agregando unidades territoriais com graus
muito diferenciados de integração à dinâmica principal dos núcleos desses
aglomerados.
5 Esta seção está baseada em pesquisa desenvolvida pelo Observatório das Metrópoles sobre os
arranjos de governança metropolitana, coordenada pela pesquisadora Sheila Borba (UFRGS).
Utilizamos como material básico, o resumo executivo da pesquisa, elaborado por Rosa Moura
(Ipardes).
6 Tendo em vista que a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões
foi prevista no art.25 da Constituição Federal de 1988 como atribuição dos Estados, utilizaram-se
como material básico da pesquisa as Constituições Estaduais e Leis Complementares, buscando
identificar a ocorrência de mudanças no padrão da gestão no sentido da centralização política e
tecnocrática – característica do período anterior – para a democratização da gestão e governança
colaborativa das metrópoles.
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A análise da legislação das regiões metropolitanas mostra que as estruturas formais de gestão atravessam um processo de amadurecimento tanto
institucional, em relação às suas atribuições e competências, quanto político,
em relação à composição de forças que sustenta esses arranjos e aos processos
de participação democrática no seu funcionamento. Mas, percebe-se também
que a importância da questão metropolitana ainda oscila no tempo e entre os
Estados, o que é evidenciado pelas constantes transferências de competências
institucionais de um órgão para outro, dentro de um mesmo Estado. Além
disso, quando se consideram os instrumentos de financiamento, estes são
quase inexistentes e ainda frágeis, o que reforça a visão da pouca importância
atribuída à questão metropolitana. Do ponto de vista político, sobressai a
quase inexistência, na maior parte dos arranjos instituídos, de canais de representação da sociedade organizada na gestão metropolitana, o que fragiliza
sua capacidade de constituir pactos socioterritoriais em torno das políticas de
desenvolvimento regional e ou de políticas setoriais específicas.
De modo geral, percebe-se que os arranjos instituídos nas RMs ou Rides
são compostos por conselhos e órgãos de apoio técnico (ver anexo). Os conselhos têm caráter consultivo ou deliberativo, e são caracterizados como de
administração ou de desenvolvimento. Os órgãos de apoio também recebem
denominações variadas, como coordenação, consórcio, superintendência,
agência, fundação, empresa metropolitana ou secretaria executiva. Mas existem algumas RMs que se destacam pelo desenvolvimento de experiências
um pouco mais inovadoras, como é o caso da Região Metropolitana de Belo
Horizonte, que instituiu uma estrutura mais complexa de gestão que inclui
Assembleia Metropolitana, Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano, Agência de Desenvolvimento Metropolitano, além de um Grupo
de Governança Metropolitana, um Fórum Metropolitano e uma Associação
dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte. Outra experiência
que se destaca é a de Recife, que instituiu um Sistema Gestor Metropolitano,
no qual funcionam um Conselho de Desenvolvimento, uma Fundação de
Desenvolvimento e uma secretaria executiva de apoio técnico – vale destacar
que sistema similar também foi implementado pela RM de Maceió. A existência
de fundos metropolitanos restringe-se aos arranjos institucionais instituídos
nas Regiões Metropolitanas de Belém, Belo Horizonte, Recife, Vitória, Vale
do Aço e Maceió.
A síntese aponta para a fragilidade desses arranjos, apesar das inovações
identificadas aqui e acolá. É evidente a necessidade de avançar na análise do
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funcionamento desses arranjos, considerando sua efetividade política e sua
capacidade de estabelecer pactos socioterritoriais entre os diferentes atores
governamentais e sociais no âmbito horizontal e vertical – envolvendo os
diferentes níveis de governo, atores institucionais relevantes, como as agências internacionais, organizações não governamentais e da sociedade civil
organizada – visando identificar os bloqueios e desafios para a construção
de arranjos institucionais colaborativos e democráticos em torno da questão
metropolitana.
O desafio posto a partir das reflexões deste ensaio pode ser sintetizado
na necessidade de criar condições de governança das metrópoles, para além
dos arranjos políticos institucionais necessários para dar sustentação parlamentar aos governos. A agenda social ligada à questão metropolitana deve
envolver um conjunto de temas e um programa de ação – de curto, médio
e longo prazos – envolvendo novos arranjos institucionais que promovam a
cooperação entre os entes federados em torno dos problemas metropolitanos,
a criação de esferas públicas de participação da sociedade, o enfrentamento
das desigualdades sociais e a reversão da dinâmica segregadora de produção
e gestão das cidades, o fortalecimento dos atores sociais, um programa de
segurança fundado na afirmação dos direitos humanos, políticas voltadas para
a juventude, um programa de cultura vinculado à promoção da cidadania, e
uma política ambiental sustentável e democrática, entre outros temas relevantes. Como podemos perceber, estamos falando de uma agenda complexa que
exige prioridade, sob pena de agravarmos o desgoverno de nossas metrópoles
e reproduzirmos a descoesão e as desigualdades sociais em curso. Além disso,
a questão metropolitana não diz respeito apenas às suas próprias fronteiras.
De fato, estamos convictos de que a construção de um novo projeto de desenvolvimento para o Brasil, sustentável e democrático, exige colocar a questão
metropolitana no centro da agenda social brasileira.
Referências
ADDA, J. La Mondialisation de l’économie. Genèse et problèmes. 7e éd. Paris: La
Découverte, 2006.
DUPAS, Gilberto. Economia global e exclusão social: pobreza, emprego, Estado e o futuro
do capitalismo. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
FIORI, José Luís. Em busca do dissenso perdido: ensaios críticos sobre a festejada crise
do Estado. Rio de Janeiro: Insight, 1995.
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FURTADO, Celso. Brasil: a construção interrompida. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1992.
MANTEGA, Guido. Determinantes e evolução das desigualdades no Brasil. In:
Observatório da cidadania. Uruguai: Instituto del Tercer Mundo; Rio de Janeiro: Ibase,
n. 2, 1998.
MANTEGA, Guido. A crise econômica e suas consequências sobre o emprego e a
renda no país. In: Observatório da cidadania. Uruguai: Instituto del Tercer Mundo; Rio
de Janeiro: Ibase, n. 3, 1999.
MISSE, M. Crime e violência no Brasil contemporâneo. Estudos de sociologia do crime e
da violência urbana. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006.
MISSE, M. Profunda e antiga acumulação da violência. Folha de S. Paulo.
20/5/2006.
OLIVEIRA, F. As contradições do Ão. Globalização, nação, região, metropolização.
In: DINIZ, C. C.; CROCCO, M. Economia regional e urbana. Contribuições teóricas
recentes. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2006.
POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2000.
RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. As metrópoles brasileiras: territórios desgovernados. In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz;
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos. As metrópoles e a questão social brasileira. Rio
de Janeiro: Revan, Fase, 2007. p. 7-17.
SALLUM JR., Brasilio. Metamorfoses do Estado brasileiro no final do século XX.
Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 52, junho 2003, p. 35-54.
SOUZA, Jessé. A modernização seletiva: uma reinterpretação do dilema brasileiro.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2000.
TUCHMAN, B. W. A marcha da insensatez: De Troia ao Vietnã. Rio de Janeiro: José
Olympio, 2003.
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Anexo
Quadro
Síntese dos arranjos institucionais de gestão metropolitana –
RMs e Rides - Brasil – 2009
Unidade
Ano
Belém
1973
(Continua)
Municípios Arranjos
5
Conselho Metropolitano, que dispõe de uma Secretaria Geral, e Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Belém
Belo
Horizonte
1973
35
Assembleia Metropolitana, Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano, Agência de Desenvolvimento Metropolitano, Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana,
Grupo de Governança Metropolitana, Fórum Metropolitano da RMBH, Associação
dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, e Fórum Mineiro de
Reforma Urbana
Curitiba
1973
26
Coordenação da Região Metropolitana de Curitiba (Comec), Conselhos Consultivo e
Deliberativo, Secretaria Municipal (Curitiba) de Assuntos Metropolitanos (Smam),
Associação dos Municípios da RMC (Assomec)
Fortaleza
1973
13
Conselhos Deliberativo e Consultivo
Goiânia
1999
13
Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Goiânia (Codemetro), de
caráter normativo e deliberativo, cuja secretaria executiva é exercida pela Superintendência da Região Metropolitana de Goiânia, da Secretaria das Cidades
Maringá
1998
14
Coordenadoria da Região Metropolitana de Maringá (Comem), Parlamento Metropolitano, e Associação dos Municípios do Setentrião Paranaense (Amusep)
Natal
1997
9
Conselho de Desenvolvimento Metropolitano de Natal (CDRMN) e Parlamento
Metropolitano
Porto Alegre
1973
31
Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan), como
órgão de apoio técnico do Conselho Deliberativo da RMPA
Recife
1973
13
Sistema Gestor Metropolitano (SGM), que compreende o Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (Conderm), órgão deliberativo e consultivo; a Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife (Fidem),
uma secretaria executiva de apoio técnico; e o Fundo de Desenvolvimento da Região
Metropolitana do Recife (Funderm)
Rio de Janeiro
1974
19
Conselhos Consultivo e Deliberativo
Salvador
1973
10
Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder)
39
Conselho Deliberativo da Grande São Paulo (Codegran), Conselho Consultivo Metropolitano de Desenvolvimento Integrado da Grande São Paulo (Consulti), Empresa
Paulista de Planejamento Metropolitano SA (Emplasa), vinculada à Secretaria de
Economia e Planejamento do Estado de São Paulo, e Conselho de Desenvolvimento,
de caráter normativo e deliberativo
São Paulo
1973
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(Continua)
Unidade
Ano
Municípios Arranjos
Aracaju
1995/
2003
5
Conselho de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Aracaju (Condemetro),
de caráter deliberativo, normativo e consultivo
Baixada
Santista
1996
9
Agência Metropolitana da Baixada Santista (Agem), composta por conselhos Deliberativo e Normativo que constituem o Conselho de Desenvolvimento da Região
Metropolitana da Baixada Santista
Campinas
2000
19
Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp), composta por conselhos Deliberativo e Normativo que constituem o Conselho de Desenvolvimento da Região
Metropolitana
João Pessoa
2003
9
Conselho de Desenvolvimento Metropolitano, de caráter consultivo, normativo e
deliberativo, que integra o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal da Região
Metropolitana de João Pessoa (Condiam-PB)
Londrina
1998
8
Coordenação da Região Metropolitana de Londrina (Comel), Conselhos Deliberativo
e Consultivo
Maceió
1998
11
Sistema Gestor Metropolitano (SGM), órgão deliberativo e consultivo, Conselho de
Desenvolvimento da Região Metropolitana de Maceió, Secretaria Executiva da RMM
e Fundo de Desenvolvimento da Região Metropolitana de Maceió (Funderm)
Manaus
2007
sem informações
Todas as unidades do Estado contaram com uma Coordenação da Região Metropolitana, composta pelo Conselho de Desenvolvimento, Câmaras Setoriais
e Superintendência, esta a cargo da Companhia de Desenvolvimento de Santa
Catarina (Codesc)
1998/
Santa Catarina
2001
Florianópolis
1998
9 do núcleo metropolitano + 13 da área de expansão
Norte/
Nordeste
1998
2 do núcleo metropolitano + 18 da área de expansão
Vale do Itajaí
1998
5 do núcleo metropolitano + 11 da área de expansão
Foz do Itajaí
2002
5 do núcleo metropolitano + 4 da área de expansão
Carbonífera
2002
7 do núcleo metropolitano + 3 da área de expansão
Tubarão
2002
3 do núcleo metropolitano + 15 da área de expansão
São Luís
2003
4
Vale do Aço
1998
4+22
do Colar
Assembleia Metropolitana, Agência de Desenvolvimento Metropolitano, Fundo de
Desenvolvimento Metropolitano do Vale do Aço e Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano da RMVA
Vitória
1995
7
Conselho Metropolitano da Grande Vitória (CMGV), Conselho Metropolitano de
Desenvolvimento da Grande Vitória (Comdevit), Fundo Metropolitano de Desenvolvimento da Grande Vitória (Fumdevit)
sem informações
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(Conclusão)
Unidade
Ano
Municípios Arranjos
Rides
Distrito
Federal
1998
23
Conselho Administrativo da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito
Federal e Entorno (Coaride)
Juazeiro/
Petrolina
2001
8
Conselho Administrativo da Região Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina
e Juazeiro (Coaride Petrolina/Juazeiro)
Teresina/
Timon
2001
13
Conselho Administrativo da Região Integrada de Desenvolvimento da Grande
Teresina (Coaride Teresina)
Revogadas pela Lei Complementar 381/2007.
Fonte: Legislações federal e estaduais.
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Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão
metropolitana: virtude e fragilidade das políticas
Sérgio de Azevedo
Virgínia R. dos Mares Guia
O Brasil é uma república federativa presidencialista composta de 26
Estados e um distrito federal, onde está situada a capital (Brasília), e de 5560
municípios, que passaram a ser considerados entes federativos pela nova Constituição (1988). É um país continental – com variações climáticas de tropical
para moderado – abrangendo uma área superior a 8,5 milhões de km², o que
corresponde a uma área maior do que toda a Europa Ocidental e mesmo superior ao território contínuo dos Estados Unidos (sem o Estado do Alasca). O
Canadá, com os seus 9,9 milhões de km² – segundo país em tamanho do mundo, atrás apenas da Federação Russa – supera em muito o Brasil. Entretanto,
diferentemente do Brasil, o clima extremamente frio dificulta sobremaneira
a ocupação demográfica e a utilização econômica de grandes extensões do
norte do seu territórion.
A população brasileira, de aproximadamente duzentos milhões de habitantes, é majoritariamente mestiça, dentro de uma ótica europeia e estadunidense,1
sendo o português o idioma oficial falado em todo o país, não ocorrendo
necessidade de “arranjos institucionais” étnicos como em outras grandes
federações (Rússia, Índia e Canadá), nem tampouco minorias expressivas que
1 Na sociedade brasileira grande parte da população que seria rotulada como negra nos EEUU
ou mestiça na Europa é considerada socialmente branca, dependendo da tonalidade da pele e,
especialmente, da situação socioeconômica. A ascensão social transforma todo tipo de mestiçagem
em população branca.
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apresentem problemas de integração e de identidade nacional, como é o caso
dos “chicanos” no sul dos EEUU e no Estado da Flórida a questão dos “latinos”,
na sua maioria descendentes de cubanos.2
O território brasileiro é dividido geograficamente em cinco macrorregiões: a) o Norte – onde se encontra a Floresta Amazônica e diversas bacias
hidrográficas de grande porte – possui grandes reservas de biodiversidade e
grandes potencialidades de recursos naturais, mas caracteriza-se por apresentar
baixa densidade demográfica e economia frágil e pouco diversificada; b) o Nordeste, densamente povoado, é a mais pobre das regiões brasileiras, onde, em
certas áreas, os indicadores sociais se aproximam da média dos países africanos
subdesenvolvidos; c) o Sudeste, que concentra o maior parque industrial e a
maior parcela do Produto Interno Bruto do país, mas onde podem ser encontrados bolsões de pobreza consideráveis, especialmente nas áreas periféricas
de suas regiões metropolitanas; d) o Sul, região mais homogênea, apresenta
produção agropecuária e industrial relevante e o Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH mais elevado do país, tendo sofrido forte influência da colonização europeia (especialmente italianos e alemães); e) o Centro-Oeste, região
central do país, pouco povoada, com importante atividade mineradora e de
agricultura e agroindústria de ponta fortemente voltada para a exportação.
Em 1950, cerca de 64% da população brasileira morava na área rural e
36% nas cidades. No período de apenas 50 anos esses índices se inverteram,
atingindo-se um percentual de 81,2% de habitantes nas áreas urbanas. Em 1970
a população do país era de 90 milhões, elevando-se para quase 190 milhões no
final de 2000, ainda que todos os estudos apontem para a redução do ritmo de
crescimento demográfico e para a estabilização da população a partir de 2020
(FIBGE, 2002). O pesadelo da “explosão demográfica”, que ocupava posição
de destaque na agenda política dos anos 1970, foi afastado. Entretanto, os principais problemas sociais brasileiros deverão ser enfrentados e equacionados
no âmbito das cidades.
O Brasil possui cerca de 29 regiões metropolitanas, nove delas institucionalizadas na década de 1970, numa iniciativa do governo federal que, à
2 Como nos EEUU, ainda que o idioma oficial tenha peculiaridades regionais, não há dialetos no
sentido europeu. Em algumas regiões há populações bilíngues: no Sul, especialmente, dialetos
alemães e italianos; no Sudeste, em menor grau, japonês e árabe e em algumas poucas comunidades “quilombolas” – descendentes de escravos que fugiram para o interior do país – utilizam-se
dialetos locais. Nas cidades de fronteiras internacionais parte da população fala também o castelhano. Além disso, cerca de trezentos mil índios de mais de uma centena de etnias – distribuídos
por todo o território nacional – falam uma enorme gama de línguas, muitas delas em fase de
extinção, apesar das políticas governamentais de preservação das mesmas.
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época, estava nas mãos dos militares. As demais foram criadas nos anos 1990
por iniciativa de governos estaduais, quando já havia sido resgatado o regime
democrático. As regiões metropolitanas, segundo a contagem da população
de 2007, reúnem aproximadamente 43% da população brasileira.3 Vale lembrar que a população metropolitana situa-se tão-somente em 463 municípios
(distribuídos em 18 Estados e no Distrito Federal) dos 5560 existentes no país
(GARSON, 2009). O ritmo de crescimento demográfico das regiões metropolitanas institucionalizadas, na última década, foi um pouco superior à média
nacional, indicando que essas regiões, apenas com algumas exceções, não são
mais polos de intenso crescimento populacional (MOURA, 2004).
As grandes metrópoles brasileiras se caracterizam não só por concentrarem a maior parte da riqueza nacional, como também por possuírem
expressivos focos de pobreza e de exclusão social: encontram-se nas regiões
metropolitanas 8% dos pobres e 90% dos domicílios localizados em favelas
(DAVIDOVICH, 2001).
Diferentemente dos demais países sul-americanos – onde uma única metrópole (capital) normalmente concentra mais de 1/3 da população – o Brasil
apresenta uma rede de cidades bastante complexa e articulada (metrópoles,
grandes cidades, cidades médias, pequenas cidades e vilarejos). Apesar da grande assimetria dessa rede, o federalismo brasileiro trata institucionalmente de
maneira uniforme tanto megamunicípios – por exemplo, o da cidade de São
Paulo, com cerca de dez milhões de pessoas, que possui o terceiro orçamento
do país, ficando atrás apenas da União e do governo do Estado federado de São
Paulo – como centenas de pequenos municípios, muitos deles com população
inferior a cinco mil habitantes.
A legislação urbana municipal – especialmente na maioria das metrópoles
e grandes cidades – ao definir formas de apropriação e utilização do espaço
permitidas ou proibidas em um contexto de uma economia de mercado extremamente hierarquizada e marcada por profundas desigualdades de renda,
termina por separar a “cidade legal” – ocupada pelas classes médias, grupos
de alta renda e apenas por parte dos setores populares – da “cidade ilegal”,
destinada à maior parte das classes de baixa renda. Assim, a legislação “acaba
por definir territórios dentro e fora da lei, ou seja, configura regiões de plena
cidadania e regiões de cidadania limitada” (ROLNIK, 1997, p. 13).
3 Nesses números não foram consideradas cerca de dez iniciativas de criação de novas regiões em
andamento.
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Nos bairros nobres das metrópoles brasileiras, como relata Luiz César, o
moderno mercado é dominante, centro logístico dos negócios, aonde chegam
as informações, as mercadorias, os capitais, os créditos e seus habitantes se
orientam por uma cultura cosmopolita. Nas periferias geográficas e sociais,
cresce uma massa marginal, desconectada produtivamente dos espaços onde
a riqueza se reproduz e se acumula (RIBEIRO, 2004).
Essa hierarquização espacial agrava também as condições sociais dos
mais pobres, ao desvalorizar fortemente – tanto no nível simbólico como no
nível econômico – as áreas não reguladas pelo Estado. Nesse sentido, podese dizer que “a ilegalidade é sem dúvida um critério que permite a aplicação
de conceitos como exclusão, segregação ou até mesmo apartheid ambiental”
(MARICATO, 1996, p. 57).
Segundo os mais recentes dados disponíveis (2007), apenas as nove maiores
entre as 29 regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo
Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) apresentam um
deficit habitacional de 1,8 milhões de moradia, correspondendo a cerca de 34%
do deficit urbano do país (5,2 milhões de unidades residenciais). Além disso,
o deficit habitacional das mencionadas regiões metropolitanas é majoritariamente composto por famílias com renda média de até três salários mínimos
(87,3%), o que corresponderia à necessidade de construção de aproximadamente 1,6 milhões de novas moradias para esse segmento de baixa renda. O
quadro acima ainda é mais dramático quando deparamos com os índices das
regiões metropolitanas do Nordeste do país: Fortaleza, 95,1%; Recife, 95,6%
e Salvador, 95,7% (FJP, 2009).
Dada a interdependência das diversas políticas urbanas, particularmente
nas áreas conurbadas das grandes metrópoles, mesmo programas inovadores
de intervenção urbana e social levados a cabo em municípios isolados têm comprometidas suas metas de melhoria das condições de vida da população. Isso
porque essas iniciativas podem ser inviabilizadas caso outras políticas urbanas
recorrentes e complementares, como a de transporte, energia elétrica, esgotamento sanitário e abastecimento de água etc. – que transbordam os limites
municipais – não sejam minimamente integradas no nível metropolitano.
As idiossincrasias das reformas metropolitanas
A questão do formato institucional das regiões metropolitanas é de grande
centralidade nas experiências internacionais, tanto nos países desenvolvidos
como nos subdesenvolvidos – especialmente naqueles que optaram pelo regime
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federativo – em virtude da complexa e controversa divisão de poder entre as
diversas esferas de governo (LORDELLO, 1996).
A partir da análise das experiências internacionais poder-se-ia identificar
três grandes modalidades institucionais de enfrentamento da questão metropolitana. A primeira baseada na criação de entidades metropolitanas de corte
mais compreensivo a partir de acordo voluntário entre agências governamentais autônomas.
A segunda prioriza a criação de um número reduzido de agências metropolitanas especializadas – a partir de acordos voluntários ou legislação compulsória – objetivando o equacionamento de questões específicas (transporte,
coleta e destinação de lixo, abastecimento de água, meio ambiente etc.).
Por fim, ter-se-iam formas compulsórias de gestão metropolitana compreensivas. Nesse caso, uma das alternativas, menos difundida, preconiza
a criação de uma “superprefeitura”, através da fusão ou amalgamação dos
governos municipais. Isso significa que o poder das autoridades locais seria
sensivelmente diminuído ou in limine extinto, em prol do “município metropolitano”. Outra alternativa, mais comum, seria a que institui duas esferas
de gestão concomitantes (metropolitana e local), podendo se organizar em
diferentes formatos.4
Como se verá ao longo deste trabalho, a experiência brasileira a partir dos
anos 1970 evolui nas últimas décadas de uma gestão metropolitana altamente
padronizada – que priorizava os governos estaduais – para modelos mais flexíveis, combinando formas compulsórias e voluntárias de associação, nos quais
ocorre uma maior participação dos governos locais.
Parte-se da premissa de que há atualmente um virtual consenso de que
em sociedades complexas como a brasileira o governo está longe de possuir
sozinho o poder sobre os rumos da cidade. Cabe-lhe, sem dúvida, um papel de
liderança e de aglutinação de aliados para elaboração de agendas mínimas, e a
formação de coalizões com legitimidade e força suficientes para a elaboração
e implementação de mudanças nas várias áreas de sua competência formal.
Entretanto, devido às especificidades de cada área, os desafios estruturais
apresentam diferenças significativas.
Nesta seção se enfoca a dimensão de governança relativa a diferentes
arenas decisórias – onde ocorre a intermediação de interesses entre agências
governamentais e grupos organizados da sociedade – procurando-se explorar
4 Para maiores informações sobre formatos institucionais das regiões metropolitanas em diferentes
países, ver Lordello (1996).
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analiticamente as idiossincrasias (padrões de decisão e de interação política)
do processo de mudanças institucionais relativo às regiões metropolitanas
brasileiras.
A figura abaixo, exemplificada para análise de mudanças na área de política urbana, apresenta um quadro dos padrões de decisão que busca combinar
grau de complexidade técnica e a centralidade do issue objeto de decisão para
os atores relevantes em um determinado contexto histórico.
Baixa
Complexidade
técnica da
política
Baixa
Alta
Alta
A
Arborização em
vias públicas consolidadas.
(Exemplo)
B
Orçamento participativo.
(Exemplo)
C
Questão metropolitana
D
Lei do uso do solo
(Exemplo)
Figura 1 - Salience issue.
Fonte: Azevedo; Melo, 1997.
Pode-se identificar quatro arenas possíveis:
A
tendência à manutenção do status quo;
ff
dificuldades de surgimento de propostas de mudanças com legitimidade
política.
ff
B
ff
tendência à “ideologização” do processo de reforma;
ff
polarização de posições;
ff
surgimento de fortes propostas concorrentes;
ff
maior possibilidade de utilização do poder de veto por atores políticos
relevantes.
C
ff
ff
“desideologização” do processo de reforma;
centralidade do papel dos especialistas na elaboração e conformação das
propostas;
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ff
ff
ff
maiores possibilidades de convencimento dos parlamentares através de
argumentos de natureza técnica;
necessidade de burocracias insuladas com legitimidade técnica capazes
de influenciar atores políticos relevantes;
importância do papel de “empreendedores políticos”, como forma de
romper a inércia e a tendência de manutenção do status quo.
D
ff
ff
atuação dos especialistas como árbitros entre os diversos atores envolvidos;
maior probabilidade de aprovação da proposta de reforma, mas com
mudanças negociadas entre os diversos atores relevantes.
O caso das regiões metropolitanas se enquadraria na arena C, caracterizada por baixa centralidade política do issue e grande complexidade técnica.
Segundo a abordagem acima, essa arena se caracteriza, particularmente, por
“desideologização” do tema, alta centralidade do papel dos especialistas na
formulação das propostas e maiores possibilidades de convencimento de autoridades e atores envolvidos, através de argumentos de natureza técnica.5
Em uma arena desse tipo desempenha um papel importante o “empreendedor” capaz de articular e compatibilizar diferentes interesses cristalizados.
Entretanto, para a viabilização e legitimação de novas políticas públicas é
necessária, também, a existência de órgãos – com respaldo técnico – capazes
de influenciar atores políticos relevantes (AZEVEDO, 1997).
As duas variáveis – centralidade política do issue e complexidade técnica
– fornecem um quadro necessário mas não suficiente à análise do padrão de
relacionamento político na arena decisória em pauta. Em outras palavras, além
da alta complexidade técnica, que outros elementos dificultam o envolvimento
de atores relevantes para participarem do processo de elaboração de propostas
e discussão da questão metropolitana?
Ainda que se considere importante fortalecer burocracias insuladas em
virtude da alta tecnicidade da matéria, observa-se que as dificuldades de mobilização da sociedade, por um lado, e dos atores públicos, por outro, se devem
a fatores de diferentes naturezas.
5 Essa matriz desenvolvida por Azevedo e Melo apresenta um quadro possível dos padrões de
decisão a partir da combinação entre o grau de complexidade técnica e a centralidade da questão
objeto de decisão para atores relevantes no atual contexto histórico brasileiro.
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No caso dos grupos organizados da sociedade, mesmo supondo, hipoteticamente, que em curto prazo fosse possível para a maior parte da população compreender os objetivos e a importância da questão institucional das
regiões metropolitanas, ainda assim esse fato não levaria necessariamente a
uma reversão do quadro de baixa prioridade política. Isso porque, entre outros
aspectos, transformações institucionais não significam o usufruto de benefícios
imediatos, mas apenas possibilidades de vantagens futuras.
Mesmo supondo que o rumo das mudanças possa engendrar fortes reflexos positivos a médio e longo prazos, isso ocorrerá quase sempre de forma paulatina, fragmentada e, portanto, pouco perceptível para a população que reside
nas áreas metropolitanas. Isso dificulta, mesmo entre grupos potencialmente
beneficiados por um melhor desempenho institucional, uma maior prioridade
para o tema vis-à-vis de outros issues urbanos, que envolvem bens públicos ou
coletivos (transporte, posto de saúde, escolas, delegacias de polícia etc.).
Por outro lado, os governos estaduais e municípios metropolitanos,
embora reconheçam formalmente a importância da questão institucional
metropolitana, e mesmo considerando-a como um “jogo de soma positivo”
(onde a maior governança metropolitana não implicaria diminuição de poder
para Estados e/ou municípios), consideram extremamente altos os “custos de
transações” (COUSE, 1960), devido ao grande número de atores envolvidos e
à ausência significativa de “incentivos seletivos” (OLSON, 1999).
Em uma situação desse tipo – mesmo reconhecendo, retoricamente, a
necessidade de reformas institucionais para melhorar os serviços e atividades
de “interesse comum” – os atores públicos com maior cacife político – normalmente, agências estaduais de vocação urbana e municípios maiores – tendem
a se tornar conservadores e arredios frente a propostas de mudanças do status
quo, em virtude das incertezas envolvidas nesse processo, que podem acarretar
perdas em suas posições relativas.
Para se avançar na compreensão da questão metropolitana brasileira, há
que se incorporar a análise das especificidades relativas ao marco regulatório
e sua evolução ao longo das últimas décadas, bem como o comportamento
dos atores relevantes – suas potencialidades e constrangimentos – balizados
pelas idiossincrasias do nosso federalismo. Isso nos permitirá discutir algumas
das propostas de reformas (policy) sugeridas pelos especialistas (acadêmicos e
técnicos vinculados a agências públicas e órgãos com vocação metropolitana),
que apresentam maiores ou menores possibilidades de entrarem na agenda
da decisão política (politics).
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Diante da importância e complexidade da questão federativa brasileira,
considera-se que fornecer subsídios que possam colaborar para dinamizar a
gestão metropolitana é fundamental para, a médio e longo prazos, adotar-se
estratégias que garantam de forma incremental tanto o crescimento econômico
sustentado como a mitigação progressiva das desigualdades sociais.
A trajetória da gestão metropolitana no Brasil:
um balanço sucinto
No Brasil, a intensificação dos fluxos migratórios campo-cidade e do
processo de urbanização desde a década de 1950 consolidou, em torno das
principais capitais brasileiras, regiões urbanas que se comportam como uma
única cidade, em cujo território, submetido a diversas administrações municipais, as relações cotidianas tornaram-se cada vez mais intensas. Frente a esse
processo, tornou-se praticamente imprescindível o estreitamento das relações
político-administrativas entre as cidades situadas nessas regiões, como condição
importante para o enfrentamento de um grande leque de problemas.
No Seminário da Habitação e Reforma Urbana, promovido pelo Instituto
dos Arquitetos do Brasil – IAB em 1963, esse tema foi largamente debatido.
No final do seminário é proposta a criação de “órgãos de administração que
consorciem as municipalidades para a solução de problemas comuns” (ARAÚJO
FILHO, 1996, p. 54-55), frente à constatação de que a manutenção da plena
autonomia municipal era incompatível com a realidade regionalizada das
áreas metropolitanas.
Ainda na década de 1960, em vários Estados, o poder público já vinha
caminhando nessa direção, reconhecendo a questão metropolitana e colocando
em prática experiências embrionárias de gestão intermunicipal. No Rio Grande
do Sul, os prefeitos da área de influência de Porto Alegre tomaram a iniciativa
de criação do Grupo Executivo da Região Metropolitana – Germ, ao qual foi
atribuída a elaboração do Plano Diretor Metropolitano.
Em São Paulo a questão havia sido registrada no diagnóstico da cidade
elaborado pela Sociedade de Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas
a Complexos Sociais – Sagmacs. O grupo encarregado de realizar estudos
sobre a metropolização foi, num segundo momento, institucionalizado pelo
governo estadual, que o transformou no Grupo Executivo da Grande São
Paulo – Gegram, somado a órgãos setoriais de âmbito metropolitano que já se
encontravam em funcionamento em algumas áreas, tais como abastecimento
de água e distribuição de alimentos.
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No Rio de Janeiro foi criado pelo governo federal o Grupo de Estudos da
Área Metropolitana – Germt, uma vez que a região abrangia municípios situados em dois Estados. Na Bahia, o governo estadual havia criado a Companhia
de Desenvolvimento do Recôncavo –Conder, sediada em Salvador e, em Belo
Horizonte, o problema da metropolização já havia sido explicitado no estudo
realizado pela Sagmacs no final dos anos 1950. Posteriormente, em 1967, foi
elaborado pelo governo do Estado o Plano Preliminar da Região Metropolitana
de Belo Horizonte – RMBH (WERNECK, 1984, p. 4).
Essas iniciativas contribuíram, sem dúvida, para a inclusão da questão metropolitana na Constituição Federal de 1967 e para sua manutenção na Emenda
Constitucional nº 1 de 1969.6 Logo após a promulgação da Constituição de
1967 têm início os estudos para a definição de critérios para a delimitação e a
organização administrativa das regiões metropolitanas. Mas somente em 1973,
com a promulgação da Lei Federal Complementar nº 14, estas são institucionalizadas, criando-se as regiões metropolitanas de São Paulo, Belo Horizonte,
Porto Alegre, Recife, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza.7
Dispensando-lhes um tratamento homogêneo, a Lei nº 14 começa por
impor aos municípios a participação compulsória na região, que teria como
finalidade a realização dos “serviços comuns de interesse metropolitano”:
planejamento integrado do desenvolvimento econômico e social; saneamento
básico (água, esgoto, limpeza pública); aproveitamento dos recursos hídricos
e controle da poluição ambiental; produção e distribuição de gás combustível
canalizado; os transportes e sistema viário; e o uso do solo. Deixam de ser considerados serviços importantes, por exemplo, a habitação, enquanto é incluído
o gás canalizado, existente somente no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Há que se reconhecer aqui que duas questões básicas importantes foram
contempladas: é explicitado o conceito de interesse comum metropolitano,
formalizando-se no nível nacional a necessidade de enfrentamento conjunto
de problemas na prestação de serviços. E ganha espaço a preocupação com o
ordenamento do uso e da ocupação do solo nas grandes cidades.
Ainda na linha do tratamento homogêneo estabelecido pela Lei Complementar 14, a gestão metropolitana é atribuída a um conselho deliberativo e um
6 “Art.164 – A União, mediante Lei Complementar, poderá, para a realização de serviços comuns,
estabelecer regiões metropolitanas constituídas por municípios que, independentemente de sua
vinculação administrativa, façam parte de uma mesma comunidade socioeconômica”.
7 Posteriormente, a Lei Complementar Federal nº 20/74 criou a região metropolitana do Rio de
Janeiro.
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conselho consultivo. Esses conselhos deveriam contar com o apoio técnico de
entidade de planejamento a ser criada pelos governos estaduais, cabendo-lhes
a implementação das políticas de desenvolvimento dessas regiões. Todavia,
evidenciando sua fragilidade, não são previstos mecanismos financeiros nem
autonomia administrativa que viabilizassem a ação desses conselhos (FERNANDES JUNIOR, 1984).
No aparato administrativo criado para a gestão metropolitana é garantida
ampla maioria aos executivos estaduais, o que impunha limites aos possíveis
resultados de uma gestão compartilhada. O Conselho Deliberativo, instância
que detinha algum poder de decisão, era presidido e tinha a maioria dos seus
membros indicados pelo governador do Estado – então escolhido indiretamente pelo Executivo Federal – em detrimento de uma maior participação dos
prefeitos dos municípios da região metropolitana. No Conselho Consultivo,
onde todos os municípios tinham assento, era-lhes atribuída uma representação simbólica. Não dispondo de poder decisório, tinham sua função restrita à
apresentação de “sugestões”.
O que se observa na prática, como bem aponta Montoro, é que “os
conselhos foram muito mais instâncias homologatórias de propostas técnicas
levadas pelo governo estadual, que fóruns de debate de problemas de interesse
comum”.8
Com a crise financeira dos anos 1980 e o início do processo de redemocratização, as brechas institucionais e as fragilidades do sistema de planejamento
metropolitano são explicitadas. A carência de recursos públicos tem como
consequência imediata o estancamento dos investimentos federais nas regiões metropolitanas, culminando com o desmonte do aparato de organismos
federais que atuava na promoção do desenvolvimento urbano. De formulador
e, em grande medida, executor da política urbana no país, o governo federal
passa a assumir um papel secundário na regulação e no financiamento de
alguns programas pontuais.
Por sua vez, o processo de redemocratização vem fortalecer novos atores
sociais – em especial os governos locais e os movimentos sociais urbanos –
cujos interesses não eram contemplados nas agendas das entidades metropolitanas. Grupos recém-organizados da sociedade civil começam a expressar
8 Montoro (1984, p. 79) apud Pacheco (1995). No caso específico da RMBH essa constatação se
aplica de forma exemplar. As deliberações eram redigidas pela equipe técnica e assessoria jurídica do órgão de planejamento metropolitano. Encaminhadas ao Conselho Deliberativo, eram
aprovadas, muitas vezes, sem nenhuma discussão.
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mais abertamente seu descontentamento com o regime. O poder público,
nas suas diversas esferas, reordena sua atuação: os grandes investimentos são
substituídos por projetos mais modestos e “programas alternativos” e, no
âmbito da política social, surge o apelo à participação popular (AZEVEDO;
PRATES, 1991; AZEVEDO, 1994).
Nesse contexto, os crescentes reclames de autonomia municipal, cerceada por longo período, e que irão repercutir na Constituição Federal de 1988,
induzem a uma resistência explícita à questão metropolitana, manifesta não
só entre os representantes do poder público municipal, como também entre
os juristas e estudiosos em geral das questões urbanas.
Esse segundo momento, marcado pelo neolocalismo,9 foi o período de
hegemonia de uma retórica municipalista exacerbada, onde a questão metropolitana é identificada in limine com o desmando do governo militar e,
simultaneamente, como uma estrutura institucional padronizada e ineficaz.
A palavra de ordem é agora a municipalização. A grande questão era a celebração de um novo pacto federativo, institucionalizando-se mecanismos de
descentralização e democratização da gestão, e de aumento da autonomia
financeira dos Estados e dos municípios. Especialmente esses últimos conseguiram resgatar parte significativa de sua capacidade de investimento mas,
como bem coloca Marcus Melo, isso não foi suficiente para o enquadramento
dos inúmeros problemas metropolitanos (MELO, 1997).
Com a Constituição de 1988 e as Constituições estaduais posteriores,
iniciou-se um período de ampla hegemonia de uma retórica municipalista exacerbada (AZEVEDO; MARES GUIA, 2004a; SOUZA, 2004). Entre os diversos
efeitos perversos dessa ideologia ingênua, vale frisar que
o neolocalismo dos anos 90 deslegitimou o planejamento metropolitano como
prática autoritária e produziu uma agenda pública local ancorada no princípio
de que todos (ou quase todos) os problemas podem ser resolvidos localmente,
tendo efeitos deletérios sobretudo nas áreas de interesse comum metropolitano, tais como transportes, coleta e tratamento de lixo, meio ambiente ou
saneamento. Várias iniciativas nestas áreas foram descontinuadas ou não
encontraram solução em virtude de falta de coordenação interinstitucional.
(MELO, 2004)
9 Para maior aprofundamento do conceito de “neolocalismo”, ver o artigo de Marcus André Melo
(1993).
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Com a nova realidade constitucional, o destino dos antigos órgãos metropolitanos ficou totalmente à mercê das variáveis internas de cada Estado.
Selando o fim do planejamento metropolitano, a maioria dos órgãos técnicos
responsáveis por essa atividade é relegada ao plano secundário ou mesmo
extinta. A sua performance no período de transição frente ao desafio de redefinição de papéis e objetivos dependeu, em grande medida, do controle que
foram capazes de exercer sobre “recursos críticos que se encontravam à sua
disposição, ou seja, prestígio institucional, equipe técnica e da sua rede de
apoio junto a atores políticos relevantes” (FJP, 1998).
Nos novos arranjos institucionais desse período pós-constituinte, a concessão formal de maior poder de decisão aos municípios não foi acompanhada,
na maioria dos casos, do necessário aporte de recursos financeiros.
Mesmo nos Estados onde se previam mecanismos de financiamento
metropolitano, não ocorreu a regulamentação esperada pela maioria dos
pequenos e médios municípios metropolitanos (AZEVEDO; MARES GUIA,
2004a). Por que razão os municípios maiores e os governos estaduais iriam
financiar a quase totalidade dessas verbas metropolitanas se, formalmente,
lhes caberiam modesta influência no processo de decisão sobre a alocação das
mesmas e, por conseguinte, irrelevantes ganhos políticos?10
Confundiu-se o fortalecimento institucional dos municípios — decorrente
do novo status de “entes federativos” — com a sua capacidade de enfrentarem
localmente questões complexas, que extravasavam suas fronteiras. Como bem
lembrou Fernando Abrucio, infelizmente
uma crença bem-intencionada, porém ingênua, quando não perversa, instalouse desde a Constituição de 1988: os municípios resolveriam sozinhos seus
problemas de políticas públicas, bastando repassar o poder e os recursos para
isso. Ora, em nossa Federação tal proposição é falsa em termos econômicos,
sociais e no âmbito das instituições e da competição política local. Os governos
10O caso mais emblemático nesse sentido foi a criação, pela Constituição do Estado de Minas Gerais,
da Assembleia Metropolitana de Belo Horizonte, Ambel, controlada pelos pequenos municípios
e onde o Estado possuía apenas um representante. O Fundo de Financiamento nunca saiu do
papel, pois o governo do Estado e os prefeitos dos maiores municípios resolveram, independentemente do partido a que pertenciam, esvaziar a Ambel. Trata-se de um caso em que um formato
institucional, em tese extremamente democrático, não funcionou por desconsiderar totalmente
a correlação de forças existentes (AZEVEDO; MARES GUIA, 2000b). Atualmente tramita uma
emenda constitucional que deve sanar tal situação, pois o Estado teria 40% do Conselho Deliberativo, os municípios outros 40% (com participação maior dos grandes municípios), 10% para
a União e 10% para representantes da sociedade organizada, que atuam preferencialmente na
Região Metropolitana.
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municipais, na sua maioria, não têm renda, capital humano ou social, afora
uma burocracia meritocrática, para equacionarem seus problemas coletivos
e de políticas públicas sem a ajuda de um ente superior e/ou da cooperação
horizontal no plano regional. (ABRUCIO, 2004)
Desde a Constituição de 1988, um tratamento diferenciado vem sendo
dado às diversas regiões metropolitanas do país, em função de suas peculiaridades político-institucionais.
Na Região Metropolitana de Recife, onde prevalece um modelo de gestão
semelhante ao de Belo Horizonte, a Assembleia Metropolitana, através das
câmaras técnicas setoriais – ainda inoperantes na RMBH – tem funcionado
de maneira articulada com o órgão de planejamento metropolitano, que tem
cumprido seu papel de assessorar as decisões da Assembleia.11
Na Bahia, a Conder tem atuado desde a elaboração de projetos até a
sua contratação e administração, como é o caso recente dos parques urbanos
metropolitanos. No Ceará, o órgão de planejamento metropolitano continua
atuando nas áreas de produção e difusão de informações e de organização
territorial metropolitana, estando estruturado para desenvolver trabalhos nessa
área. No Paraná, a situação é similar, tendo como eixo central a questão do
transporte metropolitano. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, o órgão
metropolitano acabou por assumir o planejamento urbano e regional em todo
o Estado, além de formular e implementar programas nas linhas de combate
à pobreza, de apoio à população residente em áreas de risco, entre outros.
Na opinião dos técnicos da Seplan-MG que assessoram a Secretaria nas
questões metropolitanas, o êxito das experiências das regiões metropolitanas de
Curitiba e de Salvador se deve, em grande parte, à afinidade política existente
entre o prefeito da capital e o governador do Estado, assim como parte dos
constrangimentos institucionais enfrentados na RMBH nos últimos anos se
explicaria pelas diferenças políticas entre esses dois atores. Na nossa opinião –
discordando da hipótese acima aludida – consideramos que essa variável tem
uma importância marginal para explicar o possível sucesso do planejamento
metropolitano nessas regiões. Até porque, na Região Metropolitana de Porto
Alegre – onde, nos últimos dez anos, existem diferenças políticas marcantes
entre o prefeito e o governador – o órgão de gestão metropolitana (estadual)
11 Segundo entrevista realizada com os assessores de Assuntos Urbanos e Metropolitanos da
Secretaria de Planejamento de Minas Gerais – Seplan-MG em dezembro de 1997.
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tem, nesse período, desenvolvido uma cooperação técnica salutar com o sistema de planejamento da prefeitura de Porto Alegre.12
Em São Paulo tem havido disputa entre o órgão metropolitano – a Emplasa – e a Secretaria de Transporte, comprometendo o trabalho desenvolvido
por ambos. A Emplasa tem concentrado seus esforços na questão do desenvolvimento econômico, implementando ações no sentido de recuperar espaço
para as atividades industriais que têm abandonado a Região Metropolitana de
São Paulo. Ainda nesse Estado estão em processo de criação pelo menos duas
novas áreas metropolitanas: a da Baixada Santista e a de Campinas.
Uma visada geral mostra que na Região Metropolitana de Belo Horizonte
o órgão de planejamento metropolitano foi extinto, tendo suas funções distribuídas entre pelo menos duas entidades da administração estadual. Embora
tenha sido logrado, do ponto de vista institucional, um formato considerado
como um dos mais avançados do país – com a criação de uma assembleia metropolitana – enfrentam-se constrangimentos de diversas ordens, analisados
na próxima seção, dificultando a formulação e implementação de políticas
regionais.
Na grande maioria das outras regiões o órgão de planejamento metropolitano foi capaz de formular e implementar “estratégias de sobrevivência”
no momento de crise. Muitos – como por exemplo nas regiões metropolitanas de Fortaleza, Recife e Salvador – procuraram se organizar internamente,
enfatizando a estruturação de sistema de informações, investindo em bancos
de dados, cartografia e geoprocessamento. Através desse procedimento conseguiram garantir legitimidade, permanecendo como referência no sistema de
gestão metropolitana. E, tão logo as condições técnicas e políticas permitiram,
puderam retomar a atividade de planejamento e formulação e implementação
de políticas.
12 Outro exemplo que demonstra a fragilidade do relacionamento político-partidário do governador
e do prefeito da capital e a cooperação na ação metropolitana, refere-se ao serviço de transporte
público. Em Belo Horizonte – onde há arestas no relacionamento político-partidário do governador com o prefeito – optou-se por um modelo misto onde a agência municipal da Capital atua
na cidade e o Estado, através da Diretoria Metropolitana do DER, se encarrega do transporte
intermunicipal e local da maioria dos municípios da RMBH. Em Curitiba – onde prevalece a
identidade política entre os mandatários das administrações estadual e municipal – cabe ao órgão da Prefeitura a responsabilidade pela regulação de todo o transporte metropolitano através
de acordo firmado com o Estado. Em Recife – caso similar ao de Belo Horizonte no referente
às diferenças políticas entre prefeito e governador – é o órgão do Estado que gerencia todo o
transporte metropolitano com o consentimento de todas as prefeituras, inclusive a da capital.
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No caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte, apesar de existirem
as condições prévias para que o órgão de planejamento permanecesse atuando, houve o enfraquecimento da sua presença técnica. Ele perdeu o controle
sobre informações críticas que poderiam ter-lhe permitido maior legitimidade
institucional no novo contexto e possibilitado a redefinição de seus objetivos.
Segundo os assessores para assuntos metropolitanos da Seplan-MG, “faltou
ao Plambel uma reflexão como a que ocorreu nas demais regiões. Faltou um
corporativismo sadio, o que foi conseguido por órgãos em outras regiões
metropolitanas”.13
Teoricamente, o texto da Constituição de 1988 permitia o surgimento de
formatos institucionais mais condizentes com as diferentes realidades regionais,
ao atribuir às assembleias legislativas a responsabilidade pelo tratamento da
questão metropolitana.. E, ainda que se possa levantar pistas que indicariam
caminhos com maiores potencialidades para a abordagem das diversas dimensões da questão metropolitana, a análise das diversas constituições estaduais
evidencia um cenário extremamente diferenciado tanto em termos da profundidade da regulação quanto pelos fatores privilegiados. Nesse sentido, algumas
considerações gerais sobre a forma de as Constituições estaduais tratarem a
questão metropolitana merecem destaque.14
Primeiramente, chama a atenção que o tema sequer esteja mencionado
nas constituições do Acre, Roraima, Tocantins, Rio Grande do Norte, Mato
Grosso e Mato Grosso do Sul. Da mesma forma, as constituições de Alagoas
e Sergipe se restringem a reproduzir quase que literalmente os dizeres do parágrafo 3 do artigo 25 da Constituição Federal. Poder-se-ia argumentar que o
aparente “descaso” pela questão nas constituições desses Estados se explicaria
pela ausência ou pouca relevância do fenômeno da metropolização entre as
cidades que os integram. Ainda que essa hipótese possa ter força explicativa não
desprezível, vale lembrar que cidades como Natal, Campo Grande e Cuiabá
já eram candidatas naturais à metropolização.
Somente as constituições do Amazonas, Goiás, São Paulo e Santa Catarina estabelecem fatores a serem considerados para a instituição de novas
regiões metropolitanas. Entre as variáveis explicitadas são recorrentes o
tamanho da população (inclusive projeção de crescimento), a intensidade
13 MONTORO, 1984, p. 79 apud PACHECO, 1995.
14 As considerações que se seguem sobre as regiões metropolitanas nas constituições estaduais são
produto inicial de um estudo em execução pelos autores.
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de fluxos migratórios, grau de conurbação, potencialidade das atividades
econômicas e fatores de polarização da futura região metropolitana.
Entre os Estados que aprofundam, em maior ou menor grau, a questão metropolitana nas suas constituições, é frequente o cuidado em evitar o
autoritarismo que havia marcado a gestão metropolitana no período militar,
consubstanciado na hegemonia do governo estadual em detrimento dos governos locais. Assim, nas constituições da Paraíba, Maranhão, Espírito Santo
e Rio Grande do Sul são preconizados mecanismos prévios de consultas aos
municípios e/ou a suas populações para a formalização de regiões metropolitanas. Seguindo esse mesmo espírito, os Estados do Amazonas, Goiás e
Rio de Janeiro explicitam a necessidade de se garantir a autonomia (leia-se
financeira, política e administrativa) dos municípios que vierem a integrar as
referidas regiões.
Apenas um número reduzido de constituições estaduais define pontualmente as “funções de interesse comum” dos municípios pertencentes às regiões
metropolitanas. A que aparece de forma mais recorrente é a do “transporte
urbano/sistema viário”, contemplada nas constituições do Distrito Federal,
Amazonas, Ceará, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná.15
No que diz respeito à participação institucional na gestão das regiões
metropolitanas, as constituições, em sua maioria, reforçam a necessidade do
envolvimento da “comunidade” e/ou dos municípios (Amazonas, Paraíba,
Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul), reservando aos governos locais papel de destaque no processo de tomada de decisão
metropolitana.
Deve ser destacado, por outro lado, que apenas os Estados do Ceará e
São Paulo enfatizam a importância estratégica da participação estadual, ao
mencionar de forma clara a necessidade de a gestão metropolitana levar em
conta “a ação conjunta entre o Estado e os municípios”.
Em qualquer política pública duas questões de grande centralidade
para se analisar, respectivamente, o seu potencial de confiabilidade e o seu
impacto na sociedade são as fontes de financiamento disponíveis e a sua
clientela-alvo. Em termos de aporte financeiro, as constituições dos Estados
da Paraíba, Minas Gerais e Espírito Santo são as que determinam rubricas
15Seguindo-se ao “transporte/sistema viário”, entre as funções de interesse comum mais citadas
situam-se, respectivamente, “recursos hídricos”, “parcelamento/uso e ocupação do solo” (Distrito
Federal, Minas Gerais, Goiás e Amazonas) e “controle ambiental” (Distrito Federal, Minas Gerais
e Amazonas). Para maiores detalhes sobre a questão metropolitana nas constituições estaduais,
ver Azevedo & Mares Guia (1999).
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e/ou mecanismos específicos de corresponsabilidade do governo estadual
e municipais voltados para garantirem recursos destinados às “funções de
interesse comum”.16
Como bem destaca Marcus André, a crise fiscal das últimas duas décadas
atingiu sobremaneira os programas urbanos, porque eles – diferentemente
dos programas de saúde, educação e qualificação profissional, que possuem
proteção constitucional – exigem contrapartidas dos Estados, municípios e
de empresas de vocação urbana controladas pelo poder público. Por dependerem de créditos e investimento, esses programas tornam-se vulneráveis em
uma conjuntura de crise que afetava tanto o governo federal como os demais
entes federativos. Assim, enquanto na área social, com recursos garantidos
constitucionalmente, foi possível ao governo federal nesse período – apesar
de diferentes tipos de constrangimentos – manter uma estratégia consistente,
na área de desenvolvimento urbano não se logrou o estabelecimento de uma
política nacional (MELO, 2004).17
A partir de meados dos anos 1990 começa a tomar forma – ainda que de
maneira incipiente – uma nova e complexa realidade institucional metropolitana, que busca superar a perspectiva “neolocalista” pós-1988, sem retornar contudo a modelos padronizados, como ocorreu no período do regime militar.
Essa nova fase combina formas de associações compulsórias – como os
comitês de gestão das bacias hidrográficas, que abrangem inúmeros municípios, inclusive metropolitanos – com diversas modalidades voluntárias de
associação. É o caso dos consórcios entre municípios criados para enfrentar
políticas conjuntas ou para administrar questões pontuais ligadas a transporte,
saneamento, meio ambiente etc.
Nesses novos arranjos institucionais em fase de experimentação chama a
atenção tanto o surgimento de novos atores como os novos papéis desempenhados por atores clássicos dessa arena. No que diz respeito aos “novos atores”,
a maior novidade é o envolvimento da sociedade organizada – associações
16Nesse âmbito, as constituições do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Paraná mencionam o direito
de ressarcimento financeiro (instrumentos compensatórios) aos municípios que “suportarem
os maiores ônus (aumento de despesa ou queda da receita) decorrentes de funções públicas de
interesse comum”.
17Tanto ou mais que outros estudiosos desse período, o autor destaca os efeitos perversos da difusão
de uma ideologia municipalista exacerbada – decorrente da experiência constituinte – que limitou
as possibilidades de alternativas institucionais viáveis para enfrentar os desafios metropolitanos
naquele período. Aliás, coube a Marcus André cunhar a feliz expressão “neolocalismo” para
condensar o rico processo desencadeado pós-88, onde se superestimaram as possibilidades de
atuação dos municípios, o que acarretou sérios equívocos na formulação e implementação de
políticas públicas.
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civis de vários matizes e as organizações não-governamentais (ONGs) – e da
iniciativa privada stricto sensu.
A participação em conselhos de políticas públicas supramunicipais e na
implementação e fiscalização dessas políticas seria uma das formas de envolvimento da comunidade organizada (associações, ONGs etc). Por outro lado,
a chamada iniciativa privada aparece principalmente como concessionária ou
permissionária de diferentes serviços públicos de âmbito metropolitano ou
envolvendo grupos de municípios em decorrência do processo de reforma do
Estado em curso no Brasil.
Um outro ator – ainda que não possa ser considerado “novo” na arena
metropolitana – que surge com maior força são as agências de financiamento
e fomento internacionais. Via de regra, essas agências atuam em parceria com
os três níveis de governo em projetos de impacto metropolitano para enfrentarem problemas considerados estratégicos (meio ambiente, saneamento,
transporte de massa etc.), envolvendo normalmente grupos organizados da
sociedade relacionados ou atingidos por essas iniciativas.
No referente aos atores clássicos, percebe-se do ponto de vista da União
o reinício de atividades de regulação e de financiamento que – mesmo não
se enquadrando como estritamente metropolitanas – envolvem governos e
agências de diversos níveis. Esse é o caso dos comitês de gestão das bacias hidrográficas que abrangem inúmeros municípios (muitos deles metropolitanos)
e, por vezes, mais de um Estado federado.
A política nacional de recursos hídricos regulamentada pela Lei 9433, de
8 de janeiro de 1997, estabelece que a gestão desse bem público deve ocorrer
de forma compartilhada entre os três níveis de governo,18 estar integrada à
política ambiental, bem como aos sistemas municipais, estaduais e nacional
de planejamento.
Por outro lado, no nível dos governos estaduais notam-se tanto um maior
empenho normativo (por exemplo, visando os serviços públicos a cargo da
iniciativa privada), quanto uma maior participação com recursos próprios em
parcerias com municípios e/ou governo federal, buscando equacionar questões
que extrapolam o nível local.
Entretanto, chama a atenção a centralidade que passam a ter os governos
municipais – vis-à-vis das fases anteriores – nesses novos desenhos institucionais
– sejam compulsórios ou voluntários, tanto em suas relações com os outros
18O sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos é formado pelo Conselho Nacional
de Recursos Hídricos (federal), pelos Conselhos de Recursos Hídricos estaduais e municipais e
pelos Comitês de Bacia Hidrográfica.
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níveis de governo quanto no referente às articulações com os novos atores
provenientes da sociedade organizada e da iniciativa privada.
Como vimos, o tema das regiões metropolitanas se caracteriza tradicionalmente por baixa centralidade na agenda política, uma vez que – diferentemente de questões que envolvem bens públicos como transporte, posto de
saúde, escolas, delegacias etc. – as transformações institucionais não significam o usufruto de benefícios imediatos. A falta de pressão popular, aliada à
alta complexidade técnica do tema, acarreta alta centralidade ao papel dos
especialistas na formulação das propostas e na elevação das possibilidades de
convencimento das autoridades e atores envolvidos, através de argumentos
de natureza técnica.
Em uma arena desse tipo joga um papel importante o “empreendedor”
capaz de articular e compatibilizar diferentes interesses cristalizados. Aliás,
foram esses “empreendedores” políticos – prefeitos, governadores e deputados
– os principais responsáveis nos anos 1990 pelo surgimento de novas regiões
metropolitanas. Sua institucionalização, embora com diferentes motivações,
não deixa de denotar a percepção, por parte de Estados e municípios, da impossibilidade de resolverem todos os problemas das grandes metrópoles apenas
no nível dos governos locais (AZEVEDO; MARES GUIA, 2004b).
Em uma situação desse tipo, percebe-se a importância da gestação de uma
política metropolitana federal a ser pactuada inicialmente entre os diversos
ministérios e agências de vocação metropolitana e, posteriormente, com o
Congresso Nacional. Tal esforço poderá resultar no início de novas atividades
de regulação e de linhas de investimento federais permanentes.
Essa política deverá oferecer alguns incentivos seletivos para que governos
municipais e estaduais se sintam motivados a aderir – através de diferentes
formatos institucionais e aportes de recursos próprios – a um círculo virtuoso
de cooperação e intervenção articulada, envolvendo os três níveis de governo.
Em suma, o que se busca é a construção de uma política metropolitana de
“soma positiva”, onde todos os atores envolvidos, em especial a população-alvo, sejam beneficiados.
Os desafios da regulação pública e das reformas
institucionais nas regiões metropolitanas
O processo de reforma do Estado no Brasil apresenta constrangimentos
de diversas ordens. Do ponto de vista estrutural, as enormes desigualdades
sociais afetam sobremaneira a forma e o funcionamento da máquina pública,
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dificultando ou mesmo tornando inócuas iniciativas de mudanças no aparato
institucional realizadas com o intuito de torná-lo mais eficiente e funcionando
de acordo com o “universalismo de procedimentos”, discurso teoricamente
inquestionável em toda economia de mercado desenvolvida ou com pretensão
a fazer parte do chamado “primeiro mundo”. Como a retórica dominante é
virtualmente consensual entre os diversos atores envolvidos na manutenção
e transformação das instituições públicas, na maioria das vezes sequer o peso
dessa variável social é percebido.
No caso brasileiro, em função da extrema desigualdade da nossa estrutura
social, nos três níveis de governo, as diferenças entre agências públicas vocacionadas para apoio e financiamento às atividades econômicas e tecnológicas
e aquelas mais ligadas à reprodução social são enormes em termos de dependências físicas, disponibilidade de equipamentos sofisticados, qualificação do
pessoal técnico, salário dos servidores, entre outras condições de trabalho, que
permitem às primeiras apresentarem um desempenho significativamente mais
elevado. Quando se tem oportunidade de transitar nesse universo burocrático
extremamente diversificado, há a sensação de percorremos um contínuo que
vai do “primeiro mundo” ao que há de mais atrasado no chamado “terceiro
mundo”.19
19 Excetuando os pequenos municípios, na sua maioria pobres, essas diferenças se refletem inclusive na forma de atender ao telefone, prestar informações aos visitantes e no relacionamento
profissional dos servidores. Essa herança histórica está de tal maneira naturalizada que a maioria
das pessoas acredita que essas discrepâncias se devem exclusivamente às diferenças de dotações
orçamentárias entre os diversos órgãos do governo, visão essa reforçada pela situação de relativa
primazia da área de saúde e educação – por possuírem receitas vinculadas constitucionalmente
– em relação às demais secretarias voltadas para objetivos sociais. Discordando dessa posição,
acreditamos que a naturalização inconsciente desse fenômeno afeta indiscriminadamente todas
as correntes políticas. Apenas um caso dos anos 1990 para ilustrar: um núcleo de pesquisa de
professores de uma universidade federal realizou um trabalho de levantamento e análise de
dados para a Secretaria de Planejamento de um rico município governado pelo Partido dos
Trabalhadores, que apresentou uma ótima performance administrativa e social durante essa
gestão. Os pesquisadores em questão tiveram facilidades de acesso total a todos os órgãos da
prefeitura e o trabalho final não só foi muito elogiado, como o contratante confidenciou considerar o montante cobrado extremamente baixo. Um ano depois, a secretária de Assistência Social
do mesmo município entrou em contato com o mesmo núcleo de pesquisa (por indicação do
próprio secretário de Planejamento) para um trabalho similar ao anterior, em termos de tempo
e pesquisadores envolvidos. Apresentou-se um orçamento um pouco menor que o anterior,
que foi recusado por ser considerado extremamente elevado. Para realizar a pesquisa, na qual o
núcleo tinha interesse acadêmico, houve uma rebaixa de 25% do preço inicial. Ressalte-se, ainda,
que o trabalho final apresentado foi prejudicado pelas imensas dificuldades para obtenção de
informações nos mesmos órgãos que um ano antes abriram “todas as suas portas”. Vale lembrar
que os dois secretários contratantes, da mesma corrente política, nunca tiveram atritos até o final
da citada gestão (CEURB, 1997).
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Da mesma forma, a existência de diversos “submundos”, para usar a expressão de Fábio Wanderley Reis, com baixa porosidade e grande assimetria,
leva a que diversos issues tenham significados e cumpram papéis diferentes para
os diversos estratos sociais. Como a hegemonia na elaboração das políticas
públicas, bem como nas propostas de reformas institucionais, quase sempre
parte da chamada “Bélgica” de Bacha ou dos “europeus” de Jessé e Souza, os
efeitos perversos não esperados dessas iniciativas tendem a se avolumar, prejudicando principalmente os setores de mais baixa renda, independentemente
das “boas intenções” dos mentores dessas iniciativas.
Ressalte-se que parte da legislação urbana que ao longo da urbanização
brasileira afetou negativamente amplos setores populares, longe de ser elaborada “pelos ricos para manterem os pobres confinados aos guetos da cidade
informais” (conforme análises de visões conspirativas da História muito em
voga nos anos 1970 entre segmentos da esquerda), foi elaborada por urbanistas
progressistas preocupados em garantir qualidade de vida adequada para todos
os moradores da cidade. Infelizmente, em um país extremamente hierarquizado e diferenciado socialmente, os padrões urbanísticos de qualidade dos nossos
urbanistas “progressistas” foram um dos elementos responsáveis pela segregação social e espacial dos setores populares (RIBEIRO; AZEVEDO, 1996).
Quando pensamos em avaliar iniciativas de reforma do Estado e políticas
regulatórias setoriais, as idiossincrasias da nossa estrutura social exigem que, ao
elaborarmos índices, seja para repensarmos as correções de rumo das políticas,
seja para avaliarmos a eficácia e efetividade das iniciativas governamentais,
tenhamos que levar em conta essas variáveis.20
A estrutura social brasileira não apenas afeta o tipo e qualidade de
serviço público disponibilizados para os segmentos pobres da população,21
20 Na elaboração teórica do Déficit Habitacional brasileiro realizado pela Fundação João Pinheiro
para o governo federal nos últimos dez anos, bem como nos sucessivos ajustes do mesmo, tivemos
a oportunidade de aprofundar e enfrentar essa questão (FJP, 1995, 2000, 2004).
21 Ao acompanhar dissertações sobre a política de saúde – comparativamente uma das políticas
sociais de maior êxito – pudemos constatar que mesmo exames que, em princípio, pareceriam
exigir procedimentos extremamente padronizados, apresentavam fortes diferenças entre os pacientes atendidos pelo serviço público e aqueles que utilizavam os chamados “exames sociais”,
no qual setores populares – potencialmente clientes do SUS – pagam um preço bem menor em
relação às consultas e exames particulares tradicionais, como forma de serem atendidos prontamente. Assim, por exemplo, detectaram-se casos em que nas endoscopias realizadas pelo “social”
os pacientes tinham direito a prévio sedativo na veia e spray anestésico na garganta, o que não
ocorria com os pacientes do SUS. Em relação a esses últimos, não foi possível averiguar se esse
doloroso procedimento decorria de carência de medicamentos (bastante comum na rede pública)
e/ou de um possível descompromisso ético e social dos profissionais de saúde envolvidos.
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como também propicia um acesso diferenciado à Justiça, por falta de recursos financeiros e de informações dos trâmites legais de grande parte dos
setores populares, que sequer chegam a utilizar a Justiça como instrumento
de resolução de conflitos (SANTOS, 1993). Mais grave ainda é que, quando a
justiça processa conflitos envolvendo relações assimétricas (entre cidadãos de
diferentes segmentos ou entre indivíduos pobres e o Estado), quase sempre as
múltiplas possibilidades de interpretação da lei no Brasil (KANT DE LIMA,
1994) terminam por penalizar os grupos mais fragilizados socialmente, seja
pela forma pré-reflexiva de atuação dos diversos atores envolvidos no processo
(delegado, promotor, juiz, entre outros), como acredita Jessé de Souza (2003),
seja em virtude da rede de relações personalizadas dos setores médios e altos
com o aparato público, segundo a abordagem de Roberto da Matta (DAMATTA,
1978), ou de um “mix” das duas abordagens, como defendemos.
Na verdade, para boa parte das camadas populares brasileiras, nem os
ideais do Estado liberal do séc. XIX chegaram a ser implantados integralmente. Como lembra Wanderley Guilherme dos Santos, para ser progressista no
Brasil não é necessário ser social-democrata e muito menos socialista. Nas
atuais circunstâncias, a aplicação de fato de alguns dos pilares do liberalismo
clássico – leis com aplicação universal, segurança garantida pelo Estado a todos
os cidadãos e Poder Judiciário independente e ágil – bastaria para acarretar
mudança qualitativa nas condições de vida de setores importantes da nossa
população.
Como nos ensina Macur Olson, a questão da cidadania em geral e, especialmente, a universalização dos direitos civis estão longe de ser apenas um
“luxo” que interessa aos países desenvolvidos, mas, ao contrário, podem ser
um dos pressupostos que favoreçam um crescimento sustentado de países
emergentes (OLSON, 2001). Em outras palavras, a segurança dos direitos e
contratos, a previsibilidade do comportamento dos diversos agentes econômicos, incluindo o Estado, “regras do jogo” claras e estáveis são elementos
fundamentais para atrair investimentos constantes de longo prazo, sejam eles
externos ou oriundos de poupança interna, assim como suscitar o surgimento
de uma grande massa de empreendedores.22
22 Por ocasião da derrocada dos países socialistas do leste da Europa, especulava-se um afluxo
muito grande de investimentos ocidentais, especialmente do Mercado Comum Europeu, para
essa região, devido tanto à sua proximidade geográfica, como por possuírem uma população
relativamente homogênea e com boa formação educacional. Entretanto, isso não ocorreu na
escala esperada, pela falta de confiabilidade e de regras jurídicas que garantissem as condições
mencionadas (OLSON, 2001). Fenômeno similar, mas em menor amplitude, ocorreu na Itália
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No caso das nossas grandes metrópoles, a rápida urbanização a partir
de meados do século XX – aliada a um processo de “industrialização tardia”
que incorporou somente uma pequena parcela dos trabalhadores urbanos –
acarretou problemas urbanos complexos e de difícil enfrentamento por parte
do poder público.
Devido a experiências centralizadoras e autoritárias durante o regime
militar, criou-se nos anos 1980 um mito a respeito do processo de descentralização em políticas urbanas, que passou a ser visto quase como sinônimo de
gestão democrática, sendo considerado a priori como algo desejável e capaz de
proporcionar maior eficiência na prestação de serviços. Ora, as experiências
recentes começam a colocar por terra essa visão ingênua, mostrando que a
defesa da descentralização ocorre em função de interesses bastante diferenciados (MELO, 1993; PEREIRA; REZENDE; MARINHO, 1993; ARRETCHE,
2000) e que, não raro, muitas dessas iniciativas podem ter efeitos perversos
para a população de baixa renda ( JACOBI, 1990; AZEVEDO; MARES GUIA,
2000a).
Embora a descentralização em certas ocasiões possa ser mecanismo
importante para maior eficácia, transparência e melhor acesso a serviços e
equipamentos urbanos, especialmente para a população carente, é terapia
que não pode ser generalizada, estando longe de ser uma panaceia aplicável
de forma universal. No caso das regiões metropolitanas, a experiência recente
tem demonstrado que problemas como transporte urbano, coleta e tratamento
de lixo, poluição hídrica, ocupação e uso do solo e mesmo o enfrentamento
das necessidades habitacionais para os setores de baixa renda necessitam, em
maior ou menor grau, de um tratamento metropolitano.23
A postura que parece mais adequada para as nossas regiões metropolitanas – especialmente no referente à elaboração e monitoramento de um Plano
Diretor Metropolitano – seria a de recuperar certa visão compreensiva para
um número limitado de variáveis e questões consideradas estratégicas pela
do pós-guerra, cuja região Norte, com tradição de relações simétricas e alto grau de confiança
cívica, se desenvolveu mais rapidamente do que o Sul, onde predominavam relações assimétricas
(igreja tradicional, máfia etc.) e baixo grau de confiança nas regras do jogo (PUTNAM, 1996).
23Outra gama de iniciativas que parece cada vez mais indicada para a obtenção de maior eficácia e
redução de custos na administração das metrópoles diz respeito à “terceirização” de muitas das
suas funções, tradicionalmente exercidas pelos governos locais. A viabilidade da “terceirização”
depende, evidentemente, do estudo de cada caso concreto, mas é possível que seja utilizada tanto
para atividades-meios (segurança, limpeza, reforma de prédios públicos, aluguel de máquinas e
equipamentos etc.) como para as atividades-fins: limpeza de ruas, recolhimento de lixo, obras
públicas, entre outras (AZEVEDO, 1994).
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sociedade organizada, governo estadual, municípios e agências públicas de
vocação metropolitana, concentrando esforços nos “gargalos” e abrindo mão
de tudo querer planejar nos mínimos detalhes.24
Apesar da importância e potencialidades das políticas regulatórias para
o futuro das metrópoles brasileiras, poder-se-ia dizer que enfrentamos atualmente, nessa esfera, dificuldades decorrentes de três diferentes dimensões.
A primeira diz respeito a constrangimentos estruturais decorrentes do
próprio processo de globalização que, entre outros efeitos, aumenta a discrepância entre processos de decisão econômica (muitas vezes balizados em
lógicas empresariais de âmbito internacional) e os mecanismos de tomada
de decisão política dos Estados nacionais e seus respectivos subgovernos e
agências metropolitanas, restritos exclusivamente aos seus territórios. Isso
significa que, em muitos casos, a implantação de projetos de grande impacto
urbano – como, por exemplo, uma montadora de automóveis – pode significar
profundas modificações na infraestrutura e nos serviços urbanos existentes,
tornando obsoleta boa parte dos mecanismos de regulação em vigor.
A segunda dimensão de constrangimentos diz respeito às inúmeras variáveis envolvidas em políticas regulatórias urbanas de âmbito metropolitano – a
maioria não percebida a priori por técnicos e legisladores – fazendo com que
a quantidade de efeitos não esperados seja algo não negligenciável. Embora
alguns destes apresentem aspectos positivos, a maioria é formada pelos chamados “efeitos perversos”. Esse é um fator clássico que explica o insucesso
ou o impacto muito diferente do previsto por urbanistas por ocasião da implantação de uma determinada legislação urbana, por vezes em uma mesma
região metropolitana.
A terceira dimensão diz respeito, não raro, ao aparente paradoxo da coexistência de uma enorme quantidade de instrumentos de regulação (leis, decretos,
planos, programas, políticas) com uma prática social onde inexistem ou são
extremamente precários os poderes de regulação efetivos sobre a maioria das
atividades urbanas (construção, aluguel e comercialização de imóveis, uso de
áreas públicas, comércio, transporte coletivo etc.), especialmente na chamada
“cidade informal”, onde vive a maioria das populações pobres.
O que se percebe nas nossas grandes metrópoles é que o arsenal de instrumentos legal existente de intervenção sobre o urbano pode se tornar letra
morta caso não se logrem alianças políticas que viabilizem sua regulamentação
24Poderíamos denominar essa estratégia de “planejamento estratégico”, “planejamento adaptativo”
(CINTRA, 1978) ou, ainda, “planejamento estratégico situacional” (MATUS, 1991).
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e efetiva implementação. Em outras palavras, os arranjos institucionais, por
mais democráticos e sofisticados teoricamente, somente acarretam mudanças reais se forem compatíveis com o nível de desenvolvimento sociocultural
existente numa determinada realidade. Por isso o perigo de políticas urbanas
excessivamente padronizadas para todas as regiões ou cidades de um país complexo e extremamente diferenciado e socialmente desigual como o Brasil. Há
mais de 30 anos nos lembrava Guerreiro Ramos sobre a necessidade das chamadas “reduções sociológicas”, a fim de que pudéssemos adaptar experiências
bem-sucedidas no primeiro mundo às nossas idiossincrasias nacionais. Aliás,
parte do chamado “formalismo”, tão comum no Brasil, refere-se ao intento
frustrado de transferir mecanicamente procedimentos, políticas e regulações
exitosas no exterior ou mesmo de regiões ou cidades mais desenvolvidas do
próprio país para outras metrópoles.
O que ocorre é que a regulação funciona na maioria das metrópoles brasileiras somente nas áreas da chamada “cidade legal”, como forma de valorizálas vis-à-vis da chamada cidade informal ou ilegal.25 Normalmente, é nas áreas
onde a regulação do Estado funciona que se encontram instalados o núcleo
da burocracia pública, as residências das classes médias e altas, e funcionam
as atividades empresariais modernas (SANTOS, 1993). Em contrapartida, é
na cidade informal, não regulada, com baixo investimento de infraestrutura e
pouca disponibilidade de equipamentos de consumo coletivo que habitam os
setores mais pobres e marginalizados da população, sendo que em situações
mais dramáticas essas áreas apresentam-se como verdadeiros guetos, totalmente separadas da cidade oficial.
As possibilidades de ampliação dos espaços regulados nas cidades brasileiras dependem, por um lado, da organização e pressão política dos “despossuídos” e, por outro lado, têm sido importante “moeda de barganha” de
lideranças e grupos políticos que “trocam” regulação efetiva (por exemplo,
legalização de terreno, aprovação de plantas urbanísticas e arquitetônicas, permissão para o desempenho de atividades comerciais etc.) por apoio eleitoral
ou legitimidade social.
Evidentemente não se trata apenas de buscar a qualquer preço a ampliação
do espaço efetivamente regulado, pois muitas vezes a legislação em vigor, em
algumas áreas, é de tal forma inadequada ou prejudicial aos setores populares
que a sua não observância é condição sine qua non para a própria sobrevivência
dessa população.
25Esse parece ser também um fenômeno recorrente nos chamados países emergentes ou nas
chamadas “novas democracias” do terceiro mundo. Ver a respeito O’Donnel, 1993.
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Entretanto, em outras áreas, a simples efetivação da legislação em vigor
pode significar a saída da barbárie para importantes setores populares.26 Por
outro lado, há também situações em que a entrada do setor público de forma
inadequada “desregula” acertos informais que funcionam razoavelmente,
tornando a situação pós-intervenção pior que a anterior (SANTOS, 1993,
p. 79) .
Há casos em que a falta de regulação urbana ou sua não efetividade na
chamada cidade informal, se em um primeiro momento “resolve” os problemas imediatos de moradia para os setores de baixa renda, posteriormente gera
efeitos “perversos” que terminam por afetar negativamente tanto os próprios
moradores – caso, por exemplo, da ocupação de regiões de risco em áreas de
grande declividade – como a própria cidade, através do desequilíbrio do seu
ecossistema.
Assim, a experiência brasileira das últimas décadas deixa claro que na área
de regulação urbanística não há “receita de bolo”, devendo-se evitar posições
doutrinárias. Em determinados casos, pode ser importante a busca de novas
regulações. Em outros, ao contrário, lutar para a reinterpretação ou implementação efetiva de legislação já existente pode ser mais aconselhável.
O futuro das nossas metrópoles se, por um lado, depende da capacidade
de organização de seus moradores e de pressão sobre o poder público, por
outro encontra-se umbilicalmente dependente da ação do Estado nos seus três
níveis de governo. A melhoria do habitat está condicionada não apenas ao acerto
de uma política econômica lato sensu e da reformulação, em curso, de uma
política urbana federal integrada (saneamento, habitação e transporte), mas
também a políticas estaduais correspondentes e, especialmente, às reformas
urbanas levadas a cabo nas diferentes regiões metropolitanas por acertos que
entrelacem os municípios envolvidos e os governos estaduais.
Em relação a esse último ponto, vale ressaltar o papel de grande centralidade da Lei do “Consórcio Público” recentemente aprovada, bem como dos
chamados novos instrumentos de intervenção sobre o urbano (“solo criado”,
usucapião urbano, parcelamento e construção compulsórios, imposto progressivo etc.), viabilizados pela Carta Magna de 1988 e por muitas constituições
estaduais e regulamentados pela Lei “Estatuto da Cidade”.
26Um exemplo paradigmático desse caso foi realizado pelo governo municipal de São Paulo, durante
a administração da chamada Frente Popular (1989-1992), que consistiu simplesmente em tornar
efetivo para as áreas de cortiços de São Paulo o contrato normal de aluguel, em vigor nas áreas
da chamada cidade legal.
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Tais instrumentos podem – vinculados a incentivos seletivos positivos
(financeiros e de apoio técnico) por parte dos Estados e da União – aumentar
consideravelmente a governança de nossas metrópoles, se forem adequadamente utilizados e se houver vontade política dos governos locais e respaldo
da população, especialmente de seus setores organizados.
Conclusão
Um breve balanço dos desafios da gestão metropolitana
As quase três dezenas de regiões metropolitanas, que abrigam a metade
da população urbana do país, concentram a maior parte do Produto Interno
Bruto nacional. São, também, palco privilegiado dos maiores problemas urbanos enfrentados atualmente no Brasil ao concentrarem os maiores índices
de desemprego e de violência. Nesse sentido, acredita-se que a dinamização
da gestão metropolitana deveria ganhar lugar de destaque na agenda política
do governo federal: sem enfrentar esse desafio, dificilmente haverá êxito nos
resultados dos projetos sociais e de infraestrutura urbana que vêm sendo
implantados nessas áreas.
Na verdade, como destaca Marcus André Melo, se na década de 1990
houve importantes avanços no âmbito do desenvolvimento local, reformas
implementadas no plano federal foram caracteristicamente não-urbanas, nos
termos em que os projetos urbanos são classificados no Brasil.27 A ausência
de “proteção constitucional” para os programas metropolitanos, tal como
existe para as áreas da educação (Fundef ), da saúde (transferências federais
através da sistemática do Sistema Único de Saúde) e da qualificação profissional
(Fundo de Amparo ao Trabalhador), torna os programas urbanos vulneráveis
à conjuntura fiscal do governo federal. De fato, ao contrário da área urbanometropolitana em relação à qual pode-se observar com clareza a ausência de
uma política nacional, os programas na área de atenção à saúde, educação e
formação profissional foram objeto de uma estratégia política federal consistente. Já no âmbito do desenvolvimento urbano-metropolitano a União não
colocou em prática mecanismos de indução que garantissem a adesão das
entidades subnacionais a programas nessa área (MELO, 2004).
27São considerados como tipicamente urbanos os serviços de habitação, transportes, saneamento,
entre outros.
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O plano secundário ao qual se encontra relegada a questão metropolitana na agenda federal fica evidente quando se observa que, enquanto na
Constituição Federal de 1988 e, posteriormente, no Estatuto da Cidade, a
autonomia municipal e novos instrumentos de política urbana são colocados
à disposição dos governos locais, não se verifica nenhum avanço significativo
na escala metropolitana. Sabe-se que os dispositivos que tratavam da questão
metropolitana em versões iniciais do projeto de lei do Estatuto da Cidade foram
suprimidos na versão final, sob o parecer de que incorriam em “diversos vícios
de inconstitucionalidade” (MOREIRA; DE AMBROSIS; NETTO, 2001).
Propostas gestadas no âmbito acadêmico, tais como a transformação
das áreas metropolitanas conurbadas em um único grande município metropolitano (MACIEL, 1985) ou ainda propostas que, de forma mais sofisticada,
defendem uma institucionalização específica para os municípios das regiões
metropolitanas vis-à-vis dos demais (GOUVÊA, 2005), como forma de permitir
gestões metropolitanas mais eficientes são, no mínimo, de duvidosa aposta
institucional.
Ainda que dotadas de interesse acadêmico e alimentem a rica polêmica
envolvendo os possíveis impactos positivos esperados, bem como os “efeitos
perversos” não esperados (e não negligenciáveis), tais sugestões de “arranjos
institucionais” possuem vício de origem: apresentam baixíssimas possibilidades de viabilidade política tendo em vista as especificidades do federalismo
brasileiro e o peso adquirido pelos municípios enquanto entes federativos
plenos. Agreguem-se a esses os marcos definidos pelo sistema político, eleitoral e partidário – que também conspiram contra arranjos institucionais dessa
natureza – mas cuja discussão foge ao contexto deste artigo.
Em países federativos como o Brasil, os governos estaduais e as prefeituras
metropolitanas, embora reconheçam formalmente a importância da questão
institucional, tendem a vê-la como um “jogo de soma zero”, onde a maior
governança metropolitana implicaria redução de poder para o governo do
Estado e/ou dos municípios. Em uma situação desse tipo os atores públicos com
maior cacife político – agências estaduais de vocação urbana e municípios de
maior porte – mesmo reconhecendo a necessidade de um arranjo institucional
de caráter metropolitano para melhorar a prestação dos serviços e atividades
de “interesse comum”, tendem a se tornar conservadores e arredios frente a
propostas de mudanças do status quo, em virtude das incertezas envolvidas nesse
processo, que pode acarretar perdas em suas posições relativas (AZEVEDO;
MARES GUIA, 2002).
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Tal como apontado por Fernando Abrucio, pode-se afirmar que a gestão
metropolitana no Brasil enfrenta, atualmente, três grandes desafios. O primeiro
deles tem a ver com o fato de que as experiências de cooperação federativa,
sejam no âmbito das regiões metropolitanas, sejam no dos consórcios e afins,
são bastante heterogêneas e ainda incipientes, encontrando-se longe da necessária consolidação institucional.
O segundo desafio refere-se à ausência de um arranjo institucional intergovernamental, de cooperação federativa, para a gestão das regiões metropolitanas. A implementação desse arranjo é fundamental para que se produzam
bons resultados. No Brasil, desde a Constituição de 1988, pouco se fez para o
fortalecimento dos arranjos federativos. Vigora, hoje, no país um federalismo
compartimentalizado, onde prevalecem a competição e a não cooperação entre
os municípios, os Estados e a União. Ao frágil entrelaçamento institucional
entre níveis de governo soma-se a segmentação inerente às políticas setoriais,
o que reforça os entraves à cooperação intergovernamental.
O terceiro desafio a ser enfrentado refere-se à crença bem-intencionada,
porém ingênua, quando não perversa, que se instalou no país desde a Constituição de 1988: os municípios resolveriam sozinhos seus problemas de políticas
públicas, bastando que para isso lhes fossem repassados o poder e os recursos
necessários. Nas federações como a brasileira, essa proposição é falsa em termos econômicos, sociais e no âmbito das instituições e da competição política
local. Os governos municipais, na sua maioria, não dispõem de recursos financeiros e de capital humano ou social. Assim, ao se propugnar a cooperação
federativa, é preciso se ter clara a distinção dos papéis a serem desempenhados
pelo governo federal e pelos governos estaduais (ABRUCIO, 2004).
Embora possa ser reconhecido o fato de que a descentralização de recursos financeiros, organizacionais e políticos para os municípios produziu
benefícios importantes, também resultou em efeitos perversos consideráveis.
Dentre esses efeitos, como bem coloca Marcus André, a competição fiscal, o
neolocalismo e as dificuldades adicionais de coordenação interinstitucional.
Sem dúvida, o neolocalismo dos anos 1990 deslegitimou o planejamento
metropolitano, então considerado como prática autoritária, e produziu uma
agenda pública local ancorada no princípio de que todos (ou quase todos) os
problemas podem ser resolvidos localmente (MELO, 2004).
Parece haver entre os estudiosos do tema um virtual consenso sobre a
necessidade de uma postura mais integrada e cooperativa entre os entes federativos, de forma que Estados e União formulem e implementem políticas
juntamente com os municípios. Nesse sentido, o papel dos governos estaduais
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brasileiros deveria ser revisto, uma vez que têm atuado principalmente como
intermediários e distribuidores de recursos, pouco compartilhando suas decisões com os municípios.
Fica ainda evidente a importância da gestação de uma política metropolitana federal a ser pactuada, inicialmente, entre os diversos ministérios e agências
de vocação metropolitana e, posteriormente, com o Congresso Nacional. Esse
esforço poderia resultar no início de novas atividades de regulação e de linhas
de investimento federais permanentes, uma vez que transferências pontuais
de recursos – tal como ocorreu nos momentos em que a União investiu nessas
áreas a partir dos anos 1990 – não são capazes de garantir a implementação de
projetos de cunho estrutural nas áreas de saneamento, habitação, transporte,
entre outras que, necessariamente, exigem planejamento e investimentos
públicos de longo prazo.
Além disso, verifica-se que as possibilidades de aprofundamento de intervenção regulatória nas áreas metropolitanas, que nunca chegaram a ser
prioridade governamental, têm sido remotas. No campo regulatório, uma
das poucas exceções tem sido a tramitação no Congresso Nacional da Política Nacional de Saneamento que, espera-se, se converta brevemente em uma
realidade sem volta.
Acredita-se, ainda, que incentivos seletivos a serem oferecidos através de
políticas e programas federais financeiramente atraentes seriam instrumento
fundamental para o enfrentamento das dificuldades na ação cooperativa exigida
na implementação de projetos nas regiões metropolitanas e aglomerados urbanos. Os governos municipais e estaduais seriam motivados a aderir – através
de diferentes formatos institucionais e aportes de recursos próprios – a um
círculo virtuoso de cooperação e intervenção articulada, envolvendo os três
níveis de governo. Em suma, o que se busca é a construção de uma política
metropolitana de “soma positiva”, onde todos os atores envolvidos, em especial
a população-alvo, sejam beneficiados.
Nesse sentido, além das políticas de incentivos seletivos, tudo indica que
parece mais promissor apostar em uma cesta de instrumentos legais, dotada
de menor resistência política para ser aprovada, que viesse facilitar diferentes
tipos de aprimoramentos incrementais no federalismo brasileiro. Assim, uma
das alternativas de avanço parece ser a intensificação dos “consórcios públicos”
recentemente aprovados, que permitem a celebração de acordos mais estáveis
e duradouros entre diferentes agências públicas de vocação urbana – de mesmo nível ou de diferentes níveis de governo – envolvendo, inclusive, entidades
representativas da sociedade organizada.
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Ainda que toda federação conviva com a busca de um relativo equilíbrio
entre autonomia e interdependência, no caso brasileiro vivenciamos, segundo
Fernando Abrucio, um “federalismo compartimentalizado”, ocorrendo pouco
entrelaçamento entre os três níveis de governo. O autor argumenta que, para
ser eficaz, o “entrelaçamento” não pode se restringir às instituições vinculadas
às diversas esferas de governo, mas exige também que as políticas e os formatos
institucionais dos programas governamentais favoreçam essas interdependências federativas, o que raramente ocorre no Brasil (ABRUCIO, 2004).28
Em um país economicamente complexo, diferenciado do ponto de vista
regional e cultural e, principalmente, extremamente desigual em termos sociais, à União e aos Estados federados cabe, no mínimo, mitigar essas enormes
desigualdades, através de políticas redistributivas que transfiram recursos de
áreas mais desenvolvidas para regiões onde, em média, há um contingente
de setores com maiores dificuldades de inserção produtiva. Nesse sentido,
concordamos com Abrucio, para quem “o municipalismo, como projeto
democrático no Brasil, só dará certo caso o ‘intermunicipalismo’ e o entrelaçamento entre os níveis de governo tenham êxito. Se isto não acontecer, os
municípios podem ser constitucionalmente fortes... mas como poder e instância democrática, capaz de resolver os dilemas da coletividade, vão continuar
frágeis” (ABRUCIO, 2004).
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28Fernando Abrucio lembra, ainda, que “quando se fala em cooperação federativa é preciso se ter
claro qual o papel do governo federal e dos governos estaduais. Neste sentido, o papel dos governos estaduais brasileiros é ainda muito mal definido, pois funcionam mais como intermediários
e distribuidores de recursos, sem uma definição institucional que compartilhe mais o poder com
os municípios” (ABRUCIO, 2004).
96 | Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão metropolitana
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100 | Os “dois lados da moeda” nas propostas de gestão metropolitana
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Federalismo, relações intergovernamentais
e gestão metropolitana no Brasil
Carlos Alberto de Vasconcelos Rocha
Carlos Aurélio Pimenta de Faria
Os objetivos deste ensaio são modestos: discutir, de maneira panorâmica
e introdutória, a maneira como, desde a década de 1970, têm se institucionalizado no Brasil distintos modelos de gestão metropolitana. Destaque será dado
aos constrangimentos e incentivos à ação cooperativa das distintas esferas de
governo, no âmbito metropolitano, interpostos pelos padrões de relações intergovernamentais prevalecentes na Federação Brasileira. Para tanto, o trabalho
está estruturado da seguinte maneira: na primeira seção, discutimos o conceito
de “federalismo”, apresentamos as suas características e algumas formas de
classificação das distintas experiências internacionais. Na segunda, apresentamos brevemente a evolução do modelo federalista brasileiro. Na terceira e
última seção, analisamos algumas maneiras de se periodizar a experiência de
gestão metropolitana no país, desde o modelo implantado no início da década
de 1970, classificando os distintos modelos e dando destaque às modalidades
de relações intergovernamentais prevalecentes e aos seus impactos. Nas breves
considerações finais, é resgatada a inescapável interdependência entre gestão
metropolitana e o padrão de relações intergovernamentais vigente hoje no
país.
Federalismo: o que é
Em décadas recentes, os estudos sobre o federalismo ganharam relevo na
agenda de pesquisa da ciência política. Apesar da considerável produção de trabalhos realizados até o momento, essa área de pesquisa ainda se defronta com
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desafios que podemos caracterizar como básicos. Um desses desafios – talvez o
mais fundamental, mas nem por isso o menos problemático – é estabelecer um
consenso minimamente razoável sobre o próprio significado de federalismo.
Como exemplo do grau de dificuldade envolvido nessa definição conceitual,
Stewart listou 497 concepções diferentes para o termo (apud WRIGTH, 1997,
p. 103). É evidente que delimitar um campo de estudo com tal imprecisão
torna-se bastante complicado. Feita essa ressalva inicial, discutiremos, nesta
seção, o significado de federalismo, apontando alguns de seus dilemas.
Etimologicamente, a palavra “federalismo” vem do latim faedus, que significa contrato. Em sua dimensão histórica, o termo diz respeito a contratos
estabelecidos por unidades políticas para diversos fins. Especificamente, as
primeiras experiências federativas do mundo moderno tinham como objetivo
aumentar a capacidade de defesa militar e potencializar as condições de concorrência econômica de determinadas sociedades políticas.
Esses contratos procuram viabilizar a convivência de unidades políticas,
sendo constituídos por uma diversidade de motivos, como identidade cultural,
linguística, étnica e regional. Esses acordos coletivos estabelecem obrigações
mútuas entre os seus componentes. Em seu sentido mais contemporâneo, o
federalismo envolve a articulação de partes em “uma forma de organização
territorial do poder, de articulação do poder central com os poderes regional
e local”, que consiste em “um conjunto de complexas alianças, que buscam
a compatibilização de valores e interesses entre atores políticos” (AFONSO;
BARROS, 1995, p. 57).
Montesquieu, referindo-se às “repúblicas federativas” de seu tempo, afirma que o federalismo é uma “sociedade de sociedades”, que pressupõe “uma
convenção pela qual vários corpos políticos consentem em tornar-se cidadãos
de um Estado maior que querem formar” (1979, p. 125). Tal definição enfatiza a
possibilidade de expressão das vontades dos participantes envolvidos no acordo
federalista. Em outras palavras, o federalismo envolve a partilha de poder entre
os níveis de governo. Nesse aspecto, o federalismo se relaciona positivamente
com uma ideia específica de democracia, pois visa a garantir a expressão e a
autonomia de vontades e interesses não do povo genericamente, mas de grupos
parciais. Como muitos desses grupos podem ser minoritários no contexto de
uma unidade política, a adoção do critério das decisões por maioria deixa de
ser adequada, já que implicaria a submissão dessas minorias aos interesses e
vontades dos grupos majoritários. Os arranjos federalistas têm, nesse sentido,
características consociativas, pois adotam certos mecanismos que limitam o
poder das maiorias e protegem os interesses das minorias (LIJPHART, 1982).
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Uma característica central do federalismo é garantir simultaneamente a
unidade e a diversidade. Ao mesmo tempo em que envolve uma unidade de
partes que pactuam uma ação comum, estabelece um espaço para a afirmação dos valores e interesses de cada uma delas. Nesse sentido, o federalismo
é fundado em uma ambiguidade, já que a dimensão da unidade se estabelece
no contexto da diversidade. São dois processos que se desenvolvem simultaneamente: a disposição de se unir para propósitos comuns, mantendo simultaneamente a integridade das partes. Para Elazar, essa ambiguidade significa
“querer ter um bolo e comê-lo ao mesmo tempo” (1987, p. 64).
Conduzindo a discussão para um enfoque menos abstrato, há uma dimensão formal do fenômeno, expressa no desenho das instituições, e uma
dimensão sociológica, que se refere à diferenciação real de uma sociedade
por critérios de cultura, língua, identidades regionais ou outros aspectos.
Relacionar a existência de identidades sociais, culturais e políticas específicas
com as características institucionais de um sistema é algo complexo, pois
dessas identidades podem derivar arranjos institucionais diferenciados. Uma
sociedade diversa em termos de identidades, por exemplo, pode expressar ou
não essas diferenças em termos institucionais. Como afirma Baldi, o “federalismo é um exercício de criatividade institucional e não é necessariamente
reprodução de um desenho institucional” (1999, p. 6). Essa diversidade de
formatos que podem assumir os arranjos federais é, em grande medida, responsável pela ambiguidade do conceito. Se não há divergências na afirmação
de que federação envolve um contrato que visa a manter simultaneamente
diversidade e unidade, a controvérsia torna-se evidente com a existência de
uma grande variedade de arranjos institucionais denominados de federação,
independentemente das suas diferenças.
Essa falta de consenso sobre a definição dos traços caracterizadores de
um modelo federal leva diversos autores a contrastar federalismo com conceitos afins. Para alcançar alguma unidade conceitual, esses autores adotam a
estratégia de definir o significado de federação através da demarcação de sua
diferença com fenômenos afins. Essa forma de conceituar federalismo trabalha com as distinções entre os modelos unitário, federativo e confederativo.
O Estado unitário diferencia-se do federalismo por se caracterizar pelo poder
concentrado, que se impõe como única referência de uma sociedade política,
excluindo a existência de focos parciais de poder. O Estado federal, ao contrário, pressupõe a existência de partes com poder de decisão. Por outro lado, a
confederação compartilha com o federalismo a característica de que ambas
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fazem referência a um contrato entre unidades políticas para lograr objetivos
comuns. Na federação, no entanto, uma parte da soberania é repassada ao
órgão central, ao passo que na confederação a soberania das unidades é plena
e o órgão comum representa a soma das vontades das partes, sem o reconhecimento da existência de qualquer poder superior sobre elas. Segue-se que numa
confederação é possível a renúncia das partes ao pacto, conforme seus interesses
momentâneos. Ao contrário, no federalismo nenhum membro tem o direito
de renunciar unilateralmente ao pacto político inicial e seguir o seu caminho
individualmente, pois a unidade não pode ser questionada pelas partes.
O problema dessa forma relacional de definir o federalismo é que não
existem critérios que estabeleçam com maior precisão os limites entre um
modelo e outro. Essa dificuldade de definir com precisão as características de
cada um dos modelos aumenta em tempos recentes, pois os processos políticos
contemporâneos impactam, em graus variados, esses modelos, no sentido de
tornar ainda mais confusas suas características básicas. Atualmente, a distribuição territorial do poder tem configurado sistemas federais com tendências de
fortalecimento do centro e, ao mesmo tempo, sistemas unitários que abrem
espaços para a expressão de autonomias parciais. Como aponta Stepan (1999), a
distinção entre sistemas unitário e federal tem perdido capacidade de descrever
e classificar a complexidade que o fenômeno do federalismo tem assumido.
Uma proposta de processar esse conjunto de dificuldades foi fornecida
por Baldi (1999) e Stepan (1999), que tratam o federalismo no contexto de um
continuum que vai dos sistemas que contêm restrições mínimas ao centro de
poder (least center-constraining) aos que contêm restrições máximas (most centerconstraining). Um continuum que em um extremo é representado pelo sistema
unitário, passa pelo sistema federal e termina, no outro polo, representado pela
confederação. Essa ideia de continuum permite contemplar as diversas variações
institucionais entre os sistemas unitário, federal e confederal, a partir de um
critério que, de alguma forma, permite ultrapassar formulações rígidas dos
modelos, baseadas em definições de suas instituições características. A ideia
de center-constraining permite avaliar em que medida as instituições garantem
a autonomia das partes, pela restrição do poder do centro.
Apesar do amplo leque de instituições que podem ser consideradas como
características de um sistema federal, há pelo menos um consenso considerável
sobre os seus aspectos mais característicos. Mesmo assim, a variedade de possibilidades de combinação desses traços institucionais e o resultado diversificado
do seu funcionamento, em cada caso específico, relativizam o alcance desse
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acordo analítico inicial. Sem pretender desenvolver essas alternativas possíveis,
vamos apresentar a seguir os principais traços institucionais considerados como
caracterizadores do federalismo, dada a sua função de center-constraining:
1. Um sistema federal tende a ser dotado de referência constitucional, tanto
do governo central como dos outros níveis de governo, que proteja a soberania e a autonomia dos entes.
2. As regras que definem o pacto devem ser garantidas por um Poder Judiciário forte e independente, com a função de arbitrar a distribuição de poder
definida constitucionalmente e dirimir os conflitos entre os entes.
3. Deve haver uma distribuição de autoridade para legislar reservada tanto
ao governo federal quanto às unidades federadas. Nem sempre essa distribuição das prerrogativas de tomada de decisão sobre políticas públicas, ou
policy scope, é definida pela lei. Em vários casos, depende de negociações e
barganhas ad hoc.
4. Existência de bicameralismo, com a presença de uma câmara alta, com
representação territorial, ao lado de uma câmara baixa representativa da
população. Como se apontou anteriormente, o sistema federativo adota
mecanismos de proteção das minorias, como sobrerrepresentação das pequenas unidades e exigências de maiorias ou supermaiorias para efetuar
amplas mudanças políticas que afetem a distribuição da autoridade política
das partes.
5. O pacto federal requer uma distribuição de recursos financeiros que contemple, de alguma forma, os interesses dos entes envolvidos, habilitandoos a decidir sobre a alocação de seus próprios recursos. A questão fiscal é
um aspecto central para a configuração de um sistema federal, na medida
em que as alianças “são soldadas em grande parte por meio dos fundos
públicos” (AFONSO; BARROS, 1995, p. 57).
A definição desses aspectos institucionais é relevante, mas, de toda
a forma, insuficiente. Como se disse, as definições que buscam captar o
fenômeno pela sua dimensão formal, ou institucional, podem resultar em
equívocos. Mais do que as características institucionais, os processos políticos
devem ser considerados na caracterização de um sistema federal, pois “o
federalismo não é uma distribuição particular de autoridade entre governos, mas sim um processo, estruturado por um conjunto de instituições, por
meio do qual a autoridade é distribuída e redistribuída” (RODDEN, 2005,
p. 17). De fato, a real distribuição do poder territorial vai além do desenho
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institucional e das regras constitucionais. Como aponta Elazar (1987), muitos
países com estruturação institucional federal não o eram na realidade: essas
estruturas formais mascaravam uma concentração de poder de fato. Assim,
“no estudo dos governos federativos é sempre conveniente estudar as forças
reais que estão por trás da ficção em um sistema político” (RICKER apud
STEPAN, 1999, p. 24).
Em um esforço de fornecer uma definição mais abrangente e menos
equívoca do objeto em exame, Wrigth (1997) propõe o abandono do termo
“federal” e, em substituição, adota o termo “relações intergovernamentais”
(RIGs). Sem pretender avaliar aqui o alcance de sua proposta, vale apresentar os
três modelos de RIGs que ele propõe, já que contribuem para classificar os padrões de autoridade estabelecidos entre os entes governamentais. Em primeiro
lugar, ele define a autoridade coordenada como caracterizada pela existência de
limites claros e bem determinados, separando o governo nacional dos governos
subnacionais. No caso, os níveis de governo são independentes e autônomos,
unidos apenas tangencialmente, e as ações dos entes são separadas, reproduzindo o que se denomina de federalismo dual. Esse modelo estaria superado
pelas condições sociais e políticas hoje existentes, já que a complexidade dos
problemas sociais inviabiliza ações independentes e autônomas por parte dos
entes governamentais.
Em segundo lugar, outro padrão é o que ele chama de autoridade inclusiva,
caracterizado por relações hierárquicas: os Estados e localidades se submetem
ao governo federal, que é quem governa. Envolve a ideia de uma sociedade
nacional, que busca assegurar propósitos nacionais, através da formulação centralizada de seus objetivos. Os governos intermediários e locais dependem das
decisões nacionais, caracterizando subordinação e atrofia de sua autonomia.
Finalmente, Wrigth propõe o padrão que melhor descreve as relações de
poder dos sistemas políticos atuais, caracterizados pela crescente complexidade.
O modelo de autoridade superposta é caracterizado por interações negociadas
entre os entes. Nesse caso, as áreas operacionais dos níveis de governo incluem
simultaneamente unidades e funcionários nacionais, estaduais e locais, cuja
autonomia ou independência individual é relativamente pequena, pois o poder
de influência de cada ente é limitado e a autoridade é comumente negociada.
Permanecem áreas modestas de autonomia, pois as políticas não são de uma
só entidade governamental, mas envolvem relações de negociação e regateio
entre múltiplas entidades governamentais. Assim, nesse caso as RIGs são
caracterizadas pela busca de concertação: quem recebe ajuda deve também
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aceitar condições e prestar contas do seu desempenho. Isso não significa que
fica estabelecida de antemão a preponderância de relações cooperativas ou
competitivas, pois a preponderância de uma ou outra depende das condições
de cada caso específico. Esse modelo envolve o intercâmbio de recursos e
influência através dos limites governamentais, tornando possível alterar as
relações de autoridade entre os participantes. O poder, portanto, é disperso e
sua distribuição desigual. Reforçando a atualidade do modelo de autoridade
superposta, Rodden (2005, p. 20), no mesmo sentido, nota que as federações
têm evoluído para contratos incompletos e em constante renegociação, pois
na maioria dos casos o centro depende das províncias para implementar suas
políticas e não pode efetuar mudanças sem o consentimento das unidades
constituintes.
O federalismo no Brasil
A primeira experiência federal do mundo moderno se desenvolveu no
contexto do surgimento dos Estados Unidos da América, no final do século
XVIII. Desde então, esse modelo vem sendo adotado progressivamente em
diversas partes do mundo. Elazar, por exemplo, calcula que 40% da população
mundial vivem em países federais (1987, p. 6). Inspirando-se na experiência
norte-americana, o Brasil adotou a forma federativa de distribuição de poder
territorial com a proclamação da República, em 1889. O federalismo, no Brasil, significou assumir no plano das instituições a efetiva fragmentação do seu
poder territorial, que contrastava com as intenções de centralização política e
administrativa do poder central desde o período colonial. Num território das
dimensões do brasileiro, com uma grande dispersão populacional, o desejo
do centro de exercer o controle político sobre o território sempre apresentou
dificuldades para ser concretizado. Se o federalismo brasileiro não reflete clivagens étnicas, linguísticas e religiosas, é inegável a importância do papel das
elites regionais para o entendimento da política brasileira: as regiões, os Estados
e os municípios formam, historicamente, sistemas de poder que, dependendo
do momento, são reconhecidos ou não pelas instituições governamentais formais. Assim, ao longo do tempo, a distribuição territorial do poder no Brasil
vai configurando momentos de maior autonomia dos entes frente ao governo
central e momentos de afirmação deste frente aos Estados e municípios.
O federalismo brasileiro surgiu como resultado das pressões de elites
regionais para o reconhecimento da sua autonomia. Ao contrário do caso
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clássico dos EUA, cujo federalismo resulta da associação de unidades políticas
antes independentes entre si (come together type ou processo centrípeto), no
caso do Brasil o federalismo resulta da adequação dos interesses do centro aos
interesses regionais, como forma de manter a integridade do Estado nacional,
ameaçada pelas reivindicações de autonomia das regiões (hold together type ou
processo centrífugo).
De 1889 a 1930, instaura-se no Brasil um período de “federalismo oligárquico”, em que oligarquias regionais, especialmente dos Estados mais poderosos, afirmavam seu poder frente ao governo central. Com a Revolução de
1930, inicia-se um novo momento de tendências centralizadoras, que culmina
com o golpe do Estado Novo, em 1937, que significou a centralização do poder no governo central e o fim do regime federativo. Nesse período, o Estado
central brasileiro consolida-se, de fato, como o principal foco de poder sobre
o território. Os Estados funcionavam praticamente como agências administrativas do governo central. Em 1945, o regime federativo foi restabelecido,
instaurando uma lógica de competição de elites políticas regionais pelo poder
central, contrabalançada pelo grande poder de decisão das burocracias federais
consolidadas no período anterior.
Com o regime autoritário instaurado pelos militares em 1964, inaugura-se
um novo período de centralização do poder, caracterizado pela existência de um
federalismo “meramente nominal”, já que o poder do governo central passa a
limitar fortemente a autonomia dos entes federados. Expressão dessa tendência
centralizadora foi a reforma fiscal de 1966, que centralizou recursos públicos e
políticos de maneira inédita, instaurando uma situação de forte dependência
política e financeira dos governos subnacionais ao governo central.
Na década de 1980, um forte movimento pela democratização política do
país instaura um período de tendências descentralizadoras, com implicações
para a questão federativa e para a problemática da gestão metropolitana, como
veremos na próxima seção. As pressões pela democratização política do país
incorporavam movimentos de afirmação de Estados e municípios frente à
característica hipertrofia do poder central do período autoritário. A demanda
por democracia envolvia, como um dos seus aspectos centrais, a restauração
de um federalismo de fato, através da descentralização política, fiscal e administrativa. A Constituição Federal de 1988, elaborada com ampla participação
de diversos setores da sociedade, inclusive de prefeitos e governadores, consagra uma maior autonomia administrativa, fiscal e política para os Estados e,
principalmente, para municípios.
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O federalismo atual é, no Brasil, caracterizado pela existência de três níveis
autônomos de governo, pois os municípios são considerados entes federativos
com status similar à União e aos Estados, configurando uma federação trina.
São 26 Estados, o Distrito Federal, e cerca de 5.560 municípios, todos com
autonomia político-administrativa. Todos os Executivos e Legislativos estaduais
e municipais são eleitos pelo voto direto do eleitorado, estabelecendo assim
três níveis de governo legitimados pelo voto popular.
Em termos institucionais, o federalismo brasileiro cumpre os requisitos
tidos como característicos de uma federação. A Constituição de 1988 é a mais
detalhada de todas as constituições brasileiras, tratando, entre outros aspectos,
da distribuição territorial do poder. Os Estados e municípios também elaboram
as suas constituições (as Leis Orgânicas Municipais, no caso desses últimos). O
Supremo Tribunal Federal funciona como um tribunal da federação, dirimindo conflitos sobre as prerrogativas dos níveis de governo. No plano central, o
Brasil adota um sistema legislativo bicameral, com uma câmara territorial, o
Senado, onde todos os Estados elegem três representantes, independentemente
da dimensão do seu eleitorado. Na Câmara dos deputados, que representa
a população, há também sobrerrepresentação dos Estados menores, já que
nenhum Estado pode ter mais do que 70, nem menos que oito deputados
federais. Tais regras buscam potencializar o poder de pressão dos entes mais
fracos. Os legislativos estaduais e municipais, no entanto, são unicamerais. O
sistema partidário funciona, em boa medida, como espaço de expressão dos
interesses federativos, já que falta um sistema partidário forte e disciplinado
e com orientação nacional. Os partidos, no geral, são fragmentados pelos
interesses regionais.
Definir o federalismo brasileiro como descentralizado ou centralizado pode levar a equívocos. As relações federativas no Brasil são hoje mais
complexas, aproximando-se do modelo de autoridade superposta de Wrigth.
Poucas competências exclusivas são alocadas para os Estados e municípios.
A Constituição de 1988 estipulou, por exemplo, um amplo leque de funções
concorrentes entre as três esferas de governo (SOUZA, 2006a). Além disso, a
descentralização, no Brasil, foi implementada de forma bastante diferenciada
nos distintos setores de políticas públicas (ARRETCHE, 2000; ALMEIDA, 1995).
Cada área de política, como saúde, educação, assistência social, habitação etc.,
tem suas características próprias, em termos das relações federativas.
Conforme aponta Souza (2006a), ao estabelecer as responsabilidades
comuns aos três entes federativos, ficou nítida a opção por uma “divisão
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institucional do trabalho” compartilhada, que repercutiu num amplo e
complexo sistema de relações intergovernamentais. A iniciativa indica que
se buscava ampliar o caráter cooperativo do federalismo brasileiro. No
entanto, ainda hoje predomina a competição, tendo em vista, de um lado, as
desigualdades financeiras, técnicas e de gestão dos governos subnacionais,
que possuem capacidades distintas de implementação de políticas públicas,
e, de outro lado, certa fragilidade dos mecanismos constitucionais ou
institucionais que regulam as relações intergovernamentais e estimulam a
cooperação. Na verdade, o federalismo tripartido brasileiro torna as relações
intergovernamentais particularmente complexas, restando o desafio de
ampliação de seu caráter cooperativo, o que fica evidente no caso da gestão
metropolitana, como veremos a seguir.
Os três tempos da gestão metropolitana no Brasil
e as mudanças no padrão de relações
intergovernamentais na Federação 1
O Brasil vive, hoje, um momento de busca de superação dos efeitos
perversos da autonomização dos municípios, chancelada pela Constituição
Federal de 1988, que redundou na cristalização de um “municipalismo autárquico” (ABRUCIO; SOARES, 2001) ou de um “municipalismo a todo custo”
(FERNANDES, 2004). Iniciativas de busca de “desfragmentação” da gestão
pública no país têm sido desenvolvidas em várias áreas, como, por exemplo,
na constituição de uma diversidade de consórcios intermunicipais, de comitês
de bacias hidrográficas, de fóruns regionais e metropolitanos de múltiplos
propósitos, entre outras ações conjuntas, iniciadas pelos próprios municípios
e/ou pelas demais esferas da Federação. Tal processo tem também levado à
revalorização do planejamento metropolitano, na busca do desenvolvimento
regional e/ou de solução para problemas comuns, que transcendem as fronteiras municipais.
Alberto Lopes sintetiza com precisão o que se convencionou denominar
como o “problema metropolitano”, que, certamente, longe está de ser exclusividade brasileira:
A especificidade do metropolitano decorre do fato de os elementos do espaço
(meio ecológico, infraestruturas, sujeitos sociais) guardarem uma interdependência estreita, sistemática e cotidiana, manifesta de forma concentrada
1 Esta seção do trabalho é baseada em Faria (2008).
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em uma determinada fração do território que se encontra fragmentado pela
divisão político-administrativa vigente. (LOPES, 2006, p. 139)
No Brasil, é cada vez mais perceptível o fato de as metrópoles terem passado a concentrar a chamada questão social, até porque 41,23% dos brasileiros
viviam, em 2000, em áreas metropolitanas, sendo que tais áreas concentravam
43,51% da população economicamente ativa. Cabe destacar, também, que as
taxas de desemprego nessas áreas são maiores que a média brasileira (MOURA
et al., 2003).
No cerne da problemática metropolitana está o dilema da ação coletiva,
no sentido da necessidade de promoção da cooperação inter e intragovernamental, bem como intersetorial, que requer a articulação entre interesses
e preferências distintos, defendidos por atores e agências estatais, societais,
semipúblicas e privadas, que desfrutam de variados graus de autonomia, mas
atuam sobre o mesmo espaço territorial (SOUZA, 2006b). O objetivo maior
das instituições encarregadas da gestão metropolitana é, portanto, a superação
do dilema da ação coletiva.
Desde 1973, quando foram instituídas as oito primeiras regiões metropolitanas (RMs) do Brasil, é necessário distinguir a vigência no país de três
formas diferentes de institucionalização da cooperação intergovernamental,
quais sejam: (a) o modelo compulsório altamente hierarquizado, imposto pelo
governo federal no início da década de 1970, de forte viés “estadualista”; (b) o
modelo do “hipermunicipalismo simétrico”, instituído após as Constituições
Estaduais de 1989; e (c) o modelo de uma integração supostamente “negociada”, que está hoje em gestação ou em processo de implementação em algumas
RMs do país, como a de Belo Horizonte.
No Brasil, as regiões metropolitanas foram instituídas através da Lei Complementar nº 14, de 1973, que, ao regulamentar disposições incorporadas ao
texto constitucional pela Emenda nº 1, de 1969, criou as oito primeiras RMs
do país. Sob o signo do planejamento tecnocrático centralizado, a legislação
que institucionalizaria as regiões metropolitanas no país, mesmo buscando
priorizar a concertação dos atores estatais para a provisão de serviços comuns,
tratava as RMs principalmente como regiões de desenvolvimento e não como
regiões de serviços (MORAES, 2001). Para o regime militar instaurado em 1964,
o território tinha uma dimensão estratégica (LOPES, 2006). A institucionalização das RMs naquele período deve ser vista como “parte da política nacional
de desenvolvimento urbano, relacionada à expansão da produção industrial
e à consolidação das metrópoles como locus desse processo” (MOURA et al.,
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2003, p. 35). Nas palavras de Moraes, “a intenção do Estado ao institucionalizar
as RMs não era partir de, mas construir uma mesma comunidade socioeconômica,
do ponto de vista da criação de condições favoráveis ao desenvolvimento da
relação capital/produção/trabalho em pontos estratégicos do território nacional” (2001, p. 341).
A Lei Complementar nº 14, de 1973, logo em seu artigo 1º, determinou
os municípios que fariam parte das RMs instituídas, conformando o caráter
compulsório do modelo de gestão metropolitana originariamente implantado.
Tal determinação desconsiderou os distintos graus de comprometimento dos
municípios-membros no processo de metropolização.
Esse modelo de concertação compulsória, altamente hierarquizado,
caracterizava-se por um forte viés “estadualista”, por vezes considerado como
“simétrico”, em função do mesmo tratamento dispensado às RMs instituídas,
independentemente de suas singularidades.
Diversas foram as críticas endereçadas a tal arcabouço legal, as quais enfatizavam: a ambiguidade e imprecisão de seus objetivos e instrumentos; a ausência
de previsão dos recursos financeiros que viabilizariam a gestão metropolitana;
a rigidez do modelo institucional a ser implantado em realidades heterogêneas;
sua visão funcionalista e centralizadora, que não atentava para as desigualdades
intra e inter-regionais, para as distintas vocações, potencialidades e políticas
locais e para o impacto diferenciado das ações regionais sobre os municípios
ou sobre parte deles; a excessiva tutela dos técnicos da administração federal
sobre os estudos preliminares para a implantação de tal forma específica de
regionalização; a desvalorização do papel dos municípios e a grande concentração do poder decisório em uma esfera estadual fortemente controlada pelo
governo federal, entre outras (PACHECO, 1995; MORAES, 2001).
A despeito da pertinência de tais críticas, a razão principal do insucesso
dessas experiências pioneiras de gestão metropolitana deve ser buscada na
precariedade do equacionamento das relações intergovernamentais no âmbito
metropolitano, imprescindível para a garantia do comportamento cooperativo
dos principais atores envolvidos. Ficaram patentes tanto os desequilíbrios na
articulação entre os três níveis de governo (União, Estados e municípios) quanto
as dificuldades na ação cooperativa horizontal, entre os municípios de cada RM,
bem como a incapacidade de se produzir a coordenação intragovernamental,
entre órgãos de um mesmo nível de governo (PACHECO, 1995).
A gestão metropolitana instituída pela LC 14/1973 estava ancorada no
funcionamento de dois conselhos, um deliberativo e outro consultivo. O
Conselho Deliberativo (CD) era composto por seis membros, nomeados pelo
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governador do Estado, um deles indicado a partir de lista tríplice articulada
pelo prefeito da capital e outro pelos demais municípios-membros (HOTZ,
2000). O CD era presidido pelo governador do Estado, que indicava diretamente quatro de seus seis membros, sendo, assim, expressão cabal de seus
interesses e prioridades. Cabe recordarmos que os governadores de Estado
eram indicados pelo Executivo federal. Por seu turno, o Conselho Consultivo,
congregando os prefeitos dos municípios envolvidos ou seus representantes,
tinha funções bastante periféricas. Nas palavras de Montoro, “os conselhos
foram muito mais instâncias homologatórias de propostas técnicas levadas
pelo governo estadual que foros de debates de problemas de interesse comum”
(apud PACHECO, 1995, p. 197).
As entidades metropolitanas então instituídas foram pensadas como
instâncias administrativas, desprovidas de poder político (MORAES, 2001).
Nos termos utilizados por Wright (1997) para a classificação das relações
intergovernamentais, temos exemplificado, no caso da gestão metropolitana
do regime militar, o padrão de autoridade inclusiva. Nos termos propostos por
Stepan (1999), tínhamos no país, claramente, um federalismo com restrições
mínimas ao centro de poder (least center-constraining).
Pensando nas motivações para a ação metropolitana no Brasil e levando
em consideração as fontes de coesão e sustentabilidade da ação concertada,
Lopes afirma que esse primeiro período, que iria da primeira metade da década
de 1970 a meados da de 1980, caracterizou-se por uma “coerção simétrica”
implementada pelo governo federal. Isso em função da “iniciativa, da vinculação institucional, da sustentação política e financeira e do repertório de ações
metropolitanas empreendidas desde o governo federal” (2006, p. 144). Como
recorda o autor, foi criada à época, no âmbito federal, uma superestrutura de
apoio técnico e financeiro ao desenvolvimento urbano e às RMs, composta
pelo Banco Nacional de Habitação (BNH), pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (Serf hau) e pela Comissão Nacional de Política Urbana e
Regiões Metropolitanas (CNPU), que seria sucedida pelo Conselho Nacional
de Desenvolvimento Urbano (CNDU). No que diz respeito à questão do
financiamento, foram criados também os Fundos de Desenvolvimento Metropolitano, que priorizavam aqueles municípios que adotavam uma postura
de maior colaboração em relação às iniciativas capitaneadas pelo governo
federal e pelos Estados.
Em sintonia com as políticas macroeconômicas do regime militar, os investimentos nas áreas metropolitanas se concentraram na circulação, no transporte urbano e na construção civil, sendo as capitais dos Estados, as cidades-polo
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das RMs instituídas, tomadas como centros irradiadores do progresso para
as periferias. No que concerne à prestação de serviços públicos como água e
esgotamento sanitário, operou-se no período uma “centralização empresarial
em concessionárias da esfera estadual de governo” (LOPES, 2006, p. 146).
Tal modelo de gestão metropolitana foi denominado por Machado (2007)
de “modelo da tecnocracia esclarecida”, denominação essa que talvez merecesse um reparo, o de se acrescentar o termo “supostamente”.
Da articulação dos atores que se opunham ao regime militar e do repúdio generalizado ao centralismo que caracterizava o período de exceção,
cristalizou-se no país, em resposta também à perda de dinamismo da gestão
metropolitana no Brasil, na década de 1980, uma postura de “municipalismo
a todo custo”. O “municipalismo autárquico”, que se consolidava então, redundaria em um tratamento muito genérico da questão metropolitana pela
Constituição Federal de 1988, o qual encontraria reverberação em algumas
das constituições estaduais promulgadas no ano subsequente.
O texto constitucional de 1988 transferiu a responsabilidade de criação
das RMs para o âmbito estadual, reconhecendo a autonomia dos Estados para
a formulação de estratégias de gestão de seu território e potencializando a diversificação dos modelos de gestão metropolitana no Brasil. Tal possibilidade
redundou tanto na criação de novas RMs no país como na alteração dos limites
daquelas existentes. Contudo, a força do municipalismo no país levaria a uma
grande resistência em se priorizar a questão metropolitana, cujo enfrentamento
demanda ação cooperativa por parte dos atores envolvidos e, como uma das
alternativas então cogitadas, até mesmo a cessão de parcela da autonomia que
se concedia aos municípios. Tais embates explicam o tratamento genérico da
questão pela nova Carta Magna.
A despeito do trabalho de advocacy de alguns atores, o processo constituinte de 1986 a 1988 acabou redundando na refutação de soluções mais ousadas
à problemática metropolitana. Naquela época, oito das nove RMs do Brasil
prepararam um documento que, a partir de sua experiência de 15 anos de
gestão metropolitana, propunha que o pacto federativo do país incorporasse
uma nova instância, ou um quarto nível da Federação, o metropolitano. A
proposta baseava-se na constatação de que uma RM não se constitui apenas
como uma região de serviços comuns, socioeconômica, administrativa ou
de planejamento do uso do solo, sendo, fundamentalmente, uma instância
política. Tal proposta chegou a ser apresentada à Assembleia Constituinte,
mas não foi votada (FERNANDES, 2004).
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Ao contrário de outras experiências de governança metropolitana, sem
dúvida menos numerosas, calcadas no “modelo de coordenação supramunicipal”, como é o caso das RMs de Londres e de Toronto, por exemplo, a “segunda geração” de entidades metropolitanas no Brasil estava, então, fadada a
se constituir como variações do “modelo intermunicipal”. Na verdade, a partir
de um modelo intermunicipal orquestrado pelos Estados federados. Segundo
Rodríguez e Oviedo (2001), o “modelo intermunicipal” corresponde a um tipo
de governo cuja legitimidade é indireta, posto que assentada na autoridade
de seus membros, os municípios, tendo baixa autonomia financeira, uma vez
que os recursos são oriundos de seus membros e/ou de subsídios dos níveis
superiores de governo. Suas competências são definidas a partir de acordos
entre os municípios-membros, correspondendo a concessões de poder predefinidas e limitadas.
As diversas constituições estaduais, datadas de 1989, deram tratamento
muito diferenciado à problemática metropolitana, tanto no que diz respeito
à abrangência da regulação como aos distintos fatores privilegiados. Apenas
os Estados do Ceará e de São Paulo enfatizaram a importância estratégica
da participação estadual (AZEVEDO; MARES GUIA, 2000). Nas palavras de
Azevedo e Mares Guia,
A experiência brasileira posta em prática a partir dos anos 1970 evolui, durante as últimas décadas, de uma gestão metropolitana altamente padronizada,
imposta aos municípios pelo governo federal, para modelos mais flexíveis
peculiares a cada estado da Federação, combinando formas compulsórias e
voluntárias de associação que, constitucionalmente, se caracterizam por uma
maior participação dos governos locais. (2004, p. 98)
Em função do papel central dado às municipalidades nos arranjos institucionais característicos desse segundo momento de institucionalização das RMs
no país, parece-nos pertinente denominar o modelo instituído pelas Constituições Estaduais de 1989 como o de um “hipermunicipalismo simétrico”, uma
vez que a tendência, no âmbito estadual, foi a de não discriminação de papéis
diferenciados para os municípios-membros, segundo as suas particularidades
econômicas e demográficas e o seu tipo de inserção na dinâmica metropolitana.
Nesse segundo momento, o que se verifica, no que toca à gestão metropolitana, é uma aproximação, nos termos de Stepan (1999), ao modelo de restrições
máximas ao centro de poder, a União. Talvez se possa dizer, também, que
essa segunda geração do experimentalismo metropolitano no Brasil tenha
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sido uma expressão do modelo de relações intergovernamentais segundo o
padrão da autoridade coordenada, em função da existência de limites claros e
bem determinados separando o governo nacional dos governos estaduais,
em um contexto em que os níveis de subnacionais de governo teriam maior
independência e autonomia (WRIGHT, 1997).
O processo que se inicia com a promulgação das constituições estaduais é
derivado de um cenário não apenas de repúdio ao centralismo que havia caracterizado o regime militar, sendo também pautado pela crise de financiamento
do Estado e pelo desmonte da superestrutura de apoio do governo federal
ao desenvolvimento urbano. Nesse segundo momento de (re)organização
da gestão metropolitana no país, caberia distinguir, de acordo com Lopes, a
coexistência de dois conjuntos de experiências de gestão metropolitana, quais
sejam “aquelas remanescentes, ainda que renovadas, da matriz estadualista
do passado e as novas, identificadas com um protagonismo voluntarista cujo
projeto veio sendo construído local e regionalmente” (2006, p. 148).
Segundo a periodização proposta por Machado (2007), após o reconhecimento das dificuldades dessa forma exacerbada de municipalismo e com a
crise, muitas vezes aguda, das instituições metropolitanas instituídas,2 seguirse-ia um terceiro momento, de “integração negociada”, no qual, porém, a
questão do financiamento para as ações metropolitanas continua enfrentando
obstáculos políticos, institucionais e legais (ver REZENDE; GARSON, 2006).
Nesse terceiro momento de (re)organização da gestão metropolitana no país,
em que proliferam as iniciativas de “desfragmentação” da gestão pública,
ganha destaque o experimento institucional que se consolida hoje no Estado
de Minas Gerais, que não será discutido aqui em maiores detalhes, mas que
busca reequilibrar o papel dos principais interessados, não apenas dando voz
à sociedade civil, mas revalorizando o governo estadual e dando um peso
diferenciado aos municípios do eixo econômico da RM de Belo Horizonte
(FARIA, 2008).
Quando se recorda que, atualmente, o governo federal brasileiro volta
a pensar a necessidade de se fomentar a ação cooperativa de escopo metropolitano, talvez o que se projeta para o futuro seja uma maior possibilidade
2 A maioria das experiências de gestão metropolitana foi interrompida nos anos 1990 (SOUZA,
2004). “Com a nova realidade constitucional, o destino dos antigos órgãos metropolitanos ficou
totalmente à mercê das variáveis internas de cada Estado. Selando o fim do planejamento metropolitano, a maioria dos órgãos técnicos responsáveis por essa atividade é relegada ao plano
secundário ou mesmo extinta” (AZEVEDO; MARES GUIA, 2000, p. 135).
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de as relações intergovernamentais, também nesse âmbito, se aproximarem
do modelo de autoridade superposta, caracterizado por interações negociadas
entre os entes, não apenas interações horizontais, mas também verticais
(WRIGHT, 1997).
Brevíssimas considerações finais
Em trabalho recente, Celina Souza (2006b) discute os “principais constrangimentos às ações cooperativas nas RMs brasileiras”. São listados e analisados
quatro grandes constrangimentos: o federalismo competitivo do país; o fato
de o sistema tributário brasileiro promover a competição intergovernamental;
os efeitos perversos da descentralização promovida no Brasil, que resultou no
“neolocalismo” ou no “municipalismo a todo custo”; e, por fim, o peso da própria trajetória de institucionalização das RMs no país. Qualquer consideração
acerca do impacto esperado da implantação, ainda em curso, de uma forma
supostamente mais equilibrada, dita “negociada”, de busca de concertação e
cooperação entre os atores governamentais no âmbito de algumas das RMs do
país deve, assim, partir da constatação de que são particularmente agudos os
constrangimentos impostos pelo próprio pacto federativo do Brasil. Qualquer
solução autárquica, no âmbito estadual, estará necessariamente pressionada
pelas forças estruturantes do conjunto das relações intergovernamentais do
país.
O impacto do experimentalismo institucional no âmbito metropolitano,
que hoje volta a ganhar intensidade no Brasil, fica, por certo, condicionado
ao reconhecimento, explicitação e negociação da interdependência, conforme
as características do modelo de autoridade superposta proposto por Wrigth.
Afinal, como sugerido por Pressman há mais de 30 anos, as relações intergovernamentais irão sempre gerar “doadores” e “receptores”, que dependem
um do outro em um cenário em que nenhum deles tem completo controle
sobre a interação. Por isso são importantes os instrumentos de apoio mútuo,
construídos pela via de negociações que serão, necessariamente, parcialmente
cooperativas e parcialmente antagônicas (apud SOUZA, 2006b, p. 178). A mudança no modelo institucional, ainda que não possa ser vista como panaceia,
parece necessária, contudo, para que os impasses verificados nos modelos de
gestão metropolitana de segunda geração possam ser superados.
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Capacidades institucionais de governos
municipais e governança metropolitana
Cristina Almeida Cunha Filgueiras
Luciana Teixeira de Andrade
Este artigo parte da premissa de que, para promover a inclusão social, os
governos dos municípios precisam consolidar capacidades institucionais relacionadas aos âmbitos político, programático e operacional. O texto se inicia
com uma breve análise de argumentos sobre a governança metropolitana. Em
seguida, reflete sobre o lugar do governo municipal nas relações federativas
no Brasil e seu papel nas políticas públicas, em particular nas políticas sociais.
Em terceiro lugar, destaca especificidades da gestão social e as exigências por
elas impostas às administrações locais. Em quarto lugar, aborda as capacidades
municipais em relação às políticas de habitação e segurança pública.
É recente a retomada do interesse acadêmico pelo estudo sobre gestão
das metrópoles no Brasil. Em um amplo trabalho sobre o tema, Garson (2009)
analisa a complexidade do sistema urbano-metropolitano e a existência de
duas faces paradoxais. A primeira delas se refere à face do sistema urbanometropolitano como um ativo do desenvolvimento, dadas as sinergias entre
urbanização e crescimento econômico. A outra é a face do passivo, isto é, as
extremas desigualdades econômicas e sociais e a concentração de carências de
bens e serviços. A ausência de arranjos políticos e institucionais que dotem as
regiões metropolitanas de governabilidade está, segundo a autora, impedindo
o enfrentamento dos volumosos e graves problemas.
As análises sobre a gestão metropolitana convidam a refletir sobre o
conjunto do aglomerado urbano e suas condições de governabilidade. Nessa
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perspectiva, importa considerar em conjunto o sistema metropolitano, já que
as soluções não poderão vir do somatório de ações particulares dos governos
locais, sem efetiva coordenação e aliança entre eles. Reconhecendo a relevância
da reflexão sobre o conjunto, pretendemos neste texto, contudo, chamar a
atenção para as partes que compõem o todo metropolitano, destacando que
os processos passam por instâncias político-administrativas em vários níveis,
sendo um deles necessariamente o governo de cada município. O argumento
básico desenvolvido no texto é que se deve procurar tanto criar gestão metropolitana efetiva quanto fortalecer a gestão local.
Os estudos sobre a governança metropolitana têm se concentrado nas
soluções institucionais e arranjos para o problema do governo, isto é da tomada de decisões e autoridade. Trata-se de um tema de grande complexidade,
considerando-se a legislação brasileira, a descentralização fiscal e tributária
e também a cultura política. Contudo, para pensarmos a inclusão social, é
necessário lembrar que o governo municipal desempenha papel essencial na
prestação de serviços e entrega de bens ao cidadão. Do ponto de vista da inserção social, é ele que gere programas sociais básicos: é o responsável, entre
outras coisas, pelo funcionamento de escolas, unidades de saúde; é o empregador dos funcionários públicos que prestam serviços diretamente à população.
Deficiências nesses âmbitos poderão comprometer os objetivos de promoção
da inclusão social. Nas metrópoles brasileiras, os bolsões de pobreza convivem
com setores de renda média e alta, em uma composição territorial e social
extremamente tensionada. Nesse contexto, a luta contra a fragmentação e
a segregação urbanas exige políticas de desenvolvimento local e combate às
desigualdades. O enfrentamento da exclusão, por sua vez, requer políticas de
proximidade e de coesão social que impõem exigências de diversos tipos aos
governos e à sociedade (SUBIRATS; BRUGUÉ, 2004).
No contexto metropolitano, enfrentar os problemas relacionados à exclusão social demanda sinergia e a formação de alianças. Daí a importância dos
consórcios intermunicipais, que reúnem municípios em torno de objetivos
comuns, procurando formular e executar de forma conjunta planos para o
enfrentamento de problemas que ultrapassam a capacidade de resolução de
cada município separadamente. Os consórcios parecem ser uma boa alternativa
para a oferta de serviços que exigem uma escala financeira e econômica que
muitos municípios não possuem, ou que requerem coordenar e integrar ações
(por exemplo, para manutenção de serviços de proteção ao meio ambiente,
saúde, tratamento de lixo, etc.).
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Considerando-se que a política pública tem por objetivo criar valor público, lembramos que, no âmbito da política social, esse valor se concretiza
quando a política chega ao cidadão e lhe fornece oportunidades, proteção e
bem-estar. No modelo brasileiro, é o governo local que operacionaliza o acesso
do cidadão aos bens e serviços urbanos e sociais aos quais ele tem direito. Para
examinar a situação dos governos locais, na próxima seção contextualizaremos o papel das administrações municipais nas políticas públicas no país e a
influência de relações federativas sobre o modo como foram descentralizadas
as políticas sociais.
Descentralização de políticas sociais e
relações federativas 1
Não resta dúvida de que em muitos países do mundo ocorreu, nas últimas
décadas, forte expansão da agenda social dos municípios, com as potencialidades e riscos que tal expansão pode representar. Na literatura a respeito da
transferência de atribuições e recursos dos governos centrais para regiões e
governos locais, alguns críticos chamam a atenção para a possibilidade de tal
medida representar apenas uma forma de o Estado reduzir seu papel no social,
levando à privatização da prestação de serviços sociais, deixando que os mecanismos de mercado e a dinâmica econômica deem respostas às necessidades
da população em matéria de serviços sociais.
Muitos programas de descentralização fracassaram devido à falta de capacidade gerencial e técnica no âmbito local para absorver as funções atribuídas
a seus gestores. Franco (2003) chama a atenção para a fragilidade das estruturas institucionais de base local em quase todos os países latino-americanos,
advertindo que os responsáveis pelas políticas sociais descentralizadas nem
sempre contam com adequados recursos humanos, infraestrutura e recursos
financeiros para cumprir as responsabilidades descentralizadas e para promover
os objetivos das políticas sociais. Nesse contexto, a descentralização inadequadamente conduzida pode comprometer seriamente a equidade e aumentar as
desigualdades tanto entre regiões como entre segmentos da população.
Netto (1995), em uma perspectiva mais otimista, destaca o papel que
o município pode desempenhar na solução dos problemas da população.
Segundo esse autor, a entrega de maior número de atribuições ao município
para atuar na área social é tanto mais necessária e importante se tomarmos
1 Esta seção está elaborada com base em Filgueiras (2006); Filgueiras e Caetano (2008).
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em conta a proximidade da população com esse nível de governo. Por atuar
em escala menor, o governo local poderia ser menos burocratizado, com
estruturas organizacionais menos dispendiosas, mais ágeis, flexíveis e sensíveis
aos problemas dos cidadãos. O autor destaca ainda o argumento de que as
políticas municipais tenderiam a ser mais facilmente sujeitas à transparência e
ao controle social. Além disto, os governos locais teriam mais facilidade para
mobilizar recursos comunitários, os quais se somariam aos recursos públicos
para a prestação de serviços.
No Brasil, porém, a realização dessas promessas e a confirmação das potenciais virtudes das administrações locais não ocorreram de modo automático.
Deve-se recordar que os governos locais também são cenário do exercício das
gramáticas políticas do clientelismo, do favoritismo e do patrimonialismo na
gestão dos bens públicos (NUNES, 1997). É necessário considerar, também,
que distintas culturas políticas atravessam as ações coletivas e incidem nos sistemas de proteção social (OLIVEIRA, 2003). Somem-se a isso os problemas de
articulação e coordenação entre os níveis de governo, a ausência de capacidades
gerenciais e técnicas nos governos locais e a grande debilidade institucional em
termos de recursos humanos, financeiros, informação e capacitação.
As causas da descentralização de políticas públicas no Brasil foram tanto
de ordem política, devido à reação à ditadura militar e ao processo de redemocratização, quanto de ordem econômica, provocada pela crise fiscal. A Constituição brasileira de 1988 ampliou as atribuições do município, conferindolhe responsabilidades nas áreas de saúde, educação, habitação, urbanismo e
assistência social, entre outras. Além disso, fixou um expressivo aumento da
participação do município nas receitas tributárias. Entretanto, tal aumento
mostrou-se modesto frente aos novos encargos assumidos. Posteriormente,
importantes normativas jurídicas, tais como as leis orgânicas, em particular
nas áreas de saúde, educação e assistência social, assim como o Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), atribuíram ao governo local parte substancial
dos deveres de organização de serviços sociais e de garantia dos direitos dos
cidadãos à proteção e ao bem-estar.
O sistema tributário e fiscal brasileiros, desde a Constituição de 1988,
instituiu um sistema legal de repartição de receitas que diminuiu a capacidade
de gasto do governo federal, com o aumento das transferências de recursos
para o nível local. Por outro lado, os municípios assumiram alguns impostos,
o que lhes deu a possibilidade de aumentar a arrecadação. Evidentemente,
tais mudanças geraram situações diferenciadas entre os municípios, em razão
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do porte e da capacidade de arrecadação de cada um deles. Os municípios de
pequeno porte, em sua grande maioria, tiveram suas atribuições aumentadas,
sem que tenha ocorrido, contudo, aumento da sua capacidade financeira. Por
sua vez, com maior autonomia fiscal, alguns municípios de médio e grande
porte tiveram possibilidade de adotar uma agenda de iniciativas e projetos com
mais independência frente à agenda do Executivo federal (SOUZA, 2004).
A descentralização fiscal ocorrida desde a reforma constitucional não foi
suficiente para a descentralização de políticas sociais. A lentidão do processo
de descentralização das políticas sociais até meados dos anos 1990 sugere, segundo Almeida (1995), resistência dos governos estaduais e locais em assumir
responsabilidades. Somente na segunda metade dos 1990, durante os mandatos
do presidente Cardoso, pôde ser significativamente alterada a distribuição de
competências entre municípios, Estados e governo federal para provisão de
serviços sociais. Conforme a autora, a descentralização “ocorreu quando o
Governo Federal reuniu condições institucionais para formular e implementar
programas de transferência de atribuições para governos locais” (1995, p. 45).
Como consequência, ainda nos anos 1990, a atenção básica de saúde foi transferida para os municípios e ocorreu a municipalização da oferta de matrículas
no ensino fundamental.
Os programas sociais inseriram-se no complexo padrão de relacionamento federativo brasileiro, e sua implementação foi influenciada por acertos e
problemas advindos da descentralização das políticas sociais desde os anos 90.
Na federação brasileira, coexistem tendências descentralizadoras e centralizadoras, em que governo federal, Estados e municípios se articulam de maneiras
diversas em cada uma das áreas de política pública. Desse modo, arranjos
com diferentes graus de descentralização e cooperação intergovernamental
predominam nas áreas de educação, saúde e assistência social (ALMEIDA,
1995; ALMEIDA, 2005).
Na área da assistência social, as normas legais previam que a organização e a gestão da política “dar-se-iam pela estruturação de um sistema
descentralizado gerido pelo órgão competente de cada instância de governo,
com as atribuições definidas, contando com a participação da sociedade civil,
buscando estabelecer uma relação dinâmica, orquestrada e, principalmente,
ordenada, tanto horizontal quanto verticalmente, entre os diversos atores
sociais vinculados à área” (LIMA, 2003, p. 107). Entretanto, as deficiências do
aparato institucional no setor (ou seja, baixa capacidade técnica e decisória,
parcos recursos financeiros), bem como o escasso investimento público para
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ampliá-lo e fortalecê-lo, dificultaram a regulamentação e a implementação da
Lei Orgânica da Assistência Social.
A fragilidade financeira e a precariedade da máquina administrativa dos
governos municipais estão entre os elementos que prejudicam a gestão local
e a coordenação. Mello (2001) identificou a carência de capacidade técnica em
municípios em áreas-chave da administração municipal. Por exemplo, dificuldades financeiras dos pequenos municípios que não arrecadam suficientemente
os tributos de sua competência porque não contam com cadastros atualizados.
Municípios que não possuem profissionais na área de contabilidade e têm
dificuldades até em prestar contas sobre os recursos recebidos. O quadro de
pessoal é outro aspecto que se revela problemático nas prefeituras, tanto em
termos de quantidade como de qualidade dos recursos humanos e da incidência
das contratações sobre o orçamento.
O grau de descentralização e a forma como esta ocorre são também
afetados pela dinâmica política e social interna de cada localidade, em que
têm lugar relevante as pressões exercidas pela sociedade civil sobre o governo
local e o próprio projeto político de cada gestão (FARAH, 2001, p. 131). Além
disto, os municípios não são mais meros executores das políticas formuladas
e financiadas desde o nível central. Para que os programas de combate à pobreza do governo federal, de educação e de saúde sejam eficazes, tornou-se
indispensável que as prefeituras também façam investimentos nessas áreas, o
que implica não apenas destinar recursos, mas também planejar, executar e
controlar.
Considerando-se o que foi mencionado, a descentralização de políticas
sociais é um fenômeno complexo e ambíguo. Não se trata de mera questão
de transformação administrativa. Em verdade, ela é eminentemente política.
O processo de descentralização não ocorre em um vazio, ao contrário, requer
uma complexa engenharia político-institucional. São componentes importantes dessa engenharia o relacionamento intergovernamental e os arranjos
institucionais que permitem gerir os problemas relacionados à coordenação
e à autonomia em cada área específica de política (ARRETCHE, 2004). A
implementação de políticas sociais pressupõe adesão, estratégias de indução
e espaços de coordenação e de barganha intergovernamentais.
De acordo com Abrucio (2005), algumas conquistas da descentralização
– principalmente maior autonomia derivada de conquistas tributárias e democratização do poder em alguns municípios – não apagaram os problemas
dos governos locais brasileiros. Questões como as deficiências econômicas e
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administrativas, o municipalismo autárquico e uma cultura política que dificulta a accountability democrática continuam a apresentar obstáculos ao bom
desempenho dos municípios no país.
Capacidade institucional e gestão social em
governos municipais
Um aspecto que deve ser levado em consideração é a organização do governo municipal para a execução das políticas sociais. O organograma da área
social e a capacidade institucional dos órgãos gestores são alguns dos muitos
fatores que podem incidir sobre o desempenho de programas nesta área. A
frágil capacidade técnico-operacional das administrações municipais pode
ser constatada pela deficiência na oferta de serviços públicos, pela precária
informatização dos procedimentos administrativos, pelo reduzido número
e baixa capacitação profissional dos quadros técnicos, pelos procedimentos
orçamentários desvinculados da atividade de planejamento e não submetidos
a controle social e pela administração escassamente dotada de instrumentos
adequados para o planejamento a médio e longo prazo (SANTOS JR., 2001).
Ao examinar as transformações das instituições de governo local no Brasil,
Santos Jr. (2001) assinala que a municipalização das políticas públicas gerou
maior responsabilidade dos governos municipais com relação às necessidades
e demandas dos cidadãos e, em muitas cidades, o aprofundamento da democratização da esfera local de governo. Foram criadas novas formas de interação entre governo local e sociedade, através de mecanismos de participação
social, principalmente os conselhos municipais. O autor assinala, entretanto,
que os municípios brasileiros diferem muito entre si, tanto na forma como
são garantidos os direitos sociais como em relação ao grau de desigualdades
socioeconômicas que interferem na possibilidade de ampla participação dos
cidadãos na dinâmica política municipal. Entre os municípios examinados –
que, embora pertencentes à região metropolitana do Rio de Janeiro, podem
refletir a situação de grande parte das regiões metropolitanas brasileiras – é
bastante diferenciada a infraestrutura e a rede de serviços públicos.
Outros problemas comuns, apontados por Santos Jr. são a inexistência
de cultura partidária e a grande rotatividade dos partidos políticos à frente
das administrações municipais, provocando instabilidade e descontinuidade
administrativa, o que impede o desenvolvimento institucional local. A isto
se soma a incapacidade das elites locais em construir um projeto de cidade,
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revelado pelo fato de grande número de prefeituras não apresentarem sequer
programa de governo.
Para desempenhar as funções que lhe são exigidas pela descentralização,
cada governo deve exercer autoridade social em seu âmbito de atuação. A
fragilidade do município no sistema governamental brasileiro não se deve,
portanto, somente a limitações financeiras para investimento social. A maior
disponibilidade de recursos não garante sozinha a capacidade técnica e de
planejamento do governo local, mesmo sendo necessário reconhecer que
nos municípios mais pobres, isto é, com menos recursos para investimentos,
parecem ser ainda maiores as debilidades organizacionais, assim como a falta
de instrumentos gerenciais e de recursos humanos qualificados para o desempenho das múltiplas funções da gestão social.
Apesar do quadro pouco animador descrito acima, não existem no país
apenas problemas e defeitos na atuação das administrações locais nos temas
sociais. Como demonstra Farah (2001), existem experiências bem-sucedidas,
algumas inovadoras, que podem ser caracterizadas como políticas públicas
responsivas com relação aos cidadãos, que buscam minimizar as práticas clientelistas vigentes e a captura das esferas públicas por interesses corporativos e
particularistas, procuram gerar práticas e estruturas horizontais, experiências
de participação e de empoderamento de grupos em situação de vulnerabilidade
social. Há governos locais que têm promovido inovações e aperfeiçoamento
nos processos de formulação e implementação de políticas públicas, incluindo
novos atores e/ou construindo novos formatos institucionais, promovendo
ações integradas dirigidas a um mesmo público-alvo, em substituição a ações
fragmentadas. Neste trabalho, contudo, não abordaremos tais experiências.
A descentralização é fator importante – mas não o único – que explica a
forte expansão da agenda social dos municípios ocorrida nas duas últimas décadas no Brasil. Os governos municipais não são meros executores de programas
financiados e formulados desde os governos central e estadual, pois o modelo
de políticas sociais no país supõe que eles tenham também oferta própria de
serviços e bens à população. Tal expansão da agenda, entretanto, nem sempre
foi acompanhada de real capacidade dos governos locais para absorver as responsabilidades e funções que lhes foram atribuídas, seja no planejamento seja
na implementação de políticas e programas, como já mencionado.
As questões político-institucionais ocupam lugar importante entre os
fatores limitantes da atuação do governo municipal na área social. A respeito
do ambiente institucional, a literatura sobre políticas públicas chama a atenção para o fato de que o desenvolvimento passado das instituições deve ser
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considerado. A trajetória passada (path dependence) de cada instituição interfere nas políticas e na sua atuação. A capacidade administrativa inclui fatores
organizativos e procedimentos técnicos, entre eles desenvolvimento de recursos humanos, habilidades para formular e coordenar políticas, também para
gerir os ciclos de vida dos programas. Estas são condições internas ao aparato
estatal, que, contudo, estão fortemente associadas ao manejo de recursos de
poder, à legitimidade e apoio com que contam os governantes para definir
e exercer um projeto de governo, estabelecer prioridades e implementá-las
(REPETTO, 2004). É importante ter em conta, ainda, que as características
próprias do poder local interferem no desempenho das políticas públicas de
cada município.
Ao tratarmos das políticas sociais, é indispensável ter em conta os desafios específicos da gestão social, devido ao fato de ela estar mais associada à
prestação de serviços e atendimentos do que à produção e entrega de bens. O
campo das políticas sociais apresenta grande complexidade, resultado de diversos elementos, entre eles a amplitude dos problemas sociais, os determinantes
complexos da pobreza, a estreita dependência do social com relação à estrutura
econômica e ao crescimento. Além da pobreza, fenômeno multidimensional
e dinâmico, apresenta-se cada vez mais nas grandes cidades o fenômeno da
exclusão, associado não somente a desigualdades no acesso a recursos materiais
como também ao enfraquecimento dos processos de integração social.
O enfrentamento das situações de pobreza e exclusão obriga a organizar
respostas complexas pois, como aponta Martínez (1998), nos programas sociais
se combinam com frequência baixa ‘programabilidade’ das ações e elevada
interação com os beneficiários. Tal situação exige flexibilidade e adaptação dos
implementadores. Vale destacar também que o processo de implementação
de políticas sociais depara frequentemente com incertezas provocadas por
uma diversidade de fatores, tais como: a natureza complexa dos problemas
sociais; a emaranhada cadeia de hipóteses e a tecnologia branda de intervenção
(fortemente apoiada em recursos humanos); a multiplicidade de organizações
envolvidas e, logo, a exigência de coordenação interna e externa. Em alguns
setores de políticas sociais, parte significativa das ações é executada por terceiros (prestadores de serviços, entidades sociais, empreiteiras), portanto as
administrações municipais devem possuir instrumentos objetivos para relacionamento com essa rede de implementadores. Além disto, qualquer gestor pode
enfrentar turbulências associadas a mudanças de governo, cortes de recursos,
deterioração de situações econômicas, sociais e/ou políticas.
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Para que os governos municipais cumpram seu papel de gestores das
políticas públicas em um contexto de descentralização e atendam à sociedade, eles devem contar com robustas capacidades institucionais. A criação
de capacidades institucionais não ocorre de um momento para outro e não
percorre os mesmos caminhos nas administrações municipais. Além disso,
uma vez adquiridas, tais capacidades não podem ser consideradas instaladas
para sempre. Ao contrário, elas evoluem, devem ser aperfeiçoadas e podem
até desaparecer, caso não sejam feitos esforços contínuos pelos gestores locais
ou caso esses gestores decidam fazer rearranjos no aparato municipal e estes
possam, eventualmente, provocar retrocessos na capacidade administrativa.
Um breve olhar sobre as áreas de segurança e habitação
Neste artigo, escolhemos para análise duas políticas sociais: segurança
pública e habitação. Essa escolha se justifica porque ambas estão intimamente
relacionadas ao processo de urbanização e, em especial, ao de metropolização.
Além disso, são áreas de política pública com escassa institucionalização nos
governos municipais.
O crescimento das periferias precárias rompendo as fronteiras municipais
e o alto índice de deslocamentos diários da população dessas periferias para
os centros e subcentros metropolitanos são fortes indicadores da natureza
metropolitana do problema da habitação. O encarecimento da terra nas áreas
próximas aos locais de trabalho e estudo constitui um dos fatores de expulsão
dos mais pobres para as periferias metropolitanas, gerando territórios fragmentados espacialmente e ao mesmo tempo integrados por esses fluxos cotidianos.
Em geral a integração se faz dos bairros periféricos com o polo metropolitano,
sendo fraca a relação entre eles e as sedes municipais.2
Já a criminalidade, cujo crescimento se fez sentir de forma mais aguda a
partir da década de 1980, parece ter fortes relações com as questões habitacional, metropolitana e territorial. Vários estudos, desde os pioneiros da Escola
de Chicago até os mais recentes, mostram que os crimes contra o patrimônio se concentram nas áreas mais ricas e os crimes contra a pessoa atingem
2 Nas décadas de 1970 e 1980, surgiram bairros na fronteira da cidade de Belo Horizonte com os
municípios vizinhos. Em geral, eles ficavam distante das sedes de seus municípios e mantinham
fracas relações com estes. Atualmente, esse processo se estendeu para os municípios mais distantes. Trata-se de periferias metropolitanas que acumulam várias precariedades. Do ponto de
vista da gestão das políticas públicas, entre elas a da segurança, a gestão de um território desse
tipo torna-se muito mais complexa, pois é como se fosse outra cidade.
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preferencialmente as áreas mais pobres e com habitação precária, sejam elas
favelas das áreas centrais ou bairros e favelas periféricas (BEATO; PEIXOTO,
2005). A incidência dos crimes acompanha também a dinâmica metropolitana
e populacional, com índices inicialmente maiores no polo e posteriormente
nas periferias próximas. Por exemplo, atualmente os municípios da Região
Metropolitana de Belo Horizonte com média integração (Observatório das
Metrópoles, 2006) apresentam taxas de crescimento da criminalidade violenta
superiores às do município-polo e daqueles com alta integração, evidenciando o
fenômeno da descentralização e disseminação da criminalidade metropolitana
(DINIZ; ANDRADE, 2008).
Como mencionado, a década de 1980 surpreendeu o país com o aumento da violência urbana. Esse crescimento, responsável por um generalizado
sentimento de insegurança, não se distribui de forma homogênea por todo o
território metropolitano, nem ocorreu de forma simultânea em todas as regiões metropolitanas. Em algumas esse crescimento só se fez sentir na década
seguinte, 1990, e em outras, apenas a partir de 2000.3
Apesar desses descompassos, as manifestações da criminalidade metropolitana são muito semelhantes. Segundo Silva, é isso que faz com que a “violência
urbana” seja uma representação coletiva e uma categoria de entendimento do
senso comum, afinal “todo mundo sabe o que é ‘violência urbana’” (SILVA,
2008, p. 35). Essa semelhança refere-se à disseminação do tráfico de drogas
e de armas e de uma “sociabilidade violenta” entre os jovens que vivem nas
periferias metropolitanas, sejam elas as favelas das áreas centrais (periferia
social) sejam as periferias e favelas metropolitanas (periferia geográfica). Os
homicídios, mais estudados em função da sua gravidade e da melhor qualidade
das estatísticas, têm entre suas vítimas preferenciais o jovem pobre, morador
da periferia, do sexo masculino e em sua maioria negra. Ainda que os dados
do agressor sejam mais rarefeitos, seu perfil não difere fundamentalmente
da sua vítima. Territorialmente, os homicídios se concentram nas áreas mais
precárias do ponto de vista habitacional e de infraestrutura, sendo, portanto,
mais um elemento de vulnerabilidade social.
Uma consequência do crescimento da criminalidade foi o seu entendimento como um problema social a exigir do Estado ações mitigadoras.
3 Essas considerações têm como fonte uma pesquisa do Observatório das Metrópoles, ainda em
curso, sobre os homicídios nas regiões metropolitanas brasileiras. Sua fonte são os registros dos
homicídios do Datasus.
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Essa resposta, no entanto, não se fez de forma imediata. Somente em 2000 o
governo federal lançou o Plano Nacional de Segurança Pública e nas eleições
municipais desse mesmo ano, vários candidatos a prefeitos incorporaram em
suas campanhas o tema da segurança.4
Mas o que o município pode fazer pela segurança de seus cidadãos? As
iniciativas mais disseminadas foram: criação das guardas municipais, dos
conselhos de segurança e de órgãos de gestão especializados no tema, como
as secretarias de segurança ou de defesa social. Os conselhos se constroem a
partir da ideia da participação da população na definição e implementação das
políticas públicas; a guarda municipal se ocupa do policiamento preventivo
e comunitário. Todas essas iniciativas pressupõem a elaboração de políticas
públicas específicas, além de focarem mais na prevenção do que na repressão.
O foco na prevenção talvez seja a principal contribuição das ações do âmbito
municipal, o que pode ser facilitado pelo conhecimento mais próximo do contexto social e histórico e da configuração territorial do município. Mas essas
vantagens não estão automaticamente garantidas, pois a municipalização da
segurança, como a de outras políticas, tem também seus riscos, entre eles a
apropriação privada pelas elites locais dos serviços públicos de segurança
(SOARES, 2005). Isso permite concluir que tanto a participação popular
quanto o conhecimento prático podem ser eficazes se partirem de um bom
diagnóstico e de um plano de ação. Além do que, o município deve também
atuar de forma coordenada com os governos estadual e federal.
Além das medidas acima citadas, os municípios podem fazer benfeitorias
urbanas em áreas mais violentas e inseguras, desenvolver campanhas educativas
como as de desarmamento, de conscientização, de fiscalização de atividades
ilegais frequentemente envolvidas com crime, como oficinas de desmanches,
entre outras, criar serviços de disque-denúncia, além de desenvolver políticas
focalizadas, seja nos grupos ou nas áreas mais vulneráveis.5 Enfim, há um
leque extenso de ações que o município pode encampar desde que tenha uma
política na área.
4 Talvez pela herança histórica do país, o tema da segurança tenha sido tradicionalmente abordado
como uma questão de repressão, com frequência repressão aos pobres e/ou aos sem direitos.
Tentando inverter essa compreensão, Soares recupera a noção de expectativas de reciprocidades
e define segurança pública como sendo “a estabilização de expectativas positivas quanto à ordem
pública e à vigência da sociabilidade cooperativa” (SOARES, 2005, p. 17).
5 Um risco que deve ser considerado nas políticas focalizadas em determinados grupos ou determinados territórios é fortalecer e estender para a população ou região o estigma de criminoso.
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Concluindo, as duas principais vantagens que o município tem ao abarcar a questão da segurança é a mobilização da população, dada a sua maior
proximidade com os diferentes atores sociais e o seu foco na prevenção, o que
exige a cooperação com outras esferas do governo. Quando a criminalidade
deixa de ser vista apenas como um problema policial, ela amplia consideravelmente a participação de outros atores. Nas palavras de Kahn, a segurança
deve ser abordada na sua “pluriagencialidade”, ou seja, ela “deve deixar de ser
competência exclusiva das polícias para converter-se em tema transversal do
conjunto das políticas públicas municipais” (2005, p. 48).
Contudo, há muito ainda por fazer nessa área da política pública no Brasil.
Ilustra essa situação uma reportagem, recentemente publicada na imprensa
mineira, sobre a situação de cinco cidades da Região Metropolitana de Belo
Horizonte – Betim, Contagem, Ribeirão das Neves e Santa Luzia – que estariam
prestes a devolver ao governo federal milhões de reais que haviam recebido
para investir em projetos de prevenção à violência como parte do Pronasci,
um programa do Ministério da Justiça.6 Em julho de 2009 e aproximando-se o
prazo de vencimento dos convênios entre governo federal e governos dessas
cidades, os recursos estavam ainda parados em caixa nas prefeituras, e a maioria
dos projetos não estavam sendo executados. Em uma das cidades, a explicação
dada pelo responsável na Prefeitura foi que, com a mudança de prefeito após
a eleição de 2008, a nova equipe não encontrou informações suficientes sobre
os projetos aprovados e os recursos recebidos. Essa situação pontual, de um
programa público nacional executado nos municípios, é exemplificadora de
vários dos temas abordados neste texto, tais como a necessária articulação
entre níveis de governo para enfrentar os problemas urbanos e sociais, as
descontinuidades entre os mandatos de prefeitos, as fragilidades dos aparatos
administrativos e as deficiências de sua atuação frente a graves problemas (no
caso, o problema da violência e da criminalidade).7
6 O Pronasci – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania – está estruturado com
base na hipótese de que, por estar mais próximo do cidadão, o governo municipal teria melhores
condições para encontrar soluções preventivas contra a violência. O programa busca articular
medidas de segurança pública, definindo ações que envolvem a comunidade, promovem articulações e parcerias entre polícias, governos federal, estadual e municipal, organizações não
governamentais e associações locais.
7 Pedro Rocha Franco e Thiago Herdy. “Chamado à prevenção”. Estado de Minas. 8 de junho de
2009.
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Os dados sobre a gestão municipal são raros e precários. O instrumento
mais acessível é a Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Perfil dos
Municípios Brasileiros (conhecida como Munic), produzida pelo IBGE. Para a
versão final deste artigo, incluiremos aqui uma tabela com os dados da Munic
2006, para os 34 municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte, relativos à existência de guarda municipal, órgão específico de segurança, fundo
e conselho municipal.
Outro âmbito de política pública que trazemos para reflexão neste artigo
é a habitação. Trata-se de um bom exemplo da complexidade presente em
iniciativas importantes que impõem diversas exigências às administrações
municipais em termos de habilidades políticas, recursos operacionais, diagnóstico das situações e clareza dos propósitos das intervenções, como é o caso
da regularização fundiária, da urbanização de assentamentos e da provisão de
unidades habitacionais. Também é ilustradora da frequência com que ocorre
“morte” institucional nas cidades do país, com a constante modificação nas
estruturas administrativas e nos instrumentos de gestão responsáveis pelo
setor nos municípios.
Importante contribuição para o estudo da situação das administrações
locais é dado por Arretche et al. (2007, p. 83), ao analisar as potencialidades de
arrecadação tributária e gasto dos municípios, distinguindo aqueles que dependeriam totalmente de transferências para financiar programas habitacionais
e os que poderiam aumentar suas margens de tributação e, assim, financiar
programas com recursos próprios. O exame realizado para o conjunto de
municípios brasileiros demonstrou que 54,5% deles possuem até 5% de receitas próprias, 21,4% tinham de 5% a 10% de receitas próprias e em 17,7% dos
municípios esse percentual atingia de 10% a 25%. Apenas 6,3% dos municípios
brasileiros possuíam mais de 25% de receita própria.8
Os autores identificam que “nem todos os municípios que apresentam
forte dependência de transferências estaduais e federais têm limitada base
tributária de arrecadação”. Há um grupo importante de municípios que
8 Foram considerados os seguintes componentes da arrecadação própria: IPTU – Imposto sobre propriedade rural e territorial urbana; ISS – Imposto sobre serviços; ITBI – Imposto sobre transmissão
inter vivos de bens imóveis e de direitos reais sobre imóveis. Os componentes das transferências
são: FPM – cota-parte do Fundo de Participação dos Municípios; ICMS – cota-parte do imposto
sobre circulação de mercadorias; IOF – Cota-parte sobre operações de crédito, câmbio, seguro
ou relativa a tributos ou valores imobiliários – comercialização de ouro; ITR – Cota-parte do
imposto sobre propriedade rural; CIDE – cota-parte da contribuição de intervenção no domínio
econômico; IPVA – cota parte do Imposto de Propriedade de Veículos Automotores.
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apresentam potencial médio ou alto de arrecadação, mas que exploram pouco
sua base tributária. Finalmente, o estudo conclui afirmando que “tanto a
narrativa que descreve os municípios brasileiros como caracterizados por
“preguiça tributária” quanto aquela que os define como sobrecarregados por
excessivas atribuições e escassa capacidade de extração de recursos relatam
situações simultaneamente verdadeiras e parciais dessa realidade tributária.
As duas situações são possíveis” (ARRETCHE et al. 2007, p. 141-142).
Após examinar a trajetória das capacidades administrativas dos municípios
brasileiros na área habitacional, de 1999 a 2006, os atores apresentam conclusões que estão diretamente relacionadas à discussão que estamos realizando.
Por esta razão, elas vêm sintetizadas a seguir.
ff
ff
ff
ff
o deficit habitacional no Brasil se concentra principalmente nas áreas
metropolitanas, razão pela qual é importante verificar as capacidades
administrativas dos municípios localizados nessas áreas, considerando
variáveis como a existência de instrumentos administrativos, tais como:
possuir órgão específico para implementação de política habitacional,
cadastro de famílias interessadas em programas habitacionais, conselho
municipal de habitação, fundo municipal de habitação; participar de
consórcio intermunicipal que atue na área de habitação; ter implementados programas habitacionais (regularização fundiária, urbanização e
assentamentos, oferta de material, oferta de lotes, construção de unidades);
no período analisado, houve expansão, em termos absolutos, das capacidades administrativas. Porém, tal expansão foi acompanhada por taxa
expressiva de “morte” institucional nos governos municipais, ou seja,
pela desativação de órgãos já existentes;
de um mandato de prefeito a outro, ocorreram rearranjos nas estruturas
administrativas, envolvendo mudanças de órgãos, suspensão de consórcios e outros. Tais rearranjos (criação e/ou eliminação de componentes)
incidem nas capacidades administrativas no setor habitacional;
a coexistência de componentes no setor habitacional – órgão específico
de gestão; existência de cadastro; existência de conselho; existência de
fundo municipal; existência de instância participativa – dá densidade e
estabilidade à capacidade administrativa. Por outro lado, a presença de
componentes isolados indica limitação da capacidade institucional. Essa
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situação é exemplificada pelos municípios que possuem conselho municipal de habitação, mas não possuem fundo municipal ou cadastro. Uma
vez estabelecidos, órgãos como conselhos e fundos municipais dificultam a descontinuidade administrativa, ao criar atores mobilizados pela
presença desses componentes da capacidade de gestão;
ff
existe estreita associação entre capacidades administrativas dos municípios e o desempenho da política habitacional, principalmente em termos de oferta de programas habitacionais.
Para a versão final deste artigo, incluiremos aqui uma tabela com os dados
da Pesquisa de Informações Básicas Municipais – Perfil dos Municípios Brasileiros (IBGE, 2008), para os 34 da Região Metropolitana de Belo Horizonte,
relativos à existência de órgão específico de gestão da política de habitação,
de conselho e fundo da habitação e de legislação no setor.
Considerações finais
Como resultado dos processos de descentralização de políticas públicas
no Brasil, os governos municipais tornaram-se os principais responsáveis pela
implementação de programas sociais e urbanos, sejam estes iniciativas próprias
das Prefeituras ou iniciativas dos governos federal e estadual realizadas no
município. Se a provisão de serviços e benefícios sociais e urbanos não deve
ser vista como responsabilidade única de cada Prefeitura, contudo ela apoia-se fortemente sobre as capacidades de gestão local. Fragilidades existentes
no nível local possivelmente repercutirão negativamente em articulações
intergovernamentais, consórcios públicos e outros mecanismos importantes
para a governança metropolitana.
Nessa perspectiva, este artigo buscou demonstrar que, além de gerar
coordenação entre os municípios para a governança metropolitana, é necessário, ao mesmo tempo, fortalecer as capacidades institucionais de cada
governo municipal. Entre diversos fatores que influem no desempenho em
áreas especificas de políticas públicas estão os arranjos internos ao aparato
público municipal e as articulações deste com setores externos, tais como
outros níveis governamentais, setor privado e sociedade civil local, rede local
de organizações não governamentais que atua na implementação de programas. Mencionamos no artigo, a título de exemplos, algumas das fragilidades e
alguns dos desafios nas políticas públicas de segurança pública e de habitação
no âmbito municipal.
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Questões diversas e que exigem respostas complexas permanecem: em
uma institucionalidade de governança metropolitana, o que se espera do
governo municipal com relação às políticas sociais e urbanas? Os governos
municipais têm possibilidade de dar solução às carências que atingem grande
parte da população nas áreas metropolitanas? Diante das exigências que se
acumulam para a gestão social e urbana nos municípios, os governos municipais estão preparados?
Após termos defendido a necessidade de tomar em consideração a situação das administrações municipais, para finalizar este texto destacamos
a necessidade de estabelecer uma governança metropolitana que contribua
para evitar o autarquismo municipal e do ‘municipalismo a todo custo’.
Estabelecer um governo metropolitano exige evidentemente arranjos institucionais e uma estrutura de incentivos, tarefas do âmbito político, do
qual a gestão jamais está dissociada. A expectativa que emerge é de que tais
arranjos possam ajudar na construção ou no fortalecimento de capacidades
institucionais nos governos municipais, para que estes possam desempenhar
com efetividade seu papel na entrega de bens e serviços sociais e urbanos à
população, de modo a promover a inclusão social.
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Fundamentação jurídico-legal e financiamento
da cooperação interinstitucional: construindo
administrações públicas dialógicas
Marinella Machado Araújo
Contextualização do problema da fundamentação
jurídico-legal e do financiamento da
cooperação interinstitucional
Este texto tem por objetivo discutir os fundamentos jurídico-legais da
cooperação interinstitucional e a importância do orçamento público para a
efetividade de políticas públicas e para a eficiência da gestão administrativa.
Tradicionalmente e, de certa forma em razão de herança liberal, a atuação
governamental do Poder Executivo tem sido abordada de forma apartada de
sua função administrativa. O resultado reflete-se na falta de integração e de
articulação entre entes governamentais e administrativos e entre estes e o
povo. Em síntese, quem formula políticas públicas no Brasil normalmente não
as executa, e quem as executa raramente compreende as implicações sociais,
econômicas e políticas de sua formulação.
A partir desse pressuposto, o texto sustenta que o exercício eficiente da
administração pública depende de leitura democrático-participativa dessas
duas funções, segundo a qual função administrativa e função governamental
são compreendidas como dois lados de uma mesma moeda: o Poder Executivo. No mesmo sentido, o texto sustenta que, em democracias participativas
republicanas como o Estado de Direito brasileiro, interesse público e interesse
privado devem dialogar e não competir. Assim, cada cidadão deve estar consciente de que interesse público é também interesse individual. Isto não significa
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a eliminação do interesse privado, mas apenas o reconhecimento de que este,
quando projetado na esfera pública, beneficia a todos os cidadãos, direta ou
indiretamente envolvidos na situação ou decisão política em questão.
Paralelamente, o texto apresenta a cooperação interinstitucional como
instrumento democrático de gestão do interesse público e esclarece que cooperar não significa apenas fazer conjuntamente, mas, sobretudo, atuar de forma
solidária, ainda que por razões utilitaristas. Se, por um lado, a baixa capacidade
administrativo-financeira das unidades federadas brasileiras estimula a cooperação, a falta de visão administrativa global do gestor público a dificulta.
Contudo, é preciso lembrar que em sociedades materialistas e individualistas
como as atuais, o fundamento recorrente da cooperação não é a virtude, como
sustenta Platão, apesar de muitas serem republicanas, boa parte das vezes por
mero instinto de sobrevivência.
A lei pode criar meios para o desenvolvimento de ações e políticas públicas sustentáveis, mas não pode garantir que estas sejam eficientes. Por isso,
é preciso cooperar. Mas cooperação eficiente pressupõe conhecimento da
legislação e de seus entraves, capacidade administrativa dialógica, consciência de potencialidades e limitações financeiras de cada ente federativo e das
pessoas que compõem a estrutura da Administração Pública, bem como das
responsabilidades decorrentes das escolhas, ainda que participativas, realizadas
pela Administração Pública.
Significado de cooperação interinstitucional no
Estado de Direito brasileiro
A discussão sobre os aportes jurídico e financeiro que envolvem os
arranjos de gestão compartilhada entre os entes da federação, em especial
a que decorre da aplicação da Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, pode ser
entabulada tendo em vista vários aspectos. Todavia, a análise jurídica recorrente tem restringido essa abordagem à verificação da legalidade ou da
constitucionalidade dos instrumentos previstos na legislação. Por isso, optei
por analisar a discussão sobre a gestão cooperativa a partir dos fins nos quais
se fundamenta a própria função administrativa e justificam a existência de
leis reguladoras da cooperação − seja entre Estado e sociedade, seja entre as
unidades federativas e as pessoas jurídicas, públicas ou privadas, que compõem
a Administração Pública.1
1 O termo administração pública é grafado neste texto de duas formas. Com letra maiúscula
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Sabe-se que a Lei nº 11.107, de 2005, veio para legalizar os investimentos
públicos decorrentes dos acordos firmados entre municípios e entre estes e o
Estado e, assim, promover a gestão compartilhada da prestação de serviços
públicos ou a realização de obras públicas em outros municípios. Isto porque
segundo a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, mais conhecida por
Lei de Responsabilidade Fiscal, recursos públicos somente poderiam custear
despesas ou gerar investimentos dentro do território da unidade federativa
que despendesse o recurso. Nesse contexto, a lei dos consórcios públicos
oferece não somente parâmetros legais para a cooperação interinstitucional,
como também cria instrumentos administrativos e orçamentários para sua
gestão. Isso gera segurança para as partes de um acordo, potencializando as
possibilidades de se firmarem acordos para a gestão de problemas comuns
entre os entes federados.
A legislação brasileira, de modo geral, não reflete a realidade social, uma
vez que os legisladores desconhecem essa realidade. Isso se aplica, inclusive,
à legislação de planejamento urbano. Dessa forma, diversos problemas são
identificados na atuação do gestor público quando da manipulação dos instrumentos jurídico-legais postos a sua disposição para regulação das demandas
urbanísticas. Ao final, o que temos é uma Administração Pública ineficiente
e, por vezes, atos não transparentes. Assim, percebemos o distanciamento
entre o legislador, o administrador e a sociedade civil e a não aplicação dos
princípios informadores da Administração Pública, contidos no art. 37, caput,
da Constituição Republicana de 1988.
A participação da sociedade civil na elaboração de normas é essencial em
um Estado como o brasileiro, que é fundado no princípio democrático e na
soberania popular (art. 1º e art. 14 da CR/88). A necessidade dessa participação é mais bem compreendida na medida em que reconhecemos os cidadãos
como destinatários e coautores das normas. Essa cooriginariedade normativa,
traduzida e aplicada à cooperação interinstitucional, pode ser dimensionada
em maior responsabilidade e eficiência das instituições e dos arranjos interinstitucionais à medida que cada um reconhece a responsabilidade que lhe
cabe e dela se apropria como coautor da norma. Principalmente, as normas
sobre planejamento, ordenação e desenvolvimento do solo urbano, uma vez
que, em verdade, cerca de 80% dos brasileiros, segundo o IBGE, não vivem
na União, em Estados ou em municípios, mas em cidades.
para significar as pessoas físicas e jurídicas, bem como os órgãos que desempenham a atividade
administrativa. Com letra minúscula para se referir à atividade administrativa em si.
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Em democracias participativas fundadas em valores como justiça social
e pluralismo político, cada indivíduo é corresponsável pela construção do
interesse público.
Assim, o indivíduo (cidadão), além de destinatário das prestações do
Estado, é também corresponsável, juntamente com ele, pela construção do
que é considerado interesse público informador das ações desenvolvidas pelo
Governo/Administração Pública como políticas públicas, por exemplo. O
interesse público é, então, visto como todo interesse privado projetado na
esfera pública por força da racionalidade do discurso decorrente de relações
dialógicas. Essa concepção de construção do interesse público implica mudança
de postura tanto do gestor público, quanto do cidadão. O gestor deve buscar
uma mudança de postura de modo a chamar pra si a responsabilidade pela
ineficiência da gestão, e o cidadão deve buscar mecanismos de participação,
ao invés de responsabilizar o Estado. A iniciativa de transformação individual
repercute sobre o coletivo.
Essa corresponsabilidade atribuída aos atores sociais (sujeitos de direitos
e deveres) é dimensionada também no interesse público, na medida em que
este é construído tanto pelo Estado quanto pela sociedade civil. Isso acontece
porque, em um Estado Democrático, o interesse público conjuga reciprocidade
e unidade com o interesse privado na medida em que comporta elementos
privados (necessidades das comunidades políticas), vertente essa incorporada
na Constituição de 1988.
Todas essas deficiências na formulação de normas direcionadas ao planejamento, que neste texto é compreendido como o procedimento participativo
realizado pelo Estado com o objetivo de traçar diretrizes para alcançar metas
de seus governos tendo em vista dada realidade, têm consequências em sua
execução. Acarretam, por exemplo, ações desarticuladas entre os gestores
públicos, planejadores dessas ações, e entre os órgãos e as pessoas jurídicas
nos quais estes atuam.
O que se busca com a cooperação, e com as normas que a regem, é a
igualdade entre os cooperados no espaço de discussão e construção do interesse
público. A cooperação não pode mais ser vista como uma forma legítima de
referendar as decisões tomadas por aquele cooperado que detenha o poder
econômico. Muitas ações de planejamento ficam concentradas no universo
do órgão que as concebe em razão da falta de visão global de planejamento.
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As propostas de cooperação muitas vezes consideram o outro (unidade federativa) apenas para referendar seus propósitos e, assim, legitimá-los. Esta é
uma forma deturpada de cooperação. Há dificuldade em ver no cooperado
um igual e, normalmente, a distinção é determinada pelo poder econômico
do cooperado. É preciso superar isso.
Muitos convênios firmados nos municípios integrantes da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), por exemplo, traduzem essa dimensão
de imposição do poder econômico na esfera deliberativa, na medida em que
são convênios firmados nos moldes de contrato de adesão. O ente cooperado
poucas vezes tem espaço aberto ao diálogo, apenas adere às imposições do
município economicamente mais forte do acordo.
Cooperar interinstitucionalmente não significa apenas fazer em conjunto,
mas, sobretudo, atuar de forma solidária. Se, por um lado, a baixa capacidade
administrativo-financeira das unidades federadas brasileiras estimula a cooperação, a falta de visão administrativa global do gestor público a dificulta. A lei
pode criar meios para o desenvolvimento de ações e políticas públicas sustentáveis, mas não pode garantir que elas sejam eficientes. Cooperação eficiente
pressupõe conhecimento da legislação e de seus entraves, além de capacidade
administrativa.
Cooperação interinstitucional efetiva e eficiente
O primeiro passo para desenvolvermos um projeto de cooperação eficiente é assumir a responsabilidade que cabe a cada cidadão/indivíduo no
tocante à inefetividade e ineficiência das ações do Estado que resultam em
leis e políticas públicas. Transferir unilateralmente a responsabilidade do
cidadão para os agentes públicos mascara o problema e dificulta sua solução.
Tratar o Estado como oponente do cidadão/indivíduo é um equívoco e leva
à cisão entre os papéis desempenhados pelo gestor público e pelo cidadão na
construção de uma sociedade mais justa e à concorrência entre o interesse
público e o privado.
No modelo democrático participativo descrito pela Constituição Republicana de 1988, a construção do interesse público deve ser realizada de forma
cooperada. Deve, sim, ser pensada a partir de demandas populares, mas sem
retirar do cidadão a corresponsabilidade pela construção desse interesse.
Afirmar que o Brasil é uma democracia participativa significa dizer que, sob o
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ponto de vista jurídico, a responsabilidade pela construção do interesse público
é compartilhada pelo Estado e sociedade civil (cidadão). Portanto, se o sistema
é ineficaz, se as políticas públicas são ineficientes e os direitos inefetivos, somos
corresponsáveis por isso.
A superposição de papéis sociais e políticos leva ao conflito de interesses
e de posturas. Somos cidadãos e gestores. Propositores e destinatários de leis.
Como indivíduos, reivindicamos políticas públicas, direitos fundamentais que
correspondam cada vez mais às nossas demandas pessoais. Como gestores,
sabemos que limitações econômico-financeiras impõem barreiras à satisfação
desses direitos. Essa percepção de público e privado vicia processos políticos e
contribui para o que Luhmann denomina acoplamento estrutural dos sistemas
político e jurídico e Neves considera ser uma das razões para a força simbólica
de direitos no Brasil (NEVES, 2007).
Mas o que fazer para mudar? A consciência cidadã de que o Estado é
uma abstração (pessoa jurídica) e de que todo poder político tem uma única
fonte − os cidadãos (todos nós) − se apresenta como meio de ruptura dessa
cultura política. O reconhecimento de que problemas, demandas complexas
requerem ações coletivas, coordenadas de forma solidária, outro. Assim, para
falar em cooperação interinstitucional no Brasil, é preciso não perder de vista
essa dupla dimensão: fazemos parte do problema e fazemos parte de solução.
Cada iniciativa de transformação individual repercute sobre o coletivo. Contudo, se, por um lado, o processo de mudança depende da atuação do indivíduo
na esfera privada, o seu comportamento na esfera pública também produz
impacto sobre a forma como políticas públicas são elaboradas e direitos são
garantidos. Tanto os representantes do povo, como seus delegados não acessam
a esfera pública para atuarem em nome e benefício próprio, mas em benefício
de uma coletividade. Assim, quanto maior o apoio que o representante tiver
de suas bases políticas (representatividade de fato), maior a legitimidade de
suas ações (representatividade de direito). Representatividade, portanto, não
é apenas uma questão numérica, mas de legitimidade e de grau de articulação
política. Nesse sentido, a mudança também passa pela compreensão republicana de bem comum e de virtude cívica
E quais seriam os pressupostos da cooperação interinstitucional efetiva e
eficiente (art. 37, caput, CR/88)? Primeiro, o conhecimento da legislação e de
seus entraves. Segundo, a capacidade administrativa dialógica, ou seja, gestores
públicos com habilidade de gerir conflitos de forma racional e participativa.
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Terceiro, a consciência das potencialidades e limitações financeiras da unidade
federativa na qual eles atuem.
Uma forma eficiente de cooperação são os chamados consórcios públicos,
que, no ordenamento jurídico brasileiro, são regidos pela Lei nº 11.107, de 2005,
regulamentada pelo Decreto Federal nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007.
Essa lei considera, em seu art. 2º, inciso I, que o consórcio público é
pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação para estabelecer relações de cooperação federativa, inclusive a realização de objetivos de
interesse comum, constituída como associação pública, com personalidade
jurídica de direito público e natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de
direito privado sem fins econômicos.
A lei ainda prevê ainda que os consórcios públicos possam ser tanto pessoas jurídicas de direito público (associação pública) quanto de direito privado
(autarquia ou associação civil).
Art. 1o - Esta Lei dispõe sobre normas gerais para a União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios contratarem consórcios públicos para a
realização de objetivos de interesse comum e dá outras providências. § 1o O
consórcio público constituirá associação pública ou pessoa jurídica de direito
privado. § 2o A União somente participará de consórcios públicos em que
também façam parte todos os Estados em cujos territórios estejam situados
os Municípios consorciados.
O que nos interessa são os consórcios públicos como pessoa jurídica de
direito público, os quais atingem, portanto, os entes federativos: União, Estados, Municípios e DF. A forma mais usual são os consórcios realizados entre
entes federados de mesma natureza, por exemplo, aqueles celebrados entre
municípios de regiões metropolitanas.
Para identificar a competência de cada ente cooperado, é necessário entender que, no Brasil, algumas competências atribuídas aos entes são definidas
nos moldes do federalismo cooperativo.
No federalismo cooperativo, há repartição de competências legislativas e
executivas a mais de uma unidade federativa. É o que se chama de competência
(legislativa) concorrente e competência (executiva) comum, como disposto
nos arts. 23 e 24 da Constituição Republicana de 1988. Essa divisão conjunta
de atribuições favorece a integração entre municípios, Estados-membros e a
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União para a formulação de políticas públicas, bem como para sua execução.
Ao mesmo tempo, o federalismo brasileiro reforça a autonomia municipal, na
medida em que atribui ao município competência para legislar sobre assuntos
de interesse local (art. 30, inciso I) e atribui a ele a responsabilidade pelo planejamento básico da política de desenvolvimento urbano (art. 182, § 1º). Assim,
se, por um lado, a definição de competências concorrentes e comuns para os
entes federados estimula a cooperação, por outro, a autonomia municipal a
dificulta.
Essa autonomia é resultado da descentralização do poder político entre
os entes da federação. Ela aproxima o Estado das demandas sociais que estão
mais próximas dos políticos e gestores municipais do que dos políticos e gestores estaduais ou federais. Ao fazê-lo, estimula a aproximação entre Estado
e cidadão, o que favorece a participação popular e a colaboração de entidades
civis para a realização de objetivos públicos. Contudo, tal descentralização e
distribuição de competências somente se justificam se aplicada segundo os
princípios federalistas da subsidiariedade e da solidariedade.
O princípio da subsidiariedade estabelece que os problemas e as demandas
que puderem ser resolvidas por um poder político local, como o município,
não precisam ser atendidas por entes federativos mais abrangentes, como os
Estados ou a União. A subsidiariedade pressupõe igualmente que a sociedade
tem condições de resolver ela própria, por seus membros e por organizações
não políticas, um número enorme de problemas sociais de forma eficiente,
deixando a resolução para o Estado só quando a iniciativa privada não for
suficiente. Dessa forma, no federalismo de cooperação, o princípio da subsidiariedade fortalece a atuação política dos municípios. A junção desses dois
pressupostos confere um papel de maior destaque ao cidadão, que é o núcleo
desse ente político, o que propicia participação mais ampla e fiscalização efetiva
das políticas públicas.
Já o princípio democrático da solidariedade estabelece que os Poderes do
Estado, ao atuarem, devem considerar e corrigir diferenças típicas de sociedade
plurais com o objetivo de garantir justiça social. Assim, ainda que haja fragmentação político-administrativa, existe poder central unificador. Essa união
justifica-se pela existência do bem comum¸ cuja realização interessa a todos os
cidadãos. Em termos utilitaristas, ações solidárias devem ser desenvolvidas
porque a ajuda provida a um ente federativo menos desenvolvido indiretamente
repercute sobre o ente solidário.
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Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel
dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa.
Não se deve perder de vista que a construção da cooperação interinstitucional precisa considerar a autonomia político-administrativa dos entes
federados. Por outro lado, é certo que, no modelo democrático, que se baliza e
estrutura as funções públicas segundo os princípios democráticos e do discurso,
as funções administrativa e política não podem ser tratadas como dicotômicas,
pois elas fazem parte da função executiva, e estão totalmente interligadas. Essa
ligação é estabelecida na medida em que a função administrativa irá executar
as decisões e ações planejadas pela função governamental. Significa dizer que
a formulação e consecução de políticas públicas é exercício da função pública,
governamental na elaboração e administrativa na execução.
A função executiva, que se desdobra na função política e na função administrativa, deve ser concebida de forma integrada. Um dos fundamentos da
administração pública dialógica é a integração dessas duas funções: uma não vai
abduzir a outra. É preciso pensar a função administrativa de forma articulada
com a função política e vice-versa. Como formulador ou como governante,
é preciso pensar naquele que vai aplicar aquela legislação. Esse movimento
de integração coloca o governante na condição de administrador público e
vice-versa, criando condições para uma maior colaboração.
FUNÇÃO EXECUTIVA
FUNÇÃO
FUNÇÃO
INTEGRAÇÃO
ARTICULAÇÃO
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA DIALÓGICA
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Financiamento da cooperação interinstitucional
Se cooperação interinstitucional efetiva pressupõe integração entre as
funções administrativa e política do Poder Executivo, a sua eficiência depende
da forma como sua execução é planejada. E para ser eficiente, é preciso que
o planejamento considere o custo das ações que serão desenvolvidas pelo
Estado e os meios de captação de recursos para o seu desenvolvimento, que
estão previstos na legislação orçamentária: planos plurianuais, leis de diretrizes
orçamentárias e leis orçamentárias anuais (art. 165 CR/88).
O que é orçamento público?
O orçamento é um ato preventivo e autorizativo das despesas que o Estado
deve efetuar em um exercício. É um instrumento da moderna administração
pública. É regulado basicamente pela Constituição da República de 1988;
Constituições Estaduais; Lei 4.320, de 1964; Lei Complementar 101, de 2000;
Leis Orgânicas e Leis Ordinárias.
O orçamento público visa à alocação e à distribuição dos recursos públicos,
além de ser uma forma eficiente de controle de políticas públicas. O orçamento
é regulamentado pela Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e
balanços da união, dos Estados, dos municípios e do Distrito Federal.
O orçamento tem três dimensões: (i) a política, que congrega todos os
interesses sociais; (ii) a do planejamento, que orienta a ação do Estado a curto,
médio e longo prazo; e (iii) a jurídica, já que ele é definido por lei aprovada
pelo Legislativo, que estabelece parâmetros para execução da despesa pública
para determinado período.
O orçamento público é planejado e normatizado pela Lei do Orçamento
Anual (LOA). Por essa lei estimam-se receitas e preveem-se as despesas anuais
de cada ente do governo. É nessa lei que são previstos o orçamento fiscal dos
três Poderes, fundos dos órgãos e entidades da administração direta e indireta e
fundações instituídas e mantidas pelo poder público (suas receitas e despesas);
o orçamento de investimento das empresas onde o ente detenha a maioria do
capital votante; e o orçamento da seguridade social.
A LOA tem caráter institucional (cada órgão prevê suas despesas), funcional (determina-se em qual área da ação governamental a despesa será gasta),
programático (indicam-se os programas nos quais os recursos serão alocados),
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e caráter econômico (prevê o que será adquirido e qual o efeito econômico
da realização da despesa).
Durante a execução orçamentária, a LOA pode ser alterada. Tal possibilidade está prevista tanto na Lei nº 4.320, de 1964, quanto na lei orçamentária, que
geralmente estabelece o montante permitido para que o Executivo suplemente
o orçamento. Essa alteração, que visa geralmente à suplementação, é feita por
meio dos créditos adicionais, que se subdividem em créditos suplementares,
créditos especiais e créditos extraordinários, previstos no art. 41 da Lei nº 4.320,
de 1964, e no art. 167, § 2º, da CR/88.
Art. 41 Os créditos adicionais classificam-se em: I - suplementares, os destinados a reforço de dotação orçamentária; II - especiais, os destinados a despesas
para as quais não haja dotação orçamentária específica; III - extraordinários,
os destinados a despesas urgentes e imprevistas, em caso de guerra, comoção
intestina ou calamidade pública.
A participação popular, que se dá na execução (acompanhamento da
implementação do planejado/decisões) e na decisão (audiências públicas)
também está presente no planejamento orçamentário e financeiro dos entes
consorciados.
A importância de conhecer o orçamento e as formas de adicioná-lo é clara:
é preciso conhecer as receitas e as despesas para planejar de forma eficiente e
executar as políticas públicas propostas.
Nos termos da Lei nº 11.107, de 2005, a cooperação financeira dentro dos
consórcios públicos ocorre de duas maneiras: contrato de rateio e contratos
simples, que necessitam de licitação. O contrato de rateio anual é que cria as
obrigações financeiras dos entes consorciados, como previsão orçamentária.
Os consórcios têm seus orçamentos aprovados por Assembleia Geral, após
aprovação dos orçamentos dos entes consorciados.
O contrato de rateio está previsto no art. 8º da Lei nº 11.107, de 2005. É
por meio desse instrumento que o município entrega recursos para programas
e elementos de despesa determinados, condicionando o consórcio a prestar
contas aos municípios consorciados que transfiram os recursos, de forma que
as despesas geradas sejam consolidadas nas contas desses consorciados.
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Art. 8º Os entes consorciados somente entregarão recursos ao consórcio público
mediante contrato de rateio.
Já nos contratos simples, que necessitam de licitação, o município consorciado contrata a prestação de serviços ou o fornecimento de bens. Pelo
contrato simples, o município consorciado contrata de acordo com a Lei nº
8.666, de 1993. Todavia, o contrato deve ser celebrado como fundamento em
licitação dispensada, nos termos que prevê o art. 2º, § 1º, inciso III, da Lei de
Consórcios.
A execução desse contrato é simples. O ente consorciado executa os
serviços ou fornece os bens, expedindo fatura que é paga pelo município
consorciado. Ou seja, o tratamento contábil do consórcio é o mesmo que o
dos demais fornecedores contratados pelo município.
Segundo o Decreto Federal nº 6.017, de 2007, existem quatro formas de
contratos consorciais visando obter recursos financeiros para consecução das
políticas de planejamento urbano formuladas pelos entes consorciados. Duas
dessas formas são previstas na Lei dos Consórcios: contrato de rateio (Lei nº
11.107/05), que é oriunda de receita orçamentária do município consorciado
(para manutenção do consórcio ou para desenvolver algum programa específico); e contrato simples (Lei nº 8.666/93) de prestação de serviço ou fornecimento de bens como fornecedor comum de um município consorciado.
As demais formas estabelecidas pelo decreto são a celebração de convênios
com entes federativos não consorciados, por contrato de programa, quando
há previsão de cobrança de tarifas. A receita aí arrecadada é advinda da gestão
associada de serviços públicos, que independe de formação de consórcios para
sua realização. O contrato de programa deverá atender à legislação de concessões e permissões de serviços públicos, não se confundindo com instrumentos
de organização da ação governamental. Esses se diferem um do outro pela
natureza do vínculo que angaria recursos para consecução das atividades e
programas da gestão associada, na qual os entes federativos desenvolvem seus
interesses comuns via consórcios públicos.
A gestão administrativa dos entes consorciados é feita mediante a gestão
de pessoal e gestão patrimonial. A primeira é feita por meio da cessão de
pessoal, em que os servidores cedidos dos entes consorciados se sujeitam ao
regime a que forem vinculados (CLT ou estatutário). Se a cessão for onerosa,
compensam-se tais créditos com outras obrigações previstas no contrato
de rateio. Caso o consórcio se extinga, os funcionários cedidos retornam à
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origem e os demais têm seus contratos extintos com o pagamento dos direitos
trabalhistas (CLT). Já a gestão patrimonial é feita mediante licitação, doação,
desapropriação, gestão associada ou cessão no caso de bens reversíveis (art.
4º, § 3º, da Lei n. 11.107, de 2005).
Cooperação interinstitucional e administração eficiente dependem de planejamento administrativo, financeiro e orçamentário.
A eficiência do planejamento administrativo, financeiro e orçamentário
depende da adequação à realidade social, econômica, administrativa da unidade
federativa e da legitimidade das ações propostas. Quanto maior o consenso
sobre as ações, maior a força vinculante da decisão, que só é possível obter por
meio da participação popular na gestão pública.
O controle social em uma gestão democrática e participativa colabora na
eficiência e transparência da administração consorcial, que visa à implementação de políticas públicas.
Quanto à responsabilização do gestor público dos entes consorciados, a
Lei n. 11.107, de 2005, assegura que os agentes públicos incumbidos da gestão de consórcios não respondem pessoalmente pelas ações contraídas pelo
consórcio público, mas respondem pelos atos praticados em desconformidade
com a mesma, como estabelece o art. 10º, parágrafo único. Esse dispositivo
ressalta a necessidade de adotar procedimentos e rotinas que efetivem um
controle interno eficaz também aos consórcios.
Como é feita a prestação de contas dos consórcios?
Os entes consorciados que se submetem a jurisdições diferentes (vários TCs),
quando separados, ao se associarem, terão que prestar contas no TC do Presidente do Consórcio (Chefe do Poder Executivo de ente da Federação consorciado)
– art. 4º, VIII, da Lei 11.107/05. Isso não diminui a competência dos demais
TCs para fiscalizar os recursos de cada um dos entes consorciados que integram
o consórcio (transferências do contrato de rateio). Cada TC deve dispor sobre
suas normas de prestação de contas, sendo que sua não apresentação enseja
a tomada de contas.
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Quanto aos mecanismos de representação no consórcio, a questão da
equiparação do número de assentos não resolve o problema da representação.
A paridade em nada vai adiantar se as pessoas estiverem ali representando
elas mesmas, suas vontades individuais. O representante tem que ter
consciência de que ele não está ali para falar em nome dele, mas em nome
daqueles que representa. Quando a representação acontece de fato, ela
ganha legitimidade.
Referências
ABRUCCIO, Fernando Luiz; SOARES, Márcia Miranda. Redes federativas no Brasil:
cooperação intermunicipal no grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer,
Série Pesquisas, n. 24, 2001.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 17.
ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009.
ANASTASIA, Fátima. Federação e relações intergovernamentais. In: AVELAR, Lúcia;
CINTRA, Antônio Octávio (Org). Sistema político brasileiro: uma introdução. São Paulo:
Unepi; Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer Stiftung, 2004.
HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro. São Paulo: Estudos de Teoria Política. 2. ed.
São Paulo: Loyola, 2002.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
Müller, Friedrich. Métodos de trabalho do Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Renovar,
2005.
RAWLS, John. Liberalismo político. Brasília: ADBR, 2000.
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Mudanças legislativas e path dependence:
cenários futuros para nova lei dos
consórcios públicos1
Gustavo Gomes Machado
O foco deste ensaio recai, especificamente, sobre o processo de construção
institucional da chamada lei de consórcios públicos, em vigência no Brasil desde
abril de 2005. Busca-se uma análise do impacto efetivo da recente reforma
institucional do regime jurídico dos consórcios na problemática da governança
regional no Brasil. Se, por um lado, poder-se-ia supor que o novo modelo não
teve ainda tempo suficiente para uma avaliação mais consistente, por outro
lado, com base em indícios coletados, vislumbra-se a possibilidade de não só
avaliar sumariamente o estado da arte atual, como também, com base neste,
elaborarmos cenários hipotéticos para a questão.
Em que pese esse recente upgrade institucional dos consórcios no Brasil,
há indícios de que os efeitos esperados da Lei 11.107/2005 têm se mostrado,
pelo menos até o momento, bastante controversos. A pesquisa propõe uma
interpretação desses quatro anos de vigência da lei, baseada na noção de path
dependence. No centro da análise está o foco prioritário dos atores que reformularam a legislação dos consórcios, no setor de saneamento, bem como as
consequências futuras dessa priorização. Tal focalização levou a escolhas institucionais que, por sua vez, geraram condicionantes que estão colidindo com
1 Pesquisa em desenvolvimento, cuja sinopse foi apresentada pela primeira vez no XXVIII Congresso
Internacional da Associação de Estudos Latino-Americanos – Lasa, em junho de 2009, no Rio de
Janeiro/Brasil.
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práticas dos arranjos cooperativos anteriores à lei, o que, por sua vez, ajuda a
explicar a dificuldade de adaptação destes ao novo regime jurídico.
Foi no Ministério das Cidades, órgão criado em 2003, que se elaborou o
anteprojeto da lei de consórcios. O consorciamento intermunicipal foi adotado
como instrumento-chave de uma nova política nacional de saneamento em
gestação. A última política de saneamento consistente para o país fora elaborada
e implementada na década de 1970, e tinha como instrumentos principais de
implementação as companhias estaduais de saneamento, que implementaram
ações num modelo de articulação vertical com os municípios, pautado por
contratos de concessão entre estes e as companhias.
Dessa vez, o Ministério das Cidades pretendia conceber uma política de
saneamento com menor liderança dos Estados e maior protagonismo municipal. Sob a regência dessas premissas, o projeto de lei dos consórcios foi
direcionado para que os arranjos consorciais assumissem funções tipicamente públicas, como as de regulação de serviços. Dessa forma, poderia haver,
na ótica ministerial, maior controle dos municípios sobre as atividades das
companhias estaduais de saneamento. Para tanto, alterações profundas no
regime dos consórcios foram propostas. As mais importantes, que acabaram
positivadas na Lei 11.107, foram: os consórcios passaram a ter como membrosfundadores pessoas jurídicas exclusivamente públicas (União, Estados, Distrito
Federal e municípios) e, também, a obedecer na integralidade os princípios da
administração pública na sua gestão.
Evidentemente, tal direcionamento do Ministério das Cidades desconsiderou a experiência dos consórcios já existentes no país, principalmente nas áreas
de saúde e meio ambiente.2 Tais consórcios se caracterizam por funcionarem
em um regime administrativo mais flexível, assim como por terem parcerias
da iniciativa privada.3 Ora, a adaptação dos consórcios públicos aos rigores da
Lei 11.107/2005 implicará medidas com elevados custos de transação para os
consórcios antigos. Pelo menos duas medidas implicam exclusão de players:
demissão de funcionários antigos, não concursados, e retirada estatutária de
membros-fundadores da iniciativa privada.
2 Segundo o IBGE, em 2001, quase 2000 municípios participavam de consórcios no Brasil. Os
consórcios que mais agregavam municipalidades eram os de saúde e, em segundo lugar, os de
gestão de recursos hídricos.
3 Citamos como exemplo dessa modelagem o Consórcio Intermunicipal do ABC Paulista, criado
em 1991.
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Nossa hipótese é a de que os custos de transação elevados estão incentivando atores sociais diretamente envolvidos com consórcios, sobretudo lideranças políticas e funcionários, a resistirem ao consorciamento nos moldes da
Lei 11.107. Nosso argumento é o de que a publicização dos consórcios reflete
uma busca de racionalidade e de organização que desafia a natureza informal
dos arranjos consorciais anteriores à Lei 11.107/2005. Diante desse quadro,
propomos, a título exploratório, quatro cenários futuros possíveis para os
consórcios públicos ante esse impasse. O gráfico a seguir apresenta os quatro
cenários exploratórios propostos.
No gráfico acima, o aumento do eixo “x” retrata uma elevação dos incentivos seletivos à formação de consórcios públicos nos termos da Lei n.º
11.107/2005. Já o eixo “y” corresponde à graduação do nível de fiscalização
do cumprimento da nova lei na formatação de consórcios. Sabe-se que a Lei
11.107/2005 se apresenta como regime jurídico obrigatório para criação e
funcionamento de consórcios, em que pese não ter estabelecido prazo para os
consórcios mais antigos se adaptarem a ela. De onde viria a fiscalização, então,
do cumprimento dessa exigência? Pressupõe-se que dos órgãos responsáveis
por controle de contas públicas, tais como os Tribunais de Contas, o Ministério Público e mesmo os órgãos do poder executivo responsáveis por repasses
de verbas públicas ou câmaras municipais. Não se pode esquecer ainda da
fiscalização oriunda do controle social, protagonizado pela sociedade civil e/
ou pela mídia.
Elaborado pelo autor.
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A combinação dessas duas variáveis, segundo nosso modelo de análise,
gera quatro cenários exploratórios distintos, citados e explicados conforme o
quadro abaixo:
Cenário
Características
1- Eliminação de consórcios
A ação dos órgãos de fiscalização no sentido da obediência fiel
à lei forçará os consórcios já existentes a tentarem desesperadamente a adaptação. Nesse processo, muitos consórcios
antigos serão eliminados, devido às dificuldades jurídicas (e
sociais) de adaptação, bem como à ausência de incentivos
seletivos. Os atuais serviços prestados pelos consórcios migrariam para outros formatos de cooperação intergovernamental
de menores custos de transação.
2 – Stand by (a lei não pega)
A ausência tanto de fiscalização do cumprimento da lei como
de incentivos seletivos leva ao anacrônico cenário da coexistência de dois modelos distintos de consórcios públicos. De
um lado, os antigos consórcios continuarão funcionando nos
moldes de entidades privadas sem fins lucrativos, com administração mais flexível e menor carga de exigências legais
para contratação de funcionários ou realização de compras. Do
outro, surgirão experiências isoladas de consórcios baseados
na Lei 11.107/2005, normalmente devido a particularidades
regionais ou então a partir de incentivos seletivos externos
pontuais.
3 - Consórcios “de cima para baixo”
Nesse cenário, apesar da baixa fiscalização, a vinculação de liberação de recursos federais e/ou estaduais à exigência de formação de consórcios públicos nos moldes da Lei 11.107/2005
incentivará tanto a adaptação dos consórcios antigos quanto
a criação de novos arranjos. No entanto, a baixa fiscalização
permitirá, no curto e médio prazo, que os consórcios antigos
não atraídos pelos incentivos permaneçam como estão em
termos organizacionais. Isso levará à anacrônica situação de
convivência de dois modelos distintos de consórcios.
4 - Sucesso da Lei
Nesse cenário, com grandes incentivos seletivos e forte fiscalização do cumprimento da Lei 11.107/2005, os custos de
transação para a implementação de consórcios diminuirão
consideravelmente. Pode-se prever que a norma levará tanto
à adaptação dos consórcios antigos (se os incentivos recaírem
nas suas áreas de atuação), quanto à formação de inúmeras e
plurais experiências de consorciamento interfederativo.
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A julgar pelos indícios apurados preliminarmente, vivenciamos um cenário atual que sugere uma situação de stand by, correspondente ao cenário
nº 2. Os indícios que remetem a esse cenário são:
1. o abandono, pela gestão atual do Ministério das Cidades, da política de
saneamento centrada nos consórcios públicos, o que equivale a dizer que
não há, na atualidade, uma política federal de incentivos seletivos concreta
para a formação de consórcios públicos. Com o advento do Programa de
Aceleração do Crescimento – PAC – o governo federal adotou uma postura
mais pragmática, em busca de resultados rápidos, em termos de obras de
saneamento. Constitui dado expressivo dessa assertiva o fato de que uma
análise da lista dos contratos e convênios de repasses de recursos federais
no âmbito do PAC não acusa nem mesmo um único caso de repasse
ocorrido a um consórcio público. Pelo contrário, hoje, as companhias
estaduais de saneamento são as principais tomadoras de recursos federais, conforme pode ser observado nas aludidas listas publicadas pelo
Ministério das Cidades.
2. Virtualmente, não tem ocorrido fiscalização e/ou pressão efetiva de
órgãos de controle para que os consórcios antigos se adaptem à Lei
11.107/2005.
A pesquisa ainda está em andamento, mas, caso não haja mudanças
substanciais dos itens supramencionados, poderá se confirmar a tendência
de manutenção do cenário de stand by – nº 2, ou seja, uma trágica trajetória
de dependência da Lei 11.107/2005.
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O arranjo institucional de gestão da Região
Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH –
e o desafio de construir consensos
Maria Coeli Simões Pires
As metrópoles no macrocenário urbano
Metrópole, termo originário do grego metro + polis – cidade-mãe –, apropriado no sistema urbano hierarquizado atual, significa o grande centro que
lidera uma rede de cidades.
As metrópoles, até recentemente, eram compreendidas principalmente
a partir da dinâmica interna ou regional do processo econômico, com as funções e as disfunções por ele alimentadas. Tomadas, porém, no macrocenário
contemporâneo, passam a ser vistas enfaticamente como expressão espacial
concreta do fenômeno global que reproduz no urbano a lógica da sociedade
hipercomplexa, conforme Ana Fani A. Carlos (1984).
Nessa perspectiva, elas formam uma rede urbana e representam grave
ameaça à sustentabilidade do planeta, realidade decorrente dos modelos de
produção e de consumo e da obsessiva competição pelo mercado mundial,
com o aprofundamento e a recorrência de desigualdades econômicas e sociais
e a pressão pelo acesso à terra, forçando a expansão urbana desordenada, entre
outras mazelas. Esses fatores, mais explícitos em áreas de subdesenvolvimento
e em países emergentes, potencializados na atualidade, desafiam a gestão das
metrópoles como sede de organização das estratégias que articulam espaços,
próximos ou remotos, e as decisões que impactam a vida urbana em grande
escala.
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Acrescentam-se a esses fatores outros de ordem política, jurídica e institucional que se colocam como entraves à gestão metropolitana eficaz, quais
sejam: concorrência ou superposição de governos, inadequação dos arranjos
institucionais legais e de estruturas administrativas, incipiência de práticas
colaborativas e ausência de mecanismos de governança.
Sob esses diversos aspectos, até as metrópoles mais avançadas deixam
salientes os desafios de gestão. Vários exemplos podem ser colacionados.
A região metropolitana de Toronto, no Canadá, embora tomada como
referência em termos de estruturação do poder no espaço metropolitano em
razão da forma de Estado, ilustra emblematicamente a existência e a relevância de problemas políticos e rivalidades entre as diferentes esferas atuantes na
gestão da região – em especial entre província (Estado) e município.
A região metropolitana de Marselha, na França, exibe problemas decorrentes, notadamente, da segregação por renda de seus habitantes. São arquipélagos
com boa inclusão econômica, rivalizando com concentrações populacionais
de renda muito inferior, diferenciação que resulta do esvaziamento da região
central em virtude da decadência do setor da indústria e do crescimento suburbano desordenado.
Ainda na França, a região metropolitana de Paris é palco de intensas
discussões no que tange à reorganização do seu espaço. O presidente francês
Nicolas Sarkozy, sob a inspiração do tratado de Kyoto, propôs recentemente
uma ousada modernização da Grande Paris, voltada para a sustentabilidade,
envolvendo a adoção de projetos arquitetônicos inovadores e ambientalmente
corretos. O plano de modernização aponta como principal fator de deficiência da estrutura metropolitana parisiense a distância entre os subúrbios, que
abrigam a maioria da população, e os locais de trabalho. Tal quadro gera sérias
disfunções no tocante ao transporte, além de afetar consideravelmente o meio
ambiente com poluição e outros impactos.
Outras regiões metropolitanas, em especial as megacidades do mundo –
Bangcoc, Bombaim, Cairo, Calcutá, Cidade do México, Jacarta, Londres, Los
Angeles, Moscou, Nova Delhi, São Paulo e Tóquio – cada uma a seu modo
e em planos distintos – são eloquentes na externalização de dificuldades de
gestão.
A questão metropolitana, embora não pautada de forma suficiente nas
agendas mundiais, vem ganhando a atenção de alguns países. É o caso do
Canadá que, recentemente, desenvolve iniciativas para enfrentar a crônica
ausência de mecanismos de governança metropolitana para lidar com as necessidades da população. Nessa linha, os consórcios, tomados como indutores
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do consensualismo na prática da governança regional, vêm sendo estimulados.
O país que protagonizou a inserção da questão urbana na agenda mundial,
em 1976, vem construindo o substrato teórico e pragmático da governança
regional com base em consórcio.
As metrópoles brasileiras
A crise metropolitana brasileira não destoa daquela dos grandes centros
urbanos do cenário internacional – antes, é agravada por circunstâncias próprias
de países emergentes. Sob o prisma estruturalista, traz os reflexos do modelo
de desenvolvimento excludente que expõe a fratura social no País.
Este tópico apresenta uma visão simplificada da evolução do fenômeno da
metropolização no Brasil, tendo como marco teórico as reflexões desenvolvidas
por autores pátrios do chamado Movimento da Reforma Urbana, notadamente
por Edésio Fernandes (2004, p. 65-99; MORAES, 2001).1
Com a escalada do fenômeno urbano no Brasil, iniciada na década de 1940,
em particular nos grandes eixos industriais e econômicos, muitas cidades até
então caracterizadas como espaços territoriais estratificados e autossuficientes,
ocupados por comunidades fechadas, passaram a incorporar traços de unidades socioeconômicas dinâmicas integrantes de um sistema de intercâmbio
funcional, em trama de intensas trocas.
Refletindo essa dinâmica, a urbanização no Brasil desenvolveu-se no curso
de poucas décadas e em lógica pluricêntrica, diferentemente da que se verificou
na maioria dos países, nos quais o processo se deu, de modo geral, em extenso
lapso de tempo e convergente para um grande centro nacional.
A trajetória interna foi diretamente reforçada pela estratégia de criação
de regiões metropolitanas, originalmente orientada pelo propósito político da
União de ampliar seu domínio sobre a economia por meio da consolidação de
núcleos urbanos importantes e da estruturação de novos espaços produtivos
capazes de sustentar eixos econômicos alternativos ao vetor Rio-São Paulo,
tendentes à metropolização.
A lógica pluricêntrica foi indutora de conurbação de caráter transmunicipal e de interdependência de espaços urbanos em diversas regiões do País,
consolidando polos regionais estratégicos. Essa polarização promoveu novas
concentrações de riquezas, criando grande escala urbana, com economias
1 Citem-se, ainda, entre os da militância, Raquel Rolnik, Betânia de Moraes Alfonsin, Nelson Saule
Júnior e Ermínia Maricato.
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e deseconomias, tecido urbano contíguo, generalizando-se a incidência do
fenômeno geográfico, econômico e social de transbordamento dos limites
político-territoriais de municípios, com avanço sobre marcos geográficos formais. Essa lógica não impediu, contudo, que São Paulo se consolidasse como
megacidade, competindo, hoje, com as maiores do mundo.
O Brasil apresenta, em razão desse processo de urbanização policêntrico,
grande número de regiões metropolitanas, com impactos jurídicos sobre toda
a base de sua formação.
O quadro metropolitano interno é complexo, marcado, sob o enfoque
econômico e social, por profundas desigualdades alimentadas pelo circuito de
acumulação de riquezas e, tendo em vista o plano urbano e ambiental, por
absurdas disfunções e pelo comprometimento da sustentabilidade e do próprio
direito à cidade. Enquanto os processos produtivos levaram à aceleração do
crescimento urbano com a consequente intensificação das disputas por espaços,
a lógica excludente das cidades gerou ocupações ilegais e transgressoras, com
outros gravames para as metrópoles.
A intensidade e a rapidez do processo de urbanização em escala metropolitana e os paradoxos da concentração têm reflexos sobre a ordem intraurbana
das metrópoles. As cidades, antes amparadas por uma organização básica, e, de
certa forma, referenciadas por uma ordem hegemônica, veem-se pressionadas
pelos fluxos migratórios, principalmente dos segmentos de baixa renda, que
criam ordens urbanísticas transgressoras, na impossibilidade de se abrigarem
nas cidades oficiais.
É dizer: o crescimento da pobreza social leva à ruptura com a ordem
hegemônica e à consequente pluralização das ordens urbanísticas. A complexidade desse cenário e os fortes rebatimentos desse processo de ruptura e
pluralização, sem o contraponto da harmonização, justificam a caracterização
do atual estágio como de crise metropolitana. Crise que se agrava em face da
pressão do fenômeno contemporâneo da globalização; da competição entre
cidades pela atração de investimentos; e da crescente mercantilização do solo
urbano, com a explícita intensificação do processo de produção insustentável
das cidades.
O deficit habitacional apresenta-se como o desafio mais incisivo da crise urbana nas metrópoles do País. As 24 regiões metropolitanas brasileiras
abrangem parcela significativa da população nacional e, em apenas 11 delas,
concentram-se 78% dos moradores de favelas e assentamentos precários diversos (PERFIL de Minas Gerais, 2006).
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De outro lado, o quadro geral das metrópoles brasileiras mostra significativa concentração de capital humano, isto é, uma perversa distribuição das
pessoas mais qualificadas em núcleos segregados e isolados, numa equação
que tende a reforçar as diferenças espaciais dessa alocação. Capital humano
concentrado potencializa externalidades positivas para o núcleo concentrador,
como também externalidades negativas para esse mesmo núcleo e para aqueles
espaços em detrimento dos quais a concentração ocorre.
Na Região Metropolitana de São Paulo – RMSP –, polarizada pela
megacidade brasileira, os principais desafios da gestão metropolitana estão
vinculados ao meio ambiente e à mobilidade, sendo o setor de transportes
grande responsável por reflexos negativos na qualidade do ar – nota-se, aqui,
estreita relação entre as duas questões. Conforme aponta Laura Sílvia Valente
de Macedo, a preferência dos governos pela adoção de uma política ortodoxa
de tratamento do problema, com a construção de novas vias, é onerosa e
falha, devendo ser conjugada com outras soluções alternativas que levem em
conta o excessivo número de veículos, como a Operação Rodízio, realizada na
RMSP. A medida, embora impopular, apresentou bons resultados durante sua
vigência (de 1996 a 1999), melhorando índices de qualidade do ar e reduzindo
os congestionamentos.
No Distrito Federal, a combinação de ausência de lotes a preços acessíveis
e intensa migração forjou um cenário de favelização, conforme apontado pelo
relatório Habitat 2006, da Organização das Nações Unidas. O documento revela Brasília como a capital brasileira com maior índice de favelização durante
o período de 1991 a 2000 – e novas invasões parecem confirmar a tendência.
A gestão da metrópole brasiliense encontra desafios, como o de minimizar
a segregação social consolidada no Plano Piloto e o de frear a precarização
habitacional nas cidades-satélite. O fenômeno de ocupações clandestinas em
áreas públicas é uma realidade de Brasília, tal como o Itapoã, área que concentra mais de 50.000 moradores.4 O planejamento da capital brasileira não
considerou variável de migração e, hoje, a cidade é “polinucleada” – termo
cunhado por Frederico de Holanda e demais autores –, expandindo-se além
dos limites do Distrito Federal.
No sul do País, a Região Metropolitana de Curitiba é tomada como
uma referência nos estudos da gestão metropolitana, sobretudo no tocante à
mobilidade. Rosa Moura, contudo, chama a atenção para o caráter técnico e
empresarial da gestão das funções públicas de interesse comum – tonalizando
as cidades sob a ótica do mercado internacional e da globalização. Na Região
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Metropolitana de Curitiba, segundo a autora, há um agravante: a gestão da
região é vertical e centralizada em Curitiba, desestimulando as outras unidades
municipais a participarem do processo decisório.
Do ponto de vista institucional, as regiões metropolitanas também enfrentam problemas, seja no tocante aos arranjos de gestão, que não podem ser
tomados como modelos acabados, seja na composição das matrizes de responsabilidade. A crescente sofisticação do arcabouço jurídico-institucional metropolitano parece insuficiente para a superação dos conflitos e das dificuldades
da gestão regional. Ao contrário, a superposição de leis, decretos, resoluções,
deliberações reforça o desperdício de recursos e a ineficiência da gestão.
Ademais, a história da institucionalização das regiões metropolitanas no
Brasil com fortes tentáculos na ditadura militar, por um lado, e os jogos de interesses em disputa nesses espaços, em especial das classes empreendedoras, de
outro, inibem a confiança nos processos de gestão e nos vínculos decorrentes,
mesmo sob a égide do paradigma democrático. Processos de gentrification, o
city marketing, a supervalorização do solo urbano são perversas consequências
desse alinhamento, mesmo em novo contexto.
Institucionalização das regiões metropolitanas no Brasil
No Brasil, embora a metropolização se apresente como fenômeno progressivo desde meados de 1950, quando São Paulo evidenciou sinais de conurbação, a questão só ingressou na ordem jurídica com a previsão, na Constituição
de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1 de 69, de institucionalização das
regiões metropolitanas. Nesse plano, definiu-se a competência legal da União
para sua criação e disciplina e assentou-se o conceito de serviços públicos de
interesse metropolitano.
Com lastro constitucional e sob os auspícios do governo militar, a Lei
Complementar nº 14, de 8 de junho de 1973, criou as oito primeiras Regiões
Metropolitanas: São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Recife,
Salvador, Curitiba e Belém e definiu o modelo de gestão e os serviços de
interesse metropolitano, tudo segundo o critério normativo da eficiência do
instrumento para consolidação de poder da União. Posteriormente, a Lei
Complementar nº 20, de 1º de julho de 1974, criou a Região Metropolitana
do Rio de Janeiro.
Na vigência da Emenda Constitucional nº 1 de 1969, ausente uma definição clara da titularidade do interesse metropolitano, grande celeuma se instalou
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no tocante à competência para a gestão dos serviços comuns. As posições se
radicalizaram ora na defesa do Estado como titular dos serviços comuns (nos
limites de seu território), ora na vertente da prevalência da autonomia municipal, inflexível, embora derivada, então, da organização estadual; ora, ainda,
no sentido da necessidade de redefinição do modelo federativo para absorver
as regiões como entidades políticas regionais.
Não obstante o plano de indefinições quanto aos serviços comuns,
prevaleceu a tese de competência do Estado, cogitando-se das regiões metropolitanas como modalidade de relacionamento compulsório entre unidades
político-administrativas e instrumentalizadas por entidades administrativas
do Estado voltadas especialmente para o planejamento.2 O verticalismo era,
às vezes, mitigado pelas teses abrigadas pelo federalismo cooperativo, que
defendiam as regiões metropolitanas como instrumentos de relações intergovernamentais, formas de aglutinação, integração e racionalização de esforços
e recursos materiais.
Certo é que, no Brasil, após breve período de prestígio das regiões metropolitanas, grave crise se abateu sobre elas, o que mais se acentuou no bojo
dos movimentos municipalistas e de redemocratização. Enquanto os correspondentes arranjos de gestão entravam em colapso, em razão do estigma da
verticalização e da associação das organizações regionais à índole autoritária e
centralizadora, as metrópoles mais se precarizavam, apresentando um quadro
marcado pela potencialização de riscos de sedição de massas; pelas mazelas do
quotidiano dos habitantes desprovidos das condições de vida digna; e, mais
recentemente, pelos paradoxos da relação fragmentação/globalização ou localismo/globalismo. Merece registro, em outra vertente, a formação de um
poder discursivo cada vez mais forte em torno de demandas que impactam
as cidades. Isso ocorre, particularmente, no processo emancipatório de cidadania, a partir da constitucionalização de direitos e de obrigações públicas de
universalização das prestações.
A crise se revela, também, no desprestígio das regiões metropolitanas
nos planos político, acadêmico e como critério alocativo de investimentos,
notadamente da União. Tudo conspirou para que as regiões metropolitanas
fossem abandonadas à própria sorte.
2 Em Minas Gerais, na ordem anterior, o modelo institucional vertical vingou com efetividade no
cenário metropolitano, sob os auspícios do chamado enduro autoritário e o império da capacidade técnica e operativa da autarquia de Plano Metropolitano de Belo Horizonte – Plambel –,
que perdeu espaço com o desprestígio das regiões, notadamente diante da ordem democrática,
até a sua extinção.
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Entre os anos 1980 e 1990, a temática foi negligenciada, registrando-se,
porém, no quadro atual, significativos esforços no âmbito dos parlamentos, da
administração pública, das academias – que podem contribuir sobremaneira
na construção social do conhecimento –, dos segmentos organizados da sociedade civil e do mercado para pautar o tema segundo o prisma institucional,
da governança cooperativa e da competitividade.
O tratamento das regiões metropolitanas na Constituição
da República de 1988. Breves notas
Na Constituição de 1988, a categoria foi prevista no Título III – “Da organização do Estado” – no capítulo intitulado “Dos Estados Federados”, no art.
25, § 3º, como organização sui generis no bojo da ordem federativa. Atribuiu-se
competência legal ao Estado-membro para a criação de regiões metropolitanas
e de outras institucionalidades regionais e microrregionais para o desempenho
de funções públicas de interesse comum, cujo conceito também se reservou
à esfera daquele ente subnacional.
Comunidade socioeconômica de base territorial conurbada e abrangente
de mais de um município, região de desenvolvimento, sistema integrado de
planejamento e execução de funções públicas de interesse comum, institucionalidade de serviços, comunidade de interesse urbanístico especial ou organização
sui generis desprovida de autonomia política, a região metropolitana continua
a desafiar os esquemas jurídico-administrativos e político-institucionais de
descentralização na nova ordem jurídica, especialmente em face da autonomia
dos municípios e da ausência de uma instância política regional.
Por isso mesmo, a organização da gestão metropolitana invoca a concorrência de normas constitucionais capazes de sustentar arranjos variados de
governança que possam garantir a regulação pública, a mediação, a indução
por lógicas de coordenação e cooperação, entre outras possibilidades, segundo
critério normativo democrático e inclusivo. Nesse sentido, tomando-se por base
disposições constitucionais, é possível a identificação de tipologias3 vertical e
horizontal de articulação intergovernamental: Tipologia compulsória: hipótese
do art. 25, § 3º, da Constituição da República (coordenação federativa); Tipologia voluntária: a) hipótese do art. 241 da Constituição da República (convênios
3 Sobre tipologias de organizações, pode ser consultada a dissertação de mestrado em Gestão de
Cidades, O ente metropolitano: custos de transação na gestão da Região Metropolitana de Belo
Horizonte e no Consórcio do Grande ABC – os modelos compulsório e voluntário comparados,
de Gustavo Gomes Machado (2007).
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e consórcios públicos como instrumentos de cooperação federativa – Lei nº
11.107, de 6 de abril de 2005); b) hipótese do art. 23 da Constituição da República – cooperação para o equilíbrio do desenvolvimento.4
Por compulsória entende-se a organização vertical de municípios afetados
pelo mesmo fenômeno regional, operada por lei editada pelo ente federado
competente, independentemente da anuência dos entes locais.
Da previsão expressa do art. 25 da Constituição da República de 1988
extraem-se duas ordens de fatores tendentes a caracterizar o caráter compulsório da organização: a competência do Estado-membro para instituição de
tais unidades, instrumentalizada por lei complementar; e o vínculo material
que as funções públicas de interesse comum criam entre Estado e municípios,
principalmente em área de conurbação.
Pressupõe-se que fenômenos geográficos e processos socioeconômicos
que dão origem a tais formações geoeconômicas e socioespaciais de âmbito
regional autorizam o Estado-membro a exercer papel regulador das funções
públicas de interesse comum.
Sabe-se que a gestão metropolitana se orienta pela ideia-força do interesse
metropolitano e pela pauta das chamadas funções públicas comuns traduzidas
em serviços, prestações diversas, atuação regulatória em relação a variadas
atividades, entre outros desdobramentos do poder-dever do Estado no seu
mister, que deve ser compartilhado.
Deve-se estar atento ao comando da Constituição da República que atribui
competência aos Estados para a criação de regiões metropolitanas. Essa norma
não pode ser compreendida como justificadora da hegemonia estadual nessa
matéria, nem tampouco como uma disposição ingênua e inconsequente. Ao
contrário, dela podem ser deduzidas consequências lógicas, como as relativas
à titularidade do interesse metropolitano, à responsabilidade por provisão de
necessidades, à competência para regulação de conflitos entre autonomias de
municípios de repercussão regional, em especial.
Não se deve perder de vista que a instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, a par de configurar os aludidos
complexos para fins de planejamento, tem por objetivo, em última análise, a
criação de um sistema normativo e regulatório estadual mais geral e abstrato
das relações intergovernamentais no âmbito de cada um desses complexos
4 A Lei nº 11.107, de 2005, não se enuncia como regulamentadora do art. 241 da CR, e, para fugir,
certamente, ao embate quanto à inconstitucionalidade formal, alude ao disciplinamento de
formas de contratação, pretensamente ao abrigo do art. 22, XXVII, da CR.
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regionais. Propósitos que não elidem, antes sugerem, negociações específicas
na forma de consórcios públicos, convênios, instrumentos jurídicos das relações
intergovernamentais de caráter voluntário, disciplinados pela Lei nº 11.107, de
2005, e outras contratações e modelagens cooperativas, incluídas as formas
empresariais de que os entes federados podem valer-se para sua integração.
De outro lado, deve-se registrar que, a despeito da ausência de norma
constitucional que traduza de forma expressa as responsabilidades da União
no tocante às regiões metropolitanas e do velado propósito do constituinte
de retirá-las do foco daquela esfera federativa, prevalece a responsabilidade
da União na provisão de necessidades, à medida que, sucessivamente, os municípios e o Estado não possam fazê-lo pelos próprios meios, restando assim
mitigada a discricionariedade alocativa da União.
Com a promulgação da Constituição de 1988, a despeito da delegação
da matéria ao ente estadual, as apostas se voltaram para os municípios,
apregoando-se o formato horizontal de organização. Esperava-se que os municípios buscassem voluntariamente a cooperação para o enfrentamento da
questão metropolitana. Não obstante raras experiências positivas – como a
do ABC paulista –, constata-se que formas institucionais alternativas para a
gestão metropolitana ainda não se consolidaram, constituindo grande desafio
a construção da governança cooperativa.
Tendo em vista a complexidade da gestão regional, não se vislumbra em
modelos puros ou alternativos a solução, ao contrário, evidencia-se a importância de conjugação de mecanismos verticais e horizontais.
Marco legal das regiões metropolitanas de Minas Gerais, com
foco na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH
A Região Metropolitana de Belo Horizonte foi institucionalizada pela
Lei Complementar Federal nº 14, de 1973, que criou as primeiras regiões
metropolitanas no Brasil.
Para fazer face aos desafios da gestão metropolitana, o governo de Minas Gerais, à época, implantou importante aparato de planejamento, cujo
tentáculo mais sobressalente fora o Plambel – Grupo Executivo do Plano
Metropolitano de Belo Horizonte. Essa estrutura institucional garantiu muitos
avanços normativos e investimentos no âmbito da ordem urbanística, não
obstante o modelo de atuação refletisse a lógica tecnocrática e centralizadora
do período militar.
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Com o advento da nova ordem constitucional brasileira, em 1988, a
competência relacionada com a criação, a organização e a disciplina das RMs
transferiu-se para os Estados-membros, adotando-se o conceito de funções
públicas de interesse comum.
Sob a égide da nova Constituição da República, o Estado disciplinou extensamente a matéria relativa às regiões metropolitanas na Constituição de
1989. A Carta estadual, em sua redação original, adotou conceito tradicional
de região metropolitana, enfatizando o fator conurbação como pressuposto
fático da caracterização do território metropolitano e a necessidade de desempenho de funções de interesse comum, como condição concorrente. A
Carta estadual, em disposições transitórias, manteve a RMBH, ampliando sua
base territorial.
A Constituição estadual adotou o modelo institucional híbrido, que inclui
a solução vertical na composição, isto é, a organização da região metropolitana
pelo Estado, independentemente da anuência dos municípios, que ingressam
na região por definição do legislador estadual, e as soluções de concertação
nos processos decisórios.
Com ênfase na concertação, o art. 46, em sua redação original, previa um
arranjo de gestão que, guardando coerência com os ideais municipalistas então
radicalizados, apenas reservava espaço nominal aos municípios-polo e tímida
presença do Estado nas arenas de decisão relativas às questões metropolitanas. A instância mais importante era a Assembleia Metropolitana – Ambel –,
inspirada pelo Parlamento Metropolitano de Paris.
Implementado nos termos da Lei Complementar nº 26, de 14 de janeiro de 1993, o arranjo mostrou-se logo ineficaz, seja em razão da frustrada
expectativa de que os municípios assumissem papel mais decisivo na gestão,
seja pelo desequilíbrio que ostentou ao desconsiderar a relevância do papel
do Estado e dos grandes municípios no âmbito das instâncias metropolitanas,
inviabilizando o equilíbrio da gestão e a construção da governança.
Na prática, a União e o Estado afastaram-se da gestão metropolitana,
deixando à autonomia dos municípios problemas relacionados com as funções
públicas de interesse comum, na expectativa de que eles pudessem implementar
soluções de cooperação. Particularmente, em razão do tratamento dado aos
municípios-polo, as grandes questões metropolitanas foram negligenciadas
ou afastadas das pautas dos órgãos de gestão.
Com o enfraquecimento da posição do Estado e o afastamento dos
grandes municípios dos processos decisórios, houve um progressivo desmantelamento da estrutura de gestão da metrópole.
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A Lei Complementar Estadual nº 26, de 1993, sobre planejamento e execução de serviços de interesse comum, embora mantivesse o Plambel como
órgão de planejamento metropolitano, operou o seu esvaziamento.
Em 1996, extinguiu-se aquela autarquia, e suas funções foram transferidas
para a Secretaria de Estado de Planejamento, para a Fundação João Pinheiro e
ainda para o Instituto de Geociências Aplicadas – IGA –, diluindo-se e perdendo
campo as competências institucionais em relação à temática. A estratégia era
a retirada do Estado da gestão metropolitana.
Esforços mais enérgicos por parte do Estado com vistas ao aprimoramento
do marco legal da gestão metropolitana ocorreram nesta década, diante do
agravamento do quadro das metrópoles no contexto do Estado, justificado
em parte pela desarticulação institucional da RMBH e, também, em face do
desafio de melhor inserção da Região nos planos nacional e internacional. Em
2003, criou-se a Sedru – Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e
Política Urbana. No mesmo ano, de 10 a 12 de novembro, realizou-se o Seminário Legislativo Regiões Metropolitanas, uma iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais – ALMG –, que propiciou ampla participação de atores
metropolitanos, governamentais e não governamentais, em profícuos debates
sobre alternativas para melhoria da gestão das RMs em Minas Gerais.
No ano de 2004, procedeu-se à reforma da Constituição do Estado, consubstanciada na Emenda Constitucional nº 65.
Essa emenda constitucional rompeu com o conceito clássico de região
metropolitana, flexibilizando os traços do substrato fático de sua constituição
e adotando a estratégia metropolitana como preventiva na organização de
espaços tendencialmente conurbáveis, o que permitiu o enquadramento da
segunda região metropolitana de Minas, a do Vale do Aço.
O art. 43 da Constituição do Estado, com a redação dada pela Emenda
Constitucional nº 65/2004, explicitou o conceito de função pública de interesse
comum e a forma de sua gestão.
O constituinte derivado, no art. 46, reformulou também o tratamento do
arranjo institucional das RMs mineiras, prevendo para cada qual uma assembleia metropolitana; um conselho deliberativo de desenvolvimento metropolitano; uma agência de desenvolvimento, com caráter técnico e executivo; um
plano diretor de desenvolvimento integrado e um fundo de desenvolvimento
metropolitano.
As novas previsões constitucionais tiveram seus desdobramentos no marco
legal geral das RMs – a Lei Complementar nº 88, de 12 de janeiro de 2006.
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Complementam o marco legal as Leis Complementares nº 89 e nº 90, de
2006, que tratam, respectivamente, da Região Metropolitana de Belo Horizonte
(RMBH) e da Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA).
As funções públicas de interesse comum recebem tratamento especial na
legislação em comento. A Lei nº 88, de 12 de janeiro de 2006, prevê:
Art. 4º [...].
Parágrafo único – Incumbe ao Estado, na forma desta lei complementar,
a execução das funções públicas de interesse comum, diretamente ou por
meio de:
I – concessão ou permissão;
II – gestão associada;
III – convênio de cooperação.
Já a Lei nº 89, de 12 de janeiro de 2006, que trata especificamente da
RMBH, enumera tais funções, as quais podem ser categorizadas como serviços
públicos de interesse comum (ex.: transporte metropolitano) e como atividades
públicas de interesse comum (ex.: controle do uso e ocupação do solo).
O art. 8º desse diploma enumera funções metropolitanas relevantes nas
seguintes áreas temáticas: transporte intermunicipal; sistema viário de âmbito
metropolitano; defesa contra sinistro e defesa civil; saneamento básico; uso do
solo metropolitano; aproveitamento dos recursos hídricos; distribuição de gás
canalizado; cartografia; preservação e proteção do meio ambiente e combate à
poluição; habitação; sistema de saúde; e desenvolvimento socioeconômico.
Vê-se que diversas são as funções públicas de interesse comum e que
diferentes soluções poderão ser adotadas para o seu planejamento e sua execução, desde consórcios públicos, passando pela gestão direta no âmbito da
administração estadual, até pela compartilhada, desenvolvida por meio dos
órgãos do arranjo metropolitano, sem prejuízo de competências específicas.
Caracterização da Região Metropolitana de
Belo Horizonte – RMBH
A RMBH, ao influxo do fenômeno da expansão urbana e sob os auspícios
da ditadura militar e da tecnocracia, estruturou um quadro de realidade que
combina as variáveis de concentração de oportunidades e riquezas, de um lado,
e as fragilidades do urbanismo de risco e da segregação social, de outro, e que
não destoa da configuração geral das metrópoles no Brasil.
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Para uma resenha dos principais aspectos desse quadro, parte-se do posicionamento da Capital mineira na rede de cidades do Brasil, conforme previsão
do IBGE/Ipea, combinando-se, então, dados de caracterização econômica,
territorial, urbanístico-ambiental e social da Região, para, ao final, identificar
vantagens comparativas que possam ser potencializadas.
Na rede de cidades, Belo Horizonte comparece como metrópole nacional,
enquanto a RMBH assume a terceira colocação em importância no cenário
brasileiro (depois de São Paulo e Rio de Janeiro), projetando-se, em Minas,
como o mais relevante centro político, econômico e demográfico. Apresenta-se
como a sétima maior RM da América Latina (Cidade do México, São Paulo,
Buenos Aires, Rio de Janeiro, Bogotá, Santiago do Chile), em termos demográficos (ano 2000).
Agreguem-se às características apontadas os fatores essenciais para o
perfil simplificado da RMBH. Integrada por 34 municípios, abrange 1,6% do
território estadual, com uma população de 4.975.126 hab. (IBGE/2006), o
que, por si, já é um dado revelador de alta concentração – 25% da população
e aproximadamente 50% do PIB, em relação ao Estado (2007). A média de
renda per capita no eixo econômico da região – Belo Horizonte, Contagem
e Betim – gira em torno de US$ 3,900 por ano, enquanto a média de outros
municípios da RMBH, como Ribeirão das Neves e Ibirité, não atinge US$ 630
(2007), o que evidencia a variabilidade de indicadores econômicos e sociais.
Os municípios do entorno da RMBH ampliam a base física de interesse da
estratégia metropolitana, uma vez integrados ao colar metropolitano,5 figura de
planejamento criada pela Constituição do Estado de Minas Gerais de 1989.
Em outra vertente, têm-se elevados índices de consumo de água e energia
elétrica, numa relação predatória dos recursos naturais, o que se agrava com
a alta produção de lixo, impactada pelo padrão de consumo. Com igual gravidade, registram-se as questões relativas à ordem urbanística, notadamente
relacionadas com a expansão urbana, o deficit habitacional e as estatísticas dos
domicílios inadequados; a concorrência predatória no transporte, travada pela
atuação de dez órgãos públicos diferentes; alguns desequilíbrios na dinâmica
urbana em relação ao Estado, expressos em altas taxas de desemprego (16,9%
– FJP, 2007) e de criminalidade violenta (56% – FJP, 2004), entre outros.
5 A expressão “colar metropolitano”, que nomeia o conjunto de municípios do entorno de região
metropolitana, foi sugerida pelo Professor Paulo Neves de Carvalho, à época consultor especial
da Constituinte Mineira, numa apropriação metafórica do nome que se dá ao conhecido adorno
feminino.
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Sem maior aprofundamento na discussão acerca da ordem territorial da
RMBH, apontam-se, em síntese, os fatores de maior pressão: a incontrolável
especulação imobiliária voltada para a mercantilização do solo urbano, com
ampliação do mercado imobiliário de alto luxo; a insuficiente regulação metropolitana de caráter público, com permissibilidade para uma autorregulação
pelo mercado; a elevação de coeficientes de aproveitamento de áreas de grande impacto sobre o tecido urbano e a infraestrutura, em especial a relativa à
mobilidade.
Agravando essa cadeia de fatores, tem-se o esgotamento do território da
capital, o que alimenta a busca de alternativas de espacialização da população
ora em enclaves, condomínios residenciais e multifuncionais de luxo, sob
governança privada, ora em áreas de risco, periferias urbanas ou municípios
mais distantes, gerando o aumento de assentamentos precários, tudo num
processo de polarização entre ricos e pobres e que se sustenta na referência
do solo urbano como mercadoria de luxo.
Merece registro, também, o acirramento da tensão entre público e privado, principalmente diante da apropriação de espaços públicos pela lógica de
condomínios ou por ocupações não monitoradas, que impedem a efetivação
da função social da cidade e afetam a qualidade de vida do cidadão pela impossibilidade de fruição dos benefícios e das comodidades urbanas.
Do ponto de vista da estruturação espacial, a RMBH, orientada por múltiplas vocações e em função de dinâmicas próprias, organiza-se em eixos bem
definidos. Estudo realizado por Fausto R. A. de Brito e Renata G. V. Souza
mostra a formação de cinco vetores de desenvolvimento da RMBH, que, em
diferentes momentos do processo de estruturação econômica da região, por
sua vez associados a fatores diversos de propulsão, orientam a urbanização
do território.
Esses vetores são Oeste, Sul, Sudoeste, Leste e Norte, sendo o último o
foco de atenção especial no âmbito da estratégia do Estado.
A expansão urbana pelo Vetor Norte tem origem nos centros da Pampulha e de Venda Nova, tomando como eixos as Avenidas Cristiano Machado e
Antônio Carlos.
A área Norte Central, formada principalmente por Santa Luzia, Vespasiano
e Ribeirão das Neves, em interação direta com o núcleo da RMBH, abrigando
12,4% da população, apresenta-se como polo de atração da população de baixa
renda por meio da oferta de loteamentos populares e instalação de indústrias.
O Norte do extremo da RMBH, constituído por Pedro Leopoldo, Santa Luzia
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e Confins, apresentando menor interação com o núcleo da RMBH, reúne uma
população menor – 3,81%. Seu fluxo migratório gira em torno da indústria
de cimento, da base aeronáutica, dos condomínios e sítios das classes média
e alta e do Aeroporto Internacional Tancredo Neves.
Recentes empreendimentos públicos do governo estadual, em especial
com a alocação da Cidade Administrativa do Estado na região, buscam potencializar vantagens comparativas da área para fins de mudança de seu perfil
econômico e social e de dinamização da RMBH como um todo, segundo os
planos e projetos oficiais. Paralelamente, outros empreendimentos têm-se
instalado no vetor.
Vale ressaltar, no tocante aos investimentos públicos em infraestrutura:
construção da Linha Verde; duplicação da MG-020 – via de contorno do Aeroporto Tancredo Neves – MG-424 – Confins – MG-010; ligação Ribeirão das
Neves – MG-010; restauração e aumento da capacidade da MG-424; trevo/
entroncamento MG-010 – Sete Lagoas; construção da trincheira de acesso
ao Centro Administrativo; restauração e aumento da capacidade do trecho
MG-433 – BH-Santa Luzia; entroncamento MG-010; recuperação da Avenida
Cristiano Machado.
O desafio permanente é o equilíbrio da ordem territorial urbanística, ambiental e social, ao influxo da nova dinâmica propulsada pelos empreendimentos de vulto, razão pela qual os programas de investimentos em infraestrutura
têm sido associados a projetos sociais com foco especialmente no Município
de Ribeirão das Neves e em áreas mais diretamente envolvidas.
Isso, para que se possa diminuir o risco de repetição das disfunções dos
processos de produção e apropriação do espaço metropolitano que ocorreram
ao longo de décadas anteriores.
Verifica-se, igualmente, o esgotamento do modelo atual de mobilidade
nas formas de transportes público e privado, sendo emblemático como demonstrativo da incoerência do sistema o fato de se contabilizarem em Belo
Horizonte, em 2007, 1.000.000 de carros, considerando-se, sobretudo, a relação
veículo/habitantes e a rapidez do crescimento da frota, haja vista o fato de
que o primeiro automóvel particular ingressou na Capital mineira no início
do século passado.6
6 Não foi possível precisar a data, mas Antônio Aleixo formou-se em Medicina no Rio de Janeiro
e retornou a Belo Horizonte, em definitivo, em 1909, razão pela qual se toma a data como
referência (cf. Câmara Municipal de Belo Horizonte. Pensamento e memória.
Ano I – n. 1, dezembro de 2006, p. 33).
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Vê-se que os números, os registros e as referências que sinalizam a importância da RMBH pela concentração de riqueza e de população e indicam
sua posição privilegiada em relação às principais metrópoles são facilmente
contrapostos por estatísticas e constatações que retratam desequilíbrios urbanísticos, ambientais e sociais.
De fato, diversos índices e fatores reforçam a face negativa do quadro de
concentração e evidenciam o esgotamento do modelo de desenvolvimento,
de planejamento, de convivência humana e de intervenções públicas. Por isso
mesmo, denunciam a urgência de alianças voltadas para a sustentabilidade
urbano-ambiental, na atualidade e na perspectiva transgeracional, notadamente
mediante captura de impactos da ocupação e da expansão urbanas.
Do ponto de vista de suas vantagens comparativas em relação às demais
regiões do País, análises técnicas dão conta de que a RMBH constitui relevante
alternativa locacional para investimentos industriais e de serviços. Isso em
razão da proximidade para com os grandes mercados nacionais e da posição
estratégica no Eixo Mercosul-Chile, além de contar com diversificação da
estrutura econômica e complementaridade com as estruturas industriais das
regiões vizinhas. Tais condições permitem-lhe atrair investimentos na perspectiva de competição interna e global, o que mais se potencializa pela clareza das
estratégias governamentais sinalizadas por planejamento, por investimentos
em novas centralidades e pela manutenção de agendas compartilhadas de
desenvolvimento.
Estudos mostram que o Aeroporto Internacional Tancredo Neves – Confins, situado na RMBH, apresenta excelentes condições de operação e uma das
melhores pistas da América Latina, carecendo, contudo, de maior dinamização
de ligações com o exterior.
Ainda sob a ótica da modernização logística, a região conta com o Porto
Seco, sediado em Betim, o primeiro no gênero homologado no Brasil.7
Há de se ressaltar, também, que a região Carste de Lagoa Santa, onde foi
descoberto o fóssil do primeiro homem americano, guarda riquezas do patrimônio espeleológico que podem dar novo impulso ao turismo cultural em
Minas, principalmente de caráter internacional. Vantagem que pode ser ainda
mais adensada se aliada à vocação barroca pouco explorada em municípios
7 Porto Seco de Betim é um armazém de uso público para carga em regime de importação ou
exportação, até o seu efetivo desembaraço pelos órgãos anuentes (Contrato com a Receita Federal
vigente até 2014). Foi criado em 1994 e funciona sob a administração da empresa Usifast – Logística
Industrial/SA.
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como os de Santa Luzia, Caeté e Sabará, e ao fato de ser a RMBH a que detém
a maior área verde das regiões metropolitanas do País. Na mesma perspectiva, anota-se que a Capital mineira dispõe de equipamentos modernos para
apoio ao turismo de negócios, como o Centro de Convenções – Expominas
–, assim como de estrutura esportiva capaz de dar suporte a grandes eventos
do setor.
Ressalta-se também o estoque intelectual na área de biotecnologia e de
informática, representado pela excelência de vários centros de estudos capitaneados pela Universidade Federal de Minas Gerais, a segunda instituição
brasileira no gênero em número de patentes registradas no Brasil.
Em outra frente, concentra as melhores referências em ciências gerenciais,
representadas por diversas instituições.
A Região, contudo, apresenta inserção econômica nacional e internacional abaixo do seu potencial, donde a necessidade de aproveitamento das suas
vantagens comparativas por meio da implementação da gestão metropolitana,
que possa garantir sinergia entre os governos municipais, estadual e federal,
em colaboração com a sociedade civil e o mercado.
Implementação da estratégia metropolitana na Região
Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH: planejamento,
arranjo de gestão e governança
Visando à implementação dos arranjos institucionais criados em 2006, o
Estado designou o Grupo de Governança Metropolitana, com o objetivo de
coordenar as ações estaduais imediatas no território metropolitano e estabelecer a intersetorialidade das políticas públicas.
Em 2007, no bojo da reestruturação administrativa do Estado, criou-se,
no âmbito da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política
Urbana, a Subsecretaria de Desenvolvimento Metropolitano.
O governo do Estado, avançando no resgate da atividade do planejamento, criou, em 2007, o Projeto Estruturador da RMBH – PERMBH –, na
área de resultados “Rede de Cidades”, alocado à Sedru e abrangendo ações
estruturantes não apenas a cargo dessa Secretaria, mas também de outros
órgãos e entidades: Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Instituto Estadual de Florestas, Secretaria de Estado de
Transportes e Obras Públicas, Departamento de Obras Públicas do Estado de
Minas Gerais, Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais, entre
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outros. Essa antecipação permitiu melhor articulação intragovernamental
com a consequente racionalização da aplicação de recursos e, em especial, a
implementação do atual arranjo de gestão.
Nessa mesma linha de antecipação da estratégia de planejamento, no
bojo do PERMBH, foram previstas a implementação do Plano de Governança
Urbanística e Ambiental para o Vetor Norte, bem como a elaboração de planos
de regularização fundiária, de prevenção para áreas de risco e de requalificação
urbanística e ainda de plano especial de desenvolvimento do Vetor Norte, com
foco na redução da pobreza, este no âmbito de parceria do governo do Estado
com o Aliança de Cidades. Esses planos estão em elaboração e seguem metodologia de participação dos municípios, dos órgãos do Estado, da sociedade
civil e do setor privado.
Dando curso à estratégia metropolitana, em agosto de 2007 o governo
do Estado, em parceria com a Assembleia Legislativa, realizou a primeira
conferência metropolitana da RMBH, com vistas à implantação da Assembleia
Metropolitana e eleição e posse do Conselho Deliberativo da RMBH, órgãos
previstos no arranjo de gestão definido pelas Leis Complementares nºs 88 e
89, de 2006.
Nos termos da legislação de regência, Assembleia Metropolitana é o órgão
de decisão superior e de representação do Estado e dos municípios da Região
Metropolitana, composto por quatro integrantes do Poder Executivo estadual,
indicados pelo governador do Estado, um representante da Assembleia Legislativa, o prefeito e o presidente da Câmara Municipal de cada um dos municípios
da Região. A ela compete definir as macrodiretrizes do planejamento global
da região metropolitana e, como órgão superior, vetar, por deliberação de
pelo menos dois terços do total de votos válidos, resolução emitida pelo Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano. Uma particularidade
no tocante à Assembleia é a ponderação de votos, mecanismo que garante a
equivalência do poder decisório do Estado com o dos municípios. A Assembleia Metropolitana da RMBH é composta por 73 membros representantes do
Estado e dos municípios (CEMG de 1989, art. 46, e LC nº 88/2006).
O Conselho Deliberativo é uma instância colegiada com representação
do Estado, dos municípios e da sociedade civil organizada, cujas atribuições
perpassam o planejamento, o financiamento, a execução e o acompanhamento
de funções públicas de interesse comum, deliberação sobre questões atinentes
aos recursos do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano e ao Plano Diretor
de Desenvolvimento Integrado, com seus respectivos programas e projetos.
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O Conselho Deliberativo da RMBH é composto por 16 membros, dos quais
dois são representantes da sociedade civil.
Essas instâncias vêm atuando, desde a instalação, em lógica participativa,
sendo digno de nota o fato de que o Conselho Deliberativo, congregando
representação do Estado, dos municípios e da sociedade civil, vem desenvolvendo metodologia de atuação condizente com os postulados de governança. As representações têm trabalhado de modo articulado com os atores
representados, ressaltando-se, no particular da representação da sociedade
civil, o apoio prestado pelo colegiado constituído por diversas entidades com
atuação no espaço metropolitano: movimentos sociais e populares, entidades
representantes dos trabalhadores, entidades representantes do empresariado,
entidades acadêmicas e de pesquisa e entidades profissionais. A solução, não
institucionalizada no bojo do marco legal, mas legitimada por segmentos participantes da I Conferência Metropolitana da RMBH, tem permitido suporte
técnico e ampliação da discursividade em torno de questões cruciais e, em
consequência, maior legitimidade dos processos decisórios.
No mesmo diapasão, a estratégia metropolitana envolve o relacionamento
das instâncias com o mundo acadêmico e outros núcleos de conhecimento e
inovação e, ainda, com diversos segmentos da governança urbana.
A consolidação do arranjo de gestão dá-se com a criação da Agência de
Desenvolvimento Metropolitano, pela Lei Complementar nº 107, de 12 de
janeiro de 2009. A lei complementar cria essa entidade no modelo de autarquia territorial, de caráter técnico e executivo, entidade administrativamente
vinculada à Sedru e tecnicamente ao Conselho Deliberativo, atribuindo-lhe
competências para planejamento integrado do desenvolvimento na região
metropolitana, para regulação compartilhada do solo metropolitano, para
integração da execução das funções públicas de interesse comum, mediante articulação intragovernamental, intrafederativa e intersetorial, apoio técnico aos
municípios integrantes da região metropolitana, captação e gestão de recursos
para projetos de interesse metropolitano, notadamente compensatórios da distribuição desigual dos benefícios da urbanização. A autarquia, recém-instalada,
já conta com capacidade técnica e uma agenda positiva consistente.
O sistema de gestão metropolitana dispõe de instrumentos importantes
de planejamento do desenvolvimento econômico e social relativo às funções
públicas de interesse comum e de financiamento das ações: o Plano Diretor
Integrado – em elaboração – (CE 1989, art. 47; LC 88/2006, art. 18) e o Fundo
de Desenvolvimento Metropolitano (CE 1989, art. 47; LC 88/2006, art. 18;
Dec. 44.602/2007, art. 2º).
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O Fundo de Desenvolvimento Metropolitano – FDM –, alimentado por
recursos do Estado, dos municípios e de outras fontes, é uma atividade que
tem como objetivos o financiamento da implantação de programas e projetos
estruturantes e a realização de investimentos relacionados a funções públicas
de interesse comum nas regiões metropolitanas do Estado, conforme diretrizes
estabelecidas pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado, observadas
as normas e as condições gerais aplicáveis.
O Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado da RMBH, instrumento
de desenvolvimento em médio e longo prazos, está sendo elaborado, sob direção institucional da Sedru e da Agência RMBH, por instituições universitárias
de pesquisa coordenadas pelo Cedeplar/UFMG. A elaboração do plano é
acompanhada pelo Conselho Deliberativo, segundo as diretrizes estabelecidas
pela Assembleia Metropolitana.
Vê-se que o Estado tem sido um protagonista da estratégia metropolitana,
reassumindo seu papel e, sem vislumbrar no arranjo institucional eficácia para,
por si só, reverter o quadro da RMBH, tem atuado na perspectiva de criação
das condições para a sustentabilidade, como indutor, regulador e prestador,
resgatando, em especial, a função do planejamento, com legitimidade social.
O governo não tem subestimado o aprendizado com a experiência de gestão
metropolitana da RMBH nos diversos momentos, nem as potencialidades
instaladas.
Na mesma linha, a organização institucional da gestão metropolitana
definida no novo marco legal não exclui outras iniciativas organizatórias. Se
na RMBH há uma interdependência difusa no espaço de sua base territorial,
outras dinâmicas mais estruturadas podem justificar arranjos internos complementares e focados em objetivos mais específicos.
Desafios para a construção de uma governança cooperativa
na Região Metropolitana de Belo Horizonte – RMBH
Há, no entanto, clareza no sentido de que o processo de retomada do
papel do Estado nesse âmbito não se deve dar nos moldes da década de 1970
– embora se tenha a expectativa de que egressos da extinta autarquia Plambel
e de instituições correlatas possam colaborar no resgate do planejamento
metropolitano e no fortalecimento da estratégia regional –, pois o consenso
entre os atores gira em torno da chamada gestão compartilhada. É dizer: em
Minas, faz-se opção por um modelo híbrido de gestão metropolitana, no qual
convivem lógicas verticais e horizontais de governança.
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Superada a fase de institucionalização do arranjo de gestão, a ênfase voltase para a instrumentalização da participação e para o fortalecimento da lógica
de cooperação e integração de diversos mecanismos da consensualidade, como
etapa imprescindível para a potencialização do arranjo e para a conformação
da governança metropolitana.
O marco legal vigente, embora adote modelo institucional, abre oportunidade sobretudo para a exploração da tipologia de consórcios públicos,
arranjos horizontais e voluntários concernentes à processualidade cooperativa. Tendência mundial, a escolha por esse modelo de atuação emana de
conceitos como a intersetorialidade e a articulação, pertencentes à seara da
administração consensual, uma nova tendência que tem sido objeto de estudo
das ciências do Estado.
Meio e fim, considera-se governança, sob o prisma da administração
consensual, o conjunto de mecanismos que implicam a ampliação do círculo
dos atores ligados ao processo decisório e a procura sistemática de soluções
compartilhadas, relacionando-se com os conceitos de accountability e responsiveness, advindos da ciência administrativa.
Nesse âmbito, apregoa-se a disseminação de métodos e técnicas negociais na esfera pública para resolução de conflitos, com vistas à construção
do consenso.
Assim, numa primeira vertente, tem-se investido na qualificação do diálogo do Estado-União, Estado-municípios, municípios-União, tendo em vista
parcerias importantes para o desenvolvimento metropolitano. Várias iniciativas
têm logrado êxito em lógica cooperativa, às vezes apoiada por mecanismos
simplificados de comitês, convênios, grupos de trabalho, workshops para elaboração compartilhada de atos normativos de natureza técnica necessários à
regulação, oficinas de compartilhamento de conhecimento e destinadas ao
investimento na processualização, entre outros.
Na mesma linha de construção de governança, tem-se investido na articulação intragovernamental. Constata-se que não há propriamente vazios
institucionais em relação às funções públicas de interesse comum, mas superposições e disfunções, que só podem ser corrigidas a partir da integração dos
responsáveis pela gestão.
Igualmente, a articulação intersetorial sociedade-Estado-setor privado
vem sendo desenvolvida, a partir da compreensão de que a população, em
posição ativa, pode e deve contribuir para a identificação de problemas e para
a discussão de soluções, e que entidades da sociedade civil, movimentos sociais
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e empreendedores precisam compartilhar soluções e responsabilidades com
a esfera governamental.
De outro ângulo, não se pode olvidar que o paradigma democrático, que
ressemantiza o conceito de público, encontra nas políticas metropolitanas
maior ressonância. A sociedade civil como partilhadora do espaço público,
noção contemporânea que rompe com a errônea correlação entre público e
governamental, encontra maiores potencialidades para integrar a governança
no campo das políticas públicas, ou seja, para participar das relações de poder
e para estabelecer práticas de controle, já que apresenta melhor organização
no âmbito metropolitano. Eis por que o arranjo de política pública há de enfatizar o espaço societal em todo o seu ciclo. Deve-se estar atento às potencialidades do poder social traduzido na forma de conhecimento, na capacidade
de mobilização, na condição de repositório de demandas, na disponibilidade
para formação de alianças, no poder de resistência e na sua legitimidade para
construção coletiva de identidade e consensos.
Com o objetivo de adensar essa lógica de governança, tendo em vista a
necessidade de planejamento integrado e implementação de ações em curto e
médio prazos para garantia de funções públicas de interesse comum, a Agência
Metropolitana organizou a sua agenda estratégica de pactuações, a partir de
agrupamento de funções correlatas, de organização do mapa institucional e
de identificação dos interlocutores, governamentais e não governamentais, por
área de abrangência e, de forma participativa, vem elaborando o conjunto de
estratégias de atuação da autarquia no bojo do denominado Pacto pela Sustentabilidade da RMBH. O plano de ação envolve seis programas: mobilidade,
saneamento ambiental, gestão integrada de saúde, planejamento e regulação
do território, desenvolvimento socioeconômico e gestão da informação. Os
três primeiros estão sendo priorizados para viabilização em 2010.
No âmbito das discussões sobre as ações, tem-se investigado, em caráter
exploratório, as oportunidades de colaboração para otimização de resultados
de pesquisas, divulgação de informações, aprimoramento da lógica de captação
e alocação de recursos e aperfeiçoamento da capacidade técnica metropolitana, em perspectiva de incorporação tecnológica e de inovação, entre outras
possibilidades. Enfim, tem-se investido na capacidade dialógica do Estado no
plano interorgânico, intergovernamental e intersetorial.
Na vertente de conscientização da população e dos empreendedores
metropolitanos, públicos e privados, responsáveis por ações que impactam o
território metropolitano e a qualidade de vida nessa escala, o governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional e Política
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Urbana e da Agência de Desenvolvimento Metropolitano, em parceria com o
Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia, e com o Instituto
dos Arquitetos do Brasil, Departamento de Minas Gerais, desenvolve, desde
2008, a campanha intitulada Urbanicidade, em módulos específicos.
Em síntese, pode-se afirmar, sem otimismo tendencioso, que o Estado,
para além do apelo simbólico da questão metropolitana, vem propugnando
pelo compartilhamento de autoridade e alargamento da base legitimadora dos
processos decisórios e da participação, objetivando a construção de soluções
mais abrangentes, inclusivas e inovadoras para a RMBH e, principalmente,
fortalecendo as articulações com municípios e com a União, para superação
das dificuldades impostas pelas falhas do próprio federalismo fiscal, que ignora
as regiões metropolitanas.
Governança e políticas públicas
Políticas públicas de caráter metropolitano
Num paradigma democrático, e em contexto metropolitano, o ciclo
das políticas públicas deve ser cumprido de forma compartilhada entre os
entes federativos, com a participação da sociedade, desafiando-se, portanto,
a capacidade de formação de consensos em arenas de maior visibilidade e em
território sujeitos à maior pressão das demandas.
Tem-se clareza quanto à importância do tratamento das políticas públicas
no bojo de processos jurídico-discursivos de circulação de poder, com o apelo
permanente de legitimidade por meio de participação direta ou indireta de
todos os interessados, concretizando a dimensão da cidadania ativa e destinatária de prestações civilizatórias do Estado.
Há de se ter em conta, contudo, como agravantes no campo das políticas
públicas de caráter metropolitano, os paradoxos da concentração. A ordem
de concentração é, sobretudo, a ordem de exclusão, expressa na equação do
binômio riqueza x pobreza, responsável pelo que Fernando Abrucio (2007)
denomina “esquizofrenia das cidades”, com as superlativas desigualdades –
contingentes de excluídos e ilhas de empoderados. Uma ordem de excludência
influencia diretamente o quadro de apropriação de bens, serviços e rendas, e,
em consequência, a ordem social, em razão do fluxo de demanda de serviços
públicos, elevando o deficit prestacional e os custos da reengenharia social das
cidades, com repercussão na relação de efetividade de direitos fundamentais
por meio das políticas públicas.
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Concorrendo com tais fatores, percebe-se o relativo à superposição de
controles das políticas públicas, com hipertrofia de algumas instâncias.
Por todas essas razões, no âmbito metropolitano e em contexto democrático e de deficit de efetividade dos direitos fundamentais, a cadeia de decisões
é mais ampla e complexa e, no seu curso, rotinas de comportamento administrativo são postas à prova; unidades das organizações governamentais são
chamadas à integração e à intersetorialidade; papéis e missões institucionais
são redesenhados ou impactados; condicionantes do processo decisório são
estabelecidas, as quais devem ser apreendidas não apenas para monitoramento
da prevenção de incidência de conflitos, mas em particular para a inversão de
prioridades, na perspectiva de reengenharia social.
Esse quadro sugere, também, a revisão do conceito de responsabilidade
aplicada à gestão pública. O modelo de responsabilidade, hoje personificada
no gestor, tem levado ao imobilismo de agentes públicos pressionados por históricos passivos de política urbana. É necessário retirar a centralidade do foco
no gestor, ampliando-o para a caracterização de responsabilidade estendida,
em coerência com os processos de governança participativa.
Nesse campo, o Direito Administrativo é chamado à interdisciplinaridade com a Ciência da Administração, a colher subsídios na teoria das
organizações, a lidar com o institucionalismo, com os novos modelos organizatórios e arranjos decisórios alternativos e igualmente com a Ciência
Política, com a Sociologia, para que possa enfrentar o problema que Maria
Paula Dallari Bucci denomina “de esterilização do Direito Público em sua
função de organização das relações entre Estado, Administração Pública e
sociedade, processo que resultou de seu distanciamento em relação a uma
realidade cambiante e dinâmica” (BUCCI, 2006, p. 2).
Política urbana
A governança metropolitana deve ter como foco principal a ordem urbanística territorial, o meio ambiente, as diversas atividades, públicas e privadas,
sob o prisma da sustentabilidade regional integrada e da (re)construção do
urbano como projeto emancipatório, no âmbito de adequada política urbana
e ambiental.
Nesse sentido, a gestão metropolitana deve voltar-se de forma decisiva
para o território, focando a sua (re)ordenação, ocupação e utilização, na busca
de equalização de oportunidades diante de demandas de acesso ao solo urbano,
às funções sociais urbanas, à adequada prestação de serviços e à provisão de
necessidades.
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Tendo, pois, como objeto a ordem urbanística, a governança significa
processo de planejamento urbano integrado, de construção de matrizes cognitivas e normativas compartilhadas, de intervenção ou de regulação da esfera
privada, no tocante às dinâmicas que envolvem o solo urbano, por meio de
arranjos democráticos capazes de sustentar a discursividade para a conciliação
dos interesses presentes no território, pela lógica funcional da propriedade e
da cidade. Pressupõe, por fim, governança dos meios para se atingir os fins
coletivos.
Políticas públicas sociais
A governança em relação às políticas públicas sociais já é, por si, um
desafio em razão da complexidade que elas apresentam em suas matrizes,
concepções e arquitetura jurídica, especialmente no Brasil, em que a transição
paradigmática do Estado, da democracia e do direito introduz mudanças sensíveis na abordagem das políticas públicas, até então tomadas como dotações
exclusivas do Estado e tratadas como concessões do poder público e, portanto,
dissociadas do plano dos direitos subjetivos de seus destinatários. Assim, em
um quadro de dívida social imensa, há de estar presente a advertência de Maria
Paula Dallari Bucci, segundo a qual “o desafio da democratização brasileira é
inseparável da equalização de oportunidades sociais e da eliminação da situação de subumanidade em que se encontra quase um terço da sua população”
(BUCCI, 2006, p. 10).
A dificuldade ganha contornos mais graves quando se têm em vista
a base territorial metropolitana, com suas centralidades e periferias e respectivas demandas em processo dinâmico e cambiante, e o paradoxo da
concentração e exclusão que caracteriza as metrópoles e as projeta como
espaço de conflitos.
Como os territórios metropolitanos concentram as riquezas e igualmente
os problemas em escala, a provisão de políticas públicas é marcada por um
embate permanente entre interessados e provedores. Por isso mesmo, há de
se estabelecer a governança das demandas por políticas sociais, por meio de
planejamento, monitoramento dos fatores de pressão, informações de base
territorial, qualificação da base cognitiva, que deve ser compartilhada com
a sociedade para garantia de fluxos comunicacionais. Tais fluxos devem ser
capazes de levar à formação de opinião pública coerente com a realidade, de
subsidiar a espacialização do orçamento, a alocação equitativa dos recursos, a
intersetorialidade das políticas, a construção de índices e a definição de fatores
de avaliação das diversas ações em face dos objetivos consensados.
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Nesse sentido, a governança deve, enfaticamente, reconciliar a fragmentação institucional – da própria abordagem das políticas públicas do Estado
– com a territorialidade metropolitana, com seus desafios urbanos, ambientais
e sociais e, ao mesmo tempo, buscar sinergia para a consecução dos objetivos
comuns.
Especialmente em um quadro administrativo de restrições da capacidade
de financiamento, “as políticas implicitamente travam competição por dotações
orçamentárias”. Daí a necessidade de se dispensar cuidado à explicitação de
critérios alocativos de recursos, como condição para qualificar a discursividade política, administrativa e social em torno de dilemas urbanos e da disputa
entre as demandas setoriais. Nesse contexto, as “decisões alocativas são dramáticas”, devendo ser ressaltado o que se tem denominado de síndrome das
decisões orçamentárias, razão pela qual devem ser compartilhadas, de modo
a se revestirem de legitimidade. Isso sugere também a importância de que a
estratégia participativa incorpore a discussão da responsabilidade estendida
(PINTO, 2006, p. 377-381).
Invoca-se, pois, no embate em torno das políticas públicas, uma participação da sociedade civil que supere o patamar da discussão, ou a dimensão da
“democracia espetáculo” e possa integrar o poder societal no plano de decisões,
no qual a sociedade civil seja capaz de fazer escolhas, estabelecer prioridades
e compartilhar os riscos e os ônus das definições ou das soluções consensadas, desalojando-se, por outro lado, lideranças ilegítimas e empoderadas para
influenciar as políticas.
Assim, uma governança metropolitana necessita sobretudo de novos
construtos mentais favoráveis à aglutinação de todas as forças legítimas na
perspectiva emancipatória da cidadania, da coordenação das políticas públicas,
da eficiência prestacional e da humanização do desenvolvimento das cidades,
garantidos e alimentados os fluxos comunicacionais em todo o ciclo de gestão e
o compartilhamento dos ônus dos processos decisórios, quanto aos resultados
e à adequação das soluções.
Há de se registrar que, no campo das políticas sociais, a região metropolitana protagoniza uma consistente experiência de governança colaborativa a
partir das iniciativas de Belo Horizonte, estruturando o Consórcio das Mulheres
das Gerais, que tem sido tomado como referência de metodologia adequada.
Pautando-se em área de rara aplicação da espécie colaborativa, a experiência
demonstra que, embora tormentoso o caminho de constituição do arranjo, é
possível uma solução de colaboração, para além das preocupações de escala
e do manejo de custos.
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Considerações finais
A superação da crise da gestão metropolitana pressupõe o enfrentamento
de múltiplas dificuldades e a projeção de alternativas adequadas ao contexto e
ao paradigma democrático de direito. Nesse sentido, merecem realce estratégias, teses e circunstâncias que fragilizam a posição do Estado no âmbito das
“regiões metropolitanas”: abordagem da atuação do Estado como ingerência
na gestão municipal, a sinalizar com constrangimentos federativos; inexistência
de entidade regional intermediária com capacidade política e inviabilidade de
sua adoção; insuficiência do estatuto jurídico das RMs; inerente tensão entre
o interesse metropolitano e o interesse local; crise dos modelos institucionais;
insustentabilidade de experiências; ausência de legitimidade na equação de
poder na gestão metropolitana.
Na linha dos constrangimentos federativos, desafio que se coloca ao Estado – membro no provimento de políticas públicas – é o de se desincumbir de
suas competências constitucionais no tocante às funções públicas de interesse
comum, aplicadas no âmbito metropolitano, com um leque significativo de
possibilidades temáticas e setoriais. Tal mister envolve indiretamente a ressemantização da autonomia municipal e a necessidade de articulação dos diversos
atores federativos em torno dos objetivos comuns.
Desse modo, o provimento de políticas públicas metropolitanas não
prescinde das esferas locais, mas não se esgota nelas; pressupõe forte presença
do Estado, na sua dimensão prestacional, indutora e regulatória, mas também
não se esgota nele; apela pela presença da União Federal. Note-se, ademais,
que o próprio conceito de função pública de interesse comum é construído
com base no princípio da subsidiariedade das instâncias.
Nessa vertente, necessária se faz a repactuação para (re)interpretação
do federalismo brasileiro e, igualmente, a criação de laços cooperativos. Os
incentivos seletivos para práticas consorciais e o fomento ao associativismo
proativo devem ser objeto de atenção.
A partir dessa repactuação, torna-se urgente a construção de uma governança metropolitana compartilhada, sabendo-se, de antemão, que o recorte
metropolitano tradicionalmente não pauta os movimentos sociais. Isso indica
a necessidade de arquiteturas diferentes de participação, de novos modos de
empoderamento da sociedade. A implementação de um modelo jurídico-institucional que leve em conta o processo socioeconômico e urbano-territorial
deve-se assentar em práticas sociopolíticas de gestão, as quais precisam do empreendedor político, mas devem superar os resquícios do autoritarismo e do
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centralismo institucional, para buscar o equilíbrio da governança nos pilares
dos diversos núcleos de poder que compartilham o espaço metropolitano,
os entes federativos, a sociedade civil e a iniciativa privada legítima sob adequada regulação pública. É dizer: a estratégia de implementação de políticas
públicas precisa superar as fronteiras funcionais das institucionalidades. Daí
a necessidade de criação de processos políticos, jurídicos e institucionais que
aproximem os núcleos de poder e garantam a discursividade democrática e, em
consequência, soluções metropolitanas legítimas cooperativas e juridicamente
adequadas (FERNANDES, 2004, p. 65-99).
Chama-se a atenção, também, para a emergência da ordem territorial na
centralidade do desenvolvimento econômico-social, o que se deve acompanhar de uma compreensão adequada das dinâmicas, das trocas, dos processos
comerciais, financeiros, imobiliários e culturais, de mobilidade, de geração de
emprego, renda e consumo de bens que se dão no macroespaço metropolitano.
Tudo com vistas a uma regulação pública de índole inclusiva, capaz de criar
condições para a maior democratização do acesso à terra, aos recursos naturais
e aos benefícios da organização urbanística. O critério territorial favorece o
enfrentamento dos processos de produção de pobreza, de segregação espacial,
de exclusão social e de degradação ambiental e, em consequência, garante a
ruptura com a lógica da ilegalidade no processo de construção da cidade, de
produção do espaço e de acesso ao solo e aos recursos naturais, uma escalada
que persiste, agravada, não obstante uma trajetória de conquistas no bojo da
chamada reforma urbana. Em outras palavras, rompe com a informalidade
estrutural.
Por fim, desafios de variada ordem se opõem à gestão metropolitana da
RMBH, num momento em que se implementa o seu novo arranjo institucional
e em que diversas iniciativas do governo do Estado buscam propulsar a economia, notadamente por meio de investimentos de monta no chamado Vetor
Norte, na tentativa de criar novo eixo de crescimento da metrópole diante da
saturação da Capital mineira. Caberá ao Estado protagonizar a gestão metropolitana em processo democrático e plural, de modo a colaborar na construção
de governança compartilhada, na melhoria do nível relacional, por meio de
capacitações com foco em comportamento institucional e em pactuação, na
redução das vulnerabilidades diversas, assegurando que as institucionalidades
sejam cada vez mais legítimas e funcionem para além do momento político
contingente. Para tanto, o Estado, como ator responsável por capitanear o
processo institucional metropolitano, haverá de perseguir o equilíbrio entre
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o arranjo e a correlação das forças que o sustentam, nas decisões que afetam
a região, e em todo o ciclo das políticas públicas, buscando um alinhamento
permanente com os interesses legítimos da cidade. Caberá a ele focar, além
dos empreendimentos, os impactos que deles possam decorrer, para garantir
a evolução sustentável de estruturação da nova centralidade. Paralelamente,
deverá estar atento às demandas de soluções metropolitanas para o conjunto da
região, em especial no tocante à mobilidade, à segurança, à ordem urbanística
e às condições ambientais, para a verdadeira reabilitação do espaço urbano na
perspectiva de sua humanização.
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Trajetória e perspectivas da gestão
metropolitana de Belo Horizonte:
as dificuldades de balancear governança
e representatividade
Virgínia R. dos Mares Guia
Sérgio de Azevedo
O caso da gestão na Região Metropolitana de Belo Horizonte é extremamente rico, comparativamente às demais regiões metropolitanas brasileiras:
sua trajetória atravessou diferentes fases, que representam situações aparentemente paradoxais. Tem início nos anos 1970, etapa na qual, antes mesmo de
contar com o respaldo legal, a agência metropolitana (Plambel-Planejamento
de Belo Horizonte) tinha de fato considerável poder de intervenção, enquanto
a instância decisória – o Conselho Deliberativo – era controlado por representantes do governo estadual. Passa por mudanças, algumas estruturais, e
no final dos anos 1980, quando os municípios ganham ampla hegemonia na
Assembleia Metropolitana (Ambel), não se dispõe de capacidade concreta de
atuação no planejamento regional. E na atualidade, frente ao novo quadro
recém-instituído?
Este artigo tem por objetivo fornecer subsídios para o debate sobre os
desafios e potencialidades da gestão metropolitana de Belo Horizonte através
da reflexão sobre a relação entre formato institucional e atores nas três fases
históricas estratégicas que marcam sua trajetória: a primeira, o “período do
Plambel”, que necessita ser resgatado numa perspectiva acadêmica, evitando
tanto as análises que “cantam loas” ao seu desempenho técnico, quanto os
estudos que o consideram uma agência comprometida com o regime autoritário da época; a segunda, a fase de vazio no planejamento metropolitano e de
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hegemonia da Ambel, fruto de uma ideologia neolocalista, que se pretendia
democratizante, e de uma crença neoinstitucionalista radical, que imaginava
ser possível não levar em conta a correlação de forças entre os atores envolvidos. Por último, a terceira fase corresponde ao quadro político-institucional
que, atualmente, respalda a gestão compartilhada na Região Metropolitana
de Belo Horizonte. Capitaneado pelo Estado de Minas Gerais e fortemente
apoiado pelo município de Belo Horizonte, o processo que resulta no quadro
atual teve, no seu início, papel crucial desempenhado pelo “acaso”. A ação
concertada de atores relevantes no processo de gestão metropolitana tornou
possível a celebração de um acordo capaz de viabilizar o seu dinamismo que,
por mais de duas décadas, esteve praticamente inoperante.
O planejamento na RMBH: a ação do Plambel
Origem
A Região Metropolitana de Belo Horizonte1 foi institucionalizada em
1974, quando foi também instituída a autarquia Plambel - Planejamento da
Região Metropolitana de Belo Horizonte2 como entidade de planejamento e
apoio técnico aos Conselhos Deliberativo e Consultivo.
Todavia, a ação do Plambel já se fazia presente na região desde 1971,
quando foi celebrado um convênio entre o governo do Estado de Minas e as 14
prefeituras dos municípios que originalmente integrariam a RMBH. Já havia a
consciência da necessidade e importância de um planejamento que superasse
o âmbito exclusivamente local.
1 Desde sua criação até o final dos anos 1980, a RMBH é integrada pelos municípios de Belo
Horizonte, Betim, Caeté, Contagem, Ibirité, Lagoa Santa, Nova Lima, Pedro Leopoldo, Raposos,
Ribeirão das Neves, Rio Acima, Sabará, Santa Luzia e Vespasiano. Pela Constituição Estadual
de 1989 são incorporados à Região: Brumadinho, Esmeraldas, Igarapé e Mateus Leme. A partir
de 1992, com a criação dos municípios de São José da Lapa, até então distrito de Vespasiano, e
Juatuba, emancipado de Mateus Leme, a RMBH passa a contar com 20 cidades. Desde então,
novos municípios vêm sendo agregados à RM, através de sucessivas leis estaduais: São José da Lapa
(que se emancipa de Vespasiano) e Juatuba, em 1993. Igual processo de emancipação incorpora
Sarzedo e Mário Campos, antes pertencentes a Ibirité, São Joaquim de Bicas, que se emancipa
de Igarapé e Confins, antes distrito de Lagoa Santa. Já em 1997 Florestal e Rio Manso passam a
integrar a RM e mais seis municípios são agregados em 1999: Baldim, Capim Branco, Itabirito,
Itaguara, Matozinhos e Nova União. No ano seguinte, mais dois municípios – Jaboticatubas
e Taquaraçu de Minas – são agregados à Região, enquanto Itabirito é excluído. Finalmente,
incorpora-se à Região a cidade de Itatiaiuçu, em 2002, perfazendo os 34 municípios que hoje
integram a RMBH.
2 Lei Estadual 6.303/74.
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É constituído, no quadro funcional da Fundação João Pinheiro, um grupo técnico integrado por arquitetos, engenheiros, economistas, sociólogos,
ao qual se atribuiu a tarefa de realizar estudo para a elaboração do Plano de
Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da Região Metropolitana de
Belo Horizonte.
Na realidade, segundo Werneck (1984), a história desse órgão tem origem
em meados da década anterior. Ainda no governo Costa e Silva, Israel Pinheiro
havia sido eleito governador de Minas pela oposição e, enfrentando dificuldades
na obtenção de recursos federais, procura empreender uma reestruturação da
máquina administrativa estadual. É então criado nesse âmbito todo um aparato
de planejamento: o Conselho Estadual do Desenvolvimento – CED, posteriormente transformado na Secretaria Estadual de Planejamento; a Fundação João
Pinheiro – FJP; e a Companhia de Distritos Industriais, entre outros.
No I° Plano Mineiro de Desenvolvimento Econômico e Social, elaborado
à época, haviam sido propostas pelo CED a estruturação e a institucionalização
de um órgão que desse início ao estudo da questão metropolitana. Encontrando
resistência do prefeito de Belo Horizonte, essa proposta acabou por resultar
na criação de uma “coordenação de desenvolvimento urbano” no interior do
Conselho Estadual de Desenvolvimento.
Em 1970 o governo do Estado contrata uma empresa de consultoria
encarregada da elaboração de um plano preliminar para a RMBH. A questão
metropolitana é caracterizada em linhas gerais e são traçados os limites da
Região, sendo proposta a elaboração de um Plano de Desenvolvimento Integrado para a área, tarefa atribuída à administração estadual.
As diretrizes definidas pelo Serf hau e, posteriormente, do CNPU – responsável pela formulação e financiamento da política urbana, centralizados à
época no âmbito federal – garantiam o financiamento de trabalhos desde que
se adotassem o modelo de planejamento integrado e que fossem realizados
através de empresas privadas.
É essa a razão pela qual entra em cena a Fundação João Pinheiro, entidade pública, mas de direito privado, atendendo-se ao requisito do governo
federal para o acesso ao financiamento necessário à elaboração do Plano de
Desenvolvimento da RMBH. Em junho de 1971 é assinado um convênio entre
o governo do Estado e os 14 municípios que compõem originalmente a RMBH
e a FJP é contratada, sendo então constituído o Grupo Executivo do Plano
Metropolitano de Belo Horizonte – Plambel.
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O trabalho então iniciado – atendendo à diretriz do Serf hau – pautava-se
pela perspectiva de planejamento integrado: “Tinha como objetivo a produção
de um conjunto de ‘documentos produto’ que abarcassem todos os aspectos
da Região Metropolitana ... A visão predominante era a de que estava-se
montando mecanismos de planejamento aos quais deveriam se submeter
municípios e órgãos setoriais” (WERNECK, 1984, p. 7). Partia-se, ainda, de
uma concepção idealista do Estado e do urbano, que via o setor público como
possuidor de poder para moldar a cidade segundo os valores e a vontade dos
planejadores.
Constituindo uma proposta fechada e revestindo-se de caráter autoritário, coerente com o momento político em que foi produzido, o Plano de
Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da RMBH – PDIES, então
elaborado, pautava-se por uma perspectiva de cidade que privilegia as tendências e a linearidade, desconsiderando a dinâmica e os agentes dos processos e
transformações mediante os quais o espaço urbano é construído.
Tomando como um dado o momento do “milagre”, teve suas propostas
baseadas em estimativas extremamente otimistas quanto ao crescimento econômico, além de previsões de manutenção de elevadas taxas de crescimento
demográfico, superestimando o contingente populacional que viria se assentar
na Região.
E, como enfatizado por Cintra, “reduziu o âmbito de suas preocupações,
na prática, às estruturas físicas metropolitanas... que (foram traduzidas) em
estratégia ambiciosa de envolvimento e cooptação de inúmeras organizações
presentes no vasto espaço das políticas públicas” (CINTRA, 1982, p. 30). A
implementação da maioria das propostas então formuladas exigiria a coordenação das ações dos órgãos setoriais, inclusive da esfera federal, numa pretensão
dificilmente concretizável, no mínimo porque estes tinham seus programas
definidos e executados de maneira estanque.
Todavia, embora tendo sua atuação marcada pelo viés tecnocrático, a
postura da equipe foi sempre “temperada por posições socialmente progressistas: o planejamento metropolitano iria não só solidificar as bases para o
progresso material de Minas Gerais, mas contribuiria também para melhorar
a qualidade de vida da população”. A pretensão era a utilização das técnicas
que manipulavam “para atender a necessidades sociais e encontrar soluções
para o transporte coletivo, habitação popular e acesso dos mais pobres a lotes
urbanos com infraestruturas mínimas” (CINTRA, 1984, p. 39).
Num comportamento pautado pelo “voluntarismo utópico” – expressão
usada por Mattos (1988) para indicar uma das características dos planejadores
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“cepalinos” – a orientação teórica e metodológica adotada pelos técnicos tinha
como base uma ideologia que, de modo geral, contrapunha-se à dos grupos
sociais que detinham o poder de decisão. Viam-se como “agentes de mudança social” e internalizavam o desempenho desse papel como uma “missão”,
acreditando-se dotados de autonomia para atuarem nesse sentido.
A Lei Federal 14/73 e a Lei Estadual 6.303/74 vêm encontrar a equipe
em pleno trabalho. E o Plambel consegue ocupar, durante certo período, um
espaço técnico e político que supera em muito as pretensões iniciais do Conselho Estadual de Desenvolvimento.
Contava, de partida, com uma conjuntura nacional favorável sob diversos
aspectos. No plano econômico, o “milagre” propiciava taxas de crescimento
significativas no âmbito nacional e, em particular, no Estado e na Região. No
plano político, prevaleciam o controle e a repressão das manifestações da sociedade civil contrárias ao regime, além do esvaziamento do poder municipal
– privado inclusive de parte significativa dos seus recursos financeiros –, e do
poder legislativo nas três esferas de governo.
Na década de 1970, a instância de planejamento metropolitano passa
a intervir no controle do processo de parcelamento e expansão urbana na
Região Metropolitana de Belo Horizonte, numa atuação que assume uma
forma bastante peculiar, comparativamente às demais regiões metropolitanas
brasileiras.
Favorecido pelo momento de crescimento econômico e, principalmente,
de autoritarismo no plano político, a interpretação das prerrogativas dadas pela
definição dos “serviços comuns de interesse metropolitano” fez do Plambel órgão quase soberano na normalização do uso e ocupação do solo na Região.
Antes mesmo que a Região Metropolitana de Belo Horizonte fosse regulamentada pelo governo do Estado e que fosse instituído como órgão de
apoio técnico aos Conselhos Metropolitanos, o Plambel começa a intervir
“informalmente” sobre o parcelamento do solo na Região. Como se verá,
essa intervenção irá ganhando contornos cada vez mais nítidos no decorrer da
década de 1970, caracterizando-se como ímpar no contexto de todas as demais
regiões metropolitanas do país, onde prevalece a responsabilidade do poder
público municipal no controle dos loteamentos.
Na Região Metropolitana de Porto Alegre, localizada em um Estado
de forte tradição municipalista, viabilizava-se uma ampla participação dos
municípios nas decisões metropolitanas, até mesmo no período de maior
autoritarismo e controle da distribuição de recursos federais. Situação semelhante era observada na Região Metropolitana de Recife, onde “optou-se pela
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política de ‘fazer fazer’, estimulando os vários agentes [que atuam na Região] a
se integrarem em uma ação comum... respeitando sempre o município como
ente autônomo” (WERNECK, 1984, p. 13).
Por sua vez, no Rio de Janeiro, a Região não conseguiu sequer se consolidar, enquanto em São Paulo o órgão metropolitano optou por adotar uma
postura essencialmente legalista, tendo como base o princípio constitucional
da divisão de atribuições entre os três níveis de governo.
Na administração metropolitana de São Paulo partia-se do princípio de que
a competência da União era claramente estabelecida pela Constituição e, aos
municípios, cabiam os assuntos de seu peculiar interesse. Assim, as atribuições
do Estado seriam residuais, situando-se entre elas a administração dos serviços
metropolitanos. Estes, por sua vez, eram identificados por exclusão: o que não
era de peculiar interesse do município seria estadual e, portanto, metropolitano,
o que podia ocorrer não apenas na seleção do serviço em si, mas no interior
de um mesmo serviço, dependendo de sua escala (WERNECK, 1984).
No que se referia ao uso do solo, por exemplo, questões relacionadas a
localização de indústrias eram tratadas na esfera estadual, enquanto o parcelamento e zoneamento urbanos eram tidos como atribuição dos municípios,
podendo ser tratados de maneira isolada no âmbito de cada uma das 37 cidades
que compunham a Região Metropolitana de São Paulo (WERNECK, 1984).
Já na RMBH, o entendimento da atuação do órgão metropolitano sobre
o parcelamento e uso do solo será frontalmente diverso. A interferência do
Plambel nesse âmbito significará, antes de tudo, uma tentativa relativamente
bem-sucedida de construir seu poder no espaço político metropolitano, para o
que foi decisivo para o órgão poder valer-se das expectativas em torno da Lei
Complementar 14. “Havia uma visão difusa de que este texto legal conferiria
amplos poderes e competências aos órgãos metropolitanos” (CINTRA, 1982,
p. 32). Juntamente com a área de transporte, é através do exame e concessão
de anuência prévia aos projetos de parcelamento que esse órgão consegue,
durante um período, ocupar uma posição de destaque.
Ação pioneira: preocupação com parcelamento
e ocupação periférica
Como visto, de 1950 até o início dos anos 1970 a fronteira de ocupação
periférica de Belo Horizonte se esgota, tendo extrapolado seus limites municipais e atingido cidades limítrofes à capital.
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Ainda na primeira metade da década de 1970, o Plambel começa a intervir
no processo de controle do parcelamento do solo e de expansão das fronteiras
de periferização da RMBH, antecipando-se à Lei Federal n° 6766/79, que irá
institucionalizar a participação de entidades metropolitanas nesse processo
apenas no final dessa década.
Num trabalho de convencimento – no qual, segundo um ex-integrante
da equipe do Plambel, foram enfrentados problemas como a resistência de
alguns prefeitos em aceitar a interferência do órgão metropolitano – são estabelecidos contatos com as prefeituras dos municípios da RMBH, sendo-lhes
solicitado que passassem a enviar àquele órgão os projetos de parcelamento
a elas encaminhados para aprovação.
Então, nós começávamos também a ver que havia aí vários níveis de dificuldades. Havia algumas prefeituras que eram mais acessíveis a estes contatos e
outros prefeitos que eram mais corrompidos. Acho que é bem este o termo...
Levar para outro (nível de) poder era diminuir um ganho que não interessava.
Em Nova Lima, nesse momento, era bem isso.3
E, ainda segundo o relato desse entrevistado, embora em número reduzido, alguns loteadores começam a procurar espontaneamente o Plambel para
o exame dos projetos que pretendiam implantar.
Inicialmente, o único “respaldo legal” para essa atuação é dado pela Lei
Complementar Federal n° 14, que arrola entre os “serviços comuns de interesse
metropolitano” o uso do solo.
Os pareceres sobre os projetos examinados eram emitidos por um arquiteto e um advogado, responsáveis pela sua análise do ponto de vista urbanístico e
jurídico, respectivamente. Elaborados principalmente com base no bom senso,
combinavam informações obtidas a partir de visita à área a ser parcelada com
consultas ao material disponível e aos demais técnicos do Plambel.
À época estavam ainda em elaboração trabalhos como o Plano de Desenvolvimento Integrado Econômico e Social da RMBH – PDIES, o Esquema
Metropolitano de Estruturas –EME e o Plano de Ocupação do Solo do Aglomerado Metropolitano – POS que, embora numa escala muito geral, viriam a
fornecer referências para essa tarefa. Recorria-se, ainda, à legislação relativa a
outras questões, como, por exemplo, à que impedia a ocupação de área situada
sob linha de transmissão de energia elétrica.
3 Patrício Dutra Monteiro, ex-integrante da equipe do Plambel, onde ocupou, entre outras, a
coordenação da área de Expansão Urbana. Entrevista realizada em 17.9.1991.
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Sabíamos que era um problema muito grande, mas a estruturação de critérios
para o exame dos projetos de parcelamento era muito lenta... Verificamos que
os primeiros passos tinham que ser no sentido do entendimento, de construção
de uma base legal para começar a segurar... Havia, internamente, muitos ajustes para serem feitos, além do modelo do lote, que era facilmente definido. Aí
começamos a listar: as vias de pedestres, declividade, reserva de áreas verdes
etc. (PATRÍCIO, 17.9.1991)
Registre-se que a atuação do poder público nesse âmbito encontravase legalmente restrita ao município e, portanto, o Plambel não dispunha de
nenhum mecanismo formal que estabelecesse um “ganho adicional” para os
loteadores que obedecessem as diretrizes fornecidas ou, inversamente, uma
“punição” para os loteadores que não o fizessem.
Ao que tudo indica, o momento de autoritarismo então vigente no cenário
político nacional é decisivo para justificar tanto a aquiescência dos prefeitos a
essa ingerência quanto a procura espontânea por parte de alguns loteadores.
O que é identificado com a esfera federal ganha importância exagerada – chegando mesmo a intimidar – e o Plambel acabava por representá-la. A questão
metropolitana – uma novidade ainda pouco entendida, muitas vezes confundida com um quarto nível de poder – havia surgido como uma determinação
do governo central, imposta aos Estados e municípios.
Além disso, alguns dos prefeitos da RMBH acabavam por achar conveniente dividir com outra instância a responsabilidade por exigências em relação
aos loteamentos a serem implantados em seus municípios. Ficavam resguardados do desgaste político que tais exigências poderiam representar frente aos
loteadores, ao mesmo tempo em que passavam a dispor de certa garantia de
uma melhor qualidade dos parcelamentos executados. Ressalte-se que, até o
presente, apesar de disporem de normas locais relativas à questão, alguns dos
municípios da RMBH ainda remetem os projetos de parcelamento e desmembramento diretamente ao Plambel, sem sequer examiná-los previamente.
Por sua vez, a direção do Plambel procurava ganhar espaço e afirmar
técnica e politicamente o órgão, o que explica seu interesse e empenho em
atuar nessa área, aproveitando a possibilidade aberta pela Lei Complementar
Federal n° 14.
Os técnicos – de modo geral, comprometidos com uma ideologia progressista – acreditavam estar atuando “nas brechas do sistema” ao tentar enfrentar
os loteadores, a especulação imobiliária e a permissividade dos prefeitos, que
penalizavam o acesso a terrenos urbanos pelos segmentos mais pobres, além
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de suprir o “despreparo” das equipes das prefeituras no exame dos projetos
de parcelamento.
Concretamente, durante certo período, “até descobrirem que o tigre era
de papel” (PATRÍCIO, 17.9.1991), vários projetos de loteamentos receberam
parecer do Plambel. E, segundo a avaliação desse entrevistado, a atuação do
órgão nesse momento inicial era mais efetiva do que posteriormente, quando
passa a contar com um amplo respaldo legal e com uma equipe estruturada
para desempenhar essa atribuição específica.
O Plambel era bastante ouvido, surpreendentemente ouvido, tendo em vista
que não tinha nenhuma legislação que obrigasse os loteadores a ouvi-lo. Mas
enquanto não descobriram este fato – e como o Plambel estava numa política
de expansão violenta, fortalecendo o nome, respeitado até mesmo pelo governo
do Estado – obedeciam ou vinham até nós, nos consultar sobre as regras de
execução destes parcelamentos. (PATRÍCIO, 8.11.1991)
Relata, ainda, fatos inusitados dada a fragilidade do poder formal de que o
Plambel dispunha: a Minerações Brasileiras Reunidas – MBR envia a esse órgão
o projeto completo da mineração na Serra do Curral e um grande proprietário
de terras em Belo Horizonte, o Sr. Antônio Luciano, remete ao Plambel uma
planta com a demarcação de todos os seus terrenos na cidade. Poucos anos
depois, quando já estava em vigor todo o aparato que referendava a atuação
do órgão metropolitano no processo de controle do parcelamento do solo,
tais fatos dificilmente se repetiriam.
A preocupação com a formalização de amparo legal e a procura de “brechas” normativas que lhe permitissem continuar exercendo essa tarefa – que
acabam por se consubstanciar em um convênio com o Incra – tornaram-se
mais agudas a partir do momento em que um loteador contesta a intervenção
do órgão metropolitano em sua área de atuação.
O acordo com o Incra é celebrado através de convênio em 17 de outubro de 1974 e aprovado pela Resolução n° 123/74, com a interveniência das
prefeituras municipais da RMBH. Tinha como base o fato de que, ao decidir
parcelar uma gleba rural para fins urbanos, o proprietário do terreno é obrigado
a solicitar sua descaracterização enquanto imóvel rural junto ao Incra e, uma
vez comprovada a inviabilidade da exploração agropecuária, essa solicitação
recebe parecer favorável. Ou seja, os imóveis eram considerados como rurais
em função da sua destinação, independentemente de sua localização.
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Pela legislação agrária, é rural o imóvel que tem uso agrário. Então (a partir do
acordo com o Incra), podia-se controlar os imóveis agrários para que eles não
se transformassem em urbanos ou, se transformados em urbanos, se transformassem de forma mais adequada, de acordo com determinados critérios. ( José
Rubens Costa, ex-assessor jurídico do Plambel, em 23.10.1990)
Essa prerrogativa garantia ao Plambel, através do acordo com o Incra, um
amplo espaço de atuação, pois os proprietários de glebas, mesmo que situadas
no perímetro urbano, optavam sistematicamente por mantê-las na categoria de
imóvel rural, o que lhes garantia a obrigatoriedade de pagamento do Imposto
Territorial Rural, de valor muito inferior ao IPTU.
A partir de então, numa experiência que não se repete nas demais regiões
metropolitanas do país, o Plambel passa a atuar como “agente técnico” do Incra,
fornecendo as diretrizes para o parcelamento e encarregando-se do exame dos
projetos correspondentes, cabendo sua aprovação ou não ao Incra.
Embora sem a devida aprovação pelo Conselho Deliberativo, recorria-se
ao Plano de Ocupação do Solo da Aglomeração Metropolitana no fornecimento de diretrizes para parcelamentos situados nessa área, enquanto que para
o loteamento de glebas localizadas fora do aglomerado passa a ser exigido o
módulo mínimo de cinco mil metros quadrados. Pretendia-se, através desse
procedimento, desestimular o parcelamento nestas últimas.
Mas, ainda nesse momento, “nesse processo o que era considerado mais
importante no nível da direção do Plambel era o fato de o projeto estar passando por lá, não o seu conteúdo... Viam nisso uma forma de estar sendo institucionalizado o planejamento... Significava que o Plambel estava cumprindo
algum papel” ( Jorge Vilela, ex-diretor do Plambel (1991)).
Segundo o depoimento de outro entrevistado, tão logo ocorreu a formalização do acordo houve uma preocupação do Plambel em divulgar o trabalho
que passaria a ser desenvolvido em conjunto com o Incra, realizando palestras junto a entidades representativas dos loteadores, Associação Comercial,
Escola de Direito etc. Entretanto, não houve o mesmo empenho em relação
às prefeituras.
Eu me lembro muito bem: naquela época o Plambel era pensado como uma
superprefeitura... Foi a época em que o Plambel mostrou atitude mais intervencionista, mesmo na questão metropolitana, sem discutir, sem admitir discussão.
A coisa vinha realmente imposta de cima. Foi exatamente este período... Então,
mesmo que o prefeito quisesse e o Plambel não concordasse, o Incra ouvia o
Plambel e não concedia a licença. ( Jorge Vilela, 1991)
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Ao mesmo tempo, numa atitude adotada exclusivamente na RMBH, foi
realizado um acordo com os cartórios de registro de imóveis pelo qual estes
se dispuseram a não registrar loteamentos que não tivessem passado pelo
exame do Plambel.
Esse acordo do Plambel com os cartórios foi, segundo vários entrevistados,
a peça-chave na garantia da atuação coercitiva do órgão perante os loteadores.4
Até então, a aprovação das prefeituras para seus empreendimentos era condição
suficiente para o registro. E essa aprovação era facilmente obtida, tanto em
função da postura de várias administrações municipais que viam na cobrança
do IPTU uma fonte de receita, quanto pelo fato de não existirem à época, na
maioria das cidades, normas locais de controle dos loteamentos.
O que fez com que o Plambel assegurasse sua efetiva intervenção no processo de exame dos projetos foi uma medida ímpar no Brasil, que se deve a um
trabalho realizado pela Assessoria Jurídica do órgão junto à Corregedoria de
Cartórios. Conseguiu-se estabelecer uma pressão tal sobre todos os cartórios
da Região Metropolitana que eles, em absoluto, não aceitavam registrar loteamentos sem que o Plambel tivesse dado anuência. Isto não acontecia em lugar
nenhum. Mesmo quando os prefeitos aprovavam, o loteador ia ao cartório e
não obtinha o registro. Isso os intimidava. E nas poucas tentativas que foram
feitas no sentido de registrar sem seu aval, o Plambel agia de imediato, com
ação judicial e tudo. Então os cartórios tinham pânico disto.5
Essa prerrogativa era “invejada” pelos demais órgãos metropolitanos do
país: “Nós éramos, inclusive, considerados uma espécie de modelo. Me lembro
de diversos seminários em que nós participávamos em que a experiência nossa
era singular, mais adiantada. Diziam: ‘Vocês mineiros já foram muito à frente’.
Quando surgiu a própria 6766 nós já tínhamos uma experiência avançada”.6
Um balanço desse período em termos do processo de parcelamento
evidencia:
ff
no que tange especificamente à atuação do órgão metropolitano no
controle dos loteamentos e da expansão urbana, pode ser identificado
um primeiro momento em que, do ponto de vista legal, a passagem dos
4 A Lei 6766, aprovada em fins de 1979, referenda a anuência do órgão metropolitano como requisito
para o registro do loteamento junto aos cartórios.
5 Manoel Alves, ex-integrante da equipe do Plambel, onde coordenou a área de Expansão Urbana.
Entrevista realizada em 29.7.1993.
6 Hailton Curi, ex-coordenador da área de Expansão Urbana e ex-diretor do Plambel. Entrevista
realizada em 27.7.1993.
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projetos pelo Plambel é um passo totalmente desnecessário. Mas, ainda
assim, alguns loteadores chegam a procurar espontaneamente o órgão,
“por um certo amedrontamento das pessoas. Depois, quando o Plambel
pôde ser evitado, ele era evitado... E havia também alguns lançamentos
que, até por medida publicitária, seguiam as regras e jogavam no mercado como fator de merchandizing: ‘aprovado pelo Plambel’: tinha a chancela do Plambel e isso valorizava o loteamento” (PATRÍCIO, 17.9.91).
ff
ff
ff
o acordo com os cartórios de registro de imóveis é peça-chave na garantia do poder de “ingerência” do Plambel no processo de aprovação dos
projetos de parcelamento;
o processo de aprovação dos projetos e registro dos loteamentos torna-se ainda mais demorado com a interveniência do convênio entre o
Plambel e o Incra, onerando o custo final dos lotes e/ou estimulando a
implantação de parcelamentos clandestinos;
além dos elementos relacionados à conjuntura econômica de ordem geral, as diretrizes de expansão urbana e as normas para a implantação dos
loteamentos estabelecidas pelo POS estimulam a elitização do mercado
de terrenos urbanos no interior da Região.
No âmbito da política urbana nacional, a instância metropolitana tem
formalmente ampliado seu papel a partir do final da década de 1970, quando
passa a interferir na legalização de atividades públicas e privadas.
Entre outros dispositivos legais, é promulgada a Lei Federal n° 6.766, de
19 de dezembro de 1979 – também chamada Lei Lehmann, numa referência
ao senador da Arena, autor do projeto que lhe deu origem –, após 42 anos
de vigência do Decreto-Lei n° 58, de 10 de dezembro de 1937. São então
estabelecidas novas exigências jurídicas e técnicas para a execução e venda
dos loteamentos nas áreas urbanas em nível nacional e institucionalizada a
interferência da instância metropolitana nesse âmbito.
As exigências técnicas garantem, na prática, condições mínimas para a
abertura e ocupação do loteamento, podendo ser ampliadas pelos Estados e
municípios. Dentre elas destacam-se: a reserva de 35% da área a ser parcelada
para sistema viário, equipamentos urbanos e comunitários; lotes com área
mínima de 125 m² e frente mínima de cinco metros; e a implementação de
obras relativas às vias de circulação, demarcação dos lotes, quadras e logradouros, além de obras de drenagem de águas pluviais – ou a aprovação de um
cronograma para sua execução, num prazo máximo de dois anos.
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A Lei 6766 vem, ainda, regular a ação do poder público municipal e restringi-lo, dando competências aos governos estaduais e às entidades metropolitanas
para interferirem no processo de aprovação dos projetos de loteamentos. Até
então, de acordo com as normas federais em vigor, cabiam exclusivamente à
instância municipal de governo a aprovação e fiscalização da implantação dos
projetos de parcelamento.
Quando foi aprovada a 6766, não houve dúvida da parte do Plambel de
que o órgão metropolitano daria anuência prévia em todos os projetos de
desmembramento e parcelamento... Em seguida, conseguimos um ato do
corregedor, deixando isto mais claro. ( José Rubens, 25.9.1990)
Quando essa lei federal nasceu, o estabelecido por ela já era conhecido
e praticado, vindo reforçar nosso trabalho. Eu me lembro que à época a
equipe ficou satisfeitíssima em ver que aquilo que ela estava fazendo era
agora referendado por uma norma federal. Então, em certo sentido, nós
fomos pioneiros. Eu credito isto ao nosso aparato técnico e vontade política.
(Haiton Curi, 27.7.1993)
No Rio de Janeiro a intervenção da entidade metropolitana é considerada
praticamente nula, restringindo-se aos casos de loteamentos situados em dois
ou mais municípios ou no limite entre eles. Ou ainda quando o loteamento
tivesse mais de 1 milhão de metros quadrados. Em São Paulo, a interpretação
foi praticamente a mesma do Rio de Janeiro.
Além disso, nova possibilidade para que o órgão metropolitano atue nessas
áreas é dada pela criação da Comel, instituída a partir da promulgação do novo
Código Florestal. Através do dispositivo conhecido como “alínea i”, o novo
código determina que toda a cobertura vegetal nas regiões metropolitanas
passa à condição de área de preservação permanente.7
A partir de então é exigido que qualquer desmatamento – independentemente do porte e extensão da vegetação – deve ser precedido de autorização
dos órgãos competentes, cabendo-lhes examinar, caso a caso, se a área a ser
desmatada se enquadra ou não naquela condição. Na RMBH, essa tarefa passa
a ser atribuída à Comel, presidida por largo período por pessoas do quadro
do Plambel.
O acordo com os cartórios é mantido, contando agora com o amparo da
Lei 6.766, sendo exigida a apresentação da anuência prévia do Plambel quando
do registro do loteamento.
7 A sigla Comel designa a Comissão Metropolitana para Implantação da Lei n° 6.535/78.
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Os próprios Conselhos Consultivo e Deliberativo pouco são chamados
a dar o respaldo “legal” às decisões metropolitanas tomadas durante quase
toda a década de 1970 no âmbito da RMBH. A partir de meados dessa década, quando é criado o CNDU, o Plambel é contemplado pela já mencionada
função de intermediador de recursos do governo federal aos órgãos setoriais
e municípios, passando a gozar de “grande prestígio no plano estadual, onde
(a autarquia) passa a ser vista como uma superprefeitura”.8
O Plambel passa por uma reestruturação interna, sendo criada uma nova
diretoria, que se encarrega do acompanhamento dos recursos transferidos pela
União – voltados quase exclusivamente à área de transporte e sistema viário.
Estão forjadas as condições favoráveis à sua intervenção – a um só tempo,
autoritária e messiânica – que, na prática, acaba por afetar principalmente a
esfera municipal e sua autonomia, e que se manifesta, em particular, nas áreas
de transporte e uso e ocupação do solo.
A partir de 1979, a crise econômica produzida pelo fim do “milagre” reduz sensivelmente os recursos federais, e a parcela desses recursos repassada
às regiões metropolitanas. A sociedade civil, há algum tempo já mobilizada,
expressa mais abertamente seu descontentamento com o regime. O poder público, nas suas diversas esferas, reorienta sua atuação: os grandes investimentos
são substituídos por projetos mais modestos e “programas alternativos” e, no
âmbito das políticas sociais, surge o apelo no sentido da participação popular.
Os municípios começam a se manifestar e os conselhos metropolitanos passam
a ser frequentemente reunidos.
O Plambel, privado do repasse de recursos pelo governo do Estado –9
que transfere esse papel para a Secretaria de Planejamento – e após constatar
que sua atuação no controle da expansão urbana e do uso do solo estava, na
prática, reforçando processos aos quais se contrapunha, procura flexibilizar
as normas nas quais se pautava.
Em meados da década de 1980 a diretoria do Plambel promove junto
ao governo estadual discussões em torno da revisão da Lei 6.303, através das
quais procura ampliar a participação dos municípios nas decisões do Conselho
8 Werneck (1984, p. 8). Além de Werneck, essa opinião é compartilhada pelos demais técnicos do
Plambel à época, como evidencia trecho da entrevista realizada com Vilela. O entrevistado chega
a usar a mesma expressão – superprefeitura – para se referir à autarquia nesse momento.
9 Segundo o depoimento de um dos entrevistados, ainda no início da década de 1980 o Plambel
ocupava o segundo lugar em termos de recursos para investimento previstos pelo orçamento do
Estado de Minas Gerais.
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Deliberativo. Os resultados dessas discussões são consubstanciados nas Leis
Delegadas n° 5, 6 e 18, de 28.8.85.
No final de 1987 é criada a Secretaria de Estado de Assuntos Metropolitanos e a autarquia Transportes Metropolitanos – Transmetro, esta última
substituindo a Companhia de Transportes Urbanos da RMBH – Metrobel. Os
Conselhos praticamente deixam de ser reunidos, ficando suas decisões a cargo
do governador do Estado, ele mesmo um opositor contumaz da gestão de
âmbito metropolitano enquanto prefeito de Contagem por duas ocasiões.10
Ao longo da década de 1980 houve um decréscimo significativo na abertura de novos loteamentos – regulares ou não – na Região Metropolitana.11 À
primeira vista, tal constatação poderia ser explicada pelo maior controle do
processo de parcelamento a partir da Lei Federal 6766 e por uma ação mais
efetiva – e, agora, plenamente respaldada – por parte do Plambel e das prefeituras.
As penalidades da lei poderiam ter se mostrado ameaça suficiente para
impedir a atuação clandestina de loteadores, e suas exigências urbanísticas
poderiam ter restringido as iniciativas de abertura de loteamentos populares
no interior da Região. Além disso, durante os anos 1980, é ampliado o número de cidades da RMBH que dispõem de leis municipais de controle dos
parcelamentos.
E o Plambel nesse processo? Esvaziado política e tecnicamente, é mantido
quase que sem nenhum poder de ação, como de resto ocorre com a própria
Seplan-MG e com outros órgãos que têm o planejamento entre suas atribuições.
Embora tenha sido mantido o aparato normativo que dá sustentação à sua
intervenção no controle do parcelamento e expansão urbana, a maioria dos
municípios havia sido formalmente municiada para assumir essa atribuição.
10 Durante seu primeiro mandato na Prefeitura de Contagem, Newton Cardoso havia tomado a
iniciativa de criação da Associação dos Municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte
– Granbel, onde os prefeitos passam a ter um espaço autônomo para a discussão de problemas
comuns. Essa iniciativa tem principalmente um caráter simbólico. O Plambel é sistematicamente
convidado a participar das reuniões da Granbel, utilizadas mais para a difusão de informações
sobre os programas desenvolvidos pelos órgãos da administração estadual.
11 Diferentemente dos demais períodos vistos até aqui, não foi possível a quantificação dos dados
relativos ao processo de parcelamento nos anos 1980. A pesquisa Mercado da Terra, amplamente
utilizada como fonte de informações neste trabalho, tem como limite o ano de 1976 e outros
documentos produzidos pelo Plambel que tratam do tema cobrem, no máximo, o restante da
década de 1970. Embora tenha sido dado prosseguimento à coleta de dados do lançamento de
loteamentos junto aos jornais, esses dados não têm sido processados pelo órgão metropolitano.
E a busca de registros sistematizados fora do Plambel mostrou-se infrutífera.
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No âmbito supramunicipal, no espaço antes ocupado pelo Plambel passam a atuar os órgãos da área de meio ambiente que, tendo proliferado nos
diversos níveis de governo no período mais recente, empenham-se ainda em
disputas entre si.
Na aprovação dos loteamentos temos hoje maiores dificuldades, com a interferência de vários órgãos. Antes o Plambel aprovava e estava aprovado.
Só na área de meio ambiente há cinco órgãos: o Departamento de Recursos
Hídricos – DRH, a Feam, Copam, Instituto Estadual de Floresta e o Ibama.
E ainda há conflitos entre eles, competindo por faixa de atuação, e nós‚ que
acabamos prejudicados. Depois ainda há as próprias prefeituras, a Copasa, a
Cemig, uma verdadeira via-crúcis. (MANETTA, 22.7.1993)
Consequência direta da crise econômica mais geral e, particularmente, da
crise habitacional, outro fenômeno que ocorre no interior da RMBH ao longo
da década de 1980 é a intensificação do adensamento de áreas já faveladas e
o aumento significativo do número de novas favelas em vários municípios
maiores, como Betim (onde ampla área próxima à Fiat foi invadida), Contagem (onde observam-se, entre outros, o favelamento da região da Ressaca) e
Ibirité, entre outros.
O fim do planejamento metropolitano e a Ambel
Os crescentes (e justificados) reclames de autonomia municipal, cerceada
por longo período, e que irão repercutir na Constituição Federal de 1988,
induzem a uma resistência explícita à questão metropolitana, manifesta não
só entre os representantes do poder público municipal, como também entre os
juristas e estudiosos em geral, afetos a questões de políticas urbanas. A palavra
de ordem é, agora, a municipalização.
O Plambel é gradativamente esvaziado, inclusive em termos da sua equipe
técnica, no bojo do processo de desmonte do sistema de planejamento e do
processo de desapreço por esse tipo de atividade nas diversas áreas e, particularmente, na política urbana, que tem lugar na esfera federal e no governo
de Minas.
A situação do órgão no início da década de 1990 é‚ significativamente,
traduzida por expressões como “o Plambel tornou-se um grande museu” ou
“o Plambel, literalmente, acabou” colhidas nas entrevistas realizadas com um
ex-técnico que trabalha hoje na Prefeitura de Ibirité, e com o prefeito desse
município. O primeiro acrescenta, ainda, que as prefeituras de várias cidades
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“acabaram ganhando”, pois contrataram antigos funcionários do órgão que,
dispondo de experiência, têm contribuído nas administrações municipais.
Ainda no período áureo de sua atuação, a visão e relação dos prefeitos
frente ao Plambel oscilavam em torno de duas posições:
Existiam dois juízos e eu participava mais de um. Alguns prefeitos consideravam o Plambel como um órgão paternalista e autoritário, que interferia sobre
questões que competiriam apenas aos municípios. Analisando hoje, eu acho
que, até certo ponto, havia isso mesmo. Mas, de outro lado, outras prefeituras,
entre as quais a de Ibirité, viam o Plambel muito mais com bons olhos do que
com esse ponto de vista crítico. No caso do nosso município, devido à fragilidade da estrutura administrativa da prefeitura e ao pessoal técnico do qual
dispúnhamos – muito reduzido e precário, um pessoal sem formação técnica –,
o Plambel foi de uma importância fundamental. Em todas as áreas o Plambel
participou intensamente.12
A criação da Assembleia da Região Metropolitana de Belo Horizonte –
Ambel – contando inclusive com representantes de organizações da sociedade
civil – sinalizou para uma nova postura perante a questão metropolitana.
Agora com amplos poderes de decisão, aparentemente restava aos municípios
conseguirem se desvencilhar periodicamente da trama que representam os
seus problemas locais para discutirem e atuarem sobre os problemas metropolitanos.
Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, em maio de 1996, a Lei
Estadual n° 12153 extinguiu o Plambel e transferiu à Fundação João Pinheiro
as atribuições de promover estudos, pesquisas e oferecer apoio técnico
aos municípios metropolitanos. À Secretaria de Estado do Planejamento e
Coordenação Geral foram atribuídas a assessoria à Assembleia Metropolitana
– Ambel, então instituída, e a anuência prévia aos projetos de parcelamento
do solo, enquanto ao Instituto de Geociências Aplicadas coube a atividade de
geoprocessamento (especialmente a cartografia digital).
Em 2003, a Lei Delegada Estadual n° 106, de 29/1, criou a Secretaria de
Desenvolvimento Regional e Política Urbana – Sedru. Definiu ainda como
secretaria executiva das Assembleias Metropolitanas do Estado de Minas Gerais
a Superintendência de Assuntos Metropolitanos vinculada à Sedru, cabendo-lhe
planejar e acompanhar as ações governamentais nas regiões metropolitanas
e aglomerações urbanas de Minas Gerais mediante a formulação de planos,
12 Paulo Telles da Silva, entrevista realizada em 17.8.1993.
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programas e projetos multissetoriais. Compete-lhe ainda supervisionar
os procedimentos relativos à anuência prévia ao parcelamento do solo no
território regional, atribuições anteriormente assumidas pela Fundação João
Pinheiro e Secretaria de Estado de Planejamento, respectivamente.13
Como bem salienta Marcus André Melo, entre os diversos efeitos perversos do neolocalismo14 destaca-se o fato de que “deslegitimou o planejamento
metropolitano como prática autoritária e produziu uma agenda pública local
ancorada no princípio de que todos (ou quase todos) os problemas podem
ser resolvidos localmente (...) tendo efeitos deletérios, sobretudo nas áreas de
interesse comum metropolitano, tais como transporte, coleta e tratamento
de lixo, meio ambiente ou saneamento. Várias iniciativas nessas áreas foram
descontinuadas ou não encontraram solução por falta de coordenação interinstitucional” (MELO, 2004, p. XX mim).
Confundiu-se o fortalecimento institucional dos municípios – decorrente
do novo status de “entes federativos” que lhes é atribuído pela Constituição
Federal – com sua capacidade de enfrentar, localmente, questões complexas,
que extravasam suas fronteiras. Como bem lembrou Fernando Abrucio,
infelizmente, uma crença bem-intencionada, porém ingênua, quando não
perversa, instalou-se desde a Constituição de 1988: os municípios resolveriam
sozinhos seus problemas de políticas públicas, bastando repassar-lhes o poder
e os recursos para isso (ABRUCIO, 1999,).
Em nossa Federação, tal proposição é falsa, em termos socioeconômicos e no âmbito das instituições e da competição política local. Os governos
municipais, em sua maioria, “não têm renda, capital humano ou social, afora
uma burocracia meritocrática para equacionar seus problemas coletivos e
de políticas públicas sem a ajuda de um ente superior e/ou da cooperação
horizontal no plano regional” (ABRUCIO, 2004). A hegemonia da ideologia
municipalista traduziu-se, ainda, no controle da Ambel pelas pequenas cidades
da Região Metropolitana de Belo Horizonte, por meio das alianças que celebraram entre si. Ao contar com a maioria dos votos nessa instância, garantiram
13 À Fundação João Pinheiro, hoje, cabe o papel, única e exclusivamente, de fiel depositária de
todo o acervo e informações relativas à RMBH.
14 Tanto ou mais que outros estudiosos desse período, esse autor destaca os efeitos perversos da
difusão de uma ideologia municipalista exacerbada – decorrente da experiência constituinte
–, que limitou as possibilidades de alternativas institucionais viáveis para enfrentar os desafios
metropolitanos, naquele período. Aliás, coube a Marcus André Melo cunhar o feliz termo
“neolocalismo”, para denominar o rico processo desencadeado pós-1988, quando passaram a
ser superestimadas as possibilidades de atuação dos municípios, produzindo-se sérios equívocos
na formulação e implementação de políticas públicas (MELO, 1997).
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para seus representantes os postos de direção da Assembleia, contrapondo-se
aos municípios-polo (Belo Horizonte, Contagem e Betim). Esses, por sua vez,
reagiram, ausentando-se quando convocados para as reuniões, esvaziando e
deslegitimando as deliberações desse fórum. A assimetria é ainda mais evidente quando se focaliza a pífia representação do governo estadual, detentor da
concessão da maioria dos serviços de interesse metropolitano (AZEVEDO;
MARES GUIA, 2000a).
Assim, pode-se afirmar que a ideologia municipalista, posta em prática
no modelo de gestão em vigor, por quase duas décadas, na RMBH, acabou
por sepultar a combalida política praticada à época nessa área.
De fato, desde o final dos anos 1980, à não política do governo federal
haviam-se aliado, no âmbito do governo do Estado, os desmontes do aparato
de planejamento e, em especial, do de planejamento metropolitano, culminando com a extinção do Plambel em 1995 – entidade de apoio técnico à gestão
metropolitana – e a distribuição das suas atribuições e do quadro técnico remanescente entre alguns órgãos da estrutura governamental.15 Além da falta de
vontade política, o planejamento metropolitano foi vítima do localismo e da
prevalência da elaboração de projetos “caso a caso”, que vem ocupar o lugar
do planejamento compreensivo, de caráter regional, que balizava a formulação
e a implementação de políticas públicas nos anos 1970.
Paralelamente, as poucas iniciativas voltadas para alterar o formato institucional da Assembleia Metropolitana não haviam logrado êxito. Ainda que,
nos últimos quinze anos, a Ambel fosse claramente inoperante na formulação
e implementação de políticas metropolitanas, os diversos atores envolvidos
não foram capazes, durante esse período, de promover ações concertadas,
visando a reverter o quadro de inércia institucional.
A Prefeitura de Belo Horizonte e o novo pacto
metropolitano: os bastidores da negociação
Apesar dos inúmeros avanços e sucessos no campo das políticas públicas
no governo Patrus Ananias (1993-1996), tornou-se claro, para a maioria do
primeiro e do segundo escalões da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte,
15A equipe técnica e as atribuições do Plambel foram distribuídas entre três áreas distintas: as atividades relacionadas ao planejamento metropolitano foram delegadas à Fundação João Pinheiro,
onde não chegaram a ser exercidas. As atividades relativas ao exame dos projetos de parcelamento
e à concessão de anuência prévia para sua execução foram transferidas para a Secretaria Estadual
de Planejamento, enquanto a equipe e o acervo do setor de informações cartográficas do órgão
foram incorporados ao Instituto de Geociências Aplicadas.
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especialmente para aqueles da área de planejamento, que o avanço de diversas
políticas setoriais esbarrava na falta de um aparato institucional adequado de
gestão metropolitana. Em outras palavras, diversas questões, como a do transporte público, da disposição final do lixo, da poluição hídrica e do parcelamento
do solo, entre outras, extrapolavam as barreiras municipais.
Nesse sentido, em 1999, no segundo ano da administração de Célio de
Castro, a Secretaria Municipal de Planejamento deu início a uma discussão
sobre o tema. Isso ocorreu de forma intermitente no âmbito restrito da Secretaria, envolvendo técnicos, alguns especialistas e vereadores.
Desde o início da década de 1990, se do ponto de vista acadêmico e técnico havia uma virtual unanimidade sobre a necessidade de reforma radical do
modelo de gestão metropolitano vigente, capitaneado pela Ambel, na arena
política não estavam dadas as condições de sequer transformar essa “questão”
em um “problema” capaz de ingressar na agenda da Prefeitura e de outros
atores envolvidos, como o governo do Estado e os municípios (AZEVEDO;
MARES GUIA, 2000a).
O consenso observado entre os pesquisadores e especialistas em políticas
públicas restringia-se ao reconhecimento da necessidade de reforma do modelo
de gestão em vigor. No referente ao tipo de mudanças a serem implementadas, pouco se havia avançado: propostas sistematizadas seriam inócuas, sem
que houvesse uma demanda minimamente articulada de um ou mais atores
políticos relevantes.
Todavia, ainda que apenas esboçadas, haviam sido formuladas, naquele
âmbito, algumas sugestões de novos desenhos institucionais, com diferentes
matizes, priorizando diversas dimensões diferenciadas: consórcio ampliado,
consórcios por temas setoriais, transferência por parte do Estado e municípios
para uma agência única de questões consideradas de impacto metropolitano,
entre outras. Entretanto, também é possível detectar um ponto ou pressuposto
comum – explícito ou não – em quase todas as análises formuladas até então:
era fundamental que no novo desenho houvesse um rebatimento proporcional
ao peso institucional de cada ator, ou seja, que a reforma a ser realizada levasse
em conta a correlação de forças existente, sob pena de ensejar um formato
institucional sem legitimidade e eficácia, semelhante ao observado, até então,
com relação à Ambel.
Por que um tema como esse, considerado estratégico por estudiosos,
levantado no interior de uma secretaria com forte status institucional, que
ocupava lugar central na estrutura do governo municipal, não logrou superar
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as fronteiras do planejamento? Uma primeira constatação a ser feita é a de que
mesmo o consenso entre especialistas não é suficiente para transformar uma
“questão” em um “problema” (KINGDON, 2002; CAPELLA, 2007). Todo o
processo analítico gerado por esse segmento somente vai ser fundamental, em
termos práticos, quando outro grupo de atores relevantes – que pode atuar
em diversas arenas: social, política, econômica e institucional – incorporar o
tema à sua agenda e der início ao processo de negociações.
Nesse sentido, de forma simplificada, uma primeira resposta à pergunta acima seria a existência de “altos custos da transação” necessária a essas
mudanças, o que desencorajaria os diversos atores envolvidos a iniciarem
negociações. Em outras palavras, os custos de negociação seriam tão altos e
as possibilidades de êxito tão baixas que o comportamento racional – especialmente para os atores relevantes (Estado e grandes municípios) – seria o
de não se desperdiçar energia nessa empreitada. Em suma, o mais adequado
seria conformar-se com o status quo, enquanto não ocorressem mudanças
significativas, capazes de “abrir janelas” para barganhas de “soma positiva”
(COASE, 1960; OLSON, 2000).
Esses custos seriam altos, em primeiro lugar, em função da necessidade de
negociação e acordo entre um grande número de atores políticos institucionais
com interesses diferenciados, ou seja, o Estado de Minas Gerais, a prefeitura
de Belo Horizonte (capital e polo metropolitano), os outros dois grandes
municípios (Contagem e Betim) e, por último, as três dezenas de pequenas
e médias cidades que integram a RMBH, com suas respectivas prioridades e
idiossincrasias.
Em segundo lugar, como as questões relacionadas à gestão metropolitana
são regulamentadas pela Constituição Estadual, caso não fosse tomada uma
iniciativa da parte do Estado (seja do Executivo, seja do Legislativo), não haveria
condições mínimas necessárias a uma discussão séria sobre o assunto.
Além disso, o tema das regiões metropolitanas se caracteriza tradicionalmente pela baixa centralidade na agenda política tanto dos governantes
quanto dos movimentos sociais, uma vez que – diferentemente de questões que
envolvem bens públicos, como transporte, postos de saúde, escolas, delegacias
etc. – as transformações institucionais nessa área não implicam usufruto de
benefícios imediatos.
Especialmente no caso das agências governamentais, pode-se conjecturar que tal postura deveu-se, ainda, ao receio de que o fortalecimento da
governança metropolitana – ou seja, o exercício efetivo da gestão regional
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compartilhada, pelo estabelecimento de novas regras e por um novo formato
institucional – implicasse redução do poder real (governo do Estado) ou formal
(de médios e pequenos municípios).
De fato, ainda que a Ambel fosse ineficaz como instrumento de gestão,
não deixava de ser um “recurso crítico”, controlado por alguns pequenos e
médios municípios da Região. A Ambel tinha, entre outras, a atribuição de
decidir as tarifas de ônibus intrametropolitano – recentemente repassada ao
Departamento Estadual de Estradas de Rodagem – DER –, o que permitia aos
que controlavam esse órgão colegiado “negociar”, na época, com um dos mais
organizados e ricos sindicatos patronais de transporte coletivo de ônibus, que
atuava na RMBH desde meados dos anos 1980 (AZEVEDO; CASTRO, 1990;
GOUVÊA, 1993; AZEVEDO; MARES GUIA, 2000B).
Isso significava que – além dos desafios citados anteriormente –, para
lograr reformatar o arranjo institucional metropolitano, seria necessária uma
estratégia acordada entre o Estado e os grandes municípios, ainda que com
participação diferenciada entre esses últimos atores. Esse acordo permitiria,
por um lado, evitar um conflito aberto com os médios e pequenos municípios
e, por outro, oferecer aos mesmos “alguma compensação”, em troca da perda
desse “poder formal” sobre a instância de gestão metropolitana.
Ainda nesse momento, embora a relação da Prefeitura e do PT, especialmente por meio de seus deputados estaduais, com o recém-empossado
governador Itamar Franco (1999) fosse de poucos embates verbais – quando
comparada aos enfrentamentos anteriores com a base de apoio do ex-governador Eduardo Azeredo (PSDB) – e, formalmente, mais amistosa, não gerou
uma negociação política capaz de resultar em ações coordenadas entre as duas
esferas de governo.
Na prática, nessa época, não foi possível iniciar oficialmente uma discussão sobre a questão metropolitana, ainda que, tanto na prefeitura quanto
no governo do Estado, houvesse dirigentes do segundo e do terceiro escalões
sensibilizados sobre a necessidade de se rediscutir o tema. Em suma, nesse
período não ocorreram novos eventos capazes de possibilitar a redução dos
“altos custos de transação” mencionados anteriormente.
Como se viu na seção 1 deste artigo, uma das possibilidades de que uma
“questão” se transforme em um “problema” é dada pela substituição de ocupantes de cargos no alto escalão da máquina pública (turnover). Nesse sentido,
o período inicial de um novo governo é, normalmente, o mais propício a
mudanças na agenda governamental (KINGDON, 2002).
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Um novo governante enfrenta, grosso modo, três grandes desafios que
devem estar articulados entre si, para propiciar condições de sucesso ao governo
que se inicia. Primeiro, é necessário definir prioridades, levando-se em conta
tanto as promessas de campanha como os interesses dos diversos aliados, o
que significa necessidade de redefinição da agenda. O segundo desafio é o de
acomodar politicamente – incluindo a alocação de cargos estratégicos – os
atores que deverão garantir sua sustentação política, levando-se em conta tanto
o peso de cada um nas arenas institucional, social e econômica, quanto os seus
respectivos graus de lealdade e proximidade programática com o novo governo. Por fim, normalmente, torna-se necessário realizar mudanças ou reformas
no aparato burocrático, que garantam um mínimo de eficácia em relação aos
objetivos do governo, sem desagregar sua base de apoio político.
É assim que, após as eleições federais e estaduais de 2002, mudanças dos
ocupantes dos cargos nos legislativos e, especialmente, nos executivos, criaram
possibilidades de novas articulações em Minas Gerais, que iriam transformar,
em médio prazo, o panorama institucional da RMBH.
O governador Aécio Neves (PSDB), que venceu a eleição por uma grande
margem de votos em relação ao seu oponente, não se viu compelido a realizar
uma campanha de confronto. Depois, segundo suas palavras, seguiu sempre a
norma preconizada pelo seu avô, o presidente Tancredo Neves, que acreditava
na estratégia política de priorizar a ampliação das alianças.
Isso ficou patente, inicialmente, na sua relação com a Assembleia Legislativa, onde, apesar de possuir o apoio de uma ampla maioria, optou por adotar
uma postura de diálogo com os partidos que não integravam, formalmente,
sua base de apoio. Posteriormente, mostrou-se capaz de manter relações institucionais amistosas, tanto com o governo federal do presidente Lula, como
com a Prefeitura de Belo Horizonte.
Isso possibilitou o entrelaçamento de políticas entre as três esferas de
governo, considerado por especialistas como fundamental em um regime federativo e (excetuando-se o Sistema Único de Saúde – SUS) muito pouco comum
no Brasil (ABRUCIO; COSTA, 1999; ABRUCIO, 2004; MELO, 2004).
Nas mudanças da estrutura institucional, como no caso das mudanças
na estrutura da gestão da RMBH, é fundamental a presença dos chamados
“empreendedores”, capazes de assumir a maior parte dos custos de articulação
institucional. Sem dúvida, nos últimos anos, esse papel coubera à Assembleia
Legislativa. Ainda que movidos pelas mais diversas motivações, foram os
deputados estaduais que atuaram como “empreendedores”, tendo avaliado que
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o saldo das iniciativas tomadas por eles seria positivo, uma vez que os possíveis
ganhos políticos compensariam o dispêndio de energia com a mobilização, as
articulações e os acordos que se fizessem necessários à aprovação de um novo
marco regulatório para a gestão metropolitana no Estado.
Sem subestimar o mérito da iniciativa da Assembleia estadual, a reestruturação institucional da RMBH dificilmente avançaria sem o apoio explícito
e a participação ativa tanto do governo estadual como da Prefeitura de Belo
Horizonte. A sintonia fina e a cooperação política entre esses dois entes federativos – governados por partidos não aliados no plano nacional – foram
cruciais para o sucesso dessa reforma institucional.
Portanto, a “janela de oportunidades” para as grandes reformas metropolitanas que viriam acontecer em Minas Gerais “se abre” no início do ano de
2003, quando parlamentares de diferentes partidos apresentaram projetos de
lei complementar objetivando a criação de novas regiões metropolitanas no
Estado. Além disso, uma proposta de emenda à Constituição surgiu, com foco
na resolução do inoperante sistema de gestão vigente na RMBH e na Região
Metropolitana do Vale do Aço, criada em 1998.16
Entre os vários deputados estaduais que tomaram posse no início de 2003
estava Roberto Carvalho que, desde o seu tempo de vereador de Belo Horizonte, tinha como uma de suas bandeiras a questão metropolitana. Sempre
participou de diversos eventos e discussões sobre o tema, inclusive nas reuniões
capitaneadas por Maurício Borges, na Secretaria de Planejamento da Prefeitura,
no final dos anos 1990.
Aquela conjuntura era propícia a novas iniciativas, por dois motivos: o
primeiro, por ser momento de início de um novo governo, quando, como se viu,
segundo a literatura, há sempre maior possibilidade de mudanças de agenda
(KINGDON, 2002; CAPELLA, 2007). O segundo e mais importante refere-se
ao fato de que o novo governador, além de não discriminar os deputados da
“oposição”, estava dando sinais de abertura para a cooperação institucional
com prefeituras comandadas por diversos partidos, especialmente com a
da capital, por sua importância estratégica, tanto do ponto de vista político
quanto institucional.
Por sua vez, o prefeito Fernando Pimentel sempre se mostrara sensível
às questões metropolitanas e a negociações federativas, na medida em que
considerava papel da prefeitura discutir todos os problemas que atingiam
16 Em Santa Catarina ocorreu onda política semelhante, que levou à criação de diversas regiões
metropolitanas naquele Estado.
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os munícipes. Além disso, como era natural, possuía diversos interlocutores
de peso no governo federal, seja por representar uma prefeitura importante,
administrada pelo PT, seja pelo seu bom relacionamento com parlamentares
e ministros mineiros.
Os interesses institucionais convergentes da prefeitura e do Estado entre
si e com o governo federal, além da abertura do governador e do prefeito para
buscar políticas entrelaçadas horizontalmente –, aliada à empatia e confiança
recíproca entre os dois dirigentes –, permitiram a realização incremental de
parcerias, durante os últimos seis anos, em várias áreas, particularmente em
obras e serviços públicos.
É nessa conjuntura que o deputado estadual Roberto Carvalho retoma
as iniciativas no sentido de inserir a questão metropolitana na agenda governamental. A Assessoria Parlamentar do PT na Assembleia Legislativa levanta
uma série de documentos técnicos e trabalhos acadêmicos que evidenciam a
inoperância da Ambel e a impossibilidade de se avançar no enfrentamento dos
problemas metropolitanos sem mudanças radicais no formato institucional
vigente.
Simultaneamente, são retomados contatos com técnicos e dirigentes do
município da capital preocupados com o tema e respaldados, institucionalmente, pela Prefeitura de Belo Horizonte; são convocados técnicos e ex-diretores do
antigo Plambel que mantinham forte interesse pela questão metropolitana.
Como fruto das discussões e negociações preliminares com esse grupo,
o deputado Roberto Carvalho decide propor, junto à Assembleia, um projeto
de emenda constitucional.17 A formalização da proposta de um projeto de
mudança constitucional representa, de fato, o início de um embate político
(politics) que busca delinear a formação de uma nova alternativa institucional
(policy) para a gestão metropolitana, com o objetivo final de inserir o “problema da gestão metropolitana” na “agenda decisional” do governo estadual.
Como forma de fortalecer a articulação política e discutir as alternativas
de políticas públicas possíveis, esses empreendedores iriam realizar, ao
longo dos anos seguintes, paralelamente aos trâmites legislativos, diversas
atividades e eventos onde politics e policies se encontrariam em um leito
comum (KINGDON, 2002).
17 Para tal, inicialmente, entra em contato com o deputado petista conhecido por Chico Simões
– que se tornaria, posteriormente, prefeito de Coronel Fabriciano, para apresentação de um
projeto amplo que incluiria as futuras regiões metropolitanas do Estado, como o Vale do Aço,
base política do mencionado parlamentar.
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Um aspecto crucial, que garantiu condições para que se procedesse a uma
discussão qualificada da questão metropolitana, envolvendo atores sociais dos
mais diferentes matizes, relevantes nessa arena, foi a reputação institucional
e a tradição da Assembleia Legislativa na realização de grandes eventos para
a discussão de assuntos “da ordem do dia”. É assim que se colocam em funcionamento o know how e a equipe técnica da Assembleia, postos a serviço da
realização de um grande debate sobre a questão metropolitana: o Seminário
Legislativo Regiões Metropolitanas.
De início, foram organizadas, entre agosto e novembro de 2003, várias
reuniões técnicas preparatórias e cinco encontros regionais, realizados nas
cidades de Conselheiro Lafaiete, Governador Valadares, Uberlândia, Santa
Luzia e Juiz de Fora.
A ampla mobilização que antecedeu o evento garantiu significativa participação de diversos segmentos sociais nas atividades do Seminário, tais como
de representantes de grupos da sociedade organizada diretamente afetada
pela questão metropolitana, representantes das prefeituras, além de pesquisadores e técnicos ligados às diferentes esferas de governo, tornando possível
o fortalecimento da ideia da questão metropolitana como um “problema” a
ser enfrentado de forma interinstitucional e com a participação da sociedade
organizada. O Poder Executivo estadual, de sua parte, havia designado técnicos
pertencentes aos quadros de sua recém-criada Superintendência de Assuntos
Metropolitanos, ligada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional
e Política Urbana – Sedru, que haviam participado ativamente inclusive das
reuniões preparatórias e dos encontros regionais.
Esse intenso processo de reuniões e debates deu origem a um grande
dossiê, denominado “Documento Síntese das Comissões Técnicas Interinstitucionais – CTIs”, contendo análises e dezenas de propostas para a reformulação
institucional da gestão metropolitana no Estado. Um dos trechos do relatório
que merece atenção diz o seguinte:
Esta CTI concluiu que o insucesso da Ambel nos últimos 15 anos decorreu, em
boa medida, do seu critério de representação, pelas seguintes razões:
a) O critério de representação da Ambel, que prevê um único representante
para o Executivo estadual e outro para o Legislativo estadual, em um universo de 81 representantes dos municípios, afastou o Estado – a quem compete
constitucionalmente a instituição das regiões metropolitanas para integrar o
planejamento e execução das funções públicas de interesse comum – da gestão da região metropolitana. Dentre os vários reflexos desse afastamento do
Estado, podem ser citados a extinção da autarquia estadual Plambel em 1996,
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braço executivo da gestão metropolitana, e a não-alocação de recurso algum,
até o momento, no Fundo de Desenvolvimento Metropolitano;
b) O critério de representação da Ambel afastou também o grande eixo econômico da RMBH, formado pelos municípios de Belo Horizonte, Betim e
Contagem, de uma participação mais efetiva na gestão metropolitana. Pelo
atual critério de representação da Ambel, o eixo BBC, responsável por 87% do
PIB (segundo a Fundação João Pinheiro) (ou 70,86%, de acordo com o Censo
IBGE 2000) da população da RMBH, detém apenas 19,2% dos representantes
da Ambel. Diante dessas evidências, torna-se claro que se deve buscar um novo
critério de representação na Assembleia Metropolitana. Embora louvável, é
preciso reconhecer que a tentativa de “igualar” entes federados tão desiguais
pela simples letra da lei está na origem do fracasso da Assembleia Metropolitana.18
Outro aspecto relevante abordado pelo relatório diz respeito às discussões
em torno dos vários projetos de lei complementar propondo a instituição
de novas regiões metropolitanas no Estado. Muitas vezes incoerentes com a
realidade geoconômica regional, foram apresentados os projetos de criação
da Região Metropolitana do Vale do Alto Paraopeba, Região Metropolitana
do Vale do Rio Grande, Região Metropolitana do Triângulo Mineiro, Região
Metropolitana de Curvelo, Região Metropolitana de Montes Claros e Região
Metropolitana dos Inconfidentes (região de Ouro Preto). Pode-se, todavia,
conjecturar que a busca de institucionalização dessas regiões não deixa de
denotar, em alguma medida, a percepção das dificuldades de solução de problemas apenas no nível dos governos locais.
Os trabalhos nos encontros regionais diagnosticaram que, em todas
essas regiões em que se pretendia a instituição de RMs, faltavam elementos
básicos caracterizadores de uma área metropolitana, como a conurbação e
a escala urbana metropolitana. Durante os encontros regionais, havia sido
defendida uma mudança de foco, propondo-se prioridade para a reformulação da estrutura de gestão da RMBH e a adoção da modelagem alternativa
das “microrregiões”, para a regionalização dos agrupamentos municipais
sem características geográficas de “região metropolitana”. Como resultado
desse debate, todos os projetos de lei criando novas RMs no Estado foram
arquivados na Comissão de Constituição e Justiça da ALMG, tendo sido
considerados inconstitucionais por essa Comissão.
Em novembro de 2003, ocorreram os debates derradeiros do Seminário, com discussão, votação e aprovação de 184 propostas para a questão
18 Disponível em: http://www.almg.gov.br/eventos/Seminario/download/Sintese%20CTIs.pdf
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metropolitana no Estado. Constam, em registros jornalísticos, a presença de
mais de 700 participantes nessa fase final. Pode-se afirmar que o Seminário
Legislativo, aberto à participação de toda a sociedade e com forte presença
de acadêmicos, acabou por funcionar como canalizador de várias propostas
arrojadas para o equacionamento dos dilemas metropolitanos.
Dessa forma, logrou-se apoio político para algumas premissas básicas que
iriam nortear as mudanças normativas que se seguiram, destacando-se a de
que, no novo formato institucional, o poder dos diversos atores não poderia
ser fortemente assimétrico em relação às correlações de força existentes.
Aliás, esse havia sido o “pecado mortal” da Ambel, marcada por um
neolocalismo pseudodemocratizante, diretamente influenciado por uma ideologia municipalista extremada, do período constitucional, que partia da falsa
premissa de que a melhor forma de enfrentar os problemas urbanos, inclusive
nas grandes metrópoles, era por meio do governo local.
Em outras palavras, vinculava-se, de forma espúria, “descentralização e
eficiência”, a partir de frases de efeito como “as pessoas vivem nos municípios”,
sem que se percebesse que muitos dos “problemas” urbanos transbordam as
suas fronteiras; ou, ainda, “a participação e o controle da população sobre os
governos locais (prefeitos e vereadores) é muito mais factível” nos municípios,
esquecendo-se do fato de que o mesmo pode ser dito sobre poder e controle
das corporações e empresas privadas sobre os governos locais.
Tanto no Seminário Legislativo, como em diversos outros eventos capitaneados, seja pela Assembleia, seja pelo Executivo estadual ou pela Prefeitura
de Belo Horizonte (seminários, mesas-redondas, palestras de pesquisadores de
outros Estados etc.), apesar da hegemonia dos reformadores, ocorriam também confrontos de ideias que, em parte, vinculavam-se ao receio, de alguns
atores, de perda de poder, decorrente de mudanças em que não seria possível
prever-se, antecipadamente, todos os efeitos gerados.
Assim, por exemplo, sejam parlamentares vinculados a municípios de
médio e pequeno porte, sejam organizações (empresas e sindicatos) com
fortes interesses na área metropolitana, utilizavam diferentes estratagemas
para dificultar as mudanças institucionais em discussão. Uma delas era tentar
buscar semelhanças entre essas novas propostas e a estrutura existente durante
o período militar.
Assim, criticava-se a proposta de instituição do Conselho Deliberativo
Metropolitano, acusando-o de ser um remake do período militar, quando,
pelo desenho em vigor, os municípios não tinham poder algum. Criticava-se,
ainda, a ideologia tecnocrática e autoritária do antigo Plambel, sendo grande
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parte das críticas infundada. Finalmente, havia críticas à forma proposta para
o novo Conselho Gestor e para a futura “Agência Metropolitana”, chamando-se a atenção para que, mesmo inconscientemente, não se voltasse a cometer
os erros do passado.
Em um segundo momento, quando as premissas das novas propostas se
fortaleceram, o comportamento dos opositores seguiu, de certa forma, a estratégia inicial dos “reformistas”, de evitar “bater de frente” no adversário. Nesse
caso, passou-se a aceitar as premissas reformistas para, em seguida, radicalizar
nas soluções de arranjos institucionais, propostas por meio do apoio de técnicos
e acadêmicos respeitáveis, que apresentavam formatos consistentes, inclusive
com êxito no exterior, mas politicamente inviáveis no nosso federalismo.
Esse foi o caso de propostas como a de constituição de um grande município metropolitano, com a extinção de dezenas de municípios; ou outra,
mais mitigada, que, compulsoriamente, propunha a redução de grande parte
das atribuições dos municípios metropolitanos, transferindo-as para uma esfera metropolitana com uma grande soma de poder e de intervenção urbana.
Essa esfera poderia ser dotada de diferentes matizes, indo desde uma agência
metropolitana muito poderosa até, no extremo, aproximando-se de um quarto
nível de governo.
Obviamente, a desqualificação das propostas viáveis como fracas e insuficientes para enfrentar o desafio metropolitano e a defesa de alternativas
politicamente inviáveis acarretariam uma paralisia decisória, que beneficiaria
o status quo.
Além do forte apoio da Prefeitura de Belo Horizonte, outro fator absolutamente crucial e favorável para o sucesso futuro dessa empreitada foi o
papel desempenhado pelo secretário de Planejamento e de Gestão do Estado
de Minas Gerais, considerado “homem de confiança” do governador e que, no
seu segundo mandato, foi içado à posição de vice-governador. Especialista em
Direito Administrativo, havia acompanhado de perto todo o processo, desde
o desenrolar das discussões na ALMG.
O produto final, a proposta de emenda à Constituição apresentada por
Roberto Carvalho, serviu de base para o “pacto”.19 Uma questão surpreendente – normalmente inexistente em uma casa legislativa onde o governo
possui maioria esmagadora – foi a aceitação de que o projeto de reforma
constitucional apresentado por um deputado formalmente não pertencente
19 Posteriormente, esse projeto sofreu modificações por meio de um substitutivo, no qual foram
consignadas propostas aprovadas no “Seminário Legislativo Regiões Metropolitanas”.
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à base aliada tivesse apoio da bancada governista, em um tema de repercussão e impacto importante na região metropolitana. Acreditamos que esse
fato mostra como a Prefeitura de Belo Horizonte e o Estado mantinham um
alto nível de cooperação político-institucional, atípica não apenas para o caso
brasileiro, mas mesmo para democracias europeias consolidadas, de grande
tradição em negociação parlamentar.
Após a aprovação da Emenda Constitucional 65, em 2004, que definiu as
novas diretrizes para a reorganização da gestão metropolitana, explicitando
conceitos mais claros sobre as regiões metropolitanas, as aglomerações urbanas e as microrregiões (medidas coerentes com as preocupações geradas
pela possibilidade de profusão de novas regiões metropolitanas), os órgãos e
instrumentos que deveriam compor suas estruturas, intensificaram-se as negociações para a produção das leis complementares, envolvendo especialmente
o governo do Estado e a Prefeitura de Belo Horizonte.
Prepararando-se para a nova conjuntura e demonstrando apoio irrestrito
ao processo de mudança, foi criada, na Prefeitura de Belo Horizonte, uma
“Gerência Metropolitana”, subordinada à Secretaria Adjunta de Planejamento,
para acompanhar projetos e programas de interface metropolitana.20
Após as mudanças constitucionais, foi aberto caminho para a legislação
complementar. Nesse processo, três foram as discussões mais importantes. A
primeira, representativa da necessidade de concessões em nome de consensos,
diz respeito à ideia inicial de um grupo de especialistas que propunha uma
região metropolitana com apenas 14 municípios, com base em critérios tais
como: padrões de conurbação, fluxo de transporte e de trocas, entre outros.
Essa ideia foi rapidamente superada pela pressão dos municípios que se sentiram alijados. Esse episódio representou um momento importante no processo,
uma vez que o Estado e os municípios de maior porte puderam demonstrar
capacidade de negociar e ceder.
Outra questão controversa importante diz respeito ao caso da Região
Metropolitana do Vale do Aço, reformulada a reboque das reformas na RMBH.
20 Uma das atividades desenvolvidas por essa gerência é a colaboração com as secretarias e agências
municipais nas ações que envolvam relações com outros municípios, fortalecendo, de forma
incremental, uma cultura metropolitana. Além disso, nesse momento, compete-lhe também
acompanhar os grandes projetos do governo estadual, implementados na região norte na cidade
(avenidas, campus administrativo estadual e localização de diversos serviços públicos de grande
porte), que devem aumentar fortemente o fluxo de moradores dos municípios conurbados com
essa região de Belo Horizonte. Isso vai exigir uma coordenação fina com o governo do Estado
e medidas complementares, por parte da prefeitura, para evitar ou minimizar possíveis efeitos
perversos não esperados, decorrentes dessa grande transformação socioespacial.
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Nesse caso, também ocorreram concessões técnicas, em nome de consenso
político, pois a manutenção do status de região metropolitana para o Vale do
Aço contrariava estudos técnicos realizados pelo Ipea e pelo IBGE. Tal como
demonstravam esses estudos, o Vale do Aço foi qualificado como uma “aglomeração urbana”, devido ao seu porte (400.000 habitantes) e à sua posição de
menor hierarquia na rede brasileira de cidades. A pressão exercida por deputados com base nessa região, aliada à presença do fenômeno da conurbação,
contribuíram para a manutenção do status metropolitano do Vale do Aço.
Entretanto, uma terceira questão, que exigiu negociação mais demorada, foi a do Conselho Gestor. Inicialmente, especialistas haviam sugerido a
constituição de um órgão colegiado, integrado por um número reduzido de
membros, com o que se procurava garantir maior agilidade operacional. Na
verdade, além de uma maior participação do Estado (com representantes do
executivo e do legislativo), Belo Horizonte exigia um tratamento diferenciado, em função de ser a capital e de ser dotada de peso político, demográfico
e financeiro muito maior do que os dos demais municípios da Região Metropolitana. Havia, ainda, o caso de Contagem e Betim, grandes municípios que,
pelo porte e forte presença da atividade industrial, também reivindicavam
tratamento diferenciado. Além disso, havia um novo ator que devia ter uma
representação condizente com sua importância: a chamada “sociedade organizada”. Por fim, os médios e pequenos municípios, que haviam controlado a
antiga Ambel, deveriam ter algum tipo de representação no colegiado gestor
da RMBH, ainda que minoritária.
Diante desse quadro, ao se enfrentar o clássico dilema de eficácia versus
representatividade, buscando-se, ao mesmo tempo, garantir que nenhum desses polos fosse fortemente prejudicado, foram iniciadas discussões, na tentativa
de se pactuar a composição de um conselho composto por nove membros.
Após longa discussão, chegou-se a 13 membros que, num terceiro momento,
atingiu a casa dos 16 representantes, número com o qual houve possibilidade
de se garantir um mínimo de legitimidade e equilíbrio de forças.
Assim, no seu formato final (com 16 membros), o Órgão Gestor da
Região Metropolitana de Belo Horizonte ficou composto por sete representantes do Estado (cinco do executivo e dois do legislativo); ou seja, cerca de
43% dos membros; quatro representantes dos grandes municípios (dois de
Belo Horizonte, um de Contagem e um de Betim); três representantes dos
demais municípios integrantes da Região Metropolitana e dois representantes
da sociedade organizada.
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Esse espaço aberto para participação de representantes de entidades civis e
de segmentos sociais, até então ausentes na estrutura de gestão metropolitana,
constituiu uma das mudanças inovadoras nesse novo formato institucional.
Os dois representantes da sociedade organizada que irão integrar o Conselho
Deliberativo são eleitos em uma Conferência Metropolitana – fórum em que
são discutidas e avaliadas as políticas e diretrizes de caráter metropolitano a
serem implementadas na Região.
Numa estratégia de ampliação desse espaço garantido para a sociedade organizada, seus dois representantes no Conselho Deliberativo e seus respectivos
suplentes contam com o suporte e apoio técnico – no plano extraoficial – de
um “colegiado”. Integrado por 20 membros, é composto por representantes
de movimentos populares, movimentos sociais, sindicatos de trabalhadores,
empresários vinculados à produção e ao financiamento de projetos urbanísticos, entidades acadêmicas e de pesquisa, representantes de organizações
não-governamentais, entre outros integrantes da sociedade civil organizada.
Acredita-se que, ao se garantir espaço para essa participação, possa ser possível
contribuir para o avanço no incremento de “capital social”, tão escasso nessa
arena.21
No dia 24 de outubro de 2005, ocorreu, no plenário da Assembleia Legislativa, uma nova discussão das reformas, no debate público “Novo marco
regulatório das regiões metropolitanas”. Participaram do debate parlamentares,
representantes do Estado, dos municípios, da Associação dos Municípios da
RMBH – Granbel, além de especialistas em planejamento metropolitano e de
entidades da sociedade civil organizada. A presença de Antônio Anastasia e de
Fernando Pimentel no evento, discursando unissonamente em apoio às reformas, foi fundamental para a mitigação de resistências residuais aos projetos.
Esses projetos de lei foram, então, aprovados por unanimidade na Assembleia
Legislativa, em dezembro do mesmo ano, e convertidos nas leis complementares números 88, 89 e 90, todas promulgadas em 12 de janeiro de 2006.
A primeira edição da Conferência Metropolitana foi realizada em agosto de
2007, na ALMG, ocasião em que foram empossados os membros da Assembleia
Metropolitana e do Conselho Deliberativo, e também foram encaminhados,
pelo governador do Estado, o projeto de lei de criação da Agência Metropolitana e o decreto regulamentar do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano.
21 Putnam define o “capital social” como um bem público, representado por atributos da estrutura
social, tais como a confiança e a disponibilidade de normas e sistemas, que servem como garantia
entre os atores, facilitando ações cooperativas (PUTNAM, 1996).
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Um sucinto resumo das recentes mudanças
institucionais na RMBH
Como produto dessas iniciativas e creditando-se, mais uma vez, à mudança institucional, papel-chave na retomada das ações de gestão metropolitana,
tem-se, inicialmente, em 2004, a aprovação da Emenda Constitucional 65.
Alterando os artigos 42 a 50 da Constituição do Estado, essa emenda define os
novos princípios que balizarão a gestão metropolitana, bem como os órgãos
e instrumentos que comporão sua estrutura. Junta-se a essa, em janeiro de
2006, a promulgação de três projetos de leis complementares.22
Ao que tudo indica, foram enfrentadas questões de fundo, tais como a
busca de equilíbrio entre o desenho institucional e a correlação de forças dos
agentes que atuam na formulação e na implementação de políticas na Região
e a regulamentação do Fundo de Desenvolvimento, procurando-se viabilizar
os recursos necessários aos investimentos nessa área.
Sabe-se que a garantia de governança pressupõe, além de um bom desempenho administrativo, a existência de um sistema estruturado de articulação de
interesses dos diversos agentes – tanto os tradicionais quanto os novos – que
atuam na Região Metropolitana: o poder público, por meio do Legislativo e do
Executivo dos três níveis de governo, mas também de representantes do setor
privado, bem como as ONGs e outros segmentos da sociedade organizada.
No novo equilíbrio buscado – fundamental, como se viu, no processo
de institucionalização –, procurou-se levar em conta o peso relativo dos diferentes agentes públicos e avançou-se no sentido de se garantir algum espaço
institucional para a ação de atores privados relevantes.
Segundo o novo formato institucional (Lei Complementar 89, de
12/1/2006), são órgãos que participam da gestão da Região Metropolitana
de Belo Horizonte: a Assembleia Metropolitana, o Conselho Deliberativo da
Região Metropolitana e a Agência de Desenvolvimento Metropolitano.
A Assembleia Metropolitana – na qual têm assento representantes do governo do Estado e das prefeituras municipais – é o órgão máximo no processo
de tomada de decisões, cabendo-lhe definir as diretrizes gerais que balizarão o
22 Sancionadas em 12 de janeiro de 2006, são elas: Lei Complementar 88, que trata da instituição e da
gestão de regiões metropolitanas em Minas Gerais e regulamenta o Fundo de Desenvolvimento
Metropolitano que, até então, havia permanecido como letra morta, desde sua instituição, pela
Constituição Estadual, em 1989; Lei Complementar 89, que trata da regulamentação relativa à
Região Metropolitana de Belo Horizonte; e Lei Complementar 90, que regulamenta a Região
Metropolitana do Vale do Aço.
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planejamento metropolitano. O Estado terá como representantes quatro integrantes do Poder Executivo indicados pelo governador e um representante da
Assembleia Legislativa. Por sua vez, cada um dos 34 municípios da RMBH terá
como seus representantes o prefeito e o presidente da Câmara Municipal.
Registre-se que a Assembleia Metropolitana detém, formalmente, o poder
de vetar resoluções do Conselho Deliberativo, mas, para tanto, são necessários dois terços dos votos válidos. Entretanto, esse mecanismo institucional
de “contrapeso” perde força, na medida em que, para fins de deliberação, a
Constituição Estadual (Emenda à Constituição 65, de 25/11/2004) assegura
representação paritária entre o Estado e os municípios da RMBH. É assim
que, na nova composição da Ambel, o poder de decisão dos representantes do
Executivo e do Legislativo estaduais, embora com representação inferior – em
números absolutos –, tem peso idêntico ao dos representantes dos Executivos
e Legislativos municipais.
Por seu turno, o Conselho Deliberativo de Desenvolvimento Metropolitano – soberano, até a Constituição Estadual de 1989, quando havia sido excluído
da gestão metropolitana – passa agora a se responsabilizar por grande parte
das atribuições que cabiam à antiga Ambel. Órgão gestor da Região Metropolitana de Belo Horizonte, é composto por 16 votantes.23 Com garantia de
uma maior legitimidade e representatividade dos diversos atores do cenário
metropolitano, o Conselho Gestor da RMBH perdeu a agilidade inicialmente pretendida. Buscando contornar essa limitação, foi criada uma secretaria
executiva, composta por quatro membros: dois representantes do Executivo,
um representante da Assembleia Legislativa e um representante da Prefeitura
de Belo Horizonte, como forma de se agilizar a implementação das decisões
tomadas pelo Conselho Gestor.
O equilíbrio relativo garantido aos atores relevantes no processo de tomada de decisões deve contribuir, ainda, para o equacionamento da questão
dos recursos financeiros necessários para a implementação de projetos de
interesse comum. O Fundo de Desenvolvimento Metropolitano, instituído
há quase 20 anos pela Constituição Estadual, em 1989, ainda não havia sido
regulamentado. Alguns projetos nesse sentido foram apresentados à Assembleia Legislativa, mas a discordância em relação às normas de constituição
do fundo e de contribuição, distribuição e destinação dos recursos, impediu
23 Cada um dos 16 integrantes do Conselho Deliberativo tem um suplente. Até o presente, as
reuniões, tanto da Assembleia Metropolitana quanto do Conselho Deliberativo, têm contado
com ampla participação de seus integrantes.
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que se avançasse também nesse quesito. Por que o Estado e os municípios de
maior porte iriam implementar um fundo sobre o qual não teriam o poder
necessário para definir as alocações de recursos, mesmo contribuindo com a
maior parcela do seu capital?
Agora, nesse novo cenário, espera-se que os municípios maiores e o
governo do Estado – com sua importância política e seu peso financeiro devidamente reconhecidos nas instâncias decisórias – contribuam efetivamente
para viabilizar o Fundo Metropolitano. Grande parte das normas instituídas
pela Lei Complementar 88/2006 teve como objeto a sua regulamentação,
definindo-se o peso dos atores diretamente envolvidos no aporte de recursos
que irão constituí-lo: 50% têm como origem o governo do Estado e 50% os
municípios, sendo a participação desses últimos proporcional à sua receita
corrente líquida. Outras possíveis fontes de recursos para o fundo são dotações
orçamentárias ou transferências realizadas pelo governo federal e retornos de
financiamentos concedidos com recursos do fundo, entre outras.
Uma vez aprovados pela Assembleia e pelo Conselho Deliberativo, a
execução dos procedimentos administrativos necessários à implementação
de programas e projetos com recursos do fundo ficará a cargo de um grupo
coordenador, composto por quatro representantes de órgãos do Executivo estadual e dois representantes da Região Metropolitana, indicados pelo Conselho
Deliberativo. Os recursos disponíveis deverão ser destinados ao financiamento
da implementação de programas e projetos de âmbito metropolitano e à realização de investimentos, tendo como balizadoras as diretrizes estabelecidas
pelo Plano de Desenvolvimento Integrado – PDI.
Por fim, nesse novo quadro institucional legal, procurou-se resgatar espaço
para a retomada do planejamento, com a criação da Agência de Desenvolvimento Metropolitano, órgão de natureza técnica, operacional e executiva,
encarregado de produzir informações e estudos que subsidiem os trabalhos do
Conselho Deliberativo.24 A agência terá como principais atribuições elaborar e
propor Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado e, após a aprovação do
mesmo, promover a execução das suas metas, bem como avaliar e fiscalizar
a execução dos planos e programas aprovados para a Região Metropolitana.
Além dessas atribuições, caberá à agência oferecer assistência técnica e colaborar para o desenvolvimento institucional dos municípios que demandem
24 O projeto de criação da agência encontra-se em tramitação na Assembleia Legislativa, devendo
ser aprovado em curto prazo.
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tais atividades,25 atribuição fundamental na busca de superação das fortes
desigualdades de ordem administrativo-financeira existentes entre as cidades
que integram a RMBH.
No processo de definição dos moldes da agência – em especial no que
tange à sua personalidade jurídica –, várias possibilidades foram consideradas.
Inicialmente, o grupo técnico do governo estadual, ao qual foram atribuídos
os estudos que deram origem ao projeto de lei que vai regulamentar a agência,
chegou a cogitar a possibilidade de criar uma sociedade de economia mista, na
qual cada ator teria ações e, portanto, assento na agência, ainda que em números diferenciados, de acordo com o seu peso no novo arranjo institucional.26
Todavia, frente às controvérsias jurídicas suscitadas pela possibilidade de
que um órgão dessa natureza – como entidade de direito privado – possa vir a
exercer poder de regulação, atividade de grande centralidade para a agência,
essa alternativa foi abandonada.
Outra possibilidade considerada pelo grupo técnico foi o apelo à lei de
consórcios, que permitiria a criação de uma autarquia interfederativa, com
participação do Estado e dos municípios. Entretanto, essa alternativa também
foi descartada, em virtude do seu alto custo de transação (COASE, 1960).
Ressalte-se, apenas a título de exemplo, que, mesmo com pesos diferenciados, 35 atores de direito público – representantes dos 34 municípios, mais o
Estado – teriam que se assentar à mesa para definir o protocolo de intenções
do consórcio. Além disso, seriam necessárias 34 leis de ratificação, a serem
aprovadas nas Câmaras Municipais, além da aprovação da Assembleia Legislativa (MACHADO, 2007). Frente a essas dificuldades, optou-se pela chamada “autarquia territorial”,
resgatando-se um instituto em desuso no Brasil, desde que as autarquias territoriais federais de Tocantins e Roraima foram transformadas em Estados da
federação.27
25 Lei Complementar Estadual nº 882006, de 12/1/2006.
26 A Região Metropolitana de Belo Horizonte, nos anos 1980, teve uma agência na área de transporte público de ônibus, que funcionava com personalidade jurídica de sociedade de economia
mista, denominada Metrobel (Transportes Metropolitanos). Ver, entre outros, Azevedo & Castro,
1990; Azevedo & Mares Guia, 2000b.
27 Essa opção inovadora – sugerida pelo vice-governador Antonio Anastasia, um dos grandes
especialistas em direito administrativo do país – se coaduna com uma possível ampliação da
participação cívica nos assuntos metropolitanos, sem falar que recupera a importância do
art. 25, parágrafo terceiro, da Constituição Federal, para a questão metropolitana.
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Quanto à participação da sociedade organizada na Agência de Desenvolvimento, pleito defendido por diversos segmentos sociais, verificou-se que
não encontra respaldo no instituto da autarquia. Para mitigar esse problema,
foi proposto que a agência abrigará, em sua estrutura, um “Observatório
de Políticas Urbanas”, de modo a abrir espaço para que representantes da
sociedade organizada possam participar dos trabalhos da autarquia. Ao
sistema de gestão metropolitana foram, ainda, integradas as instituições
públicas estaduais, municipais e intermunicipais que atuam no planejamento
e na operação, políticas e projetos vinculados aos setores correspondentes
às funções públicas de interesse comum.
Há um indicador concreto da importância da reforma legislativa para
a retomada do planejamento metropolitano no que se refere a uma maior
priorização, pelo governo estadual, da temática. Desde o início de 2007, o
Executivo estadual já aporta recursos significativos em ações de retomada do
planejamento metropolitano, por meio de um projeto específico, denominado
“Projeto Estruturador RMBH”. Tal projeto reúne ações iniciadas já na primeira
gestão do governador Aécio Neves, relacionadas ao sistema viário metropolitano (Linha Verde, duplicação da MG-20 etc.) e ações novas, especialmente
focadas em regulação urbanística e ambiental.
A instalação da agência metropolitana
O novo arranjo institucional é um avanço em relação ao anterior.
Instalada em uma ampla edificação – originalmente residência – a agência
já dispõe de um quadro técnico composto, em grande medida, por profissionais
recrutados junto a outros órgãos da administração estadual. Todavia, acredita-se que a formação de um quadro próprio é medida importante no sentido
de se garantir a consolidação e dar continuidade efetiva ao planejamento
metropolitano que se pretende resgatar.
A agência já está sendo reconhecida como interlocutora legítima e privilegiada pelos agentes que atuam nas questões de interesse comum, gozando
de respaldo das instâncias superiores do aparato governamental: Sedru e
vice-governadoria.
Três meses após a instalação da agência, tudo indica que vem conseguindo
desempenhar o papel fundamental de articulação entre os atores relevantes
– públicos e privados – envolvidos nas questões de interesse metropolitano.
Em vários setores já vem sendo reconhecida a sua legitimidade na articulação
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dos interesses dos diferentes atores no enfrentamento de problemas metropolitanos relevantes.
É claro que pode haver possibilidade de retrocesso, o que é sempre possível
no setor público. A preocupação central no presente, instalada a agência, é a
construção de uma agenda.
Há todo um trabalho de articulação e estabelecimento de consensos entre os agentes que atuam na produção e no consumo dos serviços de cunho
metropolitano, preocupação central enfrentada pela direção da agência. Esse
é o caso, por exemplo, do transporte/mobilidade urbana, questão que sempre
ocupou posição privilegiada na agenda do sistema de gestão metropolitana.
Nesse caso, a agência já vem desempenhando papel importante na articulação entre municípios e a Secretaria de Transporte (que herdou do DER a
antiga Diretoria de Transporte Metropolitano) e o próprio DER, CBTU etc.
Enquanto a pretensão da agência é de somar esforços na implementação de
projetos pela secretaria na Região, sabe-se, ao mesmo tempo, que os municípios têm esboçado críticas a ingerências do Estado na área, especialmente no
caso da descentralização dos terminais de transporte interurbano, atualmente
concentrado na Rodoviária de Belo Horizonte, e a implantação de terminais
rodoviários (25, dos quais cinco já se encontram em fase de elaboração de
construção) em pontos estratégicos distribuídos no território da RMBH. Já em
fase de licitação, a implantação desses terminais ainda não havia sido discutida
com os municípios que iriam abrigá-los.
Foi proposta a criação do comitê gestor metropolitano da mobilidade,
integrado por representantes de Betim, Contagem, Detran, DER e Subdiretoria
de transporte metropolitano, coordenados por representante da agência.
Ainda nessa área, outra questão relevante refere-se ao metrô. A própria
linha 1 (que atende hoje a cerca de 175 mil passageiros/dia, em funcionamento,
já necessita de novos carros, o que vem sendo relegado em função da prioridade
dada à implantação das linhas 2 e 3.
A integração do metrô com o transporte coletivo é outro ponto que vem
sendo objeto de atenção. Outro item: transporte sobre trilhos (por exemplo,
terminal de Águas Claras, hoje desativado, ao lado do BH Shopping, que pode
ir até o Eldorado). A agência tem uma questão em sua agenda – a denominada
“metrópole nos trilhos”, através da qual pretende a revitalização e integração
dos resquícios de ferrovias ainda existentes na Região. A realização de um
encontro sobre o tema envolverá a CBTU e as duas concessionárias DNER.
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Ainda nessa linha, uma questão a ser colocada em breve refere-se à
integração tarifária. Atualmente, a desarticulação e o desmonte do sistema
metropolitano de gestão do transporte público impedem que essa questão
seja enfrentada neste momento. Essa é uma meta a ser enfrentada a médio
prazo.
Tal questão acabou por fornecer o “gancho” para o enfrentamento da questão da saúde: articulando secretaria estadual de saúde, prefeituras e usuários, a
ideia é direcionar os pacientes que necessitam do serviço para municípios mais
próximos, onde há condições de atendimento, disponibilizando o transporte
público necessário ao seu deslocamento.
Também no campo do controle do parcelamento, uso e ocupação do solo,
a agência tem atuado, por exemplo, junto à Prefeitura de Nova Lima (que tem
sido pressionada pelo Ministério Público), criando-se uma força-tarefa composta por técnicos da agência e da prefeitura para a revisão das normas municipais
de parcelamento do solo e a implantação de condomínios no município.
Outro ponto já enfrentado pela agenda em construção pela agência refere-se ao saneamento ambiental. Nessa questão, a agilidade tem sido significativa,
uma vez que a Copasa detém a concessão do serviço de distribuição e abastecimento de água em 32 dos 34 municípios metropolitanos. No caso do serviço
da coleta de esgoto, a situação é mais precária. A Copasa tem a concessão do
serviço em 15 municípios. Além da preocupação com a resistência de parte
da população em realizar a ligação da rede domiciliar à rede coletora pública,
preferindo permanecer com o uso da fossa séptica para fugir do pagamento
da tarifa, a agência tem também atuado na articulação entre o município e a
Copasa, na busca da extensão da concessão do serviço.
Outra iniciativa – a realização de um fórum metropolitano com as Câmaras de Vereadores sediado em Betim – evidencia mais uma vez a preocupação
com o papel de articulação entre agentes e integração. Tendo como tema os
consórcios intermunicipais para o enfrentamento da questão da disposição do
lixo, procurou-se caminhar no sentido da construção de uma política de cunho
metropolitano para a área, envolvendo a reciclagem.
Ainda na promoção da articulação e cooperação, a agência viabilizou o
repasse do Parque Fernão Dias, até então sob a tutela do governo do Estado,
para os dois municípios. Foi feito um termo de cessão a ser avaliado em três
anos para ser buscada a solução legal definitiva para o parque. Atualmente
degradado, detém fauna e flora diversificadas, entre outros atrativos.
Todavia, uma das questões que ainda se coloca refere-se ao fundo. Os
problemas apontados até agora relacionados a ele concerniam quase sempre ao
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aporte de recursos necessários para sua composição. Todavia, acordado entre
Estado e municípios e regulamentado pela Assembleia, após longo período
de desavenças e discussões, novos embates se colocam quanto à distribuição
dos recursos do fundo. O entendimento até o presente é o de que a alocação
se realize em projetos de interesse da totalidade dos municípios da Região,
buscando-se outras fontes de recursos – governo federal, parcerias público-privadas – para projetos intermunicipais pontuais.
A pretensão é a de que a agência tenha orçamento próprio como autarquia,
não dependendo em grande medida do Fundo de Desenvolvimento Metropolitano que, segundo o dirigente do órgão, é de difícil operacionalização. Sua
gestão envolve agentes com perfis e interesses muito diferenciados. Exemplo de
algumas das dificuldades a serem enfrentadas fica evidente no caso do Parque
Fernão Dias, acima relatado. Como seria possível obter a aquiescência de Lagoa
Santa e Caeté, que não terão nenhum ganho imediato com a implementação
do projeto do parque? O consenso quanto à alocação dos recursos do fundo
certamente será mais viável quando realizada em projetos de impacto metropolitano que envolvam preferencialmente a totalidade dos municípios, como
é o caso do mapeamento das bacias hidrográficas do Paraopeba e Velhas.
Atualmente, os recursos do fundo serão alocados no Plano Diretor Metropolitano. O governo do Estado já alocou 1 milhão e 100 mil reais e as câmaras
de todos os municípios, por sua vez, de acordo com a regulamentação em
vigor para a gestão do fundo, já votaram uma cota para aporte de sua parte na
composição do fundo, incluída nas suas LDOs. O compromisso do Conselho
Metropolitano e do Conselho Gestor é o de que esses recursos sejam usados
no Plano Diretor. O plano foi contratado e na fase do diagnóstico a agência
deve trabalhar juntamente com a equipe contratada.
Assim, os recursos do fundo devem destinar-se a ações de cunho mais
geral, que têm possibilidade de serem concertadas. A alocação desses recursos
enfrentará dificuldades, dada a heterogeneidade dos municípios da Região e
uma pauta diversificada espacial e setorialmente.
Mesmo que possa vir a dispor de um orçamento próprio muito significativo, a agência enfrentaria sérios obstáculos na implementação de suas
políticas e programas. A proposta que vem sendo articulada é a de modificar
a composição do conselho de administração da agência, de modo a ser integrado por representantes dos órgãos setoriais e estaduais que têm o enfoque
metropolitano. Ou seja, pela Diretoria Metropolitana da Copasa, Centro
Metropolitano da Saúde etc., montando-se um “orçamento metropolitano”
descentralizado.
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Orçamento metropolitano significa integrar o que existe da administração
pública metropolitana e o que não é metropolitano terá o recorte metropolitano num mesmo processo de orçamento. Ou seja, tem que se descolar de uma
agenda da agência. Esta tem que ser um arranjo acordado internamente ao
aparato do governo do Estado, com Secretaria da Fazenda, do Planejamento,
Saúde, que deve ter início no PPAG, LDO...
Ou seja, deve-se amadurecer um orçamento metropolitano no âmbito
do conselho de administração da agência. Plano metropolitano, programas e
no que depender do orçamento do Estado.
Na relação da agência com a Sedru, aparentemente, há uma superposição
de atribuições. Formalmente, a agência é “um marco crítico que o projeto
estruturador RMBH cumpriu”. Na opinião do governo, ainda está cumprindo, o que de fato ocorre. A agência ainda não dispõe de condições técnicas de
abrigar o Conselho Deliberativo da RMBH, nem de organizar a Conferência
Metropolitana. O quadro técnico ainda não está completo. A agência é ainda
um “marco crítico” com resultados a cumprir, como, por exemplo, a definição
da agenda a ser cumprida nos próximos meses. Ou seja, encontra-se ainda “em
processo de instalação”.
Frente a uma agenda diversificada e extensa, a pretensão da agência – que
tem gozado de legitimidade – é priorizar a sua implementação, deixando que
a Sedru conduza a elaboração do Plano Diretor Metropolitano – que, por lei,
é atribuição da agência – que, tudo indica, é do seu interesse.
Assistindo-se a uma cena semelhante à do final dos anos 1980, quando
se acreditou que as mudanças no marco regulatório que se seguiram à Constituição estadual iriam produzir um novo alento e condições necessárias ao
resgate da gestão metropolitana, a expectativa é de que o novo quadro em
vigor coloque a questão metropolitana em posição de destaque nas agendas
dos atores envolvidos. Talvez o primeiro grande teste do modelo seja sua
legitimidade junto às novas administrações municipais, que deverão assumir
posições a partir de janeiro de 2009.
Considerações finais
No início de 2003, quando se iniciaram as articulações entre a ALMG,
o governo estadual e a Prefeitura de Belo Horizonte, no bojo das condições
políticas favoráveis às mudanças no quadro institucional da RMBH que iriam
ter lugar nos anos seguintes, havia forte discrepância entre fluxo de policies
(políticas públicas) que, desde o início dos anos pós-constituintes, era discutido
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por técnicos e acadêmicos que publicavam trabalhos críticos sobre o tema – e
o fluxo de politics (ação política stricto sensu), pois, no caso da RMBH, tinham
ocorrido poucas tentativas frustradas de enfrentar a questão, como a da Secretaria de Planejamento de Belo Horizonte, durante a administração Célio
de Castro. Pode-se afirmar que os citados fluxos (policies versus politics), até o
início de 2003, apresentavam trajetórias não só independentes, como díspares,
aproximando-se do modelo canônico de Kingdon (2002).
Por outro lado, a figura sui generis do ex-secretário estadual de Planejamento e atual vice-governador é um caso interessante, capaz de nos relembrar que
a realidade, em determinados contextos, é bastante mais complexa e rica do
que modelos analíticos, ainda que esses sejam importantes e sofisticados. Sua
atuação explicita um afastamento do modelo canônico de Kingdon (2000) de
independência (ou autonomia relativa, como preferimos), porque temos, nele,
um ator que atua, concomitantemente, nas duas esferas, tanto na qualidade de
especialista acadêmico com prática em implementação de políticas, como de
político capaz de articular ou de neutralizar alianças entre atores relevantes,
tanto no governo estadual (Executivo e Legislativo), como nas prefeituras de
maior peso, como Betim e especialmente Belo Horizonte, nas duas administrações do prefeito Fernando Pimentel. Metaforicamente falando, pode-se
dizer que Anastasia logrou colocar os dois fluxos (policies e politics) correndo
em um mesmo leito, muito antes de o “problema” metropolitano ter entrado
na arena decisional do governo estadual.
Apesar das mudanças positivas no formato institucional da RMBH,
considera-se importante a oferta de alguns incentivos seletivos para que governos municipais, especialmente das cidades maiores, sintam-se motivados
a aderir a um círculo virtuoso de cooperação e implementação articulada de
políticas públicas, na Região; ou seja, deve-se caminhar no sentido da construção de uma política metropolitana de “soma positiva”, na qual os atores
envolvidos – nos três níveis de governo – e, em especial, a população-alvo,
sejam beneficiados.
Dizer isso não significa negar ou banalizar a importância das mudanças institucionais, mas reconhecer os espaços para que sejam viabilizadas.
Não se pode fazer tábula rasa dos limites políticos concretos determinados
pela correlação de forças sociais, especialmente nas limitações decorrentes
da inexistência, até agora, de uma política federal articulada para as regiões
metropolitanas.28
28 Não se pretende, aqui, menosprezar os investimentos de grande porte previstos pelo Plano de
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Ignorar esses constrangimentos – adotando-se uma postura voluntarista
– pode resultar seja no malogro da implementação desse novo desenho, seja
no formalismo inócuo. Em outras palavras, tal como ocorreu por ocasião
da criação da Ambel, pode-se assistir novamente ao que o jargão popular
denomina de “leis e normas que não pegam”. Como se viu no caso da antiga
Ambel – mesmo com roupagem progressista –, a posição de descolamento
completo do formato institucional em relação à correlação de forças dos atores
relevantes produziu efeitos mais nefastos do que a abordagem conservadora,
que defende estruturas institucionais que apenas reproduzem o status quo,
sem abrir oportunidades para novas alianças que possibilitem mudanças
incrementais contínuas.
Acredita-se, ainda, que é fundamental que o governo federal inclua
a questão metropolitana na sua agenda prioritária, reconhecendo-a como
elemento estratégico para o desenvolvimento nacional. É importante que a
União atue na construção de um marco regulatório e na alocação de recursos
em projetos de âmbito regional, de modo a estabelecer, entre outras, regras
viáveis de “punição” e “recompensas”, capazes de estimular a participação
efetiva tanto dos Estados federados como dos municípios envolvidos, na gestão
metropolitana.
Apesar dos constrangimentos de cooperação federativa existentes no
quadro atual de gestão metropolitana, a experiência da Região Metropolitana
de Belo Horizonte, caso logre ser implantada como prevista, tem possibilidade
de se tornar um ícone capaz de apontar novas possibilidades institucionais para
atores comprometidos com a governança de outras metrópoles brasileiras.
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Globalização, reestruturação territorial
e o desafio da governança metropolitana
colaborativa: evidências recentes e perspectivas
brasileiras das cidades-região
Jeroen J. Klink
Preparando o palco - revisitando o paradoxo
das regiões metropolitanas
Semelhante a outros países, o quadro institucional que orienta a
organização das regiões metropolitanas brasileiras não foi capaz de fornecer
mecanismos de governança eficientes, equitativos e transparentes (GARSON,
2009). Estudos internacionais concluíram que o quadro institucional que
orienta o desenvolvimento de grandes cidades-região não tem sido capaz de
atingir a expectativa de gerar um crescimento mais sustentável e inclusivo
nessas áreas (OCDE, 2001; ROJAS et al., 2008).
O Brasil não é uma exceção a essa regra: embora desempenhe um
papel estratégico no desenvolvimento econômico nacional e, historicamente,
concentre um grande déficit social, a questão da governança metropolitana
não tem muito destaque no topo da agenda dos formuladores de políticas
públicas. De fato, enquanto as mudanças de políticas públicas de substituição
de importações, após os anos 1990, e o dirigismo do Estado afetavam dramaticamente os sistemas econômicos em áreas metropolitanas (que concentravam
a maior parte da capacidade de produção, construída anteriormente ao abrigo
de um modelo nacional de desenvolvimento) e intensificavam os padrões
históricos de exclusão socioespacial nessas regiões, o vazio institucional que
caracterizou a organização de grandes cidades-região brasileiras mostrou
uma notável continuidade.
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A principal tese deste ensaio é a de que a análise normativa das dimensões
institucionais fornece uma base insuficiente para compreender os desafios da
construção da governança colaborativa no Brasil, e deverá ser complementada
com uma teoria mais ampla sobre o impacto da globalização e da reestruturação econômica e territorial nas cidades e cidades-região. Mais especificamente,
embora uma boa argumentação (normativa) possa ser construída em favor
de um arcabouço institucional robusto para a governança metropolitana, o
impacto da globalização sobre o modelo de desenvolvimento brasileiro, a
reestruturação das escalas territoriais de poder e a consequente ascensão de
relações de maior competitividade entre os atores públicos e privados no âmbito da federação são importantes dimensões estruturais que têm contribuído
para consolidar progressivamente um sistema que continua a oferecer poucos
incentivos para a governança colaborativa nas cidades-região brasileiras.
Nossa argumentação será estruturada em quatro seções. Na próxima
seção, será apresentada uma síntese da evolução da governança metropolitana desde a década de 1970, com ênfase no recente impacto centrífugo da
reestruturação macroeconômica e política nos arranjos colaborativos. Nas
próximas duas seções, serão apresentados alguns dos desafios com base em
dois estudos de caso das cidades-região, que – ironicamente – passaram a ser
conhecidos como casos de sucesso para o planejamento urbano-regional: o caso
de Curitiba (no Estado do Paraná) e o caso da região do Grande ABC (Região
Metropolitana de São Paulo). Iremos argumentar que, apesar das condições
contextuais favoráveis, mesmo nesses casos tem-se revelado difícil construir
instituições eficazes e sustentáveis para a governança das cidades-região. Na
última seção, serão feitas recomendações para avançar nas pesquisas orientadas à esfera teórica e política da governança metropolitana em cidades-região
brasileiras.
Globalização, reestruturação e as forças centrífugas
sobre a governança metropolitana brasileira
A literatura sobre governança metropolitana no Brasil tem produzido
várias análises sobre o sistema desde a década de 1970. Resumidamente,
evidencia-se que, enquanto o sistema uniforme de cima para baixo da governança metropolitana oriundo do regime militar se dissolveu rapidamente,
especialmente em função do processo de democratização, descentralização e
de uma crescente crise fiscal, nenhum sistema alternativo tem sido colocado
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em prática (GARSON, 2008). Pelo contrário, o cenário após 1988 é caracterizado por uma série de diferentes arranjos colaborativos. Apesar da recente
atenção que a questão recebeu dos formuladores de políticas públicas em nível
federal e estadual, essa mixórdia de arranjos fluidos continua a proporcionar
baixos incentivos para a governança metropolitana colaborativa (DENALDI;
KLINK; SOUZA, 2009).
A literatura mais abrangente sobre teoria política e socioeconômica e
acerca do impacto da globalização e da reestruturação territorial sobre a governança contribui para lançar luz sobre alguns dos desafios enfrentados nas
cidades-região brasileiras. Mais especificamente, a globalização e a consequente
reestruturação macroeconômica e política após os anos 1990 têm intensificado
a concorrência e as forças centrífugas sobre a trajetória de desenvolvimento
das áreas metropolitanas brasileiras, gerando uma série de gargalos estruturais
que aumentam os custos e diluem os benefícios das relações interfederativas
de cooperação.
Embora – pelo menos no Brasil – não existam muitos trabalhos teóricos
relacionando a globalização, a reestruturação das escalas territoriais e a governança metropolitana, vários indicadores fundamentam a hipótese de que, no
contexto de desenvolvimento nacional a partir da década de 1990, tornou-se
cada vez mais difícil construir a governança colaborativa nas cidades-região
brasileiras e nas áreas metropolitanas.
Em primeiro lugar, o plano de estabilização macroeconômica de 1994
(Plano Real) foi bem-sucedido na redução dos níveis de inflação, por meio de
uma combinação heterodoxa de liberalização do comércio, desregulamentação
e sobrevalorização cambial, mas também intensificou o número de conflitos
verticais e horizontais no sistema federativo brasileiro (ABRUCIO; SOARES,
2001). Por exemplo, considerando a necessidade de gerar um contínuo superávit fiscal primário, a fim de pagar as taxas de juros relativamente elevadas que
manteriam o programa de estabilização macroeconômica, o governo federal
recentralizou gradualmente os recursos não tarifários (com base em contribuições
salariais e patronais), especialmente para contrabalançar a descentralização
de recursos tarifários, estimulada pela Constituição de 1988.1 Os recursos não
tarifários não foram utilizados para potencializar o sistema federativo de
formulação de políticas públicas em áreas como habitação, desenvolvimento
1 Recursos não fiscais servem como base para as políticas públicas de moradia, desenvolvimento
urbano e geração de trabalho e renda. Cresceram além dos recursos fiscais e são geridos pelo
governo federal.
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urbano e geração de emprego e renda, mas foram canalizados para atender
cada vez mais as elevadas taxas da dívida (ARAUJO, 2001). Ao mesmo tempo, a rápida abertura do mercado brasileiro, sem compensação tecnológica,
industrial e de políticas regionais em nível federal, que tinha acompanhado
parcialmente o regime nacional anterior de substituição de importações,
desencadeou um cenário sociopolítico e institucional de crescentes relações
de competição horizontal, no qual as cidades e os governos estaduais adotaram uma atitude empreendedora, a fim de atrair atividades econômicas e
maximizar suas bases tarifárias locais. De certa forma, a década de 1990 criou
as condições para o aumento da influência das chamadas forças centrífugas
da globalização no país, caracterizada pelo progressivo enfraquecimento
nas relações cooperativas internas da federação, na socioeconomia interna
e na complementaridade do comércio entre as macrorregiões do território
nacional, construída ao abrigo do modelo de desenvolvimento nacional (PACHECO, 1998). Autores como Fiori (1995) e Oliveira (1995) argumentam que
a globalização e a reestruturação sociopolítica transformaram gradualmente
o sistema federativo em uma federação de comerciantes, distorcendo, assim,
as relações entre a esfera pública e privada em um leilão invertido, no qual
as cidades desencadearam ações a fim de atrair novos negócios. Do mesmo
modo, Pacheco (1998) argumenta que a realocação de unidades industriais e da
atividade econômica das mais avançadas áreas metropolitanas dos Estados do
Sudeste (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais), seja na direção das regiões
ricas em recursos e minérios dos Estados do Centro-Oeste, seja para regiões
com menores custos nos Estados do Sul e do Nordeste, serviu para gerar superávits nas balanças comerciais e a inserção competitiva desses territórios na
economia global, proporcionando uma desconexão gradual da rede interna
em nível socioeconômico e das relações comerciais entre as macrorregiões
brasileiras que tinham sido construídas pela substituição da importação. Em
segundo lugar, e relacionada com o ponto anterior, a descentralização de
responsabilidades do governo federal para os governos locais, combinada com
um processo de descentralização por ausência, levou também a iniciativas
políticas relativamente autônomas e isoladas em nível local.2 Essa trajetória
de desenvolvimento do neolocalismo também foi reforçada pela herança da
gestão autoritária nas áreas metropolitanas durante o regime militar, muitas
vezes associada com a agenda de governança metropolitana. Desse modo,
2 Em outro artigo desta coletânea, Denaldi et al. ilustram a questão da fragmentação e isolamento
das políticas públicas no nível municipal de habitação e desenvolvimento urbano.
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nem os movimentos sociais nem os prefeitos recém-eleitos priorizaram essa
questão na agenda do processo constitucional, que teria exigido custos e
esforços consideráveis para mudar a percepção coletiva sobre os benefícios
da governança colaborativa.
Mesmo nas cidades-região e nas áreas metropolitanas com condições
aparentemente favoráveis para a governança colaborativa (liderança e visão
estratégica, capacidade institucional e local, experiência e prática acumulada
em planejamento, presença dos custos externos explícitos da não cooperação
e/ou benefícios da cooperação, entre outros), tem-se provado uma tarefa
particularmente difícil a de construir e manter mecanismos eficazes para a
sustentabilidade socioeconômica e ambiental. De certa forma, do ponto de
vista do processo mais amplo de reestruturação econômica que ocorreu nos
anos 1990, a região do ABC (Grande São Paulo) e a de Curitiba (Estado do
Paraná) podem ser consideradas como duas faces da mesma moeda: enquanto
a região do ABC estava enfrentando redução e parcial realocação de empresas
em setores como o automobilístico e o metalúrgico, a Grande Curitiba conseguia atrair plantas industriais na cidade de São José dos Pinhais. A recente
trajetória de desenvolvimento em ambas as cidades-região, embora mostre
condições favoráveis para avançar na governança metropolitana, apresenta
resultados bastante decepcionantes.
Metropolização e a queda da cidade planejada –
o caso de Curitiba
Embora seja comum apresentar a região de Curitiba como um caso de
sucesso na governança urbana, o rápido processo de metropolização expôs a
fragilidade do arcabouço institucional que deveria orientar o crescimento da
região, visando um padrão mais sustentável de desenvolvimento. Deixando de
lado os elementos óbvios e o exagero do marketing urbano internacional que
têm sustentado parcialmente o caso de sucesso de Curitiba, algumas dimensões
da sua trajetória de desenvolvimento poderiam ter favorecido a construção
gradual da colaboração para a governança metropolitana. Exemplos: a visão
estratégica de alguns prefeitos sobre a questão do transporte público e da
sustentabilidade ambiental (típicas funções das cidades-região); a presença da
capacidade local e da cultura de planejamento (estimulada pelo Ippuc – Instituto
de Planejamento e Pesquisa de Curitiba –, um centro de estudos e capacitação
para a elite dos planejadores) e, por último, mas não menos importante, o
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relativamente rápido e intenso processo de suburbanização que se iniciou na
década de 1980, e que, pelo menos teoricamente, criou oportunidades objetivas
para expandir o modelo de Curitiba à escala metropolitana.
Contudo, o sistema de Curitiba não tem sido capaz de articular efetivamente as funções básicas metropolitanas. Ou seja, o sistema metropolitano
não desenvolveu a capacidade de mediar as tensões entre a habitação social e
a sustentabilidade ambiental em bacias hidrográficas para permitir ligações
entre o uso dos solos e o transporte em favor de padrões sustentáveis de
mobilidade e de novos polos urbanos. Finalmente, fracassou na tentativa de
fomentar uma dinâmica de aprendizagem social visando à criação de mecanismos institucionais inovadores e alternativos para a governança local, regional
e metropolitana.
Como em tantas outras áreas metropolitanas, e apesar dos recentes avanços alcançados no estabelecimento de uma legislação federal mais progressiva
para o uso dos solos, em Curitiba também tem se provado difícil orientar, de
forma global, o uso dos solos na direção de um padrão de desenvolvimento
mais inclusivo e sustentável. A Lei Federal do Estatuto da Cidade permitiu
aos municípios estabelecer planos diretores e planos locais de uso dos solos
planos, com maior autonomia sobre os mercados imobiliários, por meio de
instrumentos como o IPTU progressivo, a arrecadação da outorga dos direitos
de construção e as cláusulas de zoneamento inclusivo (Zeis). Porém, tanto em
função da histórica força dos interesses de especuladores no mercado imobiliário brasileiro, quanto em função do medo dos proprietários de terras no que
diz respeito à desvalorização, as conquistas, em termos do estabelecimento e
operacionalização de planos diretores e de planos de gestão mais progressivos
para o uso dos solos, têm sido bastante modestas.
Para compor esse cenário, não há praticamente nenhuma coordenação
nem troca de informações entre os municípios quanto à elaboração dos seus
planos diretores; na prática, as regiões metropolitanas fornecem um caleidoscópio de planos locais desconectados, elaborados de acordo com diferentes
metodologias, e compostos de instrumentos que não foram sequer articulados
com as cidades vizinhas. Portanto, a efetiva alavancagem do setor público (governos locais, agências de planejamento metropolitano etc.) sobre os mercados
imobiliários metropolitanos têm sido bastante limitada. Os formuladores de
políticas públicas na região metropolitana de Curitiba também não têm sido
capazes de fazer cumprir um padrão sustentável de desenvolvimento e uso dos
solos. A região de Curitiba atraiu inicialmente, mas posteriormente excluiu as
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famílias de baixa renda para os piores locais em áreas de risco ambientalmente
sensíveis, na periferia da região metropolitana. Enquanto nos anos 1950 se
testemunhou a primeira entrada de migrantes, relacionada à modernização da
agricultura, o crescimento demográfico foi acelerado na década de 1990, em
função dos investimentos realizados pelo setor automobilístico, especialmente
pela Audi, Volkswagen e Renault. Essas plantas industriais foram atraídas a
São José dos Pinhais por uma série de incentivos fiscais e imobiliários dados
pelo governo estadual. Além disso, a reestruturação produtiva e a escalada das
“deseconomias” de aglomeração nas regiões industriais tradicionais, como a
Grande São Paulo, aceleraram as estratégias de realocação da indústria automobilística. Consequentemente, enquanto os planos metropolitanos iniciais de
1978, elaborados pela agência estadual metropolitana Comec, estabeleceram
que o crescimento não deveria ocorrer na zona leste da Região Metropolitana
de Curitiba, a qual concentra a bacia hidrográfica e as áreas ambientalmente
sensíveis, o crescimento ocorreu exatamente nessa direção, especialmente nos
municípios com intensas ligações econômicas e de mercado de trabalho com
a cidade de Curitiba (São José dos Pinhais, Pinhais, Piraquara etc.). Os estudos
realizados pela agência estatal de planejamento Ipardes demonstram que o
crescimento na zona leste segue um padrão distorcido, característico da maioria
das áreas metropolitanas. Por exemplo, o número de ocupações irregulares na
bacia do Guarituba (localizada no município de Piraquara) cresceu 70% durante
1992-1998, ameaçando a qualidade do abastecimento de água metropolitano e
representando um aumento acentuado no déficit habitacional. A criação de um
Conselho Metropolitano da Bacia Hidrográfica, em 1998, composto por uma
série de agências estatais, governos locais e organizações da sociedade civil,
que pretendia aplicar um modelo de gestão sustentável e monitoramento do
uso dos solos nas áreas protegidas da bacia hidrográfica, foi também altamente
ineficaz. O pressuposto básico do Conselho da Bacia Hidrográfica foi de que
as cidades estariam interessadas em proteger as bacias hidrográficas, enquanto
a maioria delas tinha adotado uma atitude mais empreendedora, preocupada
com a atração de novas atividades econômicas, numa definição mais ampla
de contínua e intensa reestruturação econômica da concorrência.
Apesar dos aclamados avanços de Curitiba em termos de expansão de
sua rede de transporte público, o rápido processo de suburbanização expôs
as ligações relativamente fracas entre o uso dos solos, o desenvolvimento
socioeconômico e a mobilidade no nível metropolitano. Apesar das primeiras
orientações no sentido de densidades mais elevadas, em associação com o uso
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dos solos, e da exigência de habitação social próxima dos terminais de transporte, as áreas mais bem localizadas têm sido apropriadas pelos segmentos de
maior renda, enquanto as famílias de baixa renda foram lotadas na periferia da
área metropolitana. As políticas de transporte também não foram capazes de
reduzir a centralidade da cidade de Curitiba à escala metropolitana, levando a
uma crescente demanda de mobilidade não atendida no nível metropolitano.
Por exemplo, mesmo com as claras evidências sobre o aumento da demanda de
mobilidade intrametropolitana, dados recentes demonstram que o percentual
de atendimento às cidades vizinhas, no aclamado Sistema Metropolitano de
Trânsito de Massa de Curitiba, representa um pouco mais de 20% do número
total de viagens que ocorrem dentro da própria cidade de Curitiba.
Embora exista uma contínua pressão para acelerar a expansão do sistema
público de transportes para além dos limites da cidade de Curitiba, há uma série
de questões pendentes no que diz respeito à gestão, financiamento e operação
do sistema no nível metropolitano. No nível municipal, a empresa paraestatal
URBS (Urbanização de Curitiba) foi criada em 1963, a fim de gerir e operar o
sistema, além de atribuir e acompanhar as concessões às operadoras privadas
de ônibus. A partir de 1997, a agência estadual Comec estabeleceu uma parceria
com a URBS, a fim de facilitar a expansão do sistema para além dos limites
da cidade de Curitiba. De acordo com os contratos, renovados a cada dois
anos, a Comec cobriria os custos de capital dos terminais e das infraestruturas
adicionais, enquanto a URBS, com base na sua experiência, poderia assumir a
responsabilidade de gerir e operar os investimentos metropolitanos.
Nos últimos anos, porém, têm surgido tensões entre a URBS e a Comec
quanto à gestão e o financiamento do sistema. Como resultado desse impasse,
dois terminais recentes, construídos na cidade de Colombo (coincidentemente,
uma das áreas com alta pressão para ampliação da rede), não estão em operação.
É pouco provável que a escala da rede metropolitana seja ampliada até que os
parâmetros específicos do modelo financeiro estejam funcionando. Até então,
não se conseguiu nem a completa integração física e tarifária entre Curitiba e
cidades industriais satélite, como São José dos Pinhais, caracterizada pelo intenso mercado de trabalho e interdependências de transporte. Consequentemente,
todos os elementos disponíveis indicam que o uso do automóvel privado para
o deslocamento aumentou exponencialmente durante a década de 1990.
Sob as circunstâncias de uma política ambiental altamente competitiva,
conflituosa e fragmentada na região de Curitiba, é pouco provável que os
arranjos colaborativos tradicionais para governança metropolitana produzam
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qualquer melhoria na organização e na gestão da região. Enquanto a agência
estadual Comec tem sido incapaz de ir além do papel de uma instituição
de planejamento (ultrapassada em grande parte), os esforços da cidade de
Curitiba para simplesmente exportar e replicar seu modelo de planejamento
no nível metropolitano tem encontrado resistência dos municípios periféricos
e, ainda, sofrem com a falta de base financeira clara e transparente para fazê-lo (os impasses em torno da tarifa de integração metropolitana no setor dos
transportes talvez sejam a melhor ilustração).
Uma exceção à regra? Os desafios do fortalecimento
institucional na região do ABC
O montante substancial de inovação social surgido na região do ABC
(Grande São Paulo), principalmente como uma reação ao enorme impacto da
ampla reestruturação econômica e política, levou à criação coletiva de uma
série de instituições formais e informais para a governança regional. Como
tem sido amplamente documentado em outros países, à luz do vácuo político
surgido na década de 1990, as lideranças públicas e privadas na região do ABC
negociaram uma série de mecanismos alternativos para coordenação intermunicipal/regional das políticas de desenvolvimento, o que levou à criação de
um consórcio intermunicipal (1990), uma câmara da região do ABC (1997) e
uma agência de desenvolvimento regional (1998). Enquanto enfrenta evidentes
limitações, em razão da falta de reconhecimento institucional no sistema de
federalismo fiscal, essa série de arranjos colaborativos facilitou o planejamento
estratégico regional e também desencadeou investimentos limitados, mas
focados em infraestrutura e no desenvolvimento econômico (REIS, 2008).
No entanto, tornou-se cada vez mais claro que o modelo da região do ABC
não atingiu as suas expectativas. O consórcio, a câmara regional e a agência
de desenvolvimento não têm sido capazes de ir além de um papel (informal)
de facilitadores dos acordos de planejamento. Faltam capacidade operacional,
força institucional e continuidade política para sustentar a implementação das
funções da cidade-região, tais como resíduos sólidos, transporte, habitação,
desenvolvimento urbano e desenvolvimento econômico. Provou-se ser difícil
aplicar os acordos sobre questões como a coordenação dos impostos locais,
enquanto que para as funções estratégicas regionais da cidade (plano diretor
e desenvolvimento urbano, transporte, resíduos sólidos etc.), o consórcio é
simplesmente ignorado. Ironicamente, embora o consórcio do ABC tenha
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mobilizado o governo recém-eleito do presidente Lula em torno de uma
agenda de fortalecimento institucional e jurídico dos consórcios, foi feita uma
opção pela não adaptação da sua estrutura organizacional à recém-criada lei
sobre consórcios públicos.
Uma análise teórico-empírica mais detalhada irá lançar luz sobre as razões
desse decepcionante desempenho de uma região anteriormente rotulada como
um laboratório social para a governança metropolitana. Em nossa opinião, um
aprofundamento da investigação sobre a região do ABC terá de incorporar as
dimensões estruturais (a recuperação macroeconômica e a reestruturação da
competitividade local reduziram o ímpeto para a coordenação regional? Faltaram incentivos financeiros para a implementação da nova lei dos consórcios?)
e uma análise sobre como os custos e os benefícios associados a determinados
arranjos de governança colaborativa são percebidos em um contexto específico
pelos agentes públicos e privados (incluindo o papel de liderança estratégica
– por exemplo, o prefeito Celso Daniel e o governador Mário Covas – e a
rivalidade política na realização de ações coletivas).
Conclusões – questões para investigação teórica e política
Teoria
Existe a necessidade de mais investigações teóricas críticas sobre as características estruturais que afetam as dimensões institucionais da governança
metropolitana. Nesse sentido, além do importante debate sobre os arranjos
institucionais, mais pesquisas devem ser feitas sobre as ligações entre a globalização, os processos mais amplos de reestruturação socioeconômica e territorial de escala e da governança metropolitana. A análise institucional sobre
as funções metropolitanas tem de estar ligada às teorias de economia política
das cidades e das cidades-região;
No entanto, desenvolvimento metropolitano não consiste apenas em
processo e estrutura, mas deve incorporar agentes e atores (MARKUSEN,
2005). As cidades-região não são meras beneficiárias passivas das forças da
globalização. Portanto, a teoria crítica estrutural deve ser complementada com
uma análise focada nos custos e benefícios (transação) percebidos pelos atores
(locais, nacionais e globais) envolvidos e afetados pela construção coletiva e
pela reestruturação da governança colaborativa.
Nesse sentido, seria particularmente promissor associar o processo mais
amplo de reestruturação econômica e territorial das escalas com uma análise
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mais detalhada de como agentes públicos e privados específicos interagem na
(des)construção dos arranjos de planejamento e gestão em áreas metropolitanas. Essa abordagem poderia também ampliar a nossa compreensão de por
que tem sido tão difícil desenvolver a governança metropolitana colaborativa
no contexto do desenvolvimento nacional brasileiro.
Políticas públicas
Por meio de quais arranjos financeiros o governo federal poderia estimular a governança metropolitana? Por que tem sido tão difícil para o governo
federal mobilizar seus recursos não fiscais (contribuições sociais), que têm
crescido substancialmente e estão dentro do seu poder discricionário, como
uma alavanca para grandes políticas metropolitanas no país? Considerando as
características estruturais e as contradições da evolução desde os anos 1970 do
sistema brasileiro de federalismo fiscal, quais são os limites e potencialidades
para elaborar um sistema federal de incentivos e regulamentação para estimular
a governança colaborativa nas regiões metropolitanas e nas cidades-região?
Mais especificamente, quais medidas adicionais seriam necessárias para disseminar a lei sobre os consórcios públicos?
Considerando que o cenário brasileiro é caracterizado por uma variedade
de arranjos colaborativos imperfeitos (agências estaduais de planejamento
metropolitano, consórcios públicos e privados, agências de desenvolvimento
regional etc.), é necessário avançar na investigação empírica sobre os custos
de transação e os benefícios percebidos pelos atores, em especial nas áreas
metropolitanas. A investigação empírica baseada nos custos e benefícios percebidos pelos atores, a partir da ação coletiva, deve ser combinada com uma
teoria política (globalização, reestruturação das escalas territoriais), a fim de
aumentar a nossa compreensão dos limites e potencialidades que circundam
o desenvolvimento metropolitano colaborativo no Brasil.
Referências
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no Grande ABC. São Paulo: Fundação Konrad Adenauer, 2001.
ARAUJO, Tania Bacelar de. Ensaios sobre o desenvolvimento brasileiro: heranças e urgências. Rio de Janeiro: Revan, 2000.
DENALDI, Rosana; KLINK, Jeroen; SOUZA, Claudia de. Moradia e governança regional
nas metrópoles. Prelo.
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FIORI, José Luis. O federalismo diante do desafio da globalização. In: AFFONSO, Rui
de Britto Álvares; SILVA, Pedro Luiz Barros (Org.). A federação em perspectiva. Ensaios
selecionados. São Paulo: Fundap, 1995. p. 19-38.
GARSON, Sol. Regiões metropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra
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MARKUSEN, Ann. Mudança econômica regional segundo o enfoque centrado no
ator. In: DINIZ, C. C.; LEMOS, M. B. (Org.). Economia e território. Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2005. p. 57-76.
OLIVEIRA, Francisco de. A crise da federação: da oligarquia à globalização. In:
AFFONSO, Rui de Britto Álvares Affonso; SILVA, Pedro Luiz Barros (Org.). A federação
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OECD. Cities for citizens. Improving metropolitan governance. Paris: OECD, 2001.
PACHECO, Carlos America. Fragmentação da nação. Campinas: Universidade Estadual
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REIS, Regina Célia dos. Alternativa política no contexto federativo. Integração regional
no Grande ABC Paulista. São Paulo: Blucher Acadêmico, 2008.
ROJAS, Eduardo; CUADRADO-ROURA, J. R.; FERNANDEZ GUEL, J. M. Governing the metropolis. Principles and cases. Washington: Harvard University and David
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Habitação, inclusão social
e governança urbana colaborativa
Rosana Denaldi
Jeroen J. Klink
Claudia de Souza
O Brasil passou por acelerado processo de urbanização, que acentuou
as desigualdades regionais e gerou grande concentração urbana em algumas
regiões. Cerca de 30% dos 170 mil brasileiros moram em nove metrópoles. Em
apenas três regiões metropolitanas – São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte
– encontram-se cerca de 20% da população brasileira (Censo IBGE/2000).
A pobreza também se concentrou nesses territórios. O Ministério das Cidades, em parceria com o Observatório das Metrópoles e da Fase, desenvolveu
um estudo acerca das carências habitacionais e de saneamento, que apontou
11 metrópoles em risco, as quais reúnem 209 municípios e concentram 32%
da população brasileira, 1,6 milhão de domicílios com déficit de distribuição
de água, 7,2 milhões com déficit de coleta de esgotos e 12,6 milhões com
déficit de tratamento de esgotos. Essas regiões concentram 33% do déficit
habitacional, 90% do déficit na faixa de renda de até três salários mínimos e
mais de 82% dos domicílios em favela.
A resolução das questões setoriais como transporte, infraestrutura de
saneamento, meio ambiente e habitação não se restringe aos limites de um
município, particularmente nas regiões metropolitanas, aglomerações urbanas
e microrregiões, caracterizadas pelas intensas interdependências funcionais entre as cidades que as compõem. Na prática, a articulação inter/supramunicipal
em torno da política habitacional, objeto da nossa discussão, é frágil.
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Os arranjos colaborativos no setor habitacional surgem de forma ad hoc,
via convênios intermunicipais, repasses negociados de recursos voluntários
e programas específicos. Pouco avançamos na criação de novas governanças
metropolitanas que aglutinem agentes, escalas e setores, e a ausência de uma
estratégia territorial integrada vem gerando uma série de custos de oportunidade socioeconômicos e ambientais nas metrópoles brasileiras.
Este artigo trata da relação entre política habitacional e questão urbana
metropolitana no Brasil e analisa as dificuldades da política urbano-habitacional
à luz da fragilidade ou ausência de governança colaborativa.
Arranjos colaborativos nas regiões
metropolitanas brasileiras
É frágil o arcabouço macroinstitucional que norteia a gestão, organização
e financiamento das regiões metropolitanas brasileiras, e esse traço não mudou
significativamente após o processo de democratização e descentralização que
ocorreu a partir de meados dos anos 1980.
Nos anos 1970, por legislação federal, foram criadas nove regiões metropolitanas no país. Essas regiões se constituíram em torno de capitais de Estados
que abrigaram o primeiro surto de industrialização e os consequentes fluxos
migratórios. Esse arranjo estadualizado, que se configurou em pleno regime
autoritário, teve um viés tecnocrata e um alto grau de centralização financeira e de tomada de decisões, com o principal órgão (o conselho deliberativo
das regiões metropolitanas) dominado pelos representantes indicados pelos
governos federal e estadual.1
Esse modelo de gestão metropolitana se esgota nos anos 1980, particularmente em função de fatores como a crise fiscal, a redemocratização e o
surgimento de novos atores sociais. Podemos concluir que o modelo estadualizado não conseguiu desencadear inovação institucional e avançou pouco no
que tange à execução efetiva de funções de interesse comum (SPINK, 2005;
SOUZA, 2003). Com poucas exceções, as estruturas institucionais montadas
pelos Estados nas regiões metropolitanas limitam-se à função de planejamento
e articulação com pouca capacidade de alavancar a execução efetiva de funções
de interesse comum.
1 Os municípios não dispunham de autonomia para decidir entrar ou não no arranjo metropolitano.
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Ao mesmo tempo, surge um conjunto de arranjos horizontais de associativismo intermunicipal, cuja escala cresceu no decorrer dos anos 1980 em
função do processo de descentralização e democratização. A figura institucional do consórcio conheceu um crescimento expressivo nessa década. Nos
anos 1980 os primeiros consórcios eram principalmente formas setoriais de
articulação; já nos anos 1990, em algumas regiões, ocorreram inovações em
torno de iniciativas territoriais e multissetoriais (ver REIS, 2009).
Apesar da fragilidade macroinstitucional que ainda caracteriza o cenário
brasileiro, verificamos uma série de iniciativas recentes no âmbito do processo de repactuação da federação brasileira (KLINK, 2009). A partir do ano de
2003, o governo nacional, por meio de uma articulação entre o Ministério das
Cidades, o Ministério de Integração Nacional e a Sub-Chefia de Assuntos Federativos da Casa Civil da Presidência da República, reinseriu o tema da gestão
metropolitana na pauta da agenda política do país. Por meio da retomada da
discussão sobre a chamada Emenda 241 da Constituição Federal, no ano de
2005 o governo avançou, após várias discussões polêmicas, na criação e regulamentação da chamada Lei dos Consórcios Públicos (Lei nº 11.107, de 6 de
abril de 2005). Tal lei representa um avanço significativo, principalmente em
função da precariedade jurídica dos consórcios existentes (de direito privado).
Antes da lei, os consórcios estavam impossibilitados de prestarem garantias, de
assumirem obrigações em nome próprio ou de exercerem atividades de fiscalização, regulação e planejamento (DIAS, 2006). A lei ainda permite processos
de repactuação e consorciamento entre os vários entes federados. Isso quer
dizer que o governo estadual pode fazer parte de um consórcio de municípios,
desencadeando trajetórias de aprendizagem e propiciando um arranjo com
elementos de coordenação vertical e horizontal entre entes federados.2
Além da retomada do tema pelo governo federal, presenciamos um novo
ativismo da esfera estadual em relação ao tema metropolitano, sob uma base
metodológica diferente daquela dos anos 1970, buscando mais envolvimento
dos atores locais. Esse protagonismo estadual reflete-se num conjunto de
iniciativas promissoras em vários Estados da federação, como Minas Gerais,
Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraná, entre outros (ver DENALDI et
al., 2009).
2 Teoricamente o governo nacional pode participar de um consórcio intermunicipal, desde que a
esfera estadual também participe do arranjo. Evitam-se, assim, problemas de coordenação em
função de articulações diretas entre governos central e local.
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Conforme argumentam Denaldi, Klink e Souza (2009), não há modelo
único de governança. No Quadro 1 seguinte, adaptamos a classificação de
arranjos colaborativos nas áreas metropolitanas de Rodríguez e Oviedo (2001)
para o cenário institucional brasileiro. Analisando esta figura, percebemos que
os consórcios públicos e as regiões metropolitanas somente representam dois
instrumentos dentro de um caleidoscópio mais complexo de arranjos colaborativos existentes nas áreas metropolitanas brasileiras. Classificamos esses
arranjos de acordo com o perfil da articulação governamental (se intermunicipal ou envolvendo várias escalas de poder), e segundo o critério da presença
de atores não governamentais, isto é, se o arranjo é predominantemente
governamental ou se constitui um mecanismo de articulação com presença
importante de atores não governamentais.
Evidentemente, conforme também observam autores como Lefevre
(2008), esses recortes são relativamente aleatórios e incompletos. No caso
brasileiro, outro critério importante se refere ao grau de formalização do
mecanismo de colaboração. Vários arranjos informais podem desempenhar
papel importante no processo de aprendizagem coletiva rumo às formas mais
institucionalizadas de governança metropolitana.
O quadro mostra que pode surgir uma agenda metropolitana mais promissora que aquela proporcionada pelo debate estritamente institucional. Essa
nova agenda seria caracterizada pela busca dos limites e potencialidades no
que tange ao aperfeiçoamento e ampliação dos atuais arranjos colaborativos
imperfeitos (second best) nas áreas metropolitanas, pelo uso dos instrumentos
novos e pela reinvenção dos existentes.
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Quadro 1
Uma classificação de arranjos colaborativos nas áreas metropolitanas brasileiras.
ESCALA DE ATUAÇÃO DO ARRANJO
Arranjo com presença importante
de atores não governamentais
Arranjo predominantemente governamental
OTIPO DE
ARRANJO
ABRANGÊNCIA
DO ARRANJO
ARRANJO GOVERNAMENTAL
DE MÚLTIPLAS ESCALAS
ARRANJO GOVERNAMENTAL
INTERMUNICIPAL
Setorial
Consórcios públicos, convênios, contratos
de gestão, financiamentos e repasse de
recursos voluntários (transporte, habitação, saneamento etc.)
Consórcios de direito privado de
saúde, educação, resíduos sólidos
etc.; consórcios públicos; acordos
e convênios intermunicipais
Territorial
Consórcio público, região metropolitana
(regulamentada de acordo com as constituições estaduais)
Consórcios de direito privado para
planejamento regional, Consórcios públicos
Setorial
Comitê de bacias, câmaras setoriais, conselhos, fundos e fóruns setoriais (SNHIS,
SNHM etc.), grupo gestor setorial, unidades de esgotamento etc.
Agências de desenvolvimento
econômico
Territorial
Câmaras, conselhos e fóruns regionais de
desenvolvimento, grupo gestor de monitoramento e fiscalização de mananciais e
bacias hidrográficas etc.
Agências de reconversão
territorial (*)
(*) Pouca presença no cenário institucional brasileiro.
Colaboração interfederativa no setor habitacional
Na área habitacional, a partir de meados da última década, vários acontecimentos abrem novas perspectivas; entre eles destacam-se a aprovação
do Estatuto da Cidade, a organização institucional do setor habitacional e a
ampliação do atendimento à população de menor renda (BONDUKI, 2009;
BRASIL, 2004).
A aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257, de 10 de junho
de 2001, representa a possibilidade de ampliar o processo de acesso à terra
urbanizada, fazendo com que a mesma cumpra sua função social. A criação
do Ministério das Cidades, a formulação da nova Política Nacional de Habitação (PNH) e do Sistema Nacional de Habitação (SNH) podem contribuir
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para reunir esforços dos três entes federativos (União, Estados e municípios).
Várias iniciativas do governo Lula, entre elas o lançamento do PAC (Plano
de Aceleração do Crescimento), aumentaram a disponibilização de recursos
para habitação.
O investimento na área habitacional foi ampliado com aumento significativo também dos subsídios habitacionais, o que possibilitou ampliação do
atendimento à população de menor renda. Em 2007, no segundo governo Lula,
foi lançado o PAC, objetivando um crescimento econômico de 5% ao ano no
período 2007/2010. O programa foi dividido em três eixos de infraestrutura: (1)
logística, (2) energética, e (3) social e urbana. O terceiro eixo inclui, entre seus
componentes, urbanização de favelas e de assentamentos precários, prevendo
um significativo aumento dos investimentos e ampliação do atendimento.
Foram eleitas para atendimento 12 regiões metropolitanas, as capitais e os
municípios com mais de 150 mil habitantes, selecionando-se 192 propostas que
beneficiam 157 municípios, sendo previsto um investimento em urbanização
de favelas, até 2010, da ordem de RS 8,3 bilhões.
Entretanto, pouco se avançou na direção da construção de uma agenda de
gestão metropolitana. O Estatuto da Cidade não trata da questão metropolitana
e regional. Permanece a dificuldade de articular a elaboração e revisão dos
planos diretores com as estratégias de âmbito regional. Na escala metropolitana
verificamos um padrão de uso e ocupação do solo que fugiu largamente do
controle e da capacidade de mediação dos planos diretores locais. Na prática os
gestores locais não somente se depararam com desafios enormes de aplicar os
novos instrumentos do Estatuto em prol da inclusão socioespacial – principalmente em função da força histórica do capital imobiliário nas cidades brasileiras
–, mas também não se mobilizaram para articulá-los em escala metropolitana.
Consequentemente, na maior parte das áreas metropolitanas verificamos um
verdadeiro caleidoscópio de planos diretores municipais, com nenhum denominador comum em termos de índices urbanísticos, instrumentos utilizados,
metodologias de elaboração e formas de acompanhamento, monitoramento
e adequação (FREITAS, 2007).
O novo desenho institucional, em especial o SNH (Sistema Nacional de
Habitação), não busca uma conexão mais direta com as novas institucionalidades de colaboração interfederativa que surgiram nos últimos anos (e cuja
expressão mais clara é a figura dos consórcios públicos). O PAC priorizou
intervenções de caráter metropolitano, mas não estabeleceu como um de seus
objetivos o fortalecimento das articulações regionais.
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O caráter do PAC requer, em muitos casos, a articulação de municípios e
Estado e, em outros, a articulação entre municípios. Paradoxalmente, a fragilidade dos arranjos institucionais regionais no Brasil impôs a necessidade de o
governo federal (Casa Civil, Ministério das Cidades e CEF) reunir municípios
e Estados para pactuar a definição das prioridades na fase de planejamento
do programa. Coube ao governo federal acompanhar a execução dos projetos
sem contar, na maioria das regiões, com os referidos arranjos regionais que
possibilitariam consolidar os pactos e viabilizar o planejamento e execução
regional desses projetos. Um dos obstáculos institucionais à execução do
PAC é a inexistência de um instrumento de organização e gestão das regiões
metropolitanas.
Para viabilizar essas intervenções, foram criados, no âmbito estadual,
os GGI (Gabinetes de Gestão Integrada) com a participação de representantes do governo federal (CEF, Ministério das Cidades, Secretaria de Assuntos
Federativos), governo estadual e outros tomadores de decisão. Também foi
estimulada a cooperação institucional através dos grupos gestores (ou grupos
de trabalho), que reúnem representantes dos governos municipais e estadual.
Afirma-se que o objetivo principal é o de viabilizar a execução das obras e não
o de fortalecer a articulação regional, mas que esse ambiente de cooperação
poderia ser capaz de gerar instâncias de caráter mais permanente, dependendo
da vontade e força política das lideranças locais e regionais.
O caso da bacia de Beberibe, no Estado de Pernambuco, é um exemplo
de articulação regional apoiada pelo governo federal para viabilizar o PAC.
Em 2008 foi criado o Grupo Gestor da Bacia do Rio Beberibe (GGBB), com
a participação do governo do Estado de Pernambuco, das prefeituras de
Camaragibe, Olinda e Recife e entidades da sociedade civil, 3 tendo como
principal motivação o lançamento do PAC no final de 2007 e a necessidade de
equacionamento das sobreposições de obras e serviços na Bacia. Cada um dos
três municípios da Bacia do Beberibe – Recife, Olinda e Camaragibe –, bem
como o governo do Estado pleiteavam recursos do PAC e, para viabilizar o
projeto, o governo federal solicitou a compatibilização das várias intervenções.
O reconhecimento da sobreposição e fragmentação de ações e agendas e da
necessidade da participação de todos os atores envolvidos no programa de
recuperação da bacia hidrográfica impulsionou a estruturação de um arranjo
3 O Grupo Gestor da Bacia do Rio Beberibe (GGBB) foi oficializado por meio da Portaria Conjunta
nº 013 (26 de agosto de 2008) e pautada por um acordo formal entre o governo do Estado de
Pernambuco, as prefeituras de Camaragibe, Olinda e Recife e entidades da sociedade civil.
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colaborativo interfederativo com participação da sociedade civil. Apesar de
suas vulnerabilidades, o caso da Bacia do Beberibe mostra um processo de
aprendizagem institucional e social.
Em outros casos, projetos desenvolvidos com apoio e participação do governo federal não conseguiram desencadear esforços regionais e aconteceram
à margem dos arranjos regionais, como os casos da Favela Naval, na Região
do Grande ABC, e do Rio do Bugre, na Região da Baixada Santista.
No caso da Favela Naval, localizada na divisa entre as cidades de Diadema
e São Bernardo do Campo, no Grande ABC Paulista e na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), trata-se de uma intervenção integrada que exigia
a colaboração bilateral entre as referidas prefeituras para viabilizar a abertura
de viário regional e promover a urbanização e recuperação da Favela Naval. A
ausência (ou fragilidade) dessa colaboração dificultou e paralisou a execução
do projeto. A partir de 2009 as duas novas administrações municipais estabeleceram um canal de diálogo para que as intervenções viárias e habitacionais
possam ser “casadas” não só espacialmente, mas também no tempo.
No caso da recuperação do Rio do Bugre, que perfaz a divisa entre as
cidades de Santos e São Vicente, fazia-se necessária a articulação desses dois
municípios e do governo do Estado. A ocupação habitacional às margens do rio
e que avança sobre ele em palafitas faz-se em condições de grande insalubridade
e risco para os moradores, degradando o ambiente estuarino. A recuperação
ambiental do Rio do Bugre e dos assentamentos localizados à sua margem
exige ações articuladas e intermunicipais. As intervenções realizadas pelos municípios de Santos e São Vicente no território às margens desse mesmo curso
d’água, em tempos diferentes e adotando metodologias distintas, resultou na
irresolução do problema socioambiental.
As tensões e conflitos entre as cidades de Santos e São Vicente em torno da
política habitacional expõem a fragilidade do arranjo estadualizado das regiões
metropolitanas montado ao longo dos anos 1990. Apesar da existência de um
arranjo de colaboração formalizado por meio da Agência Metropolitana de
Baixada Santista (Agem), a discussão e o planejamento dessa intervenção não
foram pautados por aquele organismo de gestão.
A ausência de colaboração regional dificulta o enfrentamento do déficit
habitacional e a recuperação ambiental dos assentamentos precários e das
áreas ambientalmente sensíveis e, por extensão, da cidade como um todo, o
que certamente contribui para aumentar a segregação socioespacial e reforçar
as desigualdades regionais.
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A ausência de uma estratégia territorial integrada pode comprometer o
equacionamento do problema habitacional. No caso do município de Diadema,
a articulação regional é condição para o equacionamento desse problema. O
município de Diadema, no Grande ABC Paulista, tem densidade demográfica
das mais elevadas do Brasil – cerca de 12.898,3 hab/km². O déficit habitacional
é de 9.499 habitações (IGBE/FJP-2000) e, de acordo com o Plano Municipal
de Habitação de Diadema (2008), o déficit projetado para 2020 é de 18.368
habitações. Não há terra vazia, pública ou privada, adequada para atendimento
desse déficit e a totalidade do estoque de terras disponível pode atender apenas
30% do total. Assim, o déficit habitacional de Diadema terá de ser atendido
em outras cidades da RMSP. O município de Itapecerica da Serra, também na
RMSP, localiza-se integralmente na bacia hidrográfica da Guarapiranga e a
legislação ambiental impõe que a maior parcela de seu território seja preservada para cumprir função ambiental, de forma que parte do déficit habitacional
acumulado (cerca de seis milhões de domicílios) e da demanda demográfica
futura, necessariamente e da mesma forma que no caso de Diadema, terá de
ser atendida em outro município da região.
De forma geral, a política habitacional impõe a necessidade premente de
articulação e governança regional, uma vez que:
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a política urbana praticada por um município pode atrair a demanda de
outro município ou expulsar a população de menor renda para municípios vizinhos;
a dinâmica urbano-regional influencia a formação do preço da terra;
em regiões metropolitanas, expressivo percentual da população mora e
trabalha em diferentes municípios e a solução dos problemas de mobilidade regional relaciona-se à gestão do uso e da ocupação do solo e à
oferta de moradia;
o estoque de terras adequadas para uso habitacional no município pode
não ser suficiente para solucionar o déficit habitacional acumulado e a
demanda demográfica futura e pode requerer que essa demanda seja
atendida em outro município da região;
muitos setores das cidades e/ou assentamentos precários estão inseridos em áreas de mananciais ou em áreas de preservação permanente
(APP),como mangues, rios e córregos, que não coincidem com os limites administrativos de uma cidade;
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muitos projetos de recuperação de assentamentos precários têm interface com projetos viários e de drenagem urbana e requerem definições
regionais.
Governança colaborativa e ação regional no setor urbano-habitacional: um impasse produtivo?
O tema da governança metropolitana voltou à pauta na agenda da política
urbana no Brasil. Entretanto, como mostramos neste ensaio, os avanços ainda
são embrionários e a questão metropolitana continua relativamente à margem
dos grandes debates que pautam o rumo da sociedade brasileira.
O arranjo que norteia a gestão, organização e financiamento das áreas
metropolitanas é muito frágil. Não há um modelo único de governança
metropolitana. Os consórcios públicos (o arranjo mais novo na estrutura de
governança regional-metropolitana) e os arranjos estadualizados das regiões
metropolitanas representam dois exemplos de um conjunto mais amplo de
experiências de articulação interfederativa. Os convênios, contratos de gestão,
comitês de bacias, agências e câmaras de desenvolvimento interfederativas,
entre outros exemplos, são arranjos alternativos (e imperfeitos), cujo funcionamento, limites e potencialidades, com poucas exceções, não são explorados
nas pesquisas sobre governança regional e metropolitana. Por exemplo, é possível vislumbrar processos dinâmicos de aprendizagem social, por meio dos
quais os agentes desenham e executam uma série de programas colaborativos
voltados à execução de serviços de interesse comum, enquanto, ao mesmo
tempo, evoluem na direção de instituições e arranjos colaborativos enraizados
numa cultura metropolitana mais forte.
O debate sobre a coordenação da política habitacional e de urbanização
de assentamentos precários em áreas metropolitanas no Brasil não pode ser
dissociado dessa fragilidade estrutural dos laços de cooperação entre os entes
federativos em geral e da governança metropolitana em particular. Vale lembrar que o caso específico do tema urbano-habitacional se insere no contexto
da autonomização da política habitacional e da descentralização por ausência
(ARRETCH, 1996).
Os avanços mais recentes que ocorreram no setor urbano e habitacional
(aprovação do Estatuto da Cidade, criação do Sistema Nacional de Habitação,
aumento dos investimentos) não desencadearam avanços concretos no que se
refere à articulação de um arranjo mais cooperativo para a política urbano-habitacional nas regiões metropolitanas. Apesar da aprovação do Estatuto da
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Cidade, a dinâmica do mercado imobiliário excludente e especulativo ainda
foge largamente ao controle dos vários planos, normas e diretrizes elaborados
pelo conjunto dos agentes, na maioria das vezes de forma desarticulada, com
o intuito de nortear o desenvolvimento. A estruturação do Sistema Nacional
de Habitação de Interesse Social mobilizou governos locais e estaduais, além
de representantes da sociedade civil, mas não fortaleceu a agenda metropolitana e, na prática, apresenta poucos incentivos para a negociação de arranjos
colaborativos em escala metropolitana. O PAC certamente vai melhorar as
condições de vida das populações mais vulneráveis das regiões metropolitanas, mas (não obstante ser um programa que prioriza intervenções de caráter
metropolitano) não pode ser definido como um “programa metropolitano”
no sentido de induzir um processo de pactuação de uma série de agentes e
setores em torno de uma agenda metropolitana.
Os arranjos colaborativos existentes (consórcios, agências metropolitanas
etc.) não desempenharam papel relevante na operacionalização do PAC, nem
na mobilização de governos municipais em torno da coordenação intermunicipal da política habitacional e urbana.
À luz da análise anterior, quais são as perspectivas para uma governança
colaborativa que beneficie as populações moradoras de assentamentos precários das áreas metropolitanas? Vale primeiramente ressaltar a necessidade
de gerar um arcabouço teórico mais robusto e de produzir análises empíricas
mais detalhadas sobre os limites, os entraves e as potencialidades que cercam
a gama variada de arranjos colaborativos no setor urbano-habitacional. Nesse
sentido, no âmbito da teoria institucional (path dependency/trajetórias e rotas
dependentes) e da teoria política e estruturalista do federalismo (FIORI, 1995;
OLIVEIRA, 1995), poderemos provavelmente gerar hipóteses mais detalhadas
sobre as fragilidades que caracterizam as estruturas de governança nas regiões
metropolitanas brasileiras. Lembramos que existe um verdadeiro caleidoscópio
de arranjos colaborativos imperfeitos, com pontos de entrada diferentes (bacias
hidrográficas, rios, favelas, sistemas de transporte, projetos de infraestrutura
com grande impacto etc.). De acordo com esse prisma, o debate sobre o avanço
na política habitacional de interesse social nas regiões metropolitanas passa
pela questão de como aumentar a eficiência coletiva, o funcionamento e o
controle social desses arranjos incompletos/second best. Não existem respostas fechadas a essa pergunta, mas cabe mencionar algumas hipóteses a serem
exploradas em pesquisas posteriores.
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Em primeiro lugar, a União deveria voltar a desempenhar um papel-chave
nas áreas metropolitanas e induzir e mobilizar os agentes em torno de uma
agenda de ações articuladas. Nesse sentido, destaca-se o tema do financiamento às regiões metropolitanas. Conforme já observado por vários autores
(REZENDE; OLIVEIRA; ARAÚJO, 2007), o cenário é pouco animador, pois
as discussões mais recentes sobre a reforma tributária basicamente ignoraram
as necessidades das regiões metropolitanas. E, para agravar a situação, desde
a última reforma financeira de 1966, o federalismo fiscal evoluiu para um
sistema relativamente rígido, com pouca margem de manobra dos governos
subnacionais nas decisões de alocação dos recursos e com uma estrutura de
transferências intergovernamentais de baixa capacidade de reação às mudanças no ciclo macroeconômico e em seus efeitos espaciais (REZENDE, 2009,
p. 2-3).
Mas, ao mesmo tempo, é inegável que o governo federal deixou de
aproveitar um conjunto de instrumentos financeiros de fomento à pactuação
metropolitana. Por exemplo, o governo poderia lançar mão de uma estratégia
mais agressiva de indução de arranjos colaborativos, integrando atores, escalas e ações, tanto por meio do repasse de recursos voluntários e negociados,
quanto a partir da utilização das carteiras dos bancos de fomento. Outro tema
delicado é a relativa rigidez de acesso dos governos subnacionais aos recursos
nacionais e internacionais. Não somente inexistem mecanismos financeiros
específicos para incentivar o acesso ao crédito de arranjos colaborativos interfederativos em geral, mas também a regulamentação dessa questão para
as novas instituições de governança em particular, como a dos consórcios
públicos, deixou lacunas significativas.4 Em segundo lugar, a atuação da esfera
federal na arena metropolitana não pode acentuar um processo de crescente
esvaziamento do governo estadual no pacto federativo, em geral, e nas suas
atribuições de organizar as áreas metropolitanas, em particular.5 Se, por um
lado, o arranjo cooperativo estadualizado na forma tradicional de regiões
metropolitanas representa certa fragilidade, por outro é preciso reconhecer
o papel-chave reservado à esfera estadual na organização de arranjos colaborativos na área metropolitana. Nesse sentido, e mesmo que timidamente, o
PAC corretamente reforça o papel dos governos estaduais quando estimula
4 Reside aqui uma hipótese importante para verificar a baixa disseminação da figura do consórcio
público.
5 Na época, as polêmicas em torno da aprovação e negociação da lei do consórcio público ilustraram
a preocupação dos governos estaduais com a articulação direta entre União e governos locais.
Ver Dias (2006).
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a criação dos GGIs (Gabinetes de Gestão Integrada). Existem vários instrumentos alternativos para avançar nesse processo de pactuação que reinsira a
esfera estadual na agenda de organização e gestão territorial da área metropolitana. Por exemplo, nas várias áreas temáticas que são de responsabilidade
compartilhada entre os entes federativos, a própria União poderia estimular a
cooperação interfederativa em torno de programas e projetos de reconversão
territorial de grande impacto territorial (portos, ferrovias, estradas, recuperação de bacias, programas de implantação de redes de infraestrutura energética
etc.). Nesse cenário, a reinserção da esfera estadual na agenda metropolitana
surgiria no âmbito de um processo mais complexo e aberto de aprendizagem
institucional e social entre os agentes, cujo contorno não está predefinido, mas
que evoluiria a partir de uma agenda de negociação de conflitos e de execução
de programas concretos.
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270 | Habitação, inclusão social e governança urbana colaborativa
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A governança colaborativa na Região
Metropolitana de Campinas – características,
desafios e contribuições para reflexão1
Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite
O presente trabalho objetiva contribuir para a troca de experiências e
consequente enriquecimento dos conhecimentos elaborados no âmbito do
Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana (NCP),
em especial, as questões tratadas na Mesa-redonda “Governança metropolitana
colaborativa para a inclusão social: lições do Brasil e do Canadá”, realizada em
Belo Horizonte - MG, de 1 a 3 de setembro de 2009.
Voltado à construção de conhecimento compartilhada entre os parceiros
brasileiros e canadenses, o Projeto NCP busca contribuir para o desenvolvimento de mecanismos inter-jurisdicionais que signifiquem avanços no trato
das demandas urbanas críticas encontradas, com ênfase nos assentamentos
humanos precários e com vistas a uma maior e mais efetiva inclusão social.
Embora não compondo o conjunto de regiões representadas pelos municípios signatários – Belo Horizonte, Recife, Fortaleza, Santarém e Santo
André –, a Região Metropolitana de Campinas (RMC), situada no Estado de
São Paulo, foi considerada um objeto de estudo referencial para o aprendizado
colaborativo entre os parceiros do Projeto, no que tange à exploração de temas
relacionados à cooperação entre municípios na gestão metropolitana.
1 A elaboração do presente artigo contou com a colaboração do engenheiro ambiental José Roberto
Cominal, na produção de imagens e pesquisas de dados.
Informações completas sobre o Projeto NPC disponíveis em www.chs.ubc.ca/consortia.
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Dadas as suas particularidades, pressupõe-se que o caso da RMC possibilite o aprofundamento na investigação dos tipos de estruturas e processos
decisórios de governança colaborativa que vêm sendo empreendidos nas regiões metropolitanas brasileiras, principalmente as de recente constituição, e
que promovem de forma mais efetiva a inclusão social das camadas carentes
da população, com especial enfoque nos aspectos de financiamento das ações
e programas, na resolução de conflitos e nos mecanismos de participação da
sociedade civil.
A Região Metropolitana de Campinas: do “pequeno
gigante econômico” à “Região do Conhecimento”
Criada pela Lei Complementar Estadual de São Paulo nº 870, de 18 de
junho de 2000, a Região Metropolitana de Campinas (RMC) é uma unidade
regional composta dos seguintes 19 municípios: Americana, Artur Nogueira,
Campinas, Cosmópolis, Engenheiro Coelho, Holambra, Hortolândia, Indaiatuba, Itatiba, Jaguariúna, Monte Mor, Nova Odessa, Paulínia, Pedreira, Santa
Bárbara d’Oeste, Santo Antônio de Posse, Sumaré, Valinhos e Vinhedo.
Distando 96 km da cidade de São Paulo, capital do Estado e centro da
maior aglomeração urbana do país,2 a RMC tem área territorial de 3.673 km²,
equivalente a 1,5% da área total paulista, e ultrapassou a marca de 2,7 milhões
de habitantes em 2008. Campinas é também o município sede da Região Administrativa de Campinas (RAC), a qual engloba 90 municípios.
Longe de ser homogênea na configuração de seus municípios componentes, a RMC é renomada por possuir alguns indicadores surpreendentes:
seu PIB, por exemplo, equivale a 9,1% do PIB paulista (FUNDAÇÃO SEADE,
2006). Também merece destaque o fato de 13 de seus municípios apresentarem
IDH de nível Alto (quase 70% do conjunto), estando os demais no patamar
de nível Médio.3
2 A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) é formada pela cidade de São Paulo, capital do
Estado, e mais 38 municípios, que ocupam 8.051 km2 do território paulista. Em 2005, a população
da região era de 19.130.455 habitantes, equivalente a 47,9 % da população estadual ou aproximadamente 1/10 da população do país, e a densidade demográfica alcançou 2.376,16 habitantes por
km2. O PIB da região em 2004 foi de R$ 275,1 bilhões, representando 50,3 % do PIB do Estado.
3 Os valores de IDH e respectiva classificação nacional dos 19 municípios da RMC são: Americana
- 0,840 (68º); Artur Nogueira - 0,796 (653º); Campinas - 0,852 (26º); Cosmópolis - 0,799 (585º);
Engenheiro Coelho - 0,792 (773º); Holambra - 0,827 (158º); Hortolândia - 0,790 (807º);
Indaiatuba - 0,829 (143º); Itatiba - 0,828 (155º); Jaguariúna - 0,829 (138º); Monte Mor - 0,783
(982º); Nova Odessa - 0,826 (167º); Paulínia - 0,847 (44º); Pedreira - 0,810 (366º); Santa Bárbara
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Pesquisa recente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan),
que considera variáveis como emprego e renda, educação e saúde, aponta um
índice médio de 0,8664 para a Região Metropolitana de Campinas e inclui 12 de
suas cidades na lista das 100 melhores do país, com Indaiatuba e Jaguariúna na
1ª e na 3ª posições, respectivamente. Outro indicador que sinaliza a particular
condição econômica da RMC é seu PIB per capita elevado, tanto em relação à
média do Estado, quanto comparado com os valores encontrados em outras
regiões metropolitanas ou administrativas paulistas.
Figura 1 – Localização da Região Metropolitana de Campinas (RMC)
D’Oeste - 0,819 (238º); Santo Antonio de Posse - 0,790 (800º); Sumaré - 0,800 (570º); Valinhos
- 0,842 (63º); Vinhedo - 0,857 (15º).
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Por outro lado, internamente, os valores do PIB per capita na metrópole
campineira variam de modo significativo. Tomando-se por base os dados de
2006, vê-se a alternância entre os valores extremos de R$ 104.728,02 (Paulínia) e
R$ 8.792,95 (Artur Nogueira) correspondentes, respectivamente, a mais de oito
vezes e a apenas 2/3 do PIB per capita do Brasil no mesmo período. Observase que, no tocante às condições de emprego e renda, a RMC transita em um
universo misto de distintas realidades a conviver simultaneamente, podendo
as do primeiro grupo ser comparadas àquelas encontradas em países europeus
como Suécia e Dinamarca, e as do segundo grupo, àquelas verificadas em
regiões com sérios problemas econômicos, como Jamaica e Cazaquistão.
Sem dúvida, os elevados indicadores econômicos encontram suporte na
concentração industrial verificada na RMC, considerada a mais expressiva do
interior do Estado de São Paulo, inserindo-se em um vasto território produtivo que compreende as Regiões Metropolitanas de São Paulo e da Baixada
Santista e as Regiões Administrativas de São José dos Campos e Sorocaba, que
respondem por 90% da produção industrial paulista e por 95% dos serviços
do Estado (FUNDAÇÃO SEADE, 2006).
Tais relações geográficas, desenhadas e definidas por dinâmicas sociais e
econômicas que ultrapassam os limites e divisões administrativas dos municípios e da região em si, vêm conduzindo, nas últimas décadas, as leituras territoriais que apontam para a configuração da “Megalópole do Sudeste do Brasil”
(QUEIROGA, 2008), da qual a RMC seria um dos núcleos formadores.
Qualquer análise que se faça sobre a configuração da metrópole campineira não poderá prescindir da consideração de sua característica geográfica
histórica como um grande entroncamento de caminhos. Desde o período
colonial, com a abertura do célebre Caminho de Goiás para acesso às minas
de ouro no interior do país, a região de Campinas vivenciou um processo de
ocupação profundamente marcado pelos fluxos de conexão entre importantes
centros urbanos do país e pela configuração de um polo de produção e trocas
econômicas, seja de bens materiais, seja de riquezas de dimensão menos palpável, como o conhecimento e a inovação tecnológica.
A partir das rotas exploratórias abertas pelos bandeirantes, apropriadas
progressivamente pelas tropas mercantis que nessas faziam seus trajetos e
davam origem a pousos para descanso de homens e animais (onde hoje estão
as cidades existentes), implantaram-se importantes eixos rodoviários e ferroviários que deram origem a uma trama de transporte das mais intensas e de
melhor qualidade verificadas no Brasil, composta por: Rodovia Anhanguera
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(SP330), via estruturadora das regiões de agricultura mais desenvolvidas do
interior de São Paulo e com grande concentração industrial, e principal ligação
do Estado com o Triângulo Mineiro, prosseguindo como rodovia federal até
Brasília e o Centro-Oeste brasileiro; Rodovia Bandeirantes (SP348), eixo de
grande capacidade de tráfego, com quatro pistas de rolamento em cada direção,
que, articulada à Via Anhanguera, faz a conexão capital-interior. Outras quatro
rodovias com pista dupla e duas faixas de rolamento em cada sentido cortam
Campinas ou ali começam, ligando a região ao Rio de Janeiro, Minas Gerais
e ao sul do país, através de Sorocaba, a saber: Rodovia D. Pedro I (SP065),
Rodovia Campinas Mogi-Mirim (SP340), Rodovia Santos Dumont (SP101) e
Rodovia Campinas-Paulínia (intermunicipal).
Complementam a logística da estrutura rodoviária os ramais ferroviários e os dois aeroportos, Amarais e Viracopos, sendo este último o maior
entreposto de importação de cargas por via aérea do país e alvo, atualmente,
de intensas e polêmicas tratativas quanto à sua ampliação para o transporte
de passageiros.
A prevalência do setor industrial na economia (57,06%), seguido pelo setor
de serviços (40,55%) (FUNDAÇÃO SEADE, 2006), pode ser considerada um
fenômeno relativamente recente na RMC, e talvez um ponto de destaque na
diferenciação com a RMSP. A região de Campinas pautou-se, até as primeiras
décadas do século XX, por uma tradição produtiva ligada à agricultura. Apesar
de alguns de seus municípios incorporarem precocemente a produção industrial – caso dos centros têxteis de Americana e Indaiatuba –, a região, que em
suas origens teve uma economia baseada no plantio da cana e na produção
de açúcar, teve grande projeção com o cultivo do café, tendo sido o principal
polo do Estado de São Paulo nesse campo.
Foi somente com a crise cafeeira dos anos 30, acompanhada das mudanças
políticas ocorridas no país, que esse quadro se alterou, com uma evolução da
atividade industrial muito intensa e rápida entre os anos 30 e 60. O crescimento
produtivo foi acompanhado de uma expansão inusitada das áreas urbanizadas,
através da abertura de grandes loteamentos, em geral periféricos e desconectados dos centros já consolidados, desencadeando o panorama de dispersão
urbana que marca o território metropolitano nos dias atuais.
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UBERLÂNDIA
UBERABA
BARRETOS
MINAS GERAIS
FRANCA
BELO HORIZONTE
S. JOSÉ DO RIO
PRETO
RIBEIRÃO PRETO
ARAÇATUBA
BARBACENA
POÇOS DE CALDAS
ARARAQUARA
MARÍLIA
BAURU
SÃO
PAULO
SÃO CARLOS
JUIZ DE FORA
POUSO ALEGRE
ARARAS
MOGI GUAÇU
RIO CLARO
RESENDE
LIMEIRA
PIRACICABA
GUARATINGUETÁ
BOTUCATU
CAMPINAS
TAUBATÉ
INDAIATUBA
SÃO JOSÉ DOS
CAMPOS
JUNDIAÍ
SOROCABA
VOLTA
REDONDA
PETRÓPOLIS
RIO DE
JANEIRO
RIO DE
JANEIRO
NOVA FRIBURGO
MACAÉ
NITEROI
CABO FRIO
SÃO PAULO
SANTOS
PARANÁ
NO
EA
C
O
TICO
ATLÂN
LEGENDA:
- Eixos consolidados
Principais
Secundários
Vetores de expansão
- Principais municípios de referência
Acima de 5000.000 de habitantes
CURITIBA
De 900.000 a 2.500.000 habitantes
N
De 400.001 a 600.000 habitantes
De 250.001 a 400.000 habitantes
0
40
80
120 Km
De 100.000 a 250.000 habitantes
Figura 2 – A Megalópole do Sudeste do Brasil.
Fonte: QUEIROGA, 2008. In: SOUZA, 2008.
A continuidade do movimento de expansão da indústria na região, após os
anos 60, teve forte reflexo no crescimento populacional, que já se manifestava
de modo diferenciado em Campinas desde o início do século passado, com taxas
de crescimento acima da média estadual. Com efeito, a expressão demográfica
do processo de metropolização de Campinas revela aspectos particulares e com
dinâmicas próprias, à parte a evidente influência dos fenômenos incidentes na
RMSP e o histórico das atividades produtivas no contexto estadual.
Análises recentes mais acuradas buscam correlacionar a própria institucionalização da metrópole de Campinas à globalização das economias mundiais, tendo por marco referencial a década de 90. Fruto da metropolização
ocorrida nas duas últimas décadas, pode-se compreender a região como um
“fato metropolitano” dentro de uma totalidade maior, a saber, o fenômeno de
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macrourbanização e metropolização configurado pela difusão e aumento da
densidade técnica presente no território, que se evidencia no Estado a partir
da década de 80.
Integrando uma territorialidade cujo centro gravitacional é a Região
Metropolitana de São Paulo (RMSP), e composta com as RMs de São José dos
Campos e da Baixada Santista, mais o município de Sorocaba a oeste, a região
de Campinas acolheu os estímulos da nova ordem econômica das duas últimas
décadas e respondeu a eles de modo vigoroso, intensificando padrões de desenvolvimento que já lhe eram característicos, e que, dinamizados, tornam-se
traços essenciais para sua configuração como “metrópole globalitária”, bem
como para sua eventual diferenciação em relação às demais aglomerações
urbanas congêneres paulistas.
A observação dos perfis populacionais entre 1940 e 2000 sinaliza uma
diferença importante quanto ao processo de metropolização de Campinas em
relação à RMSP. Embora apresentando tendência de aumento da população
mais intensa do que a do Estado e da própria capital na primeira década, a RMC
evidencia a relação entre seu ciclo de crescimento populacional e o fenômeno
de macrourbanização irradiado pela RMSP a partir de 1970, acompanhado de
um intenso aporte de sistemas de engenharia e infraestruturas.
É fundamental ressaltar que a absorção do extravasamento populacional
da metrópole central paulista não ocorre exatamente em Campinas, mas se
dirige aos municípios circundantes, como Indaiatuba, Santa Bárbara d’Oeste e
Sumaré. A evolução da população urbana, por sua vez, revela que, ao lado de
um decréscimo dos índices de crescimento na capital e na média do Estado, a
metropolização de Campinas intensifica-se a partir de 1980 e mantém o seu
vigor até o presente.
Entretanto, quando se verifica a aceleração do grau de urbanização vivenciado na RMC, diversa da estabilização dos índices para a metrópole da capital,
deduz-se que a ampliação do estoque de terras disponibilizado para o mercado
imobiliário pode estar sendo viabilizada pela extensão dos perímetros urbanos,
agravando o quadro histórico da “urbanização dispersa”, e contribuindo, também, para um preocupante quadro de degradação de áreas ambientalmente
sensíveis e vitais para o desenvolvimento. Evidência nesse sentido é a rarefação
demográfica apresentada pela região: em 2000, a densidade urbana média da
RMC foi de apenas 83 habitantes por hectare.
Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite | 277
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No município sede, Campinas, o mesmo índice foi de 105 habitantes por
hectare, embora se verificassem setores urbanos muito adensados, com mais
de 1.200 habitantes por hectare. A cidade de Campinas, por sua vez, apresentava em seus 100 setores mais densos o índice médio de 445 habitantes por
hectare. Tais dados distanciam-se muito do que se verifica, também em 2000,
para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, igualmente sedes metropolitanas
da região Sudeste, cujas médias para os 100 setores mais adensados foram,
respectivamente, 8.039 e 2.736 habitantes por hectare.
A RMC apresenta, por fim, indicadores particulares e indissociáveis quanto
à produção científica e tecnológica, e é largamente conhecida como “polo de
inovação”. Dotada de um conjunto significativo de centros de pesquisa e de
desenvolvimento tecnológico, alguns dos quais centenários, e de importantes e tradicionais instituições de ensino e de formação profissional, a região
vem acumulando pontos em rankings nacionais e internacionais no campo de
ciência, tecnologia e inovação (C&T&I), tendo sido classificada por estudo
realizado no âmbito do Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento
(PNUD/ONU) e publicado em 2000 pela revista Wired Magazine, em 2000,
como um dos 46 centros de importância tecnológica mundiais (technology hubs),
devido à capacidade empreendedora e ao ambiente de pesquisa e empresarial
que detém, bem como pela disponibilidade de capital de risco.
Como ainda mais um fator a definir o diferencial econômico competitivo
da RMC no contexto das metrópoles paulistas, ressalta-se o seu papel estratégico no setor energético, em especial por sediar o Polo Petroquímico de Paulínia,
onde se situa a Refinaria de Paulínia (Replan) da Petrobrás, maior planta do
gênero do Brasil e uma das maiores da América Latina. No mesmo sentido,
destacam-se os diversos empreendimentos associados ao etanol, sejam nos
limites metropolitanos ou em localidades próximas, como a Dedini Açúcar e
Etanol – Codistil, maior fabricante de destilarias do mundo, situada na cidade
vizinha de Piracicaba. Localizam-se igualmente na RMC as sedes das empresas
Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) e da Elektro, duas das principais
distribuidoras de energia elétrica do país.
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Figura 3 – Aeroportos e principais eixos rodoviários da RMC.
Base: Emplasa, 2009, com complementos da autora.
Tais características do setor produtivo regional têm motivado grande
atração de recursos financeiros, inclusive de origem internacional. Entre 2000 e
2005, foram captados US$ 18 bilhões pelas cidades da RMC, metade dos quais
oriundos do exterior. A inequívoca atratividade da região para negócios e a
interação expressiva entre variáveis econômicas e tecnológicas apresentada
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pelos municípios componentes têm justificado que à metrópole campineira se
atribuam as qualificações “pequeno gigante econômico” e “Região do Conhecimento” que, mesmo corroboradas pelos dados e indicadores, não impedem
que se reproduzam ali grandes deseconomias urbanas, ambientais e sociais,
nos moldes de outras regiões do país de realidades menos promissoras.
O mesmo lado da moeda: economias e
deseconomias metropolitanas
Apesar de sua institucionalização recente, a Região Metropolitana de Campinas tem origem em iniciativas de parlamentares paulistas nos anos 1970 no
Congresso Nacional, embora com pouco apoio dos prefeitos à época. O tema
já encontrava respaldo na conurbação existente entre alguns dos municípios
limítrofes e na utilização integrada de serviços públicos. As décadas seguintes
acentuaram a dinamização dos setores produtivos e o vigor econômico da região, bem como evidenciaram o surgimento de diversos problemas e carências
que motivaram a configuração legal da metrópole.
Documento recente da Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp),
comemorativo de oito anos da constituição da RMC e de cinco anos de sua
criação como órgão gerencial da mesma, apresenta a necessidade de melhoria
dos indicadores sociais e da condição de sustentabilidade do território, apontando os principais desafios a superar:
• Melhor distribuição de renda
ff
dados de 2005 revelaram que 4,2% das famílias da RMC viviam abaixo
da linha da miséria (110,8 mil pessoas), dispondo de menos de um dólar
por dia para as suas necessidades. Foram detectadas, ainda, 623 mil pessoas em estado de pobreza (23% das famílias) vivendo com renda menor
de que um salário mínimo, chegando até mesmo a 1/4 desse valor (Cosmópolis, por exemplo, apresentava 8,8% das famílias nessa condição);
• Melhores condições de moradia
ff
em 2000, segundo dados do IBGE, havia 140,9 mil pessoas morando
em favelas ou ocupações em Campinas, Hortolândia, Santa Bárbara e
Sumaré, ademais de um deficit de 45.196 domicílios associado a um quadro crônico de inadequação das moradias existentes (carência de infraestrutura = mais de 60.000 domicílios; adensamento excessivo = mais
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de 40.000 domicílios; inadequação fundiária = quase 30.000 domicílios;
domicílios sem banheiro = mais de 5.000). O recente Plano Metropolitano de Habitação de Interesse Social confirma a situação e explicita
novos aspectos, com base nas informações prestadas pelos municípios:
90.802 domicílios em assentamentos precários; 76.161 domicílios vagos
e inacessíveis às famílias de renda inferior a três salários mínimos; 56%
da coabitação familiar e domicílios improvisados situados na faixa de
renda de até três salários mínimos (23.521) e 75% (31.598) na faixa de até
cinco salários mínimos;
•Redução dos índices de violência
ff
parte dos municípios da RMC apresentou indicadores alarmantes de
violência urbana, na última década. Hortolândia chegou a figurar na 54ª
posição no ranking dos locais mais violentos do Brasil, condição jamais
atingida por um município paulista;
•Recuperação da cobertura vegetal e de áreas
ambientalmente degradadas
ff
ff
ff
diagnóstico de 2004 (SOS Mata Atlântica/INPE) mostrou o quadro trágico da devastação promovida na RMC: do total de 387,3 mil hectares
de Mata Atlântica original existentes antes de sua urbanização, restavam apenas 12,5 mil hectares, ou seja, 3,14%. Em levantamento recente realizado pelas mesmas instituições, verificou-se perda de mais 28%
do já exíguo patrimônio remanescente do bioma nativo. Dos 12,5 mil
hectares anteriores, restavam em 2008 apenas 8,9 mil;
Racionalização da geração e destinação de resíduos domésticos e industriais
a disposição de resíduos domiciliares e industriais na metrópole campineira é um dos problemas mais críticos, visto não haver áreas disponíveis para tal. Vários municípios enviam seus resíduos para outras
localidades. Paulínia é um dos poucos que possuem aterro licenciado,
sendo o mesmo privado. Apesar do porte de seu parque industrial, a
RMC não dispõe de recursos apropriados para a destinação dos resíduos gerados por esse setor, bem como para aqueles gerados pela
construção civil. A degradação dos fundos de vales urbanos é a prova
mais cabal dessa situação de precariedade sanitária. Apenas a Prefeitura
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de Campinas estima um passivo ambiental da ordem de 1.200.000 m²
no território municipal. Das 1.500 toneladas produzidas diariamente na
RMC, menos de 10% são coletadas de forma seletiva e reintroduzidas
na cadeia produtiva.
Talvez a maior fragilidade da RMC hoje frente ao desenvolvimento futuro
seja a crítica situação dos recursos hídricos. O território metropolitano está
inserido nos limites das bacias dos Rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari, região
conhecida como Bacia do PCJ, e gerida por organismos associativos bastante
consolidados, a saber: o Consórcio Intermunicipal das Bacias dos Rios Piracicaba, Jundiaí e Capivari (1989); o Comitê das Bacias Hidrográficas dos Rios
Piracicaba, Capivari e Jundiaí (1993); e a Fundação Agência das Bacias PCJ
(2009), sucessora da Agência de Água PCJ (2005).
Mesmo possuindo mecanismos de gestão dos recursos hídricos avançados, inclusive a cobrança pelo uso da água, a situação da região é delicada,
e apresenta um quadro evidente de restrição. De acordo com os padrões da
ONU, é considerada crítica a disponibilidade anual de água por habitante –
abaixo de 1.500m³. Na Bacia PCJ, a disponibilidade chega a 400m³/habitante/
ano nos períodos de estiagem (BRASIL, 2007). Os dados de balanço hídrico
na região, considerando-se a reversão feita para abastecimento da RMSP
pelo Sistema Cantareira, revelam uma quase equiparação entre a demanda
e a disponibilidade de água já nos dias atuais: dos 39,69 m³/s referentes às
outorgas registradas no Departamento de Águas e Esgotos do Estado de São
Paulo (DAEE), envolvendo captações superficiais, subterrâneas e efluentes
municipais, 37,95m³ já são utilizados.
O gargalo ambiental tende a ser um dos aspectos mais críticos nas próximas décadas na RMC, ao lado da inclusão efetiva dos contingentes sociais
carentes. E assim, projetos de grande envergadura, que em épocas passadas
seriam implementados sem percalços, hoje encontram resistência na região,
pela ótica da sustentabilidade socioambiental.
Exemplo claro é o da ampliação do Aeroporto de Viracopos para o aumento do fluxo de passageiros, que vem recebendo moções de repúdio de
diversos segmentos sociais. Apesar das reconhecidas vantagens logísticas que
poderão advir do projeto, sua realização tem despertado dúvidas e inquietações
quanto à relação custo-benefício dessa intervenção no tocante à qualidade de
vida da região.
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Evidencia-se cada vez mais a noção de que a importância real de Viracopos para a região deriva da forma como esse grande equipamento, após as
transformações previstas, se inserirá na trama da metrópole: servindo a esta
ou apenas usufruindo de suas economias.
Na primeira possibilidade, evidenciar-se-iam os impactos econômicos
impulsionadores do desenvolvimento (renda auferida por trabalhadores e
empresas; efeitos multiplicadores da renda auferida em atividades aeroportuárias; e impactos econômicos de atividades econômicas ligadas às melhores
condições de acessibilidade ao aeroporto). Na segunda hipótese, prevaleceriam
questões ligadas à busca de maior rentabilidade econômica e menor custo
operacional, ganhando destaque as externalidades negativas provocadas pelas
atividades aeroportuárias (poluição atmosférica, sonora e visual; congestionamentos nas vias de acesso e saída; desapropriações de áreas e edificações no
entorno; possibilidades de acidentes, dentro do aeroporto e nos seus arredores;
alterações no solo, nos recursos hídricos, na fauna, na flora, nas construções
e sítios arqueológicos).
Processo semelhante ocorre mais recentemente relacionado à implantação
do Trem de Alta Velocidade (TAV) e destinado a conectar as cidades do Rio
de Janeiro, São Paulo e Campinas, principalmente, compondo um sistema
multimodal articulado aos aeroportos internacionais das três localidades.
Carregado de conteúdos alvissareiros sobre ganhos econômicos e ambientais
que advirão de sua implementação, o projeto do TAV, de caráter inédito para
a realidade brasileira, desperta já polêmicas quanto à sua efetividade na resolução das demandas reprimidas dos deslocamentos macrometropolitanos, e
particularmente sobre o seu significado no contexto das deseconomias que
esse setor apresenta no seio da RMC, onde a absoluta segregação histórica dos
contingentes populacionais de menor renda em alguns municípios periféricos a
Campinas gerou a consolidação de fluxos pendulares de grande intensidade, em
um substrato físico e infraestrutural visivelmente defasado e insuficiente.
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Gráfico 1 – Demanda x Disponibilidade Hídrica nas Bacias PCJ.
Fonte: CPTI Tecnologia e Desenvolvimento, 2008. Elaborado por: COMINAL, 2009.
Quer seja pela permanência de ideologias das elites econômicas e políticas regionais pautadas pela discriminação das classes menos favorecidas de
renda, quer seja por uma obliteração das metodologias adotadas pela gestão
pública municipal, ou pela ainda recente condução metropolitana da resolução dos problemas, o quadro que se apresenta é a confirmação da separação
entre territórios dotados de todos os recursos desejáveis para uma sociedade
urbana contemporânea, e territórios destinados à mera reposição da força de
trabalho.
Ironicamente, os próprios projetos oficiais, mesmo motivados pelo
empenho na resolução dos problemas, caso elaborados em uma visão pouco
sistêmica e compartilhada, podem acentuar o quadro de desigualdades, mesmo
com aporte de capital intensivo. Potencial exemplo disso na RMC é o projeto
do Corredor Estrutural Rodoviário Metropolitano, com 32,7 km de extensão
prevista, conectando principalmente a cidade de Campinas aos municípios
a noroeste, ou seja, reiterando o comportamento pendular do sistema de
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transportes, em detrimento de um sistema em rede de maior abrangência e
equilíbrio metropolitano.
O Sistema de Gestão Metropolitana de Campinas:
forma e conteúdos
Sobrepondo-se à configuração de sua base físico-territorial-administrativa,
foi iniciada em 2001 a implementação do Sistema Metropolitano de Gestão
da RMC, cuja composição se pode conhecer pelo organograma constante da
Figura 4. Compõem o Conselho de Desenvolvimento (CD-RMC) os prefeitos
dos 19 municípios (ou seus representantes) e, em igual número, representantes
do Estado designados pelo governador de São Paulo. Órgão deliberativo e normativo máximo da RMC, o CD-RMC tem a missão de identificar e conduzir
o processo de discussão e resolução das prioridades de desenvolvimento da
região. Para analisar e realizar os estudos relativos aos temas selecionados,
assessorando o CD-RMC através de seus pareceres e manifestações, constam
do Sistema de Gestão Metropolitano também as Câmaras Temáticas – Segurança Pública, Habitação, Meio Ambiente, Planejamento e Uso do Solo,
Transportes e Sistema Viário, Desenvolvimento Econômico, Saneamento,
Atendimento Social, Educação, Saúde, Agricultura e Cultura – compostas por
técnicos municipais e estaduais.
Na continuidade das ações de constituição do Sistema de Gestão Metropolitana, foi criada em 2003 a Agência Metropolitana de Campinas (Agemcamp),
autarquia estadual cujo Conselho Normativo e Deliberativo é o próprio CDRMC. À Agemcamp cabe a missão de integrar a organização, o planejamento e
as funções públicas de interesse comum da região, através do desenvolvimento
de planos, programas, projetos e ações.
Está também conectada à Agemcamp a Secretaria Executiva do Fundocamp, outro componente do Sistema de Gestão Metropolitana, regulamentado
em 2006 com o objetivo de dar suporte financeiro à realização dos projetos,
programas e obras de interesse regional. Seu fomento é compartilhado pelo
governo estadual e municípios componentes através de um mecanismo de
contribuição que considera aspectos populacionais e de composição da receita municipal em sua ponderação. Em 2009, os recursos do Fundo foram da
ordem de R$ 17.000.000,00, sendo aproximadamente 60% derivados de verba
do Estado e o restante advindo das contribuições municipais.
Finalmente, embora não figurando no conjunto de componentes formais
do Sistema de Gestão Metropolitano, mas surgido de uma necessidade de
representatividade do Poder Legislativo nas ações de abrangência regional,
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cria-se em 2005 o Parlamento Metropolitano, forma como se denominou
publicamente a associação dos presidentes das 19 Câmaras Municipais da
RMC, a qual tem se concentrado na discussão de temas de maior abrangência
como a ampliação do Aeroporto de Viracopos, a elaboração do Plano Diretor
Regional de Trânsito, o projeto do Trem Bandeirantes (trem expresso ligando
São Paulo a Campinas); e questões de apelo direto à atividade parlamentar
dos vereadores, por exemplo, as atribuições do Tribunal de Contas, Lei Geral
das Micro e Pequenas Empresas e Sistema Interlegis (Legislativo integrado
via internet).
Embora com oito anos de vida, a RMC passa a configurar uma instância
decisória efetiva e atuante nas questões de amplitude regional há bem menos
tempo, após a entrada em funcionamento das Câmaras Temáticas e da Agemcamp, e a regulamentação e a definição do Agente Financeiro do Fundocamp,
ou seja, um horizonte temporal de três a cinco anos.
Figura 4 – Organograma do sistema de gestão da região Metropolitana
de campinas.
Fonte: agemcamp, 2008.
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A partir desse período, acontecem ações mais intensivas da RMC no
âmbito da gestão, entre as quais se podem destacar: criação do site da Agemcamp (www.agemcamp.sp.gov.br); lançamento, em 2008, do Portal “Invista
na RMC”, abrigado no mesmo site; a promoção de seminários de capacitação
em gestão pública direcionados aos técnicos municipais; desenvolvimento de
estudos sobre a RMC em parceria com institutos especializados; cooperação
com instituições representativas dos setores econômicos privados da RMC
para a realização de pesquisas e iniciativas de fomento ao desenvolvimento; e
parcerias com organismos públicos que possam contribuir para a efetiva gestão
metropolitana, em particular as secretarias de Estado, cujas ações impactam
sobremaneira o desenvolvimento da região.
Em 2007, são empreendidas duas outras significativas ações de caráter mais
interno. A primeira foi a definição de um Plano Estratégico para a atuação da
Agemcamp, com três principais diretrizes: sustentabilidade econômica e financeira, efetividade da gestão metropolitana, e reconhecimento e legitimidade
pela sociedade, dentro e fora dos limites da RMC. A segunda foi a aprovação,
pelo Conselho de Desenvolvimento, de 14 projetos prioritários para a região,
para o período 2008-2011, qualificados hierarquicamente quanto ao seu nível
de importância – a Agemcamp está operacionalizando o grupo dos nove projetos considerados mais importantes (ver Quadro 1) – e a elaboração da Base
Cartográfica da RMC.
Foram postergados os seguintes projetos: Proteção, Conservação, Recuperação e Controle dos Recursos Hídricos das Bacias Hidrográficas do PCJ
(Piracicaba, Capivari e Jundiaí); Reflorestamento de Matas Ciliares e Áreas
Degradadas; Censo Cultural da RMC; Marketing da RMC; e Programa de
Qualificação Profissional Técnica e Tecnológica. Particularmente, o adiamento
dos dois primeiros causa preocupação frente ao quadro crítico que se apresenta
para os recursos hídricos e o cenário ambiental da região.
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Quadro 1
Projetos prioritários da Região Metropolitana de Campinas – período 2008/2011
Prioridade
Status
1.
Projeto
Sistema de Informação Geográfica (SIG)
0
Aprovado
2.
Sistema Integrado de Organização da Rede de Atenção à Saúde da RMC
1
Em operação
3.
Sistema Integrado de Segurança Pública
2
Aprovado
4.
Programa de Redução dos Acidentes com Vítimas
2
Em conclusão
5.
Avaliação de Impactos Urbanos e Econômicos da Ampliação do Aeroporto de
Viracopos
2
Em conclusão
6.
Projeto Integrado de Gestão de Resíduos Sólidos
3
Em conclusão
7.
Plano Metropolitano de Saneamento
3
Paralisado
8.
Programa Metropolitano de Habitação
3
Em aprovação
Análise da Integração Físico-Tarifária do Corredor Metropolitano
2
Paralisado
-
Em elaboração
9.
10.
Base Cartográfica Metropolitana
Fonte: Agemcamp, 2009.
Com vistas a uma observação mais acurada e à detecção de outras leituras
dos processos adotados e resultados obtidos, como método complementar
de investigação foram realizadas entrevistas, entre maio e julho de 2009, com
alguns interlocutores representantes de organismos e instâncias relacionadas
direta ou indiretamente à gestão metropolitana. O principal objetivo, neste
caso, foi a identificação da eficácia das ações em prol do compartilhamento
de decisões no planejamento, da inclusão social e da participação da sociedade
nas decisões. A síntese das respostas pode ser vista no Quadro 2.
Quadro 2
Síntese das entrevistas sobre a relação Modelo de Gestão
Metropolitana da RMC x Desafios e Demandas
(Continua)
Modelo de Gestão RMC versus Desafios /Demandas Entrevistas com interlocutores locais
Interlocutor
1
2
Seplama/PMC
(Técnico
Municipal)
Área técnica/
Agemcamp
(Técnico
Metropolitano)
Conhece o
Modelo?
Modelo é
eficaz e
inclusivo?
Razões e dificuldades
Sim
Não
Difícil acesso à informação; Ausência de articulação metropolitana
no planejamento urbano e territorial; Competição entre municípios.
Não
Agemcamp é apenas articuladora, não executa ações; Preconceito
quanto à vinculação política estadual; Contratação exclusiva de empresas de direito público para execução de projetos e obras; Ausência de mecanismos de participação da sociedade civil; Ausência de
“consciência metropolitana”, foco em questões específicas do município; Alta rotatividade das equipes técnicas das CTs e Agemcamp.
Vantagens: estrutura mínima ágil; Fundocamp como recurso estratégico para acesso a fontes de financiamento.
Sim
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(Conclusão)
Interlocutor
3
Condema –
Campinas
4
Consultoria
Técnica/
Empresa Paulista
de Planejamento
Metropolitano
S.A. (Emplasa)
5
Conhece o
Modelo?
Dirigente
Entidade/
Fundação Fórum
Campinas (FFC)
Sim
Sim
Sim
Modelo é
eficaz e
inclusivo?
Razões e dificuldades
Não
Pouca qualificação e capacitação dos quadros e dirigentes municipais para a governança colaborativa => atitude parcial e individualista; Executivos municipais refratários a ações compartilhadas;
Desconhecimento da realidade metropolitana; Não reconhecimento
da instância metropolitana de gestão; Ausência de instâncias de
participação da sociedade na gestão metropolitana; Fragmentação
do trabalho técnico pelas Câmaras Temáticas especializadas.
Em termos
Resistência das elites econômicas e políticas a padrões inovadores
dos arranjos urbanos na região; Restrição ao fluxo de informações
sobre a metrópole;
Desigualdade de acesso aos recursos de planejamento entre os municípios; Pouca qualificação e capacitação dos quadros e dirigentes
municipais para a governança colaborativa; Desigualdade social extrema dissimulada por indicadores econômicos.
Não
Rigidez e engessamento dos processos de trabalho da RMC; Agenda
da RMC é política e atrelada ao governo estadual => preconceito e
pouca adesão dos municípios e instituições; Ausência de cumplicidade entre os interlocutores; Fragmentação da ação e do pensamento das instituições e municípios; Estruturas e instâncias de gestão
municipais autocentradas; Falta de agenda comum entre os entes
federativos; Não reconhecimento da instância metropolitana de
gestão; Não identificação da dimensão metropolitana como locus
da vida cotidiana; Projeto de desenvolvimento metropolitano proposto é tecnicista, não tem dimensão humana => necessária maior
ligação com o plano local; Sociedade civil não participa das decisões;
Ausência de articulação social voltada à dimensão metropolitana.
Aspectos positivos: Conteúdo tecnológico e capacidade de gerar
conhecimento da RMC.
“A oportunidade faz a ação”: limites, possibilidades e
contribuições da gestão metropolitana em Campinas
O estudo da Região Metropolitana de Campinas em uma leitura ampla
por meio de diferentes fontes, objetivando-se traçar um raciocínio causal entre
demandas e ações, mesmo à custa de um limitado aprofundamento em aspectos
específicos, revela um panorama marcado por contrastes entre potencialidades
e crises. Pródiga na produção de riquezas econômicas e conhecimento, a RMC
se revela frágil e vulnerável na sustentabilidade de insumos vitais, por exemplo,
a água; poderosa no cômputo monetário do país, mostra-se insuficiente no
provimento universalizado das condições de vida dignas e suficientes para toda
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a sua população; dotada de invejáveis recursos de tecnologia da informação e
de elaboração de conhecimento, reproduz as idiossincrasias da gestão pública
que proliferam pelo país.
Os contrapontos e alternâncias encontrados explicitam, no mínimo, um
contexto de grande complexidade, o qual implica a adoção de modos e meios
inovadores para a tomada de decisões gerenciais. Tarefa nada simples, dada a
variabilidade e a complexidade dos problemas. Que contribuições, portanto,
se podem auferir da análise comparada da recente metrópole campineira com
as demais aglomerações congêneres do país? O que a gestão metropolitana de
Campinas apresenta de particular e de genérico?
Vê-se que na gestão da RMC evidenciam-se questões importantes ainda por equacionar ligadas à estrutura e aos processos de trabalho como: o
estabelecimento de uma base de dados metropolitana, a constituição de um
quadro técnico permanente de gestão metropolitana, a capacitação das equipes
técnicas municipais para a governança colaborativa e a própria elaboração de
um sistema de comunicação aplicado à metrópole. Questões aparentemente
pragmáticas e ligadas a um aperfeiçoamento da capacidade gerencial da nova
dimensão administrativa, mas que traduzem a necessidade e a importância
de se homogeneizar o domínio sobre a realidade metropolitana por parte dos
diversos agentes atuantes.
Obviamente, a gestão metropolitana não é autônoma, tem enraizamento
na conformação político-administrativa da Federação brasileira, e, portanto, há
que responder simultaneamente à esfera clássica da relação Estados-membros/
União Federal, bem como se submete a outras condições particulares do
país, em especial a autonomia municipal na auto-organização administrativa,
legislativa e financeira, assim como às restrições constitucionais para os entes
governamentais superiores mitigarem essa autorregulação dos governos locais
(MACHADO, 2009).
Assim, aspectos que poderiam ser vistos como de caráter estritamente
estrutural e organizacional da gestão técnico-executiva metropolitana em Campinas certamente ficam sujeitos a definições de ordem política e, quando não,
de crivo ideológico-partidário envolvendo Estado e municípios componentes,
por exemplo: a articulação metropolitana dos mecanismos de planejamento,
a integração das políticas públicas em âmbito metropolitano, a configuração
de instâncias de participação da sociedade civil nas decisões de abrangência
metropolitana, o estabelecimento de uma agenda comum entre os entes federativos no território metropolitano e os mecanismos para inclusão e equidade
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social em âmbito metropolitano. Vale mencionar a ênfase dada a tais aspectos
no depoimento de todos os entrevistados.
Outros elementos, entretanto, parecem ainda comparecer no contexto
da gestão da metrópole campineira, os quais transcendem tanto as instâncias
administrativo-gerenciais como as de caráter político-ideológico, apontando
para a direção de uma construção cultural ligada a valores sociais, hábitos e
costumes, e merecedores de especial atenção e avaliação de sua pertinência
técnica. O reconhecimento da territorialidade definida pelos contornos da
região metropolitana, tão diversa física e socialmente, e, além disso, o reconhecimento, também, de uma instância de gestão relacionada a essa nova dimensão
física, aparentam ser aspectos de percepção social ainda incipiente.
Se particulares de Campinas, ou generalizados a outras metrópoles, vale
ressaltar sua provável correlação com processos históricos que merecem uma
observação mais cuidadosa. A ênfase na autonomia municipal propagada nas
últimas duas décadas no Brasil de fato dinamiza a conformação federativa da
organização estatal brasileira, reforçando a noção de partes de natureza própria
e estanques a compor um todo, por definição, fragmentário.
Quaisquer dimensões de regionalização surgem, assim, como contextos
exógenos às situações de relevância na vida cotidiana, mesmo no caso da
metrópole onde as trocas e relações se estabelecem com grande intensidade.
Como pano de fundo ainda, vê-se a influência do federalismo original a reforçar
um comportamento competitivo entre as municipalidades, comportamento
este que, embora vantajoso no sentido de estimular o senso crítico quanto
aos eventuais abusos das instâncias superiores de governo, pode conduzir a
resultados indesejáveis, como o desestímulo à cooperação, a geração de distorções quanto à questão da equidade, e a não adesão às transações federativas
(MACHADO, 2009).
Nessa perspectiva, talvez mais do que os processos formais de organização
político-administrativa, os eventos e fenômenos sociais intensivos próprios da
natureza da metrópole sejam meios mais efetivos e eficazes para uma verdadeira aprendizagem de governança colaborativa.
Caso recente é o episódio da ocupação da gleba às Granjas Coavi (ver
Figura 5) envolvendo três municípios da RMC – Americana, Cosmópolis e Paulínia –, onde se evidenciou claramente uma questão de caráter metropolitano,
ligada aos processos de migração interna na RMC, e que teve como melhor
caminho para sua resolução o encaminhamento do problema ao Conselho de
Desenvolvimento Metropolitano, com mediação técnica da Agemcamp. Vê-se
Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite | 291
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na formulação de alternativas de instrumentos por aplicar para solucionar o
assentamento das famílias – consórcio público, comodato para cooperativa de
moradores, transferência de recursos entre municípios – uma nova postura de
ação, de essência nitidamente colaborativa e com vistas ao compartilhamento
de responsabilidades e direitos, implicando uma predisposição gerencial dos
prefeitos envolvidos distinta do padrão autocentrado característico dos municípios brasileiros.
Por outro lado, não há como negar a permanência ainda desse mesmo
padrão na RMC, com ações e iniciativas dos municípios voltadas a uma leitura
restrita aos seus limites administrativos, desconsiderando-se os problemas da
metrópole e o comprometimento de um futuro comum.
Prova inconteste dessa postura é a inexistente avaliação conjunta das
diretrizes de desenvolvimento contidas nos planos diretores municipais e leis
complementares, os quais, embora recentemente revistos e formulados, já são
objeto de alterações motivadas pelos prognósticos econômicos alvissareiros,
por exemplo, da expansão do sistema de transporte macrorregional (ampliação
do Aeroporto de Viracopos e implantação do trem de alta velocidade intermetropolitano), sem sincronismo locorregional.
Vê-se, portanto, que a metrópole de Campinas apresenta evidente fragilidade no tocante à sustentabilidade ambiental e econômica, na medida em
que inexiste uma gestão urbana integrada dos territórios municipais e uma
integração de políticas públicas, com evidentes sinais de comprometimento dos
recursos naturais e das atividades produtivas tradicionais da região. Questões
de igual natureza provavelmente perpassam as demais regiões metropolitanas
no país e apontam para a premência de um aperfeiçoamento nos mecanismos
de gestão, haja vista a relevância de que se revestem essas aglomerações para
o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, tanto pela força motriz que
representam, como pelo fato de concentrarem parte substancial dos pobres
do país: 14,4 milhões.
Como um microcosmos do imenso universo urbano das metrópoles brasileiras, a Região Metropolitana de Campinas revela claramente a magnitude
do impasse que essas complexas aglomerações significam para a evolução
qualitativa da democracia brasileira, e para cuja resolução se torna fundamental o aprofundamento do conhecimento sobre os modelos de gestão e
sua aplicabilidade às diferentes realidades regionais.
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O papel das Secretarias de Planejamento no
fortalecimento da governança colaborativa
metropolitana: um olhar sobre duas experiências
da Região Metropolitana de Belo Horizonte
Ana Luiza Nabuco
Eugenia Bossi
Maciej John Wojciechowski
O cenário brasileiro atual ainda é escasso em alternativas para tratar
questões metropolitanas. As instituições públicas não têm sido capazes de
criar mecanismos que levem a mudanças estruturais no desenho de municípios inseridos em áreas metropolitanas. A Constituição Federal de 1988
é fortemente responsável por essa situação, uma vez que reforça a autossuficiência das cidades, e, consequentemente, projetos que levam em conta
apenas os territórios municipais, em oposição àqueles que reúnem esforços e
colaboração regionais. Além da elevada complexidade legal, há outros fatores
que dificultam a participação de atores relevantes no processo de governança
metropolitana. Os múltiplos interesses envolvidos, a ausência de estímulos
e as assimetrias intermunicipais dificultam a articulação de uma ação metropolitana concertada.
Algumas experiências com mecanismos distintos de cooperação intermunicipal têm sido levadas a cabo em determinadas regiões metropolitanas brasileiras, ao longo dos últimos anos, com resultados diversos. Em
alguns arranjos para a governança colaborativa na Região Metropolitana
de Belo Horizonte (RMBH), chama a atenção o papel que as Secretarias
Municipais de Planejamento assumem na proposta, desenho e implantação
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dessas experiências. Neste artigo, o apoio dessas secretarias a projetos de
governança metropolitana é visto como condição estratégica para o avanço
da cooperação regional. A partir desse pressuposto, o texto sustenta que a
presença de tais secretarias na coordenação da articulação interinstitucional
metropolitana minimiza os chamados “custos de transação” implícitos em
processos de colaboração interinstitucional.
Para alcançar os objetivos propostos e, ainda, contribuir com a reflexão
sobre as condições que reforçam e agilizam processos de governança metropolitana, este artigo apresenta, na segunda seção, uma brevíssima discussão
teórica do conceito de “custos de transação” e dos fatores que podem induzir
ou inibir a colaboração metropolitana e que estão sob a influência dos gestores
das Secretarias Municipais de Planejamento. A terceira seção discute o papel
que essas secretarias podem assumir para reduzir os custos de transação da
cooperação intermunicipal. Para tanto, aborda dois recentes estudos de caso de
cooperação voluntária da Região Metropolitana de Belo Horizonte: a formação
do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais, de
acordo com a Lei Federal 11.107/05, e a instituição da Rede 10, formada por
municípios limítrofes a Belo Horizonte, que trabalham de forma horizontal
e consensual na busca de soluções para problemas comuns. A quarta seção
conclui com algumas considerações.
Custos de transação
Custos de transação para a governança metropolitana, segundo Machado
(2007), são custos assumidos por atores para a celebração, execução e fiscalização de acordos destinados à gestão integrada desse território. Altos custos
transacionais reduziriam a possibilidade de cooperação regional; baixos custos
de transação a estimulariam.
Os estudos de Machado e de Wojciechowski1 são referência para a análise
feita neste artigo. Partimos do mesmo pressuposto de ambos os autores, de
que os custos de transações metropolitanas são altos no Brasil, o que dificulta
a cooperação intermunicipal. Enquanto Machado (2007) utiliza matriz com
quatro categorias que impactam os custos transacionais – identidade regional,
trajetória de dependência (path dependence), assimetria de forças e instituições
1 Machado analisa o Consórcio do ABC e o arranjo colaborativo recente da Região Metropolitana
de Belo Horizonte. Wojciechowski analisa o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania:
Mulheres das Gerais.
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metropolitanas –, Wojciechowski (2009) trabalha com cinco macrodimensões
da variável “assimetria de forças” – assimetria política, legal, técnica, administrativa e orçamentária – que poderiam induzir ou inibir a colaboração
metropolitana. Neste artigo, discute-se como as Secretarias Municipais de
Planejamento podem atuar sobre a variável assimetria de forças, de modo a
reduzir custos de transação da cooperação metropolitana.
Por assimetria de forças entre entes federados entende-se o desequilíbrio
de poderes dos atores e organizações. De acordo com a base teórica do federalismo, quanto maior o grau de assimetria de forças entre entes federados,
maiores as dificuldades para a cooperação intergovernamental.2 Nesse sentido,
as condições gerais para a articulação entre municípios na RMBH seriam pouco
propícias, dadas as grandes as diferenças entre eles no que tange a contingentes
populacionais, Índice de Desenvolvimento Humano, distribuição de renda e
PIB, entre outras características.
No próximo tópico iremos analisar, ao tratar de dois casos recentes de
cooperação voluntária e intermunicipal na RMBH, como as Secretarias Municipais de Planejamento podem reduzir custos de transação para a colaboração
interinstitucional. Nossa hipótese é de que a coordenação de processos de
governança metropolitana colaborativa por essas secretarias reduz a assimetria
de forças entre os municípios, ao atuar em duas frentes. Em primeiro lugar,
relativiza o grau de assimetria política entre municípios – ou seja, diminui a
possibilidade de eles defenderem posições muito divergentes quanto à relevância de estabelecer pactos regionais cooperativos. Isto ocorreria, por um
lado, por ser maior, entre esses gestores, a orientação pró-diálogo interinstitucional; por outro lado, por eles terem fácil acesso aos respectivos prefeitos,
o que impacta, positivamente, as chances dos municípios de participarem
ativamente de arranjos colaborativos metropolitanos – esses gestores, pela
visão sistêmica da instituição municipal e pela transversalidade das suas ações
(ou atribuições), podem transmitir sua consciência metropolitana aos chefes
de Executivo e transformar a cooperação em um recurso político poderoso
aos propósitos dos atores metropolitanos. Em segundo lugar, a coordenação
por essas secretarias controla as assimetrias orçamentárias – reduz a probabilidade de que diferenças significativas no PIB de cada município sejam um
fator inibidor da colaboração, ao compatibilizar o gasto de cada ente federado
com sua receita municipal.
2 Abrúcio e Soares (2001) sustentam que relações simétricas entre os entes federados facilitam a
cooperação entre eles.
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Estudos de caso
O estudo de dois casos recentes de colaboração intermunicipal, voluntária
e horizontal, na Região Metropolitana de Belo Horizonte – a implementação
do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais e da
Rede 10 – aponta, em princípio, para a existência de incentivos fortes para os
atores desenvolverem a gestão metropolitana, uma vez que foram criados em
um curto espaço de tempo.3 Ambos contam com a participação de Secretarias
Municipais de Planejamento na sua coordenação. Por tal motivo, o papel dessas secretarias e a efetividade de suas ações em reduzir os custos transacionais
desses dois modelos de colaboração intermunicipal serão objeto de análise.
Vale ressaltar que, ao nos referirmos às Secretarias Municipais de Planejamento, adotamos três pressupostos quanto a sua atuação: (i) de que elas são
as responsáveis, em cada município, pelo tema “governança metropolitana”;
(ii) de que têm visão sistêmica das prefeituras; (iii) e de que seus titulares têm
fácil acesso aos chefes do Executivo. Esta é a realidade das principais cidades
da RMBH. Em Belo Horizonte, a Gerência de Desenvolvimento Metropolitano, responsável pela abordagem técnica da questão metropolitana, integra a
Secretaria Municipal Adjunta de Planejamento (Smapl). Ainda, os gestores da
Secretaria de Planejamento representam o Executivo municipal no Conselho
Metropolitano. No caso de Contagem, está também na Secretaria de Planejamento a coordenação dos mecanismos institucionais que envolvem os temas
metropolitanos, incluindo a Rede 10 e a representação oficial do município
no Conselho da Região Metropolitana.
Caso 1:Consórcio Regional de Promoção da Cidadania:
Mulheres das Gerais
A RMBH foi uma das cinco regiões metropolitanas brasileiras escolhidas,
no âmbito do projeto de cooperação bilateral Brasil/Canadá Novos Consórcios
Públicos para Governança Metropolitana (NCP), para implantar consórcio
público com foco na promoção de equidade social e testar os limites, dificuldades e aplicações da Lei dos Consórcios – Lei Federal nº 11.107, de 6 de abril
de 2005. Esse projeto, com duração de quatro anos (2006 a 2010) é financiado
pela Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional (CIDA), dentro do
3 O Consórcio em questão foi legalmente constituído em menos de dois anos. A Rede 10 iniciou
suas atividades em janeiro de 2009 e, menos de um mês depois, apresentou os primeiros resultados
de gestão metropolitana, conforme descrição feita no item 3.2 deste artigo.
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Programa Brasil-Canadá de Intercâmbio de Conhecimentos para a Promoção
da Equidade (Keep). A coordenação do projeto é do Ministério das Cidades.
A Universidade de British Columbia é parceira técnica, dada a sua experiência
em promoção da governança metropolitana.
O método operacional dos arranjos cooperativos entre os entes federados
previstos para esse projeto permitiu às cinco regiões metropolitanas partícipes
definirem quais questões deveriam ser alvo de consorciamento. Os serviços
a serem prestados deveriam ser definidos pela base de prioridades dos tomadores de decisão envolvidos no consórcio, de baixo para cima. A partir desse
arcabouço, o processo de colaboração interinstitucional entre as Prefeituras de
Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará, na Região Metropolitana de Belo
Horizonte, resultou na formação, em março de 2007, de um dos primeiros
consórcios públicos no Brasil, em acordo com a Lei de Consórcios – o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais. O Mapa 1
mostra a localização dos municípios proponentes do Consórcio.
Mapa 1
Fonte: Base cartográfica - GEOMINAS
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Os objetivos principais desse consórcio foram garantir a equidade de
gênero e o combate à violência contra mulheres. Sua estruturação é um
marco relevante, uma vez que significou fortalecer iniciativas multissetoriais
de cooperação entre entes federados, em oposição aos consórcios mais usuais,
relacionados a temas eminentemente urbanos.
A implementação do projeto começou em junho de 2006. Em março de
2007, foi formalmente criada a Unidade de Gestão Local (UGL), para lidar com
os desafios do processo de constituição do Consórcio. A UGL, multidisciplinar,
incluía cerca de 60 representantes, das quatro municipalidades, nomeados por
ato dos respectivos chefes do Poder Executivo, organizados em torno de três
grupos de trabalho, cada um com atribuições específicas: Grupo Técnico
(GT) – multidisciplinar, intersetorial, incluindo representantes de várias secretarias, dada a transversalidade do tema equidade de gênero –, Grupo Jurídico
(GJ) e Grupo Gestor (GG) – titulares das secretarias municipais diretamente
responsáveis por implementar o serviço e da Secretaria de Planejamento ou
de Governo. Esse último grupo era responsável por articulações com outros
atores, como universidades e níveis de governo. Foi criada, ainda, uma Unidade de Gestão Local Intermunicipal (UGLI), com três representantes por
cidade, um para cada grupo de trabalho, selecionados entre os integrantes da
UGL. A UGLI assegurava maior agilidade à colaboração – menor número de
integrantes –, garantida a legitimidade – os integrantes representavam os interesses de cada município e tinham poder de decisão. Convém destacar que os
quatro gestores (GG) integrantes da UGLI eram secretários de Planejamento
ou de Governo.
É fundamental destacar que todas as decisões tomadas pelos gestores
integrantes da UGLI afetas às etapas de implantação desse consórcio, a seguir
brevemente listadas, foram conduzidas por consenso. O voto foi definido como
último recurso, cujo emprego nunca foi necessário. Os gestores integrantes da
UGLI dos quatro municípios primaram pelo estímulo ao consenso, ainda que
algumas definições contivessem alta possibilidade de gerar conflitos de interesses. Entre essas definições, foi estipulada, em 2007, pelo Grupo Gestor da UGLI,
a fórmula para rateio das despesas entre os quatro municípios – participação
da população de cada município na soma da população das quatro cidades –4
e elaborado, pelo Grupo Técnico, um orçamento preliminar do Consórcio. O
Protocolo de Intenções foi elaborado e assinado em 10 de outubro de 2007,
pelos quatro chefes de Executivo, que, em seguida, o enviaram às respectivas
4 Esta variável foi utilizada como proxy do que seria a demanda pelo serviço, por parte de cada
município.
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Câmaras Municipais. Depois de ser amplamente discutido pelas Câmaras Municipais e sociedade civil organizada, o Protocolo foi ratificado e transformado
em lei, resultando na constituição legal do Consórcio. A primeira assembléia
geral, realizada em maio de 2008, elegeu, também por consenso, a prefeita de
Contagem, Marília Campos, presidente do Consórcio e deu início à discussão
da versão preliminar do Estatuto. Durante a segunda assembleia geral, em
setembro de 2008, foi aprovado o Estatuto do Consórcio e o seu orçamento
para 2009, com a posterior inclusão de tais valores nas leis orçamentárias de
2009 dos quatro municípios.
Caso 2: Rede 10
Há, entre várias, duas formas de expor as alterações do arranjo de gestão
(institucional) para os municípios conurbados e não conurbados que compõem
a atual RMBH. Há a linha de evolução legalmente instituída, que avança de
um formato imposto a partir de uma decisão centralizada, até uma construção
aberta e tripartite em 2006. Há também o crescimento numérico dos membros,
que se multiplicaram no momento em que a legislação federal franqueou aos
deputados estaduais a gestão dessa quantidade, período em que o número de
membros aumentou ao sabor de emancipações e interesses políticos.
A RMBH foi criada em 1973 por lei federal,5 durante o regime militar, sob
a égide do planejamento tecnocrático e centralizado. Sua gestão coube, efetivamente, a um Conselho Deliberativo, mas o Estado e a capital (cujos governantes eram indicados) controlavam as decisões. O governo federal municiava
com projetos e recursos. Apesar de certa eficiência administrativa, estavam
excluídos os municípios menores e, evidentemente, a sociedade civil.
A RMBH era constituída por 14 municípios, 9 deles tendo divisas com a
capital. O número permaneceu inalterado por 15 anos, até a redemocratização e a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ainda que a questão
metropolitana não tenha despontado com destaque no processo constituinte,
de caráter fortemente municipalista, no art. 25, §3º, a Carta estabelece que
“os Estados poderão (...) instituir regiões metropolitanas (...) para integrar a
organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse
comum”.
A Constituição Estadual, em 1989, regulamentou novas estruturas institucional e administrativa e a criação de regiões metropolitanas no Estado. A
5 Lei Complementar nº 14, de âmbito federal, que criou as primeiras oito regiões metropolitanas
no país, seguida da Lei Complementar nº 20, que criou a RMRJ.
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Assembleia Metropolitana, ali criada e sem similar constitucional em outro
Estado da federação, refletiu a perspectiva de fortalecer e ampliar a representação dos municípios, em detrimento da representação do Estado. Contudo,
sua atuação foi esvaziada pelos municípios mais relevantes economicamente e
tornou-se inoperante. Independentemente disso, a esfera legislativa implementou sucessivo incremento de municípios, cada vez mais distantes – situados a 60,
80 km do polo – e sem vínculo funcional com ele, ou seja, com a capital. Já na
Carta, eram 18 os membros da RMBH. Em 1993 e 1995, emanciparam-se dois
e quatro municípios, respectivamente, e atingiu-se o número de 24 membros.
Em 1997, eles passaram a ser 26; em 1999, 32; em 2000, 33; e, finalmente, em
2002, 34. Com critérios de incorporação que variavam entre a emancipação
política e os critérios técnicos e os políticos, o número de municípios integrantes da RMBH praticamente dobrou em 12 anos.
A quantidade de integrantes permaneceu inalterada em 2006, quando da
Emenda Constitucional nº 65/2004,6 e a RMBH, sua Assembleia, Conselho
Deliberativo e Agência Metropolitana experimentam suas constituições técnicas, administrativas e institucionais. A representação de Estado, municípios e
sociedade civil é inovadora e desperta interesse político e acadêmico.
Mas o conjunto é heterogêneo e apresenta, conforme Caetano e Rigotti
(2008), distintos graus de integração em relação ao município-polo, Belo Horizonte. O grau de integração varia de Muito Alto (Contagem, Betim, Ibirité,
Ribeirão das Neves, Vespasiano e Santa Luzia, todos, à exceção de Betim, limítrofes) até Baixo e Muito Baixo, para 11 municípios. A relação entre distância
do polo e grau de integração é inevitável.
Se, por um lado, essa conformação resultou num grande número de
municípios com baixo nível de integração à RMBH, por outro, coexiste um
aglomerado urbano metropolitano com alta densidade populacional, grande
concentração de atividades econômicas e de problemas sociais e urbanos, cujos
limites não coincidem com os das jurisdições que o constituem.
Essa situação motivou a discussão e a articulação entre alguns municípios sobre novos mecanismos de governança metropolitana e formas de
cooperação entre governos locais como ferramenta importante na redução
das desigualdades, na melhoria da eficiência econômica e na estruturação e
6 Emenda à constituição estadual que alterou o artigo que estabelece, como a CF88, art. 25,
anteriormente citado, o poder do Estado para instituir regiões metropolitanas. A partir da
Emenda Constitucional nº 65 tem início, em Minas Gerais, o atual momento de dinamismo e
revitalização da RMBH. Disponível em: http://www.urbano.mg.gov.br/images/stories/legis/
emenda_const_65.pdf
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implementação de políticas públicas e ações coletivas para o desenvolvimento
das cidades conurbadas da RMBH.
A partir daí, e cientes de que os benefícios oriundos dessa articulação seriam maiores que os custos de negociar, monitorar e fazer cumprir os contratos
políticos entre os governos, o município de Belo Horizonte, juntamente com
outros nove da Região Metropolitana, constituíram a Rede 10.
Criada em março de 2009, a Rede 10 conta com a participação dos municípios de Belo Horizonte, Contagem, Betim, Brumadinho, Ibirité, Nova Lima,
Sabará, Santa Luzia, Vespasiano e Ribeirão das Neves. Como já mencionado,
à exceção do município de Betim, os demais fazem fronteira com Belo Horizonte, como se vê no Mapa 2. Com aproximadamente 29% de toda a área da
RMBH, concentram-se nessas dez cidades 90% da população metropolitana,
ou seja, 4,5 milhões de habitantes, e 91 % do PIB, o que representa 31% do
PIB do Estado.
Mapa 2
Fonte: Base cartográfica - GEOMINAS
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A Rede 10 tem como filosofia a construção de consenso, a cooperação
pública, o envolvimento e o compromisso de todos os municípios integrantes.
Para formalizá-la, foi proposto e assinado pelos municípios integrantes um
Protocolo de Cooperação. Já na primeira reunião dos prefeitos das dez cidades,
juntamente com os respectivos secretários de Planejamento, foram eleitas as
temáticas de interesse comum que seriam objeto de discussão e proposição
coletiva das cidades, a saber: segurança pública, saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico, emprego e renda, mobilidade urbana e habitação, além
das obras de infraestrutura de interesse metropolitano. Instituíram-se, então,
grupos temáticos com representantes das respectivas áreas de cada município,
com o objetivo de canalizar esforços, compartilhar recursos cognitivos, políticos
e financeiros para propor e encaminhar ações comuns entre os municípios.
Assumindo, desde o início, um papel estratégico na articulação e formação da Rede 10, o município de Belo Horizonte assumiu também a Secretaria
Geral/Executiva da Rede, centralizada no Gabinete do vice-prefeito. Na
reunião de formação, ficou também decidido que, em função, principalmente, da transversalidade da atuação das Secretarias de Planejamento e de sua
visão sistêmica das ações municipais, ficariam sob a responsabilidade dessas
secretarias a coordenação e o acompanhamento dos trabalhos relativos à
Rede 10 nos municípios. A partir de então, foi criado um fórum permanente
de secretários de Planejamento que, além de acompanhar as discussões e os
encaminhamentos dos grupos temáticos, tem promovido a integração entre
os grupos e submetido aos membros integrantes da Rede agendas importantes
para o desenvolvimento das cidades.
Em que pese o pouco tempo de existência da Rede 10, o esforço e o compromisso de todos os envolvidos na sua construção têm contribuído para sua
efetivação e reconhecimento como uma rede de governança colaborativa e
instrumento de governança metropolitana. Os desdobramentos das reuniões
dos grupos temáticos vão desde ações imediatas, como é o caso da saúde, no
enfrentamento à epidemia da dengue e no atendimento da urgência e emergência, até a instituição do Fórum Metropolitano de Administração Tributária, cuja
perspectiva se estende do intercâmbio de informações ao compartilhamento
do sistema de administração de tributos.
A dinâmica dos trabalhos, além de despertar a necessidade de se construir
um Modelo de Gestão da Rede 10, apontou também para a necessidade de
capacitação dos gestores e técnicos nela envolvidos, com vistas a melhorar a
eficiência e eficácia da organização e gestão metropolitana, e para a necessidade
de vinculação das políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva
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regional. A Smapl, inserida num grupo de trabalho interinstitucional cujo
foco é a capacitação nas questões relacionadas à governança metropolitana
colaborativa, propôs ao fórum de secretários de Planejamento a realização
do curso.
A participação da Smapl nesse grupo interinstitucional também abriu a
oportunidade de oferecer o curso para gestores e técnicos da recém-formada
Rede 10. Em parceria com a Smapl e o Gabinete do vice-prefeito de Belo Horizonte, iniciou-se o planejamento do curso sobre governança metropolitana
colaborativa. A proposta do curso foi apresentada e aprovada no começo de
abril durante uma reunião extraordinária com a participação de secretários
de Planejamento dos dez municípios.
O curso teve como objetivos:
1. Elevar o nível de consciência dos gestores municipais, com base nos
conceitos, princípios e metodologias, acerca do novo papel das cidades-região e áreas metropolitanas no contexto nacional;
2. Capacitar profissionais para a governança regional e metropolitana,
buscando melhorar a eficiência e efetividade da organização e gestão
das regiões metropolitanas;
3. Vincular políticas públicas setoriais de interesse local à perspectiva regional;
4. Mapear os processos da colaboração interinstitucional.
Durante o curso, os 60 participantes, representando as diversas áreas da
gestão pública dos dez municípios, foram expostos a oito módulos temáticos
relacionados à questão metropolitana, a saber: cooperação interfederativa,
trajetória histórica da RMBH, aspectos jurídico-administrativos da colaboração, a Lei Federal dos Consórcios Públicos e os desafios postos pelos custos de
transação, participação da sociedade civil em arranjos institucionais regionais
e técnicas de construção de consenso.
Durante o módulo de construção de consenso, os participantes desenvolveram de forma compartilhada a Visão da Rede 10 e a Carta de Princípios da
Colaboração. A construção desses documentos é um exercício fundamental
para perceber a interdependência dos municípios diante dos desafios da região
metropolitana, e, portanto, para estimular o diálogo e as ações compartilhadas visando a um futuro melhor e sustentável. Esse processo faz frente à
tendência a um pragmatismo imediatista, frequentemente levado pela ânsia
de produzir resultados, mas que inevitavelmente sofre de uma participação
reduzida da população, não é capaz de beneficiar a totalidade dos municípios
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e, portanto, eleva os custos de transação e os conflitos inerentes. Para escapar
a essa armadilha, é fundamental incrementar a iniciativa compartilhada: os
municípios se associam pela consciência da corresponsabilidade, concebendo
a cidade metropolitana como uma coisa sua – ou também sua.
É importante ressaltar que, durante o processo de pactuação da Visão
e da Carta de Princípios da Colaboração, um dos princípios adotados pelos
participantes era o da não exclusividade da Rede 10 com relação aos diversos
municípios que a compõem. A Rede 10 foi interpretada como uma iniciativa
descentralizada e cooperativa, de baixo para cima, visando à melhoria da RMBH
como um todo. Essa postura é evidenciada em ambos os documentos:
Visão da Rede 10
Uma instância de governança metropolitana colaborativa, interinstitucional,
que promova a tomada de decisões consensuadas para promoção da qualidade
de vida dos cidadãos da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Carta de Princípios da Colaboração
1) Promoção da governança metropolitana compartilhada.
2) Compromisso de compartilhamento de informações e experiências
entre os municípios da RMBH.
3) Reconhecimento da interdependência entre os municípios da
RMBH.
4) Respeito à autonomia e às diversidades dos municípios.
5) Promoção da participação democrática dos municípios da RMBH.
6) Integração das políticas públicas locais para a potencialização dos
resultados regionais.
7) Promoção da solidariedade e cooperação entre os municípios da
RMBH.
8) Garantia de publicização e transparência das ações compartilhadas.
9) Garantia da continuidade dos compromissos assumidos pelos municípios da Rede.
10)Planejamento de ações dentro de uma visão metropolitana.
11) Colaboração entre os municípios com os diversos agentes e atores
envolvidos com temas da RMBH.
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Construção da proposta do modelo de gestão
da Rede 10
Logo em seguida, o Projeto Governança foi convidado, pela Smapl e pelo
Gabinete do vice-prefeito, a construir um primeiro esboço gerencial da Rede
10, aproveitando o know-how acumulado durante o planejamento, elaboração
e implementação interinstitucional do Consórcio Regional de Promoção da
Cidadania: Mulheres das Gerais, em especial as experiências da UGLI e da
UGL que coordenaram os trabalhos na formulação do Consórcio durante os
últimos três anos (2006-2009). Essa construção conjunta se deu durante três
reuniões realizadas no começo de junho com os representantes da Prefeitura
de Belo Horizonte envolvidos nas discussões e trabalhos.
Durante as reuniões, foi feito um levantamento dos avanços e das dificuldades que atingiam o funcionamento dos oito Grupos de Trabalho Temáticos
formados por integrantes das dez prefeituras. As complexidades temáticas
não foram levantadas, na tentativa de priorizar a construção colaborativa do
arcabouço interinstitucional. O desenho institucional foi norteado por três
princípios: (i) representatividade na composição do arranjo interinstitucional;
(ii) legitimidade da tomada de decisões em todos os níveis de atuação e; (iii)
agilidade institucional. Esses princípios foram o pano de fundo para a construção da proposta do modelo de gestão da Rede, visando, como espinha dorsal,
à construção de consenso.
O seguinte diagrama ilustra a esquematização organizacional proposta
para promover o diálogo interinstitucional, a horizontalização dos fluxos de
informação e a elaboração de ações compartilhadas:
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Assembleia Geral/Prefeitos M1…M10
Colegiado de Secretários de Planejamento
•
Alinhamento estratégico de metas e objs.
•
Priorização das ações e “agenda setting”
Colegiado de Secretários de Plan.
Núcleo Estratégico e Operacional
•
Equipe conjunta (Smapl e Gabinete do Vice)
•
Todas ações de com. e disseminação
•
Responsável pelo planejamento de eventos e
realização (interação com Assess. de Com.)
•
Mantém a horizontalização da informação
•
Não interfere na elaboração de propostas, mas zela
continuamente pela construção de consenso
Núcleo
Estratégico e
Operacional
T1
T2
T8
T7
Grupo Gestor Intermunicipal
T6
T3
T4
T5
Observátorio do Milênio /
PBH
Assembleia Geral
•
Responsável pelo alinhamento político
•
Sustenta a visão da colaboração interinst.
•
Negocia politicamente com Estado e União
Grupo Gestor Intermunicipal
•
Composto pelos coordenadores dos oito grupos
temáticos (Secretários Municipais)
•
Responsável pela interação e integração dos grupos
(planejamento transversal e holístico)
•
Grupo multidisciplinar que sugere agenda e elabora
propostas, projetos e ações de intervenção
metropolitana
•
Constrói canais de interação com soc. civil.
•
Opera com agenda sistemática de reuniões
Observatório do Milênio / PBH
•
Apoia na tomada de decisões sobre ações
metropolitanas por meio de indicadores IN voltados
para os ODM
Modelo organizacional, perfil e responsabilidades
O papel das Secretarias de Planejamento na
cooperação intermunicipal
Tendo em vista os pressupostos de que os custos de transação são inversamente proporcionais aos avanços em processos de colaboração intermunicipal
(MACHADO, 2007; WOJCIECHOWSKI, 2009) e, ainda, de que existem incentivos fortes para a cooperação metropolitana nos dois modelos voluntários sob
análise, é fundamental avaliar quais características controláveis permitiram a
redução dos referidos custos. Considerando que, nos dois modelos, o núcleo
de coordenação da proposta de colaboração metropolitana estava a cargo das
Secretarias Municipais de Planejamento, conforme explicitado na descrição
feita nos Casos 1 e 2, e que o envolvimento dessas secretarias aparece como
uma das sete7 variáveis elencadas pelos membros da UGL como estimuladoras
7 As outras seis foram: preexistência de parcerias e relações entre as quatro cidades, especialmente
em relação ao tema equidade de gênero; participação, desde o princípio, do grupo jurídico no
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da formação do Consórcio Mulheres das Gerais, vamos explorar alguns possíveis mecanismos de atuação dessas secretarias que teriam colaborado para
a redução dos custos transacionais.
Redimensionamento do valor da
cooperação metropolitana
Tanto a Prefeitura de Belo Horizonte como o Governo do Estado de
Minas Gerais têm estado, ao longo dos últimos anos, ativamente envolvidos
na criação de mecanismos de colaboração interinstitucional para a RMBH.
Exemplos desses esforços são as Leis Estaduais Complementares nº 88 e nº
89, de 12/1/2006, que criam organismos políticos e técnicos voltados para a
construção de planos e políticas para a RMBH (quais sejam, o Conselho, a
Assembleia e a Agência Metropolitanos); a atual elaboração do Plano Diretor
de Desenvolvimento Integrado para a RMBH; propostas pró-desenvolvimento
metropolitano nos planos de governo para as eleições ao Governo do Estado,
em 2002, e para a Prefeitura de Belo Horizonte em 2004 e 2008; a criação de
órgãos específicos para lidar com assuntos urbanos e metropolitanos, tanto na
Prefeitura de Belo Horizonte (Gerência de Desenvolvimento Metropolitano,
vinculada à Secretaria Adjunta de Planejamento) como no Estado (Secretaria
de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana); e a criação de
um órgão intermunicipal que congrega dez municípios do entorno de Belo
Horizonte (Rede 10) para tratar de temas urbanos e metropolitanos de forma
conjunta e colaborativa.
Essa atmosfera política propícia para a colaboração interinstitucional
transforma alguns dos municípios da RMBH em atores ativamente envolvidos
com o desafio de construir políticas públicas de âmbito regional. Os gestores
das Secretarias Municipais de Planejamento têm sido, na maior parte dos
casos, nomeados pelos prefeitos como seus representantes nas instituições
metropolitanas recém-criadas, assumindo o papel de atores metropolitanos e
decidindo contra transações metropolitanas ou a favor delas. Essa integração
e articulação das Secretarias Municipais de Planejamento com entes governamentais e administrativos afetos à gestão metropolitana fazem com que seus
processo de formação do consórcio; definição do consenso como mecanismo de tomada de
decisão, de modo a manter a horizontalidade na relação intermunicipal de poder horizontal;
promoção da horizontalidade na colaboração intermunicipal, por parte do Núcleo de Coordenação; compromisso do grupo técnico com o tema equidade de gênero e proximidade com o
movimento feminista; natureza holística das políticas de gênero.
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gestores percebam novas vantagens na gestão metropolitana, resultando na
maior valorização da cooperação metropolitana ou, em outras palavras, reduzindo os custos políticos dessas transações. A participação dessas secretarias
favorece a compreensão da necessidade da atuação conjunta dos municípios,
Estado e União no planejamento metropolitano e o comprometimento de
lideranças locais com sistemas de governança cooperativos. Esse cenário facilita a implementação do Consórcio Mulheres das Gerais e da Rede 10, assim
como de outros arranjos colaborativos.
Fortalecimento do diálogo intermunicipal
A ausência de instituições e regras claras para mediar conflitos metropolitanos tem impactos negativos na confiança dos atores metropolitanos em
relação a seus pares, o que aumenta os custos destas transações (MACHADO,
2007). Nesse sentido, um dos pré-requisitos ao processo de governança metropolitana colaborativa voluntária é a capacidade para debate, articulação
e negociação política. Nos dois modelos de colaboração intermunicipal sob
análise, as Secretarias Municipais de Planejamento atuam como facilitadores,
especialmente em situações de conflito.
Os dois modelos empregam o consenso8 como mecanismo para tomada de
decisões coletivas e resolução de conflitos. O que se constata é que o consenso
reduz as assimetrias de poder existentes entre os municípios – particularmente
as assimetrias políticas – e, dessa forma, diminui os custos de transação e fortalece o espírito de cooperação e confiança entre os governos locais.
Enquanto as secretarias municipais diretamente responsáveis por implementar o serviço objeto de cooperação têm como objetivo, ao participar da
Rede 10 ou do Consórcio Mulheres das Gerais, concretizar a prestação do
serviço através da gestão intermunicipal, as Secretarias Municipais de Planejamento têm, entre seus objetivos, também, o aprendizado metodológico de
como facilitar a gestão metropolitana – seja através de um consórcio público,
seja através do trabalho em rede de governos locais. Esse método poderá facilitar arranjos cooperativos regionais que abranjam os mais diversos serviços.
Isto representa uma nova vantagem do processo de cooperação metropolitana,
percebida pelas Secretarias Municipais de Planejamento: a maior valorização,
8 Em processos que empregam o consenso como modelo para tomada de decisões, o voto não é
entendido como instrumento máximo de democracia, mas sim como de vitória de grupo majoritário, sendo usado apenas como último recurso.
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por parte dos gestores, da cooperação metropolitana permite que vigore, entre
eles, o espírito de reforçar os laços intermunicipais de confiança e minimizar
fontes de conflitos potenciais nas relações assimétricas entre os municípios,
que poderiam inviabilizar a cooperação. No caso do Consórcio Mulheres das
Gerais, exemplo relevante é a definição de peso de voto igualitário para os quatro municípios partícipes, em vez de relacionar esse peso ao poder econômico
de cada ente federado (defendido até mesmo pela Secretaria de Planejamento
de Belo Horizonte). O trabalho da Rede 10, igualmente, implica associação
não hierárquica, já que todos os membros têm o mesmo peso para decidir e
oportunidade para trabalhar como iguais, sem imposição de pontos de vista de
um grupo sobre outro. O resultado é a garantia de horizontalidade e equidade
na dinâmica do poder.
Para fortalecer a capacidade dialógica, os atores metropolitanos envolvidos
nos dois modelos sob análise foram capacitados em técnicas de construção de
consenso. No caso do Consórcio Mulheres das Gerais, foi organizado, pelo
projeto NPC, workshop com especialista no tema.9 O Consórcio Mulheres das
Gerais empregou o consenso para a tomada de todas as decisões e resolução
de conflitos. O primeiro esforço para construção de consenso dos entes consorciados foi a elaboração e assinatura, pela Unidade Intermunicipal de Gestão
Local, da Carta de Princípios composta de oito itens. O consenso também foi
particularmente relevante para a elaboração e assinatura do Protocolo de Intenções, uma vez que várias cláusulas desse documento pressupunham que os
municípios tomassem decisões orçamentárias e administrativas. O consenso foi
empregado ainda para resolver conflitos de interesses intermunicipais afetos ao
contrato de rateio,10 ao convênio de cessão de funcionários e ao Estatuto. Para
fortalecer o consenso em torno da constituição legal do Consórcio, promoveu-se ampla discussão do Protocolo de Intenções com vereadores e sociedade
civil organizada, o que facilitou sua ratificação e transformação em lei. No
caso da Rede 10, promoveu-se, entre maio e junho de 2009, a capacitação de
70 servidores dos dez municípios em governança metropolitana, trabalho em
rede e cooperação horizontal, em curso de extensão oferecido pela UBC e PUC
Minas. Tal capacitação resultou na elaboração de uma Carta de Princípios e
Protocolo de Intenções para formalização do trabalho cooperativo da Rede
10, a serem assinados pelos prefeitos das dez cidades partícipes.
9 David Marshall, Bacia do Rio Fraser / Canadá.
10 O contrato de rateio, elaborado anualmente, visa contratualizar as contribuições de cada consorciado para cobrir as despesas do Consórcio.
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Fomento a mecanismos de governança metropolitana
de baixo para cima
Arranjos interinstitucionais definidos de cima para baixo tendem a gerar
baixa adesão voluntária por parte dos entes federados municipais, uma vez
que os serviços a serem prestados de forma colaborativa não foram definidos
pela base de prioridades dos governos locais. A identificação dos objetivos de
interesse comum, feita de baixo para cima, reduz a resistência à cooperação
por parte dos entes federados.
Tanto as Secretarias Municipais de Planejamento como as de Governo
são transversais e incorporam visão sistêmica da instituição municipal, dos
interesses e dos problemas municipais, característica fundamental para identificar macrointeresses comuns aos entes consorciados. A visão administrativa
global do gestor público, com conhecimento das potencialidades e limitações
municipais, facilita a colaboração eficiente.
Fortalecimento institucional da cooperação intermunicipal
Entre os fatores que influem negativamente no desempenho de políticas
públicas, inclusive as intermunicipais, está a fragilidade nas articulações intersetoriais dentro dos governos. A presença das Secretarias de Planejamento na
Rede 10 e no Consórcio Mulheres das Gerais garante a transversalidade do
tratamento dos serviços consorciados, através do envolvimento de todos os
órgãos municipais. A existência de um órgão responsável pela interlocução
e articulação com as diversas instâncias de governo envolvidas nos projetos
de colaboração intermunicipal fortalece institucionalmente os projetos de
governança metropolitana.
Transformação da gestão regional em recurso político
Do ponto de vista racional, colaborar com governos metropolitanos
pode ser um problema sob a estrita lógica da carreira do chefe do Executivo
municipal. A perda potencial do controle de recursos críticos relacionados
à gestão municipal pode atuar como inibidor da simpatia dos líderes locais
em relação à governança metropolitana. É possível supor que, aos olhos dos
atores políticos locais, transações metropolitanas que impliquem perda de
autonomia na condução de políticas públicas de interesse supramunicipal
tragam prejuízos financeiros e políticos. Sai caro ao ator político perder o
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controle do processo de definição de prioridades e investimentos no território municipal. Dividir o controle da definição de políticas públicas com uma
instância regional pode ser uma ameaça ao poder dos governos locais. Líderes
políticos locais, estaduais e federais que percebem a si e às suas organizações
como perdedores nas transações metropolitanas, em função da estrutura de
incentivos à gestão metropolitana deficiente, tenderão a atuar no sentido de
bloquear a cooperação. O engajamento desses líderes com a gestão regional
tende a ser proporcional aos cálculos de ganhos e perdas que estes continuamente realizam, e as assimetrias políticas são bastante significativas. Nesse
sentido, percepções dos atores – certas ou erradas – são as fontes básicas de
suas decisões (NORTH, 1993, p. 105-111).
Os gestores das Secretarias de Planejamento podem transmitir suas
percepções, transformar o recurso da cooperação em um recurso político
poderoso aos propósitos pessoais dos atores metropolitanos. Por um lado, a
presença de secretários de Planejamento na UGLI do Consórcio Mulheres das
Gerais e no Fórum Permanente da Rede 10 garante canal direto e fácil com
chefes de Executivo, reduzindo a burocracia, aumentando a visibilidade dos
projetos e garantindo legitimidade e agilidade à cooperação. Por outro lado,
esses secretários podem sensibilizar os prefeitos, convencendo-os dos ganhos
de participar de arranjos metropolitanos. Podem, até mesmo, criar instituições
capazes de gerar líderes que se beneficiem da agenda metropolitana, aumentando os ganhos percebidos da governança colaborativa.
Fortalecer as capacidades institucionais de cada governo municipal, relacionadas aos âmbitos político, programático e operacional, também se torna
uma necessidade. Para reduzir os custos do trabalho colaborativo, existentes
e percebidos pelos atores envolvidos, é necessário estimular o aprendizado
social da governança metropolitana, sensibilizar e capacitar atores (KLINK,
2003). Cooperação eficiente pressupõe conhecimento da legislação e de seus
entraves, capacidade administrativa dialógica, bem como consciência das
responsabilidades decorrentes de escolhas, ainda que participativas, realizadas
pela Administração Pública.
Nesse sentido, podemos observar o papel das Secretarias de Planejamento
na redução das assimetrias em dois níveis distintos: (i) assimetria política; e (ii)
assimetria técnica e administrativa:
Assimetria política
ff
Identidade regional: protagonismo político para alguns políticos que
percebem a relevância do comprometimento entre lideranças locais
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com sistemas de governança mais cooperativos e menos fragmentados
para alinhavar melhores condições de competitividade no mercado global. Nessa perspectiva, os autores dessa corrente se debruçam sobre o
crescente protagonismo das regiões no processo de reestruturação produtiva desencadeado pela globalização.
Assimetria técnica e administrativa
ff
Compartilhamento de recursos técnicos: a criação das UGLs e da
UGLI fortaleceram o trabalho colaborativo. Os recursos humanos das
unidades foram treinados e acompanhados na construção de consenso
por meio da horizontalização da informação, conscientização da interdependência e construção do diálogo.
É importante reforçar a importância da capacidade institucional de
elaboração de diagnósticos, instrumentos de planejamento e qualificação de
servidores, como os exemplos a seguir:
1. Compartilhar estudos e diagnósticos sobre impactos de empreendimentos
públicos e privados de alcance metropolitano. É o caso do estudo elaborado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pelo Instituto
de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), contratado pela PBH. O estudo trata
dos impactos de inúmeros empreendimentos no vetor norte da RMBH
(Parque Tecnológico, Linha Verde, Centro Administrativo do Governo de
Minas Gerais etc.) e de como os poderes locais podem mitigar seus efeitos
negativos e maximizar os positivos. O compartilhamento desses resultados
implica maior eficiência e economia do gasto público, uma vez que os
resultados passam a ser de domínio e de uso de todos. O estudo custou à
Prefeitura de Belo Horizonte 470 mil reais.
2. Propor a expansão para atuação metropolitana de produção de indicadores
para diagnóstico e monitoramento:
a) Compartilhar acesso a cálculo de indicadores intraurbanos: é o caso do
Índice de Qualidade de Vida Urbana (IQVU), cuja metodologia e software
a Prefeitura de Belo Horizonte pode disponibilizar para todas as cidades
interessadas e que permitirá aos municípios sofisticar o monitoramento
de suas políticas públicas e planejamento de ações.
b) Aproximar a gestão local dos dez municípios das instâncias de produção de conhecimentos e dados, através da adesão de novas cidades ao
Observatório Urbano, cujo objetivo principal é produzir informação e
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conhecimento sobre a realidade econômica, social e urbana das cidades da RMBH, além de monitorar os resultados de políticas públicas.
A inserção das cidades da Rede 10 no Observatório permite aproveitar
todo o avanço das articulações institucionais já conquistadas e da sua
operacionalização técnica e metodológica. Vários dos parceiros já atuam
em nível metropolitano (Fundação João Pinheiro, Observatório Urbano, Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional de Minas
Gerais).
c) Publicar o 2º número da Revista do Observatório sobre o tema governança metropolitana.
3. Capacitar os gestores e quadros técnicos municipais sobre governança
metropolitana colaborativa:
a) Estimular a construção de consenso em contextos institucionais desfavoráveis abordando os desafios metropolitanos de forma intermunicipal.
b) Inserir os atores institucionais em um processo de aprendizagem e
aproximá-los para desenvolver laços de confiança.
c) Focar na participação da sociedade civil organizada como elo crítico
para sustentabilidade do diálogo e da ação metropolitana.
Considerações finais
As Secretarias Municipais de Planejamento podem ter atuação relevante
na redução das assimetrias políticas e orçamentárias: Cada um desses três
grupos da UGL assumiu tarefas específicas, o que permitiu a Wojciechowski
(2009) relacionar suas respectivas atuações com as variáveis que afetariam, na
visão desse autor, os custos transacionais de implantar o Consórcio: a UGL
teria atuado sobre as assimetrias políticas e orçamentárias; o Grupo Técnico,
sobre as assimetrias administrativas e técnicas; e o Grupo Jurídico, sobre as
assimetrias legais.
Não há como avaliar se os custos de transação permanecerão baixos para
a gestão voluntária, de modo a permitir a ampliação das áreas de atuação dos
arranjos horizontais. Historicamente, a priorização da questão metropolitana
pelos entes federativos flutua em ciclos, acompanhando o fluxo das percepções coletivas dos custos de transação. Portanto, as Secretarias Municipais
de Planejamento têm um papel fundamental em induzir coalizões de atores
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pró-gestão metropolitana Isto altera a trajetória futura da região, facilitando,
em tese, os arranjos metropolitanos.
Inevitavelmente, com a atuação proposta, as Secretarias de Planejamento
têm a capacidade de alterar a identidade regional futura/ path dependence futura da RMBH, ou seja, a capacidade de criar e fortalecer identidade regional
onde não havia. Hoje, há identidade regional entre os quatro municípios do
Consórcio Mulheres das Gerais sobre o tema de equidade social. Essa construção coletiva poderá facilitar a criação de outros arranjos cooperativos na
RMBH.
Referências
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GARSON, Sol. Regiões metropolitanas: por que não cooperam? Rio de Janeiro: Letra
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MACHADO, Gustavo Gomes; SOUKI, Lea Guimarães; PIMENTA de FARIA, Carlos
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inovação institucional e participação social na Região Metropolitana de Belo Horizonte. In: XIII Congresso Brasileiro de Sociologia Recife, UFPE, 29 de maio a 1 de
junho de 2007, GT 02: Cidades e processos sociais.
MACHADO, Gustavo Gomes (2007). Custos de transação na gestão da Região Metropolitana de Belo Horizonte e no Consórcio do Grande ABC – os modelos compulsório e
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voluntário comparados. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais), Pontifícia
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TREVAS, Vicente y Plá. A lei dos consórcios públicos como um novo instrumento
de fortalecimento da federação brasileira. Revista da Administração Municipal. Ibam.
n. 254, p. 7-14, jul./ago. 2005.
WOJCIECHOWSKI, Maciej John. Inter-institutional mechanism for collaborative
governance: a case study of the local management group in the formation of the
regional consortium: Mulheres das Gerais. In: XXVIII LATIN AMERICAN STUDIES
ASSOCIATION (LASA) INTERNATIONAL CONGRESS, Rio de Janeiro, Brazil, 2009,
p.11-14. Disponível em: www.chs.ubc.ba/consortia/events.
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Experiência de aplicação da Lei de Consórcios
Públicos no município de Belo Horizonte:
o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania –
“Mulheres das Gerais”
Marina Esteves Lopes
Na estrutura da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), o município foi
reconhecido como ente federado, com grande aumento de suas competências
e responsabilidades, através de intensa descentralização de políticas públicas,
pelo fortalecimento do poder local e por mecanismos (pouco) coordenados
de relação vertical e horizontal entre os demais entes federativos. Ao mesmo
tempo, a ausência de políticas de desenvolvimento regional acentuou as
desigualdades locais e regionais observadas historicamente no país. Ocorre que
muitos municípios não têm condições técnicas ou financeiras para, sozinhos,
executarem as competências que lhes são atribuídas.
Nas regiões metropolitanas a situação é agravada pela característica da
ocupação, que faz com que os problemas de um município afetem diretamente o município vizinho, não sendo possível pensar em soluções realmente
eficazes e permanentes que não passem por uma ação regional. Mesmo um
município rico, com alta capacidade técnica e política para atuar, não consegue
blindar suas fronteiras e trabalhar solucionando seus problemas locais, pois a
população regional necessariamente se movimenta entre territórios vizinhos,
transportando problemas e soluções entre eles.
Assim, em muitos casos, o enfrentamento de problemas ou a apresentação de soluções para temas de interesse comum entre os municípios, Estado e
União, devem ser trabalhados aplicando-se o modelo de federalismo cooperativo
festejado em nossa Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), que prevê a atuação
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concertada entre os entes da federação como um meio de se concretizar a
democracia.
Segundo Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira (2006):
São evidentes as vantagens da cooperação entre os entes federados, podendo
ser citadas: (a) a racionalização do uso dos recursos existentes, destinados ao
planejamento, programação e execução de objetivos de interesses comuns,
(b) a criação de vínculos ou fortalecimento dos vínculos preexistentes, com a
formação ou consolidação de uma identidade regional, (c) a instrumentalização
da promoção do desenvolvimento local, regional e nacional e (d) a conjugação
de esforços para atender as necessidades da população, as quais não poderiam
ser atendidas de outro modo diante de um quadro de escassez de recursos.
Em verdade, ações conjuntas, convênios e consórcios entre entes federados, especialmente consórcios intermunicipais, não são novidade em nosso
país, mas em virtude da prática política e do entendimento jurídico sobre a
natureza desses institutos, essas iniciativas sempre sofreram com a fragilidade
do ajuste estabelecido.
Os consórcios intermunicipais, com natureza jurídica de associações
privadas, para a realização de finalidades amplas ou específicas, sem qualquer
traço obrigacional entre os entes de mesma espécie, padeciam de um vínculo
mais forte e levavam a uma situação de incerteza e de falta de perspectiva para
além do prazo de um mandato ou do interesse do chefe do poder executivo.
As limitações institucionais e jurídicas da repartição de competências
constitucionais entre os entes federados e principalmente a precariedade
dos arranjos utilizados pelos municípios levaram à aprovação da Emenda
Constitucional nº 19 de 1998 (BRASIL, 1998), que alterou a redação do art.
2411 e passou a prever expressamente os consórcios públicos, os convênios de
cooperação e a gestão associada de serviços públicos.
Apesar da mudança no art. 241, foi mantida a prática de se criar consórcios públicos como associações civis que não cumpriam os preceitos de direito
público. O principal motivo para isso é que, apesar de a figura do consórcio
público estar prevista na Constituição (BRASIL, 1988), não havia regulamentação na legislação infraconstitucional.
Alguns órgãos de controle e parte da doutrina jurídica também não
se adequaram à inovação, defendendo o entendimento histórico de que os
1 “Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os
consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão
associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços,
pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos.”
320 | Experiência de aplicação da Lei de Consórcios Públicos no município de BH
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consórcios públicos eram meros pactos de cooperação, celebrados entre
entidades estatais de mesma espécie ou do mesmo nível, de natureza precária
e sem personalidade jurídica – tal como os convênios.
Para que a mudança instituída pela Emenda Constitucional nº 19/1998
(BRASIL, 1988) fosse aplicável, o governo federal propôs a Lei nº 11.107, de 6
de abril de 2005 (BRASIL, 2005), dispondo sobre normas gerais de consórcios
públicos, abrangendo igualmente os convênios de cooperação e os contratos
de programa. Ao editar normas gerais de contratação, fazendo uso de sua
competência privativa exposta no art. 22, inc. XXVII, a União fixa diretrizes
para si própria e para todos os outros entes da Federação, não excluindo a
competência legislativa destes para suplementar tais preceitos, como dispõe
o § 2º do art. 24 da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988).
A Lei dos Consórcios Públicos (BRASIL, 2005), como ficou conhecida,
inovou em diversos pontos, principalmente ao estabelecer que o consórcio seja
criado e extinto por lei de natureza pública ou privada e tenha personalidade
jurídica própria, reduzindo a precariedade e conferindo, em tese, mais chance
de perenidade ao vínculo (FORTINI, 2007).
A Lei de Consórcios foi regulamentada em fevereiro de 2007 pelo Decreto
nº 6.017 (BRASIL, 2007). A partir daí as ações visando à sua implementação
começaram a surgir com mais força no cenário nacional.
O governo brasileiro, por meio do Ministério das Cidades, firmou, em
2006, com a Universidade de British Columbia, do Canadá, acordo de cooperação em torno da implementação do Projeto Novos Consórcios Públicos
para Governança Metropolitana (Projeto NPC). O projeto, financiado pela
Agência Canadense de Desenvolvimento Internacional – Cida, tem como
com objetivo desenvolver e aplicar o modelo de consorciamento público na
resolução de problemas regionais, a partir do marco regulatório estabelecido
pela Lei 11.107/05, testar os limites e instrumentos criados pela lei, fornecer
suporte técnico e financeiro para fomentar a constituição de consórcios, com
vistas a compartilhar responsabilidades, recursos e conhecimentos para o
enfrentamento dos problemas urbanos locais e regionais, com base na larga
experiência do Canadá em governança através do consorciamento.
Foram selecionados e convidados por Belo Horizonte a desenvolver e
compor um consórcio os municípios de Sabará, Betim e Contagem, integrantes da região metropolitana de Belo Horizonte, através de aferição de
dados objetivos, bem como do grau de interesse e desenvolvimento na área
de atuação escolhida para consorciamento, a do enfrentamento da violência
contra a mulher.
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Em 10 de outubro de 2007 aqueles municípios assinaram o protocolo
de intenções para constituição do Consórcio Regional de Promoção da Cidadania – “Mulheres das Gerais” (Consórcio). Em dezembro do mesmo ano o
protocolo de intenções foi enviado e aprovado, sem ressalvas, pelas Câmaras
Municipais, com o lançamento oficial ocorrido em 27 de março de 2008, em
comemoração ao Mês Internacional da Mulher.
Em linhas gerais, o Consórcio é pessoa jurídica de direito público interno,
do tipo associação pública, com personalidade jurídica própria, que integra
a administração direta de todos os municípios consorciados como autarquia.
Como veremos com mais detalhes, a finalidade é o enfrentamento da violência
contra a mulher, sendo repassada ao Consórcio a gestão dos equipamentos
urbanos afetos ao serviço de abrigamento da mulher em situação de risco. As
despesas com o Consórcio serão, inicialmente, repartidas entre os municípios
de acordo com a utilização (nº de vagas) do equipamento público de gestão
associada, Casa Abrigo. O repasse de recursos dos municípios para o Consórcio
se dá anualmente através de um contrato de rateio. Espera-se que com o tempo o Consórcio consiga ter independência financeira com captação e geração
próprias de recursos para seu sustento, deixando de depender dos municípios
consorciados. Optou-se por se trabalhar preferencialmente com servidores
cedidos dos entes consorciados, como uma forma de diminuir o custo. Entretanto, há previsão de que eventuais novos funcionários sejam empregados
públicos, regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas.
O objetivo deste trabalho é fazer um breve relato da experiência de implementação do Projeto Governança pela Secretaria Municipal de Planejamento,
Orçamento e Informação da Prefeitura de Belo Horizonte, apresentando as
dificuldades e as opções feitas, especialmente na seara jurídica, ao longo de
mais de dois anos de desenvolvimento, que culminaram na assinatura e aprovação do protocolo de intenções do Consórcio, aprovação de seu estatuto e
contrato de rateio, fazendo uma avaliação dos resultados obtidos até agora e
dos projetados para o futuro.
Desenvolvimento do projeto
O desenvolvimento do Projeto Governança para construção do Consórcio exigiu a conjugação de esforços dos gestores públicos, da equipe técnica
temática e jurídica, pois se tratava de legislação recentíssima e praticamente
desconhecida. A necessidade inicial formou um modo de trabalho muito bem-sucedido, posteriormente adotado pelos outros municípios consorciados, e
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formalizado através de um ato do chefe do Executivo de cada município, que
destacava os componentes do projeto na área técnica, na área jurídica e na
área política, responsabilizando cada qual por sua atuação.
A definição da temática, a questão de gênero e
a violência contra a mulher
Dentre diversas possibilidades estudadas para ser objeto do Consórcio,
o tema escolhido pelo município de Belo Horizonte foi o enfrentamento da
violência contra a mulher.
Anteriormente à iniciativa de criação do Consórcio Regional, os municípios de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará já desenvolviam, de forma
isolada, ações destinadas ao enfrentamento da violência contra a mulher que
geravam resultados tímidos, de limitada abrangência e recursos aplicados
de forma descontínua. Belo Horizonte e Betim já contavam até com uma
parceria informal que envolvia repasses de recursos para custeio de ações de
abrigamento de mulheres em risco residentes em Betim, na Casa Abrigo de
Belo Horizonte.
Entretanto, havia dúvida sobre a possibilidade jurídica de se utilizar o instituto do consórcio para essa finalidade. A dúvida era fundada em dois pontos
principais: (i) o art 241 da Constituição da República (BRASIL, 1988) institui o
consórcio público e menciona a gestão associada de serviços públicos; por sua
vez, o Decreto nº 6.017/2007, que regulamentou a Lei de Consórcios, definiu
em seu art 2º, inc. XIV, serviço público como “atividade ou comodidade material fruível diretamente pelo usuário, que possa ser remunerado por meio de
taxa, tarifa ou preço público”. Os serviços públicos, de suma relevância, que
seriam prestados pelo Consórcio, no âmbito do enfrentamento da violência
contra a mulher, não cabiam na estreita definição dada pelo decreto: não havia
caráter de universalidade em sua prestação e muito menos ele poderia ser remunerado por meio de taxa, tarifa ou preço público. Reforçava esse entendimento
o fato de que, embora a Lei de Consórcio não estabelecesse em sua ementa a
função de regulamentar o art. 241 da Constituição da República, a assimilação
era imediata, fazendo com que a primeira reação dos juristas fosse acusar de
inconstitucional o uso do instituto para aquela temática. (ii) piorava a situação
a mens legislatoris, que colocou como foco da Lei de Consórcios o fomento
a ações e projetos de infraestrutura, meio ambiente e saneamento básico,
fazendo com que a equipe da Casa Civil, que havia trabalhado na formulação
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da lei, não reconhecesse como objeto de consórcio o compartilhamento de
ações para a execução de uma política pública, por exemplo.
Contra todas as oposições e firmemente apoiada pelos parceiros canadenses, Belo Horizonte assumiu a escolha da temática de enfrentamento da
violência, entendendo ser esse um relevante objetivo de interesse comum dos
municípios consorciados.
Tendo em vista que a doutrina brasileira não é uniforme, nos filiamos
à corrente que propugna que o conceito de serviço público, referido no art.
241 da Constituição da República, deve ser entendido de maneira extensiva,
contemplando não apenas serviços públicos stricto sensu (conforme conceitua
o decreto regulamentador), mas também outras atividades administrativas de
interesse comum. Além do mais, a redação do art. 1º, caput da Lei de Consórcios, não determina um elenco exaustivo de objetivos de interesse comum e
não condiciona a prestação de serviço público, desde que atendidos os limites
constitucionais referidos no art. 2º, caput.
Assim, embora as competências constitucionais comuns não se confundam com os objetivos de interesse comum dos entes consorciados, entendemos
que o objetivo do Consórcio é executar as competências comuns arroladas
nos incisos II e X do art. 23, sem ultrapassar suas competências definidas no
art. 30, todos da Constituição da República.
A relevância da questão de gênero e a violência
contra a mulher
A Constituição Federal de 1988 instituiu e consolidou importantes avanços na ampliação dos direitos das mulheres e no estabelecimento de relações
de gênero mais igualitárias. No mesmo sentido seguem as normas jurídicas
que asseguram direitos às mulheres, aprovadas após a promulgação da Constituição.
Do ponto de vista da construção e implementação de políticas públicas,
os dados demográficos oferecem referências básicas para a identificação e projeção de demandas sociais. No combate às desigualdades vinculadas ao gênero
e à pobreza, consolida-se o reconhecimento de que as iniciativas serão mais
eficazes se planejadas com base nesses dados. Assim, importa verificar alguns
levantamentos que dão suporte à iniciativa de constituição do Consórcio com
o tema escolhido.
As mulheres representam 51,2% da população brasileira, sendo 46% pretas
e pardas. São aproximadamente 89 milhões, das quais 85,4% vivem em áreas
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urbanas. Amplia-se o segmento de mulheres em idade reprodutiva, ou seja,
entre 15 e 49 anos, que em 2003 já representava 54,7 % da população feminina (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2004). Admitindo-se
a ampliação desse intervalo para as idades entre 10 e 49 anos, em virtude da
incidência elevada de casos de gravidez precoce, esse percentual corresponderia
a 63,7% (PNAD/IBGE 2003).
Um dos pontos de maior disparidade entre homens e mulheres diz respeito à participação na economia. A participação das mulheres na faixa de
população economicamente ativa (PEA) tem crescido, mas, embora o grau
de escolaridade média das mulheres seja maior que o dos homens, as funções
ocupadas no mercado de trabalho e a proporção entre o rendimento médio
das mulheres em relação ao rendimento médio dos homens são gritantes.
Segundo o censo demográfico 2000 do IBGE, em Belo Horizonte, embora as
mulheres tenham em média 9,3 anos de estudo contra uma média de 8,7 dos
homens, o rendimento médio das mulheres ocupadas representa 63,70% do
relativo à população masculina (SNIG - Censos de 1991 e 2000). A violência de
gênero afeta constantemente a probabilidade geral de uma mulher conseguir
um emprego, influencia o salário e a sua capacidade de manter o emprego.
A violência contra a mulher é um dos principais indicadores da discriminação de gênero e o seu enfrentamento, em suas diferentes formas de expressão,
variando do assédio moral e da violência psicológica até as manifestações extremas da agressão física e sexual, é um desafio para o poder público. O Relatório
Mundial da Organização das Nações Unidas sobre Violência, publicado em
2002, destaca: visível custo humano; elevado custo à rede de saúde pública,
relativo às internações e ao atendimento físico e psicológico; e repercussões
no mercado de trabalho, em razão dos prejuízos ao desempenho profissional
da vítima.
A violência contra a mulher acontece no mundo inteiro e atinge mulheres
de todas as idades, classes sociais, raças, etnias e orientação sexual. Qualquer
que seja o tipo, física, sexual, psicológica ou patrimonial, a violência está vinculada ao poder e à desigualdade das relações de gênero, onde impera o domínio
dos homens, e está ligada à ideologia dominante que lhe dá sustentação.
As mulheres brasileiras são duplamente vítimas de situações violentas:
como cidadãs, defrontam-se com as diversas formas de violência que atingem
a sociedade brasileira; como cidadãs e mulheres, com a violência de gênero.
Essa forma de violência ocorre, fundamentalmente, no ambiente doméstico,
praticada, quase sempre, por homens da família. Protegidos pelos laços afetivos,
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eles podem levar ao extremo as relações de dominação originadas na cultura
patriarcal, centrada na ideia de sujeição das mulheres ao exercício do poder
masculino, e se necessário pelo uso da força.
São muitas as formas de violência contra a mulher: desigualdades salariais;
assédio sexual; uso do corpo como objeto; agressões sexuais; assédio moral,
tráfico nacional e internacional de mulheres e meninas.
Informações recentes, resultantes de pesquisas e dos atendimentos em serviços especializados, tais como delegacias especializadas, centros de referência
e casas-abrigo, demonstram a magnitude do problema. Os dados sobre Belo
Horizonte estão disponíveis no relatório preliminar do Perfil dos Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio.
Em pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo, com pergunta estimulada, 43% das mulheres admitem terem sofrido alguma forma de violência,
contrastando com a resposta espontânea, quando apenas 19% admitem terem
sido submetidas a alguma forma de violência.
Essa pesquisa mostra que cerca de uma em cada cinco mulheres brasileiras
sofreu algum tipo de violência por parte de algum homem. “A projeção da taxa
de espancamento (11%) para o universo investigado (61,5 milhões) indica que
pelo menos 6,8 milhões, dentre as brasileiras vivas, já foram espancadas ao
menos uma vez”. Projeta-se no mínimo 2,1 milhões de mulheres espancadas
por ano, ou seja, uma em cada 15 segundos” (PERSEU ABRAMO, 2001).
O relatório nacional da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e
Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil, coordenada
pelo Cecria (2002), comprova que no tráfico para fins sexuais predominam
as mulheres e adolescentes afrodescendentes, com idade entre 15 e 25 anos.
A pesquisa mostra que das 131 rotas internacionais, 102 lidam com tráfico
de mulheres, 60 são utilizadas para transportar “somente mulheres” e das
78 rotas interestaduais, 62 envolvem adolescentes. As mulheres adultas são
preferencialmente traficadas para outros países.
Outro fato grave é o abuso sexual de jovens. A partir da pesquisa Juventude
e Sexualidade (UNESCO, 2004), estima-se que uma em cada três ou quatro
meninas jovens é abusada sexualmente antes de completar 18 anos. O Ministério da Justiça registra anualmente cerca de 50.000 casos de violência sexual
contra crianças e adolescentes.
A efetividade das ações de prevenção e redução da violência doméstica
e sexual depende da reunião de recursos públicos e comunitários e do envolvimento do Estado e da sociedade em seu conjunto. É preciso que estejam
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envolvidos os poderes legislativo, judiciário e executivo, os movimentos sociais
e a comunidade, guardadas as competências e responsabilidades, estabelecendo
uma rede de atendimento e proteção.
Grande avanço no campo legislativo se deu com a entrada em vigor da
Lei nº 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha,2 que
visa a coibir a violência doméstica e domiciliar contra a mulher. Foram muitas
as mudanças estabelecidas pelo novo diploma legal, tanto na tipificação dos
crimes de violência contra a mulher, quanto nos procedimentos judiciais e da
autoridade policial. Ela tipifica a violência doméstica como uma das formas
de violação dos direitos humanos. Altera o Código Penal e possibilita que
agressores sejam presos em flagrante, ou tenham sua prisão decretada, quando
ameaçarem a integridade física da mulher. Prevê, ainda, inéditas medidas de
proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento do agressor
do domicílio e a proibição de sua aproximação física da mulher agredida e de
seus filhos (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, 2006).
Cabe ao Estado adotar uma política sistemática e continuada em diferentes
áreas. A intervenção deve se caracterizar pela promoção e implementação de
políticas públicas de responsabilidade dos governos federal, estaduais e municipais, constituindo uma rede de ações e serviços.
As redes devem articular assistência jurídica, social, serviços de saúde,
segurança, educação e trabalho. Os serviços e organizações que compõem as
redes incluem: Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, delegacias
comuns, Centro de Referência, Defensorias Públicas da Mulher, Defensorias
Públicas, Instituto Médico Legal, Serviços de Saúde, Polícia Militar, Corpo de
Bombeiros, Casas Abrigos e Casas de Passagem.
As informações disponíveis atestam que a violência contra a mulher é
um fenômeno transversal que atinge mulheres de diferentes classes sociais,
origens, regiões, estados civis, escolaridades ou raças. Isso justifica a adoção
de políticas de caráter universal, acessíveis a todas as mulheres, que englobem
as diferentes modalidades pelas quais ela se expressa. Entretanto, as mulheres
mais pobres e com menor grau de independência financeira, com menores
perspectivas de sobrevivência fora da casa do agressor, obviamente estão mais
vulneráveis.
2 Maria da Penha protagonizou um caso simbólico de violência doméstica e familiar contra a
mulher. Em 1983, por duas vezes, seu marido tentou assassiná-la. Na primeira vez por arma de
fogo e na segunda, com requintes de crueldade e tortura, por eletrocussão e afogamento. As
lesões foram irreversíveis a sua saúde, com paraplegia e outras sequelas, mas Maria da Penha
transformou a dor em luta e ajudou a consolidar os avanços obtidos até hoje.
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Especificamente para essas mulheres para as quais a violência já se instalou e estão em situação de limite de vulnerabilidade é que os equipamentos
de atendimento Casa Abrigo3 e a Casa de Passagem,4 ambas previstas como
equipamentos de gestão associada pelo Consórcio, passam a ser primordiais
para a proteção da vida.
Por outro lado, como a violência contra a mulher está vinculada ao poder
e à desigualdade das relações de gênero, é necessário pensar ações tanto no
âmbito da prevenção quanto no do atendimento. Dessa forma, outros eixos
de atuação preventiva do Consórcio, tais como os projetos de educação não
sexista, promotoras legais populares e do protagonismo juvenil, visam a desconstruir os estereótipos de gênero que contribuem para a manutenção da
violência contra as mulheres.
Esse é o fundamento para o delineamento das políticas públicas a serem
implementadas pelos municípios consorciados, fundamento que viabilizou a
criação do Consórcio.
Finalidades gerais e específicas do consórcio:
da gestão associada, gestão cooperada e coordenada
Para Vital Moreira (1997, p. 360), a característica básica do consórcio
(público ou privado) “é a de que ele visa realizar interesses comuns aos entes
consorciados, mas com respeito da titularidade deles pelos seus membros. O
consórcio é um instrumento de realização de interesses próprios dos consorciados. São, portanto, essencialmente formas de cooperação e não de fusão,
integração ou absorção”.
Desde logo entendemos que a formação do consórcio público não poderia
ferir a autonomia dos entes federativos consorciados, em especial no campo
das decisões quanto às políticas públicas a serem adotadas ou priorizadas por
cada município.
3 Equipamento público, atualmente pertencente ao município de Belo Horizonte, que atende
mulheres e seus filhos menores de 18 anos, que vivem situação de violência cronificada de gênero
com risco de morte, sem alternativas de proteção, por um período médio de 30 a 90 dias. Estão
previstas para o primeiro ano do Consórcio a ampliação e qualificação do atendimento da Casa,
de dez para 20 vagas para as mulheres e 60 vagas para os filhos menores.
4 Equipamento público que tem como público-alvo, exclusivamente, mulheres em situação de
violência de gênero e seus filhos menores de 18 anos que necessitam sair do lar em caso de
emergência, por medida de segurança e proteção, necessitando de um abrigo temporário, para
que nesse período possam ser tomadas as devidas providências para o andamento do caso. Sua
implementação está prevista para o segundo ano de funcionamento do Consórcio.
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Segundo Odete Medauar e Gustavo Justino de Oliveira (2006, p. 36),
“embora seja inerente à formação e à constituição dos consórcios públicos a
delegação de atividades decorrentes das competências constitucionais, isso não
significa que um ente consorciado renuncie a suas competências em favor de
outro ente ou do próprio consórcio”.
Por outro lado, um dos objetivos da formação do consórcio era retirar
da responsabilidade exclusiva de Belo Horizonte5 e transferir exclusivamente
para o Consórcio a competência pelo planejamento e gestão associada dos
equipamentos urbanos Casa Abrigo e Casa de Passagem.
Para contemplar todas as expectativas, foi desenvolvida uma definição
geral da finalidade do Consórcio, que exigiu a distinção entre ações que serão
desenvolvidas no âmbito exclusivo do Consórcio – chamadas de gestão associada – e as chamadas de gestão cooperada e coordenada, que se desenvolvem no
âmbito municipal, com o intuito de preservar a autonomia dos entes federativos
consorciados e a esfera de decisões políticas dos gestores públicos.6
O Consórcio foi autorizado a realizar a gestão associada dos equipamentos públicos Casa Abrigo e Casa de Passagem. Reservou-se aos municípios a
gestão cooperada e coordenada das ações de enfrentamento e prevenção da
violência e discriminação contra a mulher.7
5 Atualmente, embora mulheres de outros municípios sejam atendidas pela Casa Abrigo Sempre
Viva, só Belo Horizonte sustenta o equipamento, com previsão orçamentária para 2008 de gastos operacionais aproximados de R$ 121.896,00. Com o Consórcio há previsão de se dobrar a
capacidade de abrigamento pelo mesmo custo.
6 CLÁUSULA QUARTA. (Dos Conceitos) (...)
XXII. Gestão associada: conjunto de ações de responsabilidade exclusiva do consórcio, conforme
as condições estabelecidas neste Protocolo de Intenções.
XXIII. Gestão cooperada e coordenada: conjunto de ações baseada em consenso que, a critério dos
entes consorciados, podem ter seu planejamento, monitoramento ou implementação delegados
ao consórcio para trabalhar em conjunto com os entes consorciados, com objetivo de ampliar o
alcance e aumentar a efetividade das políticas e da aplicação de recursos públicos.
7 CLÁUSULA OITAVA. (Das finalidades).
O presente Consórcio Público é constituído como instrumento viabilizador de ações associadas,
cooperadas e coordenadas entre os entes federativos, para ampliar o alcance, aumentar a efetividade da aplicação de recursos públicos, alavancando assim o impacto das políticas públicas de
responsabilidade partilhada entre os entes consorciados. Assim, o objetivo de interesse comum
a ser realizado pelo Consórcio é a prevenção e enfrentamento de todas as formas de violência
contra as mulheres, entendido como uma das formas de violação dos direitos humanos. Para a
efetivação deste, são finalidades do Consórcio:
I - Planejar, fomentar e implementar a gestão associada e compartilhamento dos seguintes equipamentos públicos: Casa de Passagem e Casa Abrigo;
II - Planejar, fomentar e implementar ações cooperadas e coordenadas, de caráter emancipatório e
inclusivo, para a prevenção e enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres;
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A estrutura organizacional do Consórcio
A estrutura organizacional do Consórcio é enxuta e – esperamos – eficiente. Ela é composta de Presidência, Assembleia Geral, Diretoria Executiva,
Conselho Fiscal, Conselho de Gestão e Superintendência.
Por imposição legal, o presidente(a) do Consórcio será sempre um dos
chefes do Executivo dos entes consorciados. Ele(a) representa o Consórcio
judicial e extrajudicialmente, ordena as despesas e responsabiliza-se pela prestação de contas, além de nomear e exonerar ad nutum o superintendente do
Consórcio. O presidente(a) é eleito pela Assembleia Geral.
O superintendente é um cargo-chave, pois exerce a atividade executiva,
uma vez que o presidente, por motivos óbvios, não poderá se dedicar integralmente ao Consórcio. Sua relação com o presidente deve ser de total confiança,
pois, afinal, o superintendente vai executar, mas o presidente é quem irá se
responsabilizar pessoalmente pela gestão do Consórcio.
A contribuição do Projeto Governança, importantíssima durante todo o
processo, foi fundamental para a construção do perfil de superintendente que
será adotado pelo Consórcio. A experiência canadense levou à incorporação do
mecanismo de tomada de decisão através do consenso,8 que substitui o debate
e a votação por maioria pelo processo de diálogo e negociação, para que a tomada de decisão se dê da forma mais informada possível.9 O superintendente
é o catalisador desse processo. Cabe a ele centralizar e repassar as informações
ao presidente, aos membros dos Conselhos e Diretoria, com fins de promover
o diálogo e negociação sobre as decisões a serem tomadas.
III - Planejar, fomentar e implementar ações cooperadas e coordenadas para combater todas as
formas de discriminação contra as mulheres;
IV - Promover a educação, formação e capacitação na perspectiva de gênero nas diversas esferas
públicas e privadas;
V - Promover a capacitação técnica do pessoal encarregado da prestação dos serviços voltados à
prevenção e ao combate da violência contra as mulheres nos entes consorciados;
VI - Promover a prestação de serviços à administração direta ou indireta dos entes consorciados;
VII - Adquirir ou administrar bens para o uso compartilhado dos entes consorciados.
8 CLÁUSULA QUARTA. (Dos Conceitos) (...)
XII. Consenso: processo de tomada de decisões que abre oportunidade para todos os consorciados
trabalharem como iguais para alcançarem resultados aceitáveis sem posição de pontos de vista e
autoridade de um grupo sobre outro.
9 Os parceiros canadenses organizaram treinamentos com a participação do diretor executivo do
Conselho da Bacia do Rio Fraser no Canadá. Essa instituição de vanguarda na elaboração de mecanismos de tomada de decisão através do consenso foi reconhecida pelo Banco Mundial como
o melhor modelo de governança regional, especialmente pela eficácia na solução de desafios
usando mecanismos de consenso.
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O superintendente, assim como outros eventuais servidores do Consórcio,
serão empregados públicos, regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho –
CLT. A opção pela adoção do regime celetista se deu, mormente, pela dificuldade de se justificar servidores públicos estatutários em uma entidade composta
por diversos entes. No caso dos empregos públicos, a extinção do Consórcio
automaticamente extingue a relação de emprego e, após pagas as devidas verbas
rescisórias, nada mais pode ser exigido dos municípios consorciados.
Apesar de serem empregados públicos, o ingresso se dará mediante
processo de seleção pública de provas ou de provas e títulos, com exceção
do superintendente, que é de livre nomeação. Mas há previsão de que o
Consórcio funcionará, preferencialmente, com servidores cedidos dos entes
consorciados.
A Assembleia Geral, instância máxima do Consórcio, é órgão colegiado
composto pelos chefes do Poder Executivo de todos os entes consorciados.
A Diretoria Executiva é composta por um membro de cada ente consorciado, indicado pelos chefes do Poder Executivo e pelo superintendente do
Consórcio.
O Conselho Fiscal é composto por cinco conselheiros eleitos pela Assembleia Geral dentre os indicados pelos Poderes Executivo e Legislativo de
cada ente consorciado.
O Conselho de Gestão é órgão de natureza consultiva e será composto
pelos membros da Diretoria Executiva; garante a participação da sociedade
civil organizada através de representantes do Poder Legislativo dos entes
consorciados e de representantes dos Conselhos Municipais dos Direitos das
Mulheres ou órgãos correspondentes, assegurando-se a esses últimos pelo
menos a metade de sua composição.
As atividades da Presidência, Diretoria Executiva, Conselho Fiscal, Conselho de Gestão, de outros órgãos diretivos que sejam criados pelos estatutos,
bem como a participação dos representantes dos entes consorciados na Assembleia Geral e em outras atividades do Consórcio não serão remuneradas,
sendo consideradas trabalho público relevante.
O funcionamento interno do Consórcio está regulado por seu estatuto,
consensualmente construído e aprovado em meados de 2008.
Conclusões
Após esse longo processo de desenvolvimento, em que foram tomadas as
decisões possíveis dentro da legalidade, das opções políticas e das limitações
impostas, concluímos que a abordagem consorciada dos quatro municípios da
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Região Metropolitana de Belo Horizonte dá maior segurança jurídica aos entes
consorciados na execução de ações compartilhadas para o enfrentamento da
violência contra mulher, pois fortalece o efeito de vinculação dos acordos de
cooperação intergovernamentais entre os entes consorciados, tanto no ato da
formação, como no cumprimento das responsabilidades assumidas.
De um lado, a natureza contratual do consórcio garante o cumprimento
de responsabilidades administrativas, técnicas e orçamentárias de cada município consorciado. Do outro lado, a natureza jurídica do consórcio permite
ganhos de escala na prestação de serviços, racionaliza a aplicação de recursos
públicos e facilita a captação de recursos por transferências intergovernamentais
e outras fontes não governamentais.
O Consórcio representa um avanço significativo na consolidação de
políticas para mulheres, uma vez que, potencializadas pela ação consorciada,
essas políticas tendem a impactar significativamente nos quadros de violência
e combate à pobreza e na melhoria da qualidade de vida daqueles que residem
nas áreas urbanas.
Sob o olhar institucional, um grande ganho foi o reconhecimento pelos
gestores públicos de que a problemática da violência contra a mulher é um
desafio comum que extrapola as fronteiras municipais. Chega-se à conclusão
de que a abordagem regional é primordial para a construção participativa de
mecanismos e implementação de ações mais eficientes e eficazes no enfrentamento da violência contra a mulher.
Por sua vez, o cuidado de distinguir, já no protocolo de intenções, as ações
e competências mais bem executadas no âmbito do Consórcio e as que devem
continuar no âmbito dos municípios, deixou os gestores públicos mais confortáveis com a não interferência em sua esfera de decisão política. Estabeleceu-se
uma relação mútua entre os governos locais e o Consórcio, respeitando-se a
autonomia e realidade orçamentária de cada ente.
Como método de trabalho e consolidação da colaboração intermunicipal,
com garantia da sustentabilidade das ações, observamos ser necessário um
arcabouço jurídico robusto, estruturas multidisciplinares e intersetoriais e
envolvimento de esferas decisórias dentro dos órgãos governamentais.
Apesar dos enormes avanços alcançados e das excelentes perspectivas, o
Consórcio ainda terá uma fase de implementação, quando prevemos diversos
tipos de adaptações necessárias em virtude da própria realidade, mas estamos
confiantes de que o principal já foi feito e que os resultados positivos logo
estarão visíveis.
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inciso IX do § 3 do art. 142 da Constituição Federal e dispositivos da Emenda Constitucional nº 20, de 15 de dezembro de 1998, e dá outras providências. Diário Oficial
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O fortalecimento da política de equidade de
gênero por meio da governança colaborativa
Márcia de Cássia Gomes
Andrea Chelles
Girlene Galgani Reis de Oliveira
O processo histórico
Só a partir das duas últimas décadas do século XX é que o movimento
de mulheres no Brasil conseguiu traduzir suas reivindicações em políticas de
gênero incorporadas efetivamente à gestão pública (URBIS, 2003). Uma das
conquistas importantes foi a criação de organismos de governo responsáveis
pela execução de políticas públicas que buscam atuar diretamente na base das
desigualdades de gênero historicamente construídas.
Na década de 1990, orientadas por diretrizes nacionais, as estruturas
orgânicas para execução das políticas para as mulheres foram implantadas no
âmbito do governo local. As primeiras iniciativas desses serviços em Minas
Gerais surgiram nas cidades da região metropolitana de Belo Horizonte. Além
da capital do Estado, outros municípios como Betim e Sabará implantaram
programas, conselhos, Centros e Núcleos de Apoio à Mulher, alguns previstos
em lei, outros criados por decreto. No caso de Belo Horizonte, algumas iniciativas resultaram de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) realizada
pela Câmara dos Vereadores, uma forma também prevista no art. 180 da Lei
Orgânica do Município de Belo Horizonte.
A articulação entre as gestoras, presidentes dos conselhos e técnicas de
referências dos serviços criados foi muito intensa desde o início, principalmente
nos casos em que havia necessidade de um apoio crítico para encaminhamento,
acompanhamento e abrigamento de mulheres em situação de violência e
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risco de morte. Várias foram as cidades que tiveram e têm como referência
para implantação de suas políticas a experiência de Belo Horizonte. Muitas
cidades mineiras se espelharam nos serviços oferecidos na capital, outras
solicitavam apoio para a formação das equipes e para o acolhimento das
mulheres que necessitavam emergencialmente de um abrigo seguro. Entre
essas cidades estão Betim, Sabará, Contagem, Governador Valadares, Juiz de
Fora e Divinópolis.
Em outubro de 1996, foi criada, em Belo Horizonte, a Casa Abrigo Sempre Viva, espelhada em experiências brasileiras existentes na época, como a
Casa do Caminho do Ceará e a Casa de Apoio Viva Maria, da cidade de Porto
Alegre. Como único serviço desse tipo no Estado, a Sempre Viva passou a ser
referência estadual e, com o tempo, tornou-se referência nacional.
A decisão de abrigar mulheres oriundas de outros municípios da região
metropolitana, do Estado e do país foi um passo importante e necessário.
Evidenciava-se claramente a necessidade de uma rede informal de abrigos e
de serviços de atendimento a mulheres em situação de violência. Entretanto,
o acolhimento de mulheres só era possível se houvesse vagas disponíveis, e se
fossem atendidos os critérios estabelecidos para abrigamento numa perspectiva
de referência e contrarreferência, necessária caso a caso – critérios aplicados
também para o pós-abrigamento e procedimentos em relação às famílias.
Essa integração em relação à política de enfrentamento à violência contra a
mulher foi muito importante para a articulação e integração intermunicipal
dos serviços de abrigamento, representando um passo estratégico para a
consolidação de um novo arranjo que seria constituído após alguns anos, o
Consórcio Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais.
Em 2004, a cidade de Betim decidiu repassar mensalmente à Prefeitura
de Belo Horizonte um recurso específico, previsto por lei municipal, a título
de garantia de vagas para mulheres em situação de violência daquela cidade.
A experiência, exitosa, contribuiu para o fortalecimento da articulação institucionalizada entre os dois municípios em relação ao enfrentamento à violência
contra a mulher.
A partir das experiências vivenciadas com outras cidades da região
metropolitana, delineava-se como um objetivo importante a implantação
de um abrigo metropolitano nos moldes do existente na região do ABC
paulista. Esse abrigo estava vinculado ao Consórcio Regional do ABC, uma
articulação entre sete municípios, que até hoje é uma referência importante
de trabalho integrado entre prefeituras para combate à violência contra
mulheres ( JARSCHEL, 2005).
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A partir de 2003, quando foi criada a Secretaria Especial de Políticas para
Mulheres da Presidência da República (SPM), a atuação dos organismos de
políticas para as mulheres de alguns municípios passou a ser integrada. As gestoras que estavam à frente de organismos dos Executivos municipais e estaduais
foram convidadas a participar de um fórum nacional sobre políticas de gênero.
Um passo crítico na consolidação de uma rede de cooperação intermunicipal
foi a participação das cidades de Belo Horizonte, Betim, Sabará e Contagem
no Fórum Nacional de Organismos de Políticas para as Mulheres, da Secretaria
Especial de Políticas para Mulheres. Igualmente importante foi a assinatura do
Pacto do I Plano Nacional de Políticas Para a Mulheres (PNPM), que contém as
principais diretrizes políticas definidas pela I Conferência Nacional de Políticas
para as Mulheres, realizada em julho de 2004 (BRASIL, 2005).
A implantação do Consórcio
A constituição do Consórcio Mulheres das Gerais veio consolidar a
cooperação que historicamente vinha se desenvolvendo entre os organismos
de políticas para as mulheres de municípios da região metropolitana de
Belo Horizonte. Com um novo amparo legal, passaram a ser integradas
as ações desenvolvidas através de uma parceria informal, com o apoio dos
movimentos sociais de mulheres, que, ao longo dos últimos 20 anos, vinham
fortalecendo a política de enfrentamento à violência contra as mulheres na
região metropolitana de Belo Horizonte.
Os municípios parceiros – Sabará, Contagem e Betim –, incentivados por
Belo Horizonte, já vinham desenvolvendo algumas ações de forma compartilhada desde o final dos anos 90. A construção histórica dessa colaboração foi
o principal facilitador na constituição do Consórcio Mulheres das Gerais, que
definiu a temática de gênero como ação comum a ser consorciada, contrariando
a lógica vigente da vinculação de consórcios públicos à prestação de serviços
e infraestrutura. A estruturação do Consórcio contou com o apoio direto
do Projeto Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana, e se
beneficiou da experiência e do apoio de vários parceiros, como o Ministério
das Cidades, a Universidade da Columbia Britânica do Canadá e a Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.
Os quatro municípios consorciados buscaram integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, que
neste caso se referem às ações de abrigamento e prevenção à violência na
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perspectiva de gênero, principalmente a violência doméstica e intrafamiliar
contra a mulher. O Consórcio tem seu objetivo fundamentado na Lei Maria da
Penha e está em acordo com a referida lei,1 em especial em relação ao art.3º:
“O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido
de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.” É um consórcio de direito público, regido
pelas normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas, sendo uma
autarquia interfederativa, que integra a administração indireta de cada um dos
municípios consorciados.
Conforme seu Protocolo de Intenções, ratificado pelos municípios consorciados – capítulo II - Das Finalidades –, ele “... é constituído como instrumento
viabilizador de ações cooperadas e coordenadas entre os entes federativos,
para ampliar o alcance, aumentar a efetividade da aplicação de recursos públicos, alavancando assim o impacto das políticas públicas de responsabilidade
partilhada entre os entes consorciados” (CONSÓRCIO MULHERES DAS
GERAIS, p. 17).
O Consórcio se define através da prevenção e do enfrentamento de todas
as formas de violência contra as mulheres entendida como uma “das formas
de violação dos direitos humanos.”2 Para atingir esse objetivo, é necessário
planejar, fomentar e implementar ações cooperadas e coordenadas entre os
municípios consorciados. Tais ações devem ter um caráter preventivo, emancipatório, inclusivo e devem buscar: 1) a reparação, proteção e garantia de
direitos às mulheres e seus filhos/as vítimas (em situação) de violência doméstica e intrafamiliar; 2) a prevenção e o enfrentamento de todas as formas
de discriminação e violência contra as mulheres; 3) a promoção de ações de
caráter educativo direcionadas à formação e capacitação de agentes públicos e
sociedade civil em geral na perspectiva de gênero, com o objetivo de divulgar
os temas pertinentes ao enfrentamento de todas as formas de violência contra
as mulheres e esclarecer a população sobre eles; e 4) o empoderamento de
1 A Lei Maria da Penha é a Lei Federal nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, que promoveu várias
mudanças, entre elas o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher quando
ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro de
2006.
2 Estipulado na Carta de Princípios do Consórcio Mulheres das Gerais, desenvolvida de forma
compartilhada pelos técnicos e gestores das unidades de gestão local do Consórcio em agosto
de 2007.
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mulheres enquanto cidadãs autônomas e protagonistas da própria vida, fortalecendo as suas condições de sobrevivência e garantindo direitos de cidadania
e econômicos (CONSÓRCIO MULHERES DAS GERAIS, p. 17).
A Constituição Federal de 1988 prevê que o Estado deve traçar diretrizes
estratégicas que promovam o acesso à cidadania através da garantia de direitos
sociais, políticos e civis (ABRUCIO, 2005). A atuação do Estado, imprescindível
para a redução das desigualdades e a superação de exclusões, pode envolver
políticas de cunho universalista, que atendam todas as cidadãs e cidadãos
brasileiros, e/ou políticas focadas, direcionadas às necessidades específicas de
determinados segmentos sociais historicamente marginalizados.
Dar visibilidade a esses segmentos, rompendo com os processos de
exclusão e combinando desenvolvimento econômico com desenvolvimento
social é um grande desafio para qualquer governante e exige ações muito bem
planejadas do poder público no nível local, que nem sempre tem as condições
ideais para adotar as alternativas que resultarão na efetividade das políticas
públicas necessárias. Nas regiões metropolitanas, onde existem diversos
municípios situados em um mesmo território, o problema se agrava: há o
compartilhamento das dificuldades e, em raríssimos casos, das soluções. É
estratégico e urgente buscar novas alternativas de gestão pública que poderão
evitar o colapso social desses grandes aglomerados urbanos.
Ações cooperadas entre entes federados que compartilham interesses
comuns é uma das alternativas mais viáveis para a construção de soluções
dos diversos problemas que se apresentam. Tais problemas podem estar relacionados às políticas segmentadas, que têm como origem as violações de
direitos humanos e de cidadania − consideradas políticas periféricas, de menor
visibilidade, mas responsáveis por grandes transtornos nas áreas sociais − ou
àquelas que atendem a demandas mais pontuais da população, como mobilidade urbana, resíduos sólidos, ações de saúde principalmente de média e alta
complexidade, saneamento básico etc. – consideradas políticas de caráter mais
central, com maior visibilidade.
Para atender a demandas tão complexas em áreas conurbadas, novos arranjos institucionais, como os consórcios públicos, podem ser uma boa opção
na construção de um novo modelo de gestão em áreas metropolitanas. Para
tanto, é necessário envolver os atores sociais e promover um amplo debate,
construindo de forma participativa as alternativas que, na perspectiva democrática, atendam às necessidades urgentes que se acumulam sem grandes
perspectivas de soluções. Dentro desse novo parâmetro, o maior desafio posto
é como reverter a lógica de competição culturalmente enraizada entre entes
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federativos, tanto na linha horizontal como na vertical, e estabelecer um novo
paradigma de solução de problemas comuns que envolvem a cooperação e o
compartilhamento de políticas públicas.
Os consórcios públicos surgem como alternativa local para a execução
de políticas compartilhadas. São ações que, em muitos casos, principalmente
quando envolvem municípios de uma mesma região metropolitana, necessitam
de atuação conjunta: a cooperação cria uma condição diferenciada na atuação
mais efetiva da gestão dos recursos públicos e mesmo no encontro de soluções
comuns através da troca de experiências e da vivência de problemas que afetam municípios dentro de um mesmo território, com situações econômicas
e sociais diferenciadas.
A construção metodológica do Consórcio
Na perspectiva da criação de uma metodologia regional a ser compartilhada entre os municípios partícipes do Consórcio Mulheres das Gerais,
verificou-se a necessidade da elaboração de um diagnóstico das realidades
locais em relação às políticas para mulheres e, principalmente, em relação ao
atendimento e triagem dos casos de violência contra as mulheres em que se
verifica risco de morte.
Após a avaliação do diagnóstico, constatou-se uma heterogeneidade
teórico-metodológica e conceitual em relação aos atendimentos feitos nos
Centros de Referência dos municípios.
No processo de construção do Consórcio Mulheres das Gerais, para
efeito didático e metodológico, foram criados os conceitos de ações compartilhadas e ações consorciadas, para designar, respectivamente, as ações
a serem desenvolvidas pelo Consórcio em parceria direta com os municípios
e ações a serem executadas diretamente pelo Consórcio. O município de
Belo Horizonte, que desenvolve políticas públicas para mulheres há 17 anos,
avaliou ser fundamental transferir para o Consórcio o seu equipamento de
atendimento às mulheres em situação de violência de gênero com risco de
morte: a Casa Abrigo Sempre Viva, destinada ao acolhimento de mulheres
acompanhadas dos seus filhos menores. Em função do sigilo e da necessidade
de critérios específicos que possibilitem uma triagem especializada, todos
os casos encaminhados ao abrigo tinham necessariamente que passar pelo
Benvinda – Centro de Apoio à Mulher, da Prefeitura de Belo Horizonte.
Com o consorciamento do abrigo, tornou-se fundamental o nivelamento
de conhecimentos dos Centros de Referência dos municípios partícipes
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do Consórcio acerca do enfrentamento à violência contra a mulher numa
perspectiva de gênero, para capacitá-los a executar a triagem.
A partir dessa avaliação e como aspecto do compartilhamento de ações,
em dezembro de 2006, teve início o processo de construção da metodologia
de abrigamento regional, com a perspectiva da criação de protocolos de
atendimento, abrigamento, unificação de instrumentais técnicos, construção
e fortalecimento das redes locais e da rede estadual (com a participação dos
municípios integrantes do Consórcio), construção de banco de dados na
perspectiva regional, aperfeiçoamento da metodologia de abrigamento e
pós-abrigamento, com o desenvolvimento de ações destinadas à promoção
da mulher abrigada.
Os documentos elaborados de forma conjunta entre os municípios partícipes servirão de base para a definição de ações a serem desenvolvidas pelo
Consórcio e de ações a serem desenvolvidas de forma compartilhada com os
municípios, além de suscitarem a formatação de projetos a serem desenvolvidos pelo Consórcio, através de agências e instituições financiadoras nacionais
e internacionais.
Planejamento e orçamento: os desafios do orçamento
para o primeiro ano do Consórcio
Conforme o art. 27 do Estatuto do Consórcio Mulheres das Gerais, “todas
as receitas e despesas do Consórcio deverão ser executadas em conformidade
com as normas de direito financeiro aplicáveis às entidades públicas”.
A legislação brasileira trata desse assunto de forma bem detalhada, utilizando como marco legal a Constituição Federal, a Lei de Responsabilidade
Fiscal – Lei Complementar nº 101/2000 −, a Lei 4.320/1964 e a Lei Orgânica
dos Municípios, que normatizam a gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta e a instituição e funcionamento de fundos.
O planejamento incide em todos os níveis de governo, estabelecendo
objetivos, metas e prioridades. Para garantir a legalidade do ato, deve observar
a adequada gestão de recursos e o monitoramento de resultados atingidos
conforme necessidades demandadas pela população. Uma ação bem planejada
minimiza recursos, evitando desperdícios e tendo maiores chances de oferecer ao cidadão e cidadã produtos e serviços com qualidade e na quantidade
adequada às necessidades percebidas.
Para garantir a execução orçamentária, a Constituição Federal, em seus
arts. 65 a 69, estabelece o modelo atual do ciclo de planejamento instituindo
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três instrumentos com força de lei, cuja iniciativa e prerrogativa são do Poder
Executivo. Os instrumentos de planejamento, que de forma interligada orientam o processo de gestão das políticas públicas são:
1. PPA - Plano Plurianual: estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes,
objetivos e metas da administração pública para as despesas de capital e
outras decorrentes desta e para as relativas aos programas de duração
continuada, por um período de quatro anos. Tem uma conotação mais
estratégica e deve conter uma análise dos cenários social, macroeconômico
e fiscal, para o seu período de sua vigência.
2. LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias: compreende as metas e prioridades
da administração pública, incluindo as despesas de capital, que orientarão o
exercício financeiro subsequente e a elaboração da Lei Orçamentária Anual.
É um instrumento que viabiliza a confirmação dos cenários traçados no
PPA, podendo revisionar as metas fiscais a serem atingidas na programação
orçamentária anual.
3. LOA - Lei Orçamentária Anual: que estima receitas e autoriza despesas do
Governo em consonância com a previsão de arrecadação estimada.
Nessa lógica, os municípios devem garantir, dentro da legalidade, a gestão
orçamentária e financeira do Consórcio Mulheres das Gerais, incluindo-o no
Planejamento Plurianual e, consequentemente, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, fechando o ciclo de planejamento e
garantindo a transferência de recursos financeiros para o Consórcio.
A primeira peça orçamentária do Consórcio seguiu os critérios previstos
no processo inicial de estruturação do seu modelo de gestão. Os percentuais
de participação financeira de cada ente consorciado foram estabelecidos
utilizando-se como critério a população total de cada município e o produto
interno bruto (PIB). As despesas foram provisionadas observando-se as despesas
reais custeadas pela Casa Abrigo Sempre Viva, equipamento da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte que há mais de 13 anos já desenvolvia uma política
orientada para proteção, reparação e garantia de direitos de mulheres vítimas
de violência de gênero e que passou a ser equipamento do consorciado.
Mas o grande objetivo de um consórcio público não pode se restringir
a uma ação pontual, mesmo sendo esta o objeto central de sua atuação. É
necessário construir novos canais que levem a sociedade a repensar as ações
constituídas como naturais ao longo dos anos e que resultaram em um arcabouço cultural muito distante do que hoje procura se estabelecer em nossa
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sociedade. Essa realidade é fruto de uma cultura machista e patriarcal que
justifica a violência em nome da autoridade e poder sobre as mulheres.
Assim, além de garantir ações que visam reparar direitos através do
abrigamento, o Plano de Aplicação dos recursos rateados pelos municípios
que fazem parte do Consórcio Mulheres das Gerais procurou estabelecer alguns eixos estratégicos imprescindíveis ao rompimento do ciclo de violência
contra as mulheres. É necessário garantir políticas públicas que promovam a
reconstrução de suas vidas com uma cultura de paz, que garantam os direitos
fundamentais de todo ser humano. Por isso é necessário dizer não a toda forma
de violência e disseminar atitudes que resguardem valores éticos e igualitários,
respeitando a diversidade de gênero. Mais do que isto, é preciso atuar sobre as
causas desse processo histórico, no sentido de transformar a realidade social.
O modelo estabelecido procurou atuar em quatro eixos fundamentais
nesse processo de reconstrução cultural – três finalísticos e um meio – que
visa garantir todo assessoramento técnico necessário às ações estabelecidas.
Os quatro estão orientados na busca de soluções adequadas ao rompimento do
quadro de violência contra as mulheres, que persiste em nossa sociedade.
I – Participação popular com controle social
Objetivo: Incentivar a participação popular e o controle social de mulheres
em instâncias aptas a traçar o direcionamento e acompanhamento das ações
geridas pelo Consórcio.
PROGRAMA
Processo
participativo
popular
AÇÃO
SUBAÇÃO
Gestão colegiada e
participação social
Coordenação e participação em fóruns
direcionados às temáticas de gênero e raça
Apoiar ações dos Conselhos Municipais vinculadas aos municípios consorciados, como também, outras
formas de participação popular.
Apoiar a coordenação de fóruns e grupos temáticos, com
participação diversificada, que busquem a formulação de
propostas e diretrizes que promovam e/ou fortaleçam a
autonomia das mulheres nos municípios consorciados
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II – Empoderamento: geração de emprego e renda
Objetivo: Desenvolver instrumentos que possam apoiar, assessorar e promover a consolidação de políticas públicas de emprego e renda direcionadas
nos municípios consorciados garantindo ações que visem à emancipação
econômica de mulheres abrigadas vítimas de violência de gênero.
PROGRAMA
AÇÃO
SUBAÇÃO
Qualificação profissional
Inclusão social e produtiva
Geração de
emprego,
renda e
qualificação
profissional
Apoiar e promover empreendimentos de geração de trabalho
e renda, como forma de garantir a emancipação econômica e
a inclusão social de mulheres e
seus familiares vítimas de violência de gênero e raça.
Apoiar e implementar ações de qualificação profissional e
educação formal direcionadas às mulheres em situação de
vulnerabilidade social, a fim de possibilitar a igualdade de
oportunidades no acesso ao mercado de trabalho
Ações de apoio ao empreendedorismo
Promover, apoiar e incentivar ações empreendedoras que
visem garantir a emancipação econômica de mulheres
vítimas de violência de gênero.
III – Prevenção: educação política dos atores sociais como
forma preventiva de reparar e garantir direitos
Objetivos:
1. Implementar um conjunto de ações estratégicas que visem, de forma
preventiva, ampliar o atendimento e a orientação jurídica e psicossocial às
mulheres e seus familiares que tiveram os seus direitos violados.
2. Ampliar a promoção de direitos, o conhecimento e a capacidade de organização da população no enfrentamento à violência e na discriminação de
gênero e raça.
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(Continua)
PROGRAMA
AÇÃO
SUBAÇÃO
Educação política
da sociedade civil
Educação política na
perspectiva de
gênero e raça
Implementar um conjunto de
estratégias que visem ampliar
o conhecimento, a informação e prevenção à violência,
através de ações de educação/
capacitação/divulgação, como
forma de garantir uma melhor
compreensão da sociedade em
geral, em torno da perspectiva
de gênero e raça.
Promoção dos
direitos humanos
e cidadania na
perspectiva de
gênero e raça
Disseminar informações e conhecimentos sobre as
diretrizes estabelecidas no “Plano Nacional de Políticas para Mulheres” e no “Pacto de enfrentamento
à violência contra a mulher”, como em outras publicações que visem ao fortalecimento da política
de gênero e raça nos municípios consorciados.
Educação política
de agentes públicos
Qualificar e conscientizar os agentes públicos
municipais sobre temas relacionados ao enfrentamento a todas as formas de violência contra as
mulheres, sejam elas de natureza física ou psicológica, visando uma capacitação técnica qualificada
na prestação dos serviços voltados à prevenção e
ao combate à violência de gênero e raça nos municípios consorciados.
Publicações na
perspectiva de gênero
Produzir e divulgar materiais socioeducativos, de
caráter institucional e permanente, referentes às
temáticas relacionadas à perspectiva de gênero e
raça.
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(Conclusão)
PROGRAMA
AÇÃO
SUBAÇÃO
Serviço de abrigamento de mulheres
em situação de risco
Abrigar mulheres e seus filhos menores de 16
anos, que se encontram em situação de violência
doméstica e intrafamiliar, com risco iminente de
morte.
Promoção dos
direitos humanos
e cidadania na
perspectiva de
gênero e raça
Reparação e garantia
de direitos
Desenvolver ações que visem
defender e garantir os direitos
individuais e/ou coletivos de
mulheres, promovendo a efetivação da cidadania.
Monitoramento de direitos
Promover o cumprimento da legislação no campo dos direitos humanos e cidadania, de forma a
coibir práticas de discriminação ou de violação de
direitos na perspectiva de gênero e raça.
Articulação de redes de proteção
às mulheres
Articular as redes de proteção e defesa de mulheres, envolvendo a sociedade civil, organizações
governamentais e ONGs, visando garantir a efetividade e a melhoria de ações públicas nos municípios consorciados.
IV– Planejamento e gestão: administrativa, financeira
e da informação
Objetivos:
1. Garantir a efetividade dos objetivos do Consórcio Mulheres das Gerais,
através de ações planejadas e executadas segundo os princípios que atendam
aos critérios da eficiência e eficácia, mas principalmente à efetividade das
ações propostas.
2. Zelar pela qualidade das informações, permitindo que elas possam ser
usadas na construção de políticas públicas bem direcionadas.
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PROGRAMA
AÇÃO
SUBAÇÃO
Apoio administrativo e financeiro
Serviços administrativos
financeiros
Planejamento
e gestão
administrativa,
financeira e
da informação
Executar receitas e despesas do
Consórcio, obedecendo às normas
de direito financeiro aplicáveis às
entidades públicas
Garantir a gestão plena do Consórcio através de
um gerenciamento que preze ações planejadas e
coordenadas com as disponibilidades financeiras,
as necessidades demandadas pela Superintendência, a Coordenação Temática e a Casa Abrigo,
objetivando o atendimento às diretrizes estabelecidas pela política pública de gênero e raça nos
entes consorciados.
Tecnologia da informação
Gestão da informação
Desenvolver um sistema de informação apto a atender à demanda
do Consórcio
Gerar dados que possam subsidiar informações
sobre a política de gênero nos municípios consorciados
Conclusão
Desde a sua criação, o Consórcio Regional de Promoção da Cidadania:
Mulheres das Gerais adotou a lógica de abordagem de baixo para cima, o que
se reflete na abertura dada aos quatro municípios para escolher o tema central
da colaboração interinstitucional, e para definir o seu rumo, refletindo as prioridades regionais. Assim, essa abordagem teve três princípios fundamentais:
1. Apropriação do projeto: atores locais e regionais definem o caminho de
implementação de seu projeto, sugerem alterações ao plano de execução,
definem estratégias e contribuem com ideias inovadoras com base em
seus conhecimentos, experiência de vida e especialização em instituições
públicas. Isto, por sua vez, gera uma forte identidade e compromisso com
as metas e objetivos estabelecidos pelo Projeto NPC.
2. Empoderamento dos atores: a mobilização/movimento da base provoca
um maior nível de representação dos interesses da população e contribui
para validar o esforço e o processo.
3. Sustentabilidade do projeto: os processos locais de tomada de decisão têm
de considerar a viabilidade das possíveis ações prioritárias durante a elaboração de planos de ação estratégicos e de todo o processo colaborativo.
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Essa abordagem implica que o processo vai ser executado considerando
os limites dos recursos humanos e financeiros, sem se tornar dependente
de parâmetros externos e recursos finitos.
O Consórcio Mulheres das Gerais, fruto da visão metropolitana compartilhada entre as Prefeituras de Belo Horizonte, Betim, Contagem e Sabará,
dedica-se integralmente à promoção da equidade social – a equidade de gênero –, visando à erradicação da violência contra a mulher por meio de ações
preventivas e de atendimento às mulheres vítimas de violência.
As equipes técnicas foram capazes de manter um fluxo transparente
de informações entre todos os atores – processo essencial na consolidação
do esforço interinstitucional. Fatores externos também foram responsáveis
pelo sucesso: a atmosfera política, por exemplo, facilitou a interação entre o
Estado e os municípios colaboradores. Outro elemento externo a considerar
é que os quatro municípios envolvidos no Projeto NCP já partilhavam uma
história de “cooperação informal”, sobretudo no que diz respeito à promoção
da igualdade de gênero.
O espírito colaborativo e o processo participativo e horizontal foram usados para catalisar o esforço interinstitucional na implementação do processo
delineado pela Lei Federal 11.107/05 para criar e consolidar o Consórcio. A habilidade dos técnicos e gestores dos quatro municípios de efetuar esse processo
pode ser diretamente ligada à participação e contribuição da sociedade civil na
consolidação da sua estrutura, refletindo dessa maneira as dimensões técnicas,
políticas, administrativas, orçamentárias e legais da colaboração. Essa abordagem contribuiu para gerar um modelo inovador de colaboração, resultando na
formação do primeiro consórcio público brasileiro orientado exclusivamente
para a promoção da equidade social. Ou seja, o processo de implementação do
Consórcio Mulheres das Gerais comprovou que é possível colaborar de forma
interinstitucional para promover uma sociedade mais justa.
Os futuros desafios que o Consórcio tem pela frente incluem a assinatura
dos Contratos de Rateio e de Programa seguindo as diretrizes legais definidas
pela lei federal. Além desses dois contratos, o Consórcio ainda deverá celebrar
convênios de cessão de funcionários com os quatro municípios consorciados.
Embora o conteúdo de tais documentos já tenha sido desenvolvido, o processo colaborativo terá de considerar as dinâmicas e prioridades dos novos
governos eleitos.
Ainda é impossível concluir que a criação do Consórcio propiciou a equidade social das mulheres no território dos municípios consorciados, objetivo
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maior do esforço interinstitucional. Mas é certo que teve um impacto nas
estruturas municipais, oxigenando a discussão das políticas públicas de equidade de gênero e especificamente, reabrindo o debate sobre a importância
das Coordenadorias Municipais de Direito da Mulher dentro do organograma
municipal. O debate é fruto da reflexão sobre a relação entre as Coordenadorias
e a sua habilidade de responder à missão do consórcio. A estrutura robusta,
legítima e duradoura do Consórcio exige dos municípios uma avaliação interna da mesma robustez e/ou fraqueza das Coordenadorias, sobretudo no
que diz respeito a sua habilidade de articular institucional e transversalmente
as políticas de enfrentamento à violência contra a mulher. Em princípio, esse
debate fortalece a atuação das Coordenadorias, dando-lhes a oportunidade
de sair do “anonimato” estrutural do organograma municipal, e entrar em
um espaço central da nova onda de articulações municipais voltadas à questão metropolitana e da governança colaborativa. Sobretudo, a emancipação
institucional das Coordenadorias Municipais de Direito da Mulher revigora a
dinâmica e fortalece a atuação das outras coordenadorias de direito humano,
como por exemplo a da igualdade racial, para reivindicar um papel mais central
nas articulações institucionais.
Referências
ABRUCIO, Fernando Luiz. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do
período FHC e os desafios do Governo Lula. Revista de Sociologia e Política, Curitiba,
n. 24, p. 41-67, jun. 2005.
ALVAREZ, Sonia. Politizando as relações de gênero e engendrando a democracia. In:
STEPAN, Alfred (Org.). Democratizando o Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1988.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. I Plano Nacional de Políticas
Para Mulheres. Brasília, 2005.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Lei 11.340, de 7 de agosto de
2006. Coíbe a violência doméstica e familiar contra a mulher. Brasília, 2006.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. Pacto nacional pelo enfrentamento à violência contra a mulher. Brasília, 2007.
BRASIL. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres. II Plano Nacional de Políticas
Para Mulheres. Brasília, 2008.
CONSÓRCIO MULHERES DAS GERAIS. Protocolo de intenções. Belo Horizonte,
2007.
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FES. Gênero nas administrações - desafios para prefeituras e governos estaduais. São Paulo,
2000. Disponível em: http://www.fesgenero.org. Acesso em: 15 ago. 2009.
JARSCHEL, Haidi. Chega de femicídio no ABC e no Brasil! Disponível em: http://www.
violenciamulher.org.br 2005. Acesso em: 15 ago. 2009.
MACHADO, Gustavo Gomes. Gestão metropolitana e autonomia municipal: dilemas das
transações federativas. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2009.
SAFFIOTI, Heleieth I. B. Gênero, patriarcado, violência. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2004. (Coleção Brasil Urgente).
URBIS – Feira e Congresso Internacional de Cidades. Seminário Nacional de Coordenadorias da Mulher no Nível Municipal: o Governo da Cidade do ponto de vista das
Mulheres – Trabalho e Cidadania Ativa. Mesa 1 – Estado e políticas públicas: a construção
da igualdade. São Paulo, Anhembi, 22 e 23 de julho de 2003.
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Pedagogia urbana, espaços de autonomia
Rita Velloso
Articulação e debate para a governança metropolitana colaborativa enquanto contexto de educação política e ampliação dos espaços de autonomia da sociedade – a
experiência na RMBH vista a partir da política de extensão universitária.
Por meio de sua política e sua prática extensionistas voltadas à questão
urbana, a universidade, enquanto parceira da realização do Projeto Novos
Consórcios Públicos para a Governança Metropolitana, vem discutindo em que
medida esses novos arranjos colaborativos instituídos pelo Estado reverberam
em formas renovadas de participação cidadã. São três as perguntas sobre as
quais o Observatório de Política Urbana da PUC Minas reflete, ao participar do
projeto para governança democrática na RMBH, a saber: a) de que modo os
arranjos institucionais que regulam a relação poder público-sociedade operam
para a educação política dos diferentes grupos sociais envolvidos? b) considerado o sentido estrito do termo democracia, e diante dos dilemas urbanos, até
que ponto a gestão democrática de uma grande cidade efetivamente fortalece o
controle social sobre o poder público? c) e, finalmente, de que forma a agenda
da governança compartilhada permite consolidar os espaços de articulação
autônoma da sociedade?
Na passagem dos anos 80 para os 90, a universidade brasileira deu um
passo decisivo para a ressignificação de seu papel, função e identidade, quando,
em 1987, constitui-se o Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições de
Ensino Superior (IES) públicas. Esse Fórum definiu a extensão como processo
e articulação que tornam efetiva a relação entre universidade e sociedade, a
qual se deseja transformadora. Foi de tal alcance esse ponto de partida que ele
passou a fomentar o debate acerca da elaboração das políticas extensionistas
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das instituições de ensino, bem como da própria concepção de extensão universitária, na medida em que exigiu que a universidade retomasse a discussão
concernente a sua função social, colocando em pauta a natureza de suas
atividades-fim.1
Em 1999, fundou-se o Fórum Nacional de Extensão e Ação Comunitária das Universidades e Instituições de Ensino Superior Comunitárias, com
o apoio da Associação Brasileira das Universidades Comunitárias (Abruc) e
Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas (Abesc). A criação desse
Fórum, que incluiu a PUC Minas, veio estabelecer uma cultura de extensão
desenvolvida em atividades voltadas à erradicação de pobreza, intolerância,
violência, analfabetismo, fome, deterioração do meio ambiente, doenças. As
estratégias para fortalecer tal cultura valeram-se da adoção de uma perspectiva concreta, interdisciplinar e transdisciplinar, que contribuísse para pensar
os problemas sociais, tendo como meta aprimorar a qualidade de vida das
populações local e regional.
É nesse sentido que, dedicada à ação voltada para a inclusão social e a
efetivação dos direitos humanos, a extensão se concebe como processo; atividade
acadêmica interdisciplinar, teórica e prática, que se realiza tanto por meio da
seleção e encaminhamento de demandas externas quanto pela elaboração interna de questões que merecem ser exploradas via reflexão e em viés dialógico.
Em se tratando especificamente da PUC Minas, por meio de suas política
e prática extensionistas voltadas à questão urbana, a universidade, enquanto parceira da realização do Projeto Novos Consórcios Públicos para a Governança
Metropolitana, vem discutindo em que medida esses novos arranjos colaborativos instituídos pelo Estado reverberam em formas renovadas de participação
cidadã.
A colaboração entre a Universidade de British Columbia (CHS/UBC)
Canadá e o Observatório de Política Urbana (Opur/ProEx) da PUC Minas, em
Belo Horizonte, dá-se, principalmente, através da organização e oferta de um
programa de capacitação voltado à governança metropolitana colaborativa que se
destina a públicos diversos (técnicos, planejadores, gestores, lideranças da sociedade civil e estudantes universitários) – além da inclusão do tema governança
metropolitana em nossos cursos de formação de conselheiros municipais – por
nós ofertados em parceria com o Observatório das Metrópoles.
1 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) – Lei nº 9.394/96 –, em seu capítulo
IV, Da Educação Superior, art. 43, estabelece que as IES têm como fim promover a extensão
aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da
criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
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Norteado pela compreensão inicial de que o universo de cada público
se caracteriza por suas demandas próprias em relação ao tema, o programa
constitui-se na oferta continuada de cursos de curta duração e produção de
material bibliográfico referencial (cartilhas, artigos, capítulos de livros). De
natureza operacional, o conjunto dessas ações de capacitação foi concebido
para disseminar conteúdos, práticas e instrumentos relativos à governança das
regiões metropolitanas no Brasil fazendo frente aos desafios que demarcam
seus processos políticos, administrativos e socioespaciais.
No contexto de montagem, desenvolvimento temático e calibragem dos
conteúdos junto aos organizadores parceiros (escolas legislativas municipais e
estadual, prefeituras, secretarias de governo) – o que afinal evidencia o caráter
articulador da atividade extensionista –, três são as perguntas sobre as quais o
Observatório de Política Urbana/ PUC Minas vem se debruçando tanto no
esforço da explicitação de seus princípios quanto na crítica da própria participação no projeto para governança democrática na RMBH, a saber:
a) Em primeiro lugar, de que modo o debate concernente aos arranjos institucionais que regulam a relação poder público-sociedade operam para a
educação política dos diferentes grupos sociais envolvidos?
b) Em segundo lugar, considerado o sentido estrito do termo democracia, e
diante dos dilemas urbanos, até que ponto a gestão democrática de uma grande
cidade efetivamente fortalece o controle social sobre o poder público?
c) e, finalmente, de que forma a agenda da governança compartilhada permite
consolidar os espaços de articulação autônoma da sociedade?
Evidentemente, este texto não tem a pretensão de chegar às respostas; são
questões fundantes em relação ao todo do nosso trabalho no Observatório e o
que farei aqui é apenas descrever o seu posicionamento em face da experiência
de colaboração no que denominamos internamente “Projeto Governança”.
É, então, a partir de três pontos de fuga, quais sejam, educação política,
controle social sobre o poder público e espaços de articulação autônoma da
sociedade, que o Observatório de Política Urbana pensa a sua prática e a repercussão das iniciativas para a capacitação que veicula.
Trata-se de tornar palpável a questão espacial e evidenciar sua relevância.
Vimos assumindo como premissa que arranjos institucionais reguladores da
relação Estado-sociedade se tornam menos abstratos para diferentes grupos
sociais quando os atores sociais envolvidos podem percebê-los também a partir
da dimensão espacial de um território.
Rita Velloso | 353
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Uma parte substancial da população urbana no mundo habita hoje as
metrópoles, produzindo a cada dia novos arranjos territoriais e novas espacialidades. Uma metrópole se constitui por suas dimensão e diversidade (social,
econômica e cultural) segundo uma dinâmica própria na qual indivíduos, comunidades, instituições e organizações configuram tanto uma densidade como
uma articulação – de contatos e relações, de limites político-administrativos,
mas sobretudo de lógicas da proximidade e da distância.
Nos dias de hoje as metrópoles são – a ritmos muito distintos de caso para
caso – espacialidades que contêm múltiplas centralidades, levando a questionar
a eficiência de soluções de regulação e governança exclusivamente baseadas
numa visão centralista, estatizante e espacialmente rígida. Por isso, tornouse fundamental discutir democrática e amplamente as formas de regulação e
de governança das regiões metropolitanas num novo patamar que ultrapasse
definitivamente o debate sobre a eficácia e a eficiência, que demarcava o planejamento funcionalista da cidade.
Nessa direção, o Observatório de Política Urbana sustenta suas iniciativas de capacitação na perspectiva de que a compreensão da questão espacial
urbana não se separa da reflexão política. Isso implica pensar as novas formas
de governabilidade possíveis de serem desenvolvidas nesses territórios – as
espaço-temporalidades das atuais regiões metropolitanas – que cada vez mais
extravasam os limites geográficos das áreas administrativas como práticas
espaciais, isto é, modos de apropriação coletiva do espaço. Trata-se, do ponto
de vista da educação política, de pensar a superação da fragmentação das realidades metropolitanas por meio de uma inovadora geometria institucional em
que novas práticas institucionais devem dar sentido a uma também nova escala
de identificação coletiva, atenta a práticas sociais existentes, tornando possível
uma consciência metropolitana enraizada no cotidiano das pessoas.
Para isso, é preciso assumir a meta de uma prática educativa fomentadora
de novos comportamentos; uma prática educativa que se volte à difusão de
novas práticas e políticas urbanas, que discuta a colaboração, a solidariedade,
as redes sociais e os espaços para construção de consenso.
Entendendo que o espaço é algo produzido de modo indissociado da
produção das relações sociais, esses novos desenhos institucionais ultrapassariam
em muito a visão moderna (funcionalista, herdeira do urbanismo preconizado pela Carta de Atenas) que levou à constituição de áreas metropolitanas
administrativas. A riqueza e a complexidade das realidades metropolitanas
terão, necessariamente, de se ver naquelas práticas institucionais desenvolvidas com o propósito de dar sentido à comunidade metropolitana imaginada,
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reduzindo disparidades infraestruturais, níveis de injustiça social, combatendo
a desigualdade socioespacial que é também tendência de fragmentação das
identidades sociais.
Ora, dada essa conjuntura, é bem-vinda a nova relação que começa a se
estabelecer entre o Estado e os processos de produção do espaço, pois que dará
conta de compreender comportamentos e novas configurações de valores com
vistas à participação ampliada de diversos tipos de atores sociais em processos
de tomada de decisão, além de lidar com as centralidades móveis que se criam,
com centros geradores de fluxos, e novas formas de comércio e de serviços.
Do ponto de vista da dinâmica urbana, se entendemos a democracia como
gramática e organização da sociedade e da relação entre sociedade e Estado,
construir consensos e colaborar interinstitucionalmente é algo transformador dos modos de apropriação e de organização física do espaço. A inovação
também é requerida para a formulação de políticas urbanas metropolitanas e
de seus instrumentos (estrutura administrativa, processos, políticas, acordos
para o planejamento e a gestão, consensos).
Tais políticas virão consolidar uma prática que, ao final, é prática do espaço
apoiada numa pedagogia para a cidadania, e, se pensamos em termos de Brasil, não deverão ter outros alvos que não a transformação social, a promoção
de equidade social, de geração de trabalho e renda. O processo colaborativo
refere-se precisamente aos processos de formulação das políticas, disseminando
a ideia da colaboração para a concepção, a formulação e a implementação de
políticas públicas inovadoras.
A cooperação certamente implica pensar redefinições no exercício do
poder, uma vez que se evidencia o quanto a força da metrópole se dá por meio
da negociação para alcançar padrões de desenvolvimento referidos ao âmbito
local. Trata-se de formular diretrizes gerais que, principalmente, permitam
organizar localmente práticas de urbanização colaborativa.
Há, no Brasil, nas cidades que integram regiões metropolitanas, um
potencial para a articulação entre agir e tomar consciência que não deve ser
desprezado. Cooperação e comunicação podem, também na vida urbana brasileira, definir uma singularidade produtiva de grupos humanos e desenhar,
de modo continuado, novas ordenações da sociedade civil.
A cooperação, no cotidiano urbano, acaba por constituir um movimento
em cujo foco está o espaço. Numa urbanização que experimente arranjos
colaborativos podem acontecer modos renovados de apropriação do espaço,
em torno dos quais novas liberdades são construídas. Em outras palavras,
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numa práxis espacial coletiva experimentada nas grandes cidades, aprende-se
e reaprende-se a construir comunidades, formas de expressão, de trabalho e
redes sociais.
Parte essencial para a consolidação da governança democrática colaborativa, a cooperação é estratégia para conferir poder, mobilizar e favorecer a
otimização do aporte de recursos da sociedade. Cooperação é tanto dinâmica
social quanto condição da construção de relações mais paritárias de interação
de atores e, como resultado, opera para conformar novas identidades políticas
plurais.
As práticas institucionais metropolitanas colaborativas devem acolher
múltiplos protagonistas, cruzar o tempo longo das soluções institucionais estáveis com o tempo mais curto das parcerias por projeto, conciliar intervenções
centralizadas com ações ascendentes, de baixo para cima, aprofundando a
democracia e reconhecendo os sujeitos coletivos enquanto agentes de transformação. Comprovadamente, nos dias de hoje, a consideração da questão
sociopolítica existente por trás da participação tem contribuído para delinear
boas propostas de governança: a maior parte das experiências participativas
bem-sucedidas na América Latina demonstrou a capacidade de atores sociais
de transferirem práticas e informações do nível social para o nível administrativo, descortinando possibilidades de um protagonismo em políticas públicas
de novo tipo e de reformas sociais.
As parcerias para a governança, celebradas entre instituições, ou entre
instituições e sociedade, constroem-se do ponto de vista das competências e
capacidades a mobilizar para a autonomia, tanto individualmente (percepção da
responsabilidade individual) como em parceria (consciência das necessidades
coletivas e vigor dos movimentos de organização em conjunto); mas também
pelas novas fronteiras que a escala metropolitana abre ao exercício da democracia e da cidadania, buscando novas soluções e formas de governança e de
regulação que dificilmente se esgotam numa resposta político-administrativa
global e com uma delimitação geográfica rígida do ponto de vista do território de intervenção. Trata-se, mais uma vez, da construção do comum – de
instrumentos comunitários que se consolidam e estendem em redes, ainda
que provisoriamente.
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SOBRE OS colaboradORES
Ana Luiza Nabuco Palhano
Economista, pós-graduada em Administração Pública, doutoranda em Economia
Aplicada. Auditora de Tributos Municipais, é atualmente assessora da Secretaria
Municipal de Finanças de Belo Horizonte. Foi secretária adjunta de Planejamento
da Prefeitura de Belo Horizonte (2006 a 2010), professora da Fundação João
Pinheiro e pesquisadora. Tem trabalhado nos últimos anos com o tema da
governança metropolitana colaborativa, tendo sido gestora municipal do projeto
sustentador “Desenvolvimento metropolitano”, coordenadora local na Região
Metropolitana de Belo Horizonte do Projeto “Novos Consórcios Públicos”,
representante governamental no Conselho de Desenvolvimento Metropolitano
e professora desse tema em diversos cursos de pós-graduação e extensão.
e-mail: [email protected]
Andrea Chelles
Assistente Social formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, pósgraduada em Pedagogia Empresarial, estudante de Direito da Faculdade Dom
Helder Câmara, Analista de Políticas Públicas da Prefeitura de Belo Horizonte,
Coordenadora Temática do Consórcio Regional de Promocão da CidadaniaMulheres das Gerais.
e-mail: [email protected]
Carlos Alberto Vasconcelos Rocha
Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas – Unicamp,
com pós-doutorado no Instituto de Governo e Políticas Públicas da Universidade
Autônoma de Barcelona, e professor da Pós-graduação em Ciências Sociais da
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.
e-mail: [email protected]
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Carlos Aurélio Pimenta de Faria
Professor do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, doutor em Ciência Política pelo Iuperj.
e-mail: [email protected]
Claudia de Souza
Arquiteta e mestre em Planejamento Urbano e Regional pelo Instituto de Pesquisa
de Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), 1992. Desde 1990, é professora de cursos de graduação e pós-graduação em várias universidades sobre matérias relacionadas a urbanismo
e planejamento urbano. Trabalhou em vários governos municipais na área de
planejamento urbano. É diretora municipal da Diretoria de Planejamento Urbano
da Cidade de São Bernardo do Campo (Região Metropolitana de São Paulo).
e-mail: [email protected]
Cristina Almeida Cunha Filgueiras
Doutora em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (Paris,
França). Mestre em Educação e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Minas Gerais (Belo Horizonte, Brasil). Professora do Programa de Pósgraduação em Ciências Sociais e do Curso de Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
e-mail: [email protected]
Erika de Castro
Pesquisadora associada e gerente de projetos internacionais junto ao Centro de
Assentamentos Humanos da Escola de Planejamento Regional e Comunitário da
Universidade de British Columbia. Desde a última década, Erika tem gerenciado
projetos internacionais no Brasil, relacionados ao desenvolvimento ambiental,
governança urbana e inclusão social. Atuou no Brasil por 20 anos como urbanista
social antes de se mudar para a cidade de Vancouver no Canadá, onde continuou
o trabalho social e voluntário na área de saúde pública, imigração, moradia social
e equidade de gênero.
Ermínia Maricato
Professora titular da Escola de Arquitetura e Planejamento Urbano da Universidade
de São Paulo (FAU/USP). Participou da fundação do Ministério das Cidades e foi
sua primeira secretária executiva (2003-2005). Entre 1989 e 1992, exerceu cargo de
secretária de Habitação da Prefeitura Municipal de São Paulo. Tem atuado como
consultora de políticas urbanas e habitacionais junto ao UN-Habitat (México,
358 | Sobre os colaboradores
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Argentina, África do Sul e Índia, entre outros), Caixa Econômica Federal e diversas
administrações estaduais e municipais. É autora de numerosos livros e publicou
diversos artigos em periódicos especializados no Brasil e no exterior.
Eugenia Bossi Fraga
Especializada em Contabilidade Pública e mestranda em Administração Pública.
Foi secretária nacional adjunta de Avaliação e Gestão da Informação e diretora
do Departamento de Formação de Agentes Públicos e Sociais do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, além de secretária municipal adjunta
de Administração e Recursos Humanos e presidente diretora da Prodabel –
empresa de Informática da Prefeitura de Belo Horizonte. Atualmente é secretária
municipal de Planejamento e Coordenação Geral da Prefeitura de Contagem
e representante no Conselho de Desenvolvimento Metropolitano. Desde 2007
atua no Grupo Gestor Intermunicipal do Consórcio Regional da Promoção da
Cidadania: Mulheres das Gerais.
e-mail: [email protected]
Girlene Galgani Reis de Oliveira
Administradora graduada pela Face/UFMG, especialista em Gestão Estratégia/
Face-UFMG e em Elaboração, Gestão e Avaliação de Projetos Sociais em Áreas
Urbanas. Integrou a equipe técnica do Consórcio Mulheres das Gerais a partir
de 2007, foi gerente de Planejamento, Pesquisa e Gestão da SMADC/Prefeitura
de Belo Horizonte e atualmente é coordenadora de Modernização e Gestão da
Informação da Prefeitura de Contagem.
e-mail: [email protected]
Gustavo Gomes Machado
Possui graduação em Administração Pública pela Fundação João Pinheiro
(2002), graduação em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
(2004) e mestrado em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais (2007). É consultor da Assembleia Legislativa de Minas Gerais e
professor da Faculdade Pitágoras de Direito. Foi superintendente de Assuntos
Metropolitanos do governo de Minas Gerais (2004-2006). Tem experiência
profissional e publicações nas áreas de Administração Pública e Direito, atuando
principalmente nos seguintes temas: gestão metropolitana, planejamento
urbano, consórcios públicos e gestão municipal.
e-mail: [email protected]
Sobre os colaboradores | 359
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Jeroen J. Klink
Economista holandês (University of Tilburg), com PhD em Planejamento Urbano
pela Universidade de São Paulo (USP) Brasil. Trabalhou no IHS (Institute for
Housing and Urban Development Studies) em Rotterdam. No Brasil, exerceu
função de secretário municipal de Desenvolvimento Econômico Local da Cidade
de Santo André (Região Metropolitana de São Paulo). Desde 2005 é professor em
economia urbana na Universidade Federal do ABC (Região Metropolitana de São
Paulo). Publicou inúmeros trabalhos na área de desenvolvimento econômico local,
governança metropolitana e planejamento urbano regional em livros e revistas
acadêmicas no Brasil e no exterior.
e-mail: [email protected]
Luciana Teixeira de Andrade
Doutora em Sociologia pelo Iuperj, professora do Programa de Pós-graduação em
Ciências Sociais e dos cursos de graduação em Ciências Sociais e Jornalismo da PUC
Minas. Participa, como pesquisadora e coordenadora regional, do Observatório
das Metrópoles. É autora do livro A Belo Horizonte dos modernistas: representações
ambivalentes da cidade moderna e organizou, junto com outros pesquisadores,
os livros: A cidade e seus agentes: práticas e representações e Metrópole: território,
sociedade e política. O caso da Região Metropolitana de Belo Horizonte.
e-mail: [email protected]
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro
Graduação em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas – RJ (1972),
mestrado em Développement Économique et Social - Université Paris 1 (PanthéonSorbonne) (1976) e doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de
São Paulo (1991). É professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional- Ippur/UFRJ. Coordena o
Observatório das Metrópoles: território, coesão social e governança, pesquisa em
rede envolvendo estudos comparativos sobre 12 metrópoles brasileiras. Desenvolve
estudos sobre os temas: metropolização, dinâmicas intra-metropolitanas e o
território nacional, dimensão socioespacial da exclusão/integração nas metrópoles,
governança urbana, cidadania e gestão das metrópoles. Coeditor da revista Cadernos
Metrópoles.
e-mail: [email protected]
Maciej John Wojciechowski
Graduado em planejamento urbano e regional e mestre em desenvolvimento
econômico local pela University of Waterloo – Canadá (2002). Desde 2003 atua
como consultor de projetos no Brasil do Centro de Assentamentos Humanos da
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University of British Columbia (UBC/CHS). Durante os últimos quatro anos
(2006-2010) exerceu o papel de coordenador nacional de campo do projeto bilateral
Brasil-Canadá “Novos Consórcios Públicos para Governança Metropolitana”.
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Márcia de Cássia Gomes
Formada em História pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Pós-graduada em História do Brasil, Filosofia da Educação e Metodologia do
Ensino Superior. Professora de História da Rede Municipal de Educação de
Belo Horizonte. Titular da Coordenadoria dos Direitos da Mulher da Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte. Integra a Rede de Enfrentamento à Violência Contra
a Mulher de Minas Gerais e o Grupo de Coordenação Técnica do Consórcio
Regional de Promoção da Cidadania: Mulheres das Gerais.
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Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite
Arquiteta e urbanista. Docente da PUC Campinas desde 1987, atuou também na
coordenação do Laboratório do Habitat, organismo de extensão universitária da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. É especialista em Controle do Ambiente
em Arquitetura (MEC/Capes) com estágio de aperfeiçoamento realizado nos EUA.
É mestra e doutora em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São
Paulo, com pesquisa sobre a formação tecnológica do arquiteto. Com formação
profissional em Educação Internacional, criou e dirigiu a área de Relações
Internacionais Acadêmicas da PUC Campinas. Participa da gestão de entidades
profissionais, conselhos comunitários e centros binacionais (Alliance Française).
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Maria Coeli Simões Pires
Secretária adjunta de Estado de Desenvolvimento Regional e Política Urbana
de Minas Gerais. Mestre em Direito Administrativo pela UFMG e doutora em
Direito pela mesma universidade. Atuou junto ao Poder Legislativo em diversos
cargos técnicos, tendo sido consultora geral e secretária geral da mesa. Nessa
condição foi responsável pela coordenação técnica geral do processo constituinte
mineiro. É autora de diversos capítulos de livros e de artigos de revistas de Direito
Administrativo, Administração Pública, Direito Municipal, Direito Urbanístico.
Organizou diversas publicações institucionais, singulares e coletivas.
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Sobre os colaboradores | 361
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Marina Esteves Lopes
Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela Universidade de Lisboa/Portugal,
pós-graduada em Direito Municipal pelo IEC/PUC Minas, professora da PUC
Minas, Assessora Jurídica da Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte,
advogada sócia do escritório Ribeiro de Oliveira Advogados Associados.
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Marinella Machado Araujo
Advogada, consultora jurídica especializada em gestão pública urbano-ambiental,
doutora em Direito Público pela Universidade Federal de Minas Gerais, professora
adjunta de Direito Administrativo, Urbanístico e Ambiental da Faculdade Mineira
de Direito, coordenadora do Núcleo Jurídico de Políticas Públicas do Programa
de Pós-graduação em Direito da PUC Minas.
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Orlando Alves dos Santos Junior
Sociólogo, doutor em Planejamento Urbano e Regional pelo Ippur-UFRJ. Professor
do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - Ippur da UFRJ. Tem
experiência na área de Sociologia Urbana, atuando principalmente nos seguintes
temas: planejamento urbano, política urbana, cidadania, democracia e cultura
política, e participação social.
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Rita Velloso
Possui graduação em Arquitetura pela Universidade Federal de Minas Gerais
(1989), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1999),
doutorado em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007).
Professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (desde 1996) e da
Universidade Fumec (desde 1999). Desde 2008 é coordenadora do Observatório de
Políticas Urbanas da PUC Minas/Opur/Proex, e como parte das atividades desse
observatório lidera o grupo de pesquisa “Metrópole: processos socioespaciais,
governança democrática, planejamento e gestão urbana”.
e-mail: [email protected]
Rosana Denaldi
Graduada em Arquitetura e Urbanismo e doutora em Planejamento Urbano
pela Universidade de São Paulo (2003). Obteve sua especialização em Habitação
e Desenvolvimento de Políticas Urbanas pelo IHS (Institute for Housing and
Urban Development Studies – Rotterdam) em 1992. Exerceu a função de
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secretária municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano da cidade de Santo
André e atuou como consultora em capacidade institucional do Ministério das
Cidades. É professora da Universidade Federal do ABC (Região Metropolitana
de São Paulo).
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Sérgio de Azevedo
Professor titular da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro
(UENF), pesquisador da rede “Observatório das Metrópoles” e Consultor “Ad Hoc”
de diversas agências governamentais na área de políticas públicas. Pós-graduado em
Administração Pública na FLACSO/Chile; mestre em Ciência Política no IUPERJ/
Rio de Janeiro, doutor em Sociologia na Universidade Católica de Louvain (Bélgica)
e pós-doutor pela Universidade de Stanford. Desempenhou diversas funções de
direção em universidades e associações acadêmicas e participou da construção e
coordenação de vários programas de pós-graduação no Brasil. Publicou diversos
trabalhos acadêmicos em livros e revistas nacionais e internacionais.
e-mail: [email protected]
Terry McGee
Professor emérito da Universidade de British Columbia. Ex-diretor do Instituto de
Pesquisa Asiática, ocupou o cargo de vice-presidente e presidente da Associação
Nacional de Geógrafos Canadenses. Por mais de trinta anos se dedicou à questão
do desenvolvimento urbano e regional das grandes cidades. É autor de numerosos
artigos acadêmicos e livros, incluindo A cidade da Ásia, O processo de urbanização,
Os teatros da acumulação e O desenvolvimento da região metropolitana conurbada.
e-mail: [email protected]
Virgínia R. dos Mares Guia
Mestre em Sociologia pela UFMG. Fez parte da equipe técnica do Plambel –
Planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte – e da Fundação João
Pinheiro. É autora de diversos artigos publicados sobre o tema da gestão nas regiões
metropolitanas. Pesquisadora do Observatório das Metrópoles.
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Sobre os colaboradores | 363
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Agradecimentos
O projeto “Novos consórcios públicos para governança metropolitana”
agradece a todos que apresentaram artigos durante a Mesa-redonda e que
contribuíram para este volume. Gostaríamos também de estender nossos
agradecimentos ao pessoal de apoio e demais participantes da Mesa-redonda
que, de várias maneiras, colaboraram para o sucesso do evento e a realização
desta publicação.
A Secretaria Municipal de Planejamento de Belo Horizonte e a Secretaria
de Desenvolvimento Urbano do Estado de Minas Gerais ofereceram o apoio
profissional essencial para a realização da Mesa-redonda. Tanto o evento quanto
esta publicação contaram com o apoio financeiro da Agência Canadense para
o Desenvolvimento Internacional (CIDA).
Projeto gráfico, diagramação e montagem de capa
Cássio Ribeiro | [email protected]
Impressão e acabamento
Gráfica Editora Del Rey Ind. Comércio Ltda.
Belo Horizonte MG
Março de 2010
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