Ensino em Grupo de Instrumento Musical na Educação Básica
Alessandra Nunes de Castro Silva, SEDUC/GO, [email protected]
Resumo: O presente artigo trata-se de um relato de experiência a respeito das aulas de ensino em grupo de
instrumento musical em uma escola de educação básica no município de Goiânia, Goiás. A fim de proporcionar
a educação musical dos alunos, a aula de música na escola em questão representa atividade curricular obrigatória
em cumprimento a Lei 11.769/2008. Com o objetivo de alfabetizar musicalmente os educandos, foram
ministradas aulas de flauta doce aos alunos do quarto e quinto ano do ensino fundamental I.
Palavras-chave: Educação Básica, Ensino em Grupo, Flauta doce.
1. A Presença da Música na Educação Básica Brasileira
Para uma melhor compreensão da situação da música na educação escolar
brasileira atual é necessário delinear o caminho histórico percorrido pela mesma ao longo de
seu desenvolvimento. Tendo chegado ao Brasil pelas mãos dos portugueses, sendo assim sob
a égide de suas significações, desempenhou papéis distintos, de acordo com seus interesses
para com ela na nova colônia.
Nos idos de 1549, período colonial brasileiro, os jesuítas vieram ao Brasil tendo
como principal missão manter a fé entre os colonos e evangelizar os indígenas. Seu projeto
pedagógico tinha como objetivo moldar o indivíduo de um modo seletivo e idealista, onde o
ensino de música era obrigatório.
1808 foi um ano ímpar para o desenvolvimento da cultura musical brasileira,
marcado pela chegada da família real ao país, onde D. João VI, com a intenção de seguir a
tradição da família, cria a Capela Real e traz músicos da Europa que acabaram por exercer
grande influência na formação dos músicos brasileiros. “A prática musical do século XIX
reflete as grandes transformações políticas e econômicas pelas quais o País passava e
evidencia sua situação de dependência da Igreja ou do governo” (UNGLAUB, 2000, p. 20).
A proclamação da república diversificou a vida musical do século XX, neste
período criaram-se sociedades e clubes que agenciavam concertos mensais, com composições
europeias muito apreciadas na época a seus associados. Nesta época, passou-se a discutir o
uso da música na educação, com a intenção de se criar diretrizes para se regulamentar o
ensino da música na educação brasileira.
“No século XXI, a aprovação da Lei 11.769/08 foi mais um passo dado a favor da
educação musical no sentido de se dar a devida importância à necessidade do ensino de
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música na educação básica” (SILVA, 2012, p.21). Conforme o Diário Oficial da União de 19
de agosto de 2008, ela “altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Lei de Diretrizes e
Bases da Educação, para dispor sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação
básica”. Versa a Lei que “os sistemas de ensino terão 3 (três) anos letivos para se adaptarem
às exigências estabelecidas [...]”(BRASIL, 2008, art.3º).
A Lei n. 11.769/08 estabelece que a música seja conteúdo curricular obrigatório, o
que implica uma série de adaptações por parte dos sistemas educacionais para que
tal conteúdo seja devidamente incorporado ao conjunto de componentes já presentes
nos currículos escolares (FIGUEIREDO, 2011, p.05).
Segundo essa mesma Lei, “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não
exclusivo, do componente curricular [...]” (BRASIL, 2008, § 6o). A sanção da lei nº 11.769/08
em 19 de agosto de 2008, tornou o ensino de música obrigatório na Educação Básica, que
engloba Educação Infantil e o Ensino Fundamental. De acordo com a lei, todas as escolas
públicas e privadas do país devem inserir aulas de música em sua matriz curricular. Assim
sendo, a partir de agora relatar-se-á sobre a implementação das aulas de música numa escola
da rede particular de ensino do município de Goiânia, Goiás.
2. A Escola
Localizada num bairro de classe média atende a alunos da educação infantil,
ensino fundamental I e II e ensino médio, tendo como característica a inclusão onde os alunos
com necessidades especiais são inseridos na sala de aula regular e acompanhados por uma
equipe multiprofissional (neuropsicopedagogo, psicólogo, fonoaudiólogo e terapeuta
ocupacional).
O ano referência deste relato de experiência é o ano de 2012 onde as aulas de
música estavam presentes somente na educação infantil e ensino fundamental, sendo que para
educação infantil o professor que ministrava as aulas tinha formação em filosofia, o do ensino
fundamental I com formação em educação musical e o do fundamental II sem formação em
nenhuma área.
As aulas de música da educação infantil tinham como foco o “canto coral”, as do
fundamental II a história da música e as do fundamental I a educação musical, desenvolvendo
atividades com vivências musicais, música em conjunto, organologia.
Por se tratar de um relato de experiência com o ensino em grupo de instrumento, a
seguir explanar-se-á sobre o porquê deste formato de aulas.
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3. As aulas de Música do Ensino Fundamental I
Ofertadas aos alunos do 1º ao 5º ano sendo uma turma de cada ano decidiu-se por
formatar um currículo progressivo, onde em cada ano os alunos pudessem ter vivências
musicais que os levassem à alfabetização musical por meio da prática. Por saber que os alunos
durante a educação infantil tiveram como estímulo musical somente o canto coral optou-se
por ministrar aos alunos do 1º ano vivências lúdicas com os parâmetros do som e bandinha
rítmica. Assim eram realizadas aulas práticas onde os alunos aprendiam a cantar e tocar os
instrumentos musicais por meio de jogos, brincadeiras e repetição. Aqui o ensino em grupo de
instrumento musical por meio da bandinha rítmica é realizado com o intuito de que os alunos
vivenciem o ritmo, a melodia, os parâmetros sonoros, bem como entendam o papel/função de
um regente.
Para o segundo ano, pensando em uma progressão, mantiveram-se as atividades
lúdico-pedagógicas de vivência do ritmo, melodia, parâmetros do som, mas já com a inserção
de símbolos para representação dos sons. Agora os instrumentos musicais da bandinha rítmica
já não são mais tocados apenas por imitação, os alunos são capazes de ler os símbolos
convencionados em aula e executar em seus respectivos instrumentos.
No terceiro ano estes símbolos são substituídos por figuras musicais e os alunos
aprendem a realizá-los por meio de onomatopeias, percussão corporal e no próprio
instrumento. Aqui já são feitas leituras rítmicas com várias vozes, utilizando os instrumentos
da bandinha rítmica, tão conhecidos pelos alunos.
Para o quarto e quinto ano com a intenção de ensinar a leitura musical aplicada,
por ser mais bem compreendida, optou-se por aulas de flauta doce.
4. As Aulas de Flauta Doce
A escolha pela flauta doce se deu por diversos motivos onde podemos citar os de
ordem prática, ser este um instrumento de fácil aquisição, transporte, manuseio e conservação;
e os de ordem pedagógica,
A prática de um instrumento musical para o indivíduo pode ser comparada à
descoberta do próprio corpo, pois o contato físico com o instrumento pode expandir
a relação da pessoa com a música estimulando o gosto pela mesma, desmistificando
os tabus de que apenas os bem dotados conseguem tocar um instrumento
(MENDES, 2010).
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[...] tocar a flauta doce [...] em conjunto propicia uma maior integração do indivíduo.
Faz com que tome consciência de que há outra pessoa ao seu lado, que deve sempre
respeitar o espaço do outro para que a atividade musical aconteça de maneira
favorável [...]. Ajuda também na auto-estima, pois o fazer musical desenvolve sua
capacidade de produção e esta é uma prática musical que lhe proporciona prazer
(BUENO, 2008, p. 13).
Para se realizar a aquisição da leitura musical foi feita a integração entre a teoria
musical e a prática na flauta doce, onde os conteúdos teóricos são introduzidos de acordo com
a necessidade prática do repertório a ser executado. O repertório é progressivo, partindo-se de
melodias de duas notas e seguindo a ideia de intervalos sugerida por Kodály (sol-mi, sol-lásol-mi, sol-lá-sol-mi-ré-mi,...). As músicas são sempre executas com acompanhamento de
teclado, pois este serve como base para as entradas e manutenção do ritmo, e ou instrumentos
percussivos.
A afinação das flautas utilizadas é a soprano e o modelo, apesar de ir à contramão
dos princípios de estudo de flauta doce, que indicam o modelo barroco como ideal para os
estudos devido suas características permitirem uma melhor afinação e dedilhado mais fácil, é
o germânico, pois se considerou o fato deste possuir a mesma lógica de direção das notas na
digitação12 que as utilizadas para as notas na pauta, facilitando assim a aquisição da leitura
musical. O que no momento específico era o foco.
Veja na ilustração abaixo, quando fechamos todos os orifícios da flauta doce
germânica temos a nota dó3, se “subimos” um dedo, temos a nota ré3, e se subimos uma nota
na pauta, lembrando que escrevemos uma nota na linha e outra no espaço, também temos a
nota ré3. Assim, o processo de aquisição da leitura fica mais fácil para as crianças, pois o
movimento das notas na pauta é o mesmo das notas na flauta, sobe a nota na pauta – sobe o
dedo na flauta; desce a nota na pauta – desce o dedo na flauta.
12
Digitação: orifícios que devem ser tampados com respectiva mão e dedos.
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Vale lembrar, que a aula de instrumento musical no contexto da sala de aula do
ensino regular tem propósitos distintos das aulas de instrumento musical de escolas
específicas de música.
O primeiro contato com a flauta doce se deu por meio da experimentação das
possibilidades sonoras do instrumento, onde os alunos foram incentivados a explorar a flauta
tanto montada quanto desmontada, buscando as várias de formas de se produzir som com a
mesma. Passado o momento de experimentação ensinou-se a montar corretamente o
instrumento e por meio de uma conversa com os alunos chegou-se ao consenso de quantos
orifícios funcionais13 tem a flauta.
Partindo-se do princípio de que a mão esquerda sempre vai em cima14 e do
pressuposto de que a flauta possui oito orifícios e de acordo com as posições dos mesmos no
instrumento, definiu-se com os alunos, como se deve segurar a flauta, ou seja, que dedo e de
que mão vai a cada orifício. Preocupou-se também em definir com os alunos qual seria uma
postura mais adequada para se segurar o instrumento.
Após aprender a segurar a flauta, chegou a hora de se entender como se tira um
bom som da mesma, assim explicou-se sobre a melhor forma de se tirar som do instrumento,
trabalhando-se a articulação. Todos os conceitos trabalhos foram construídos com os alunos
de forma lúdica, partindo da audição/repetição e troca de ideias.
13
Funcionais porque são os orifícios que deverão ser tapados ou abertos para que se mude o som da flauta,
produzindo as diferentes notas musicais.
14
Foi dito aos alunos que esta é uma convenção e que, portanto deve ser seguida.
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Para se ensinar a primeira melodia partiu-se da nota sol3. Primeiramente foi feita
uma revisão dos conteúdos como posição das mãos, número dos dedos, articulação15 do som
enquanto se apresentava aos alunos a posição desta nota na flauta. Para experimentar a
digitação e articulação da nota aprendida foram realizados exercícios rítmicos por meio da
observação/repetição. Após experimentar e vivenciar a nota sol3 por meio da
improvisação/criação de ritmos livres partiu-se para a música proposta.
Com a intenção de introduzir a escrita musical, trabalhou-se com os alunos as
possibilidades de movimento sonoro (sobe, desce, permanece); que se pode tanto escrever
algo em cima, em baixo ou sobre uma linha. Trabalharam-se também os opostos, som x
silêncio; pergunta x resposta. Onde se escreve música, pentagrama e como sabemos o lugar
das notas, clave. Após a percepção de que os alunos haviam internalizado tais conceitos,
partiu-se para a primeira melodia.
Optou-se por uma melodia com as notas sol3 e mi3, pois assim, já desde a
primeira música a criança utiliza as duas mãos na flauta, evitando a aquisição de má postura
da mão direita. Foi feita a leitura16 da melodia escrita, em seguida a leitura com digitação,
depois articulação com digitação e por último foi tocada a melodia.
15
16
Articulação: meio pelo qual se tira o som da flauta, no caso “tu” sem som. Leitura: “falar” o nome das notas. 27 | P á g i n a
Na sequencia apresentou-se o acompanhamento da música ao teclado escrito no
ritmo marcha. A melodia da flauta doce foi cantada junto com o acompanhamento, para que
os alunos pudessem perceber a interação da flauta doce com o acompanhamento. Após a
apreciação do acompanhamento com a melodia cantada, os alunos foram convidados a tocar a
música. Depois de todos os alunos aprenderem a tocar a melodia e com o intuito de trabalhar
o ritmo, foi feito um arranjo para percussão. A cada nova melodia seguiu-se o mesmo
processo de ensino-aprendizagem.
É necessário relatar que o desafio encontrado durante as aulas que se destacou foi
a ansiedade dos alunos, que motivados pela vontade de tocar e curiosidade em experimentar,
não esperavam a vez dos colegas ou mesmo a introdução do acompanhamento ou por
quererem aparecer mais que o colega, sopravam com muita força desafinando o grupo.
5. Considerações Finais
Notou-se durante o processo que o ensino em grupo de instrumentos se configura
como uma excelente ferramenta para alfabetização musical, visto que as aulas de música na
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educação básica não visam à formação de um performer e sim de um sujeito autônomo e
crítico, capaz de decifrar os códigos da linguagem musical bem como, criar, executar,
improvisar, e manipular os símbolos, significados e significações da gramática musical.
A presença do instrumento musical nas aulas de música do ensino regular marcase como ferramenta de educação musical, um meio pelo qual lançamos mão para construir
conceitos por meio da prática. A facilidade que a flauta doce germânica traz para a aquisição
da leitura musical por parte das crianças, justifica seu uso, apesar de seus problemas com
afinação. O prazer que o aluno sente ao saber que é capaz de ler a partitura e tocar na flauta
doce, tudo ao mesmo tempo, o motiva a prender sempre mais.
Referências:
BRASIL. Projeto de Lei nº 2.732, 21/05/2008.
_______. Lei nº 11.769/08. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato 20072010/2008/Lei/L11769.htm Acesso em: 07 jul. 2010.
BUENO, Meygla Rezende. A Flauta Doce em Um Processo de Musicalização na Terceira
Idade. 2008. 174 f. Dissertação (Mestrado em Música), Escola de Música e Artes Cênicas –
Universidade Federal de Goiás, 2008.
FIGUEIREDO, Sérgio Luiz Ferreira de. In: Educação Musical Escolar – salto para o Futuro.
Ano XXI, Boletim 8, jun 2011. p 5-16
MENDES, Rosicléia Lopes Rodrigues. A prática da flauta doce na escola como
instrumento educativo, 23 abr 2010. Disponível em: http://www.webartigos.com/
articles/36663/1/A-pratica-da-flauta-doce-na-escola-como-instrumento-educativo/
pagina1.html#ixzz1MRzRfi8g. Acesso em: 20 abr 2011.
SILVA, Alessandra Nunes de Castro. A Situação da Música em Duas Escolas Públicas de
Goiânia e a Lei nº 11.769/08. 2012. 119 p. Dissertação (Mestrado em Música) – Escola de
Música e Artes Cênicas, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2012.
UNGLAUB, Tânia Regina da Rocha. O Ensino da Música no Processo Educativo:
Implicações e desdobramentos nas séries iniciais do ensino fundamental. 2000. 165 f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de
Campinas, Campinas, 2000.
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