O neopentecostalismo e a “mcdonaldização” da fé
Eduardo Guilherme de Moura Paegle
Doutorando no Programa de Pós-Graduação
Interdisciplinar em Ciências Humanas
pela Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC) –Brasil E-mail:[email protected]
GT 2 – Mídia, espetáculo, consumo e
Marketing religioso.
Resumen - Resumo
A referida comunicação busca analisar os efeitos do neopentecostalismo no campo
religioso brasileiro relacionado com a questão da teologia da prosperidade.
Chamamos de “mcdonaldização”, neste sentido, os princípios racionalizados de
caráter administrativo-empresarial marcado por quatro características principais que
são a eficiência, a calculabilidade, a previsibilidade e o controle presente na teologia
contemporânea, sobretudo entre os neopentecostais.
Palavras-chaves: teologia, neopentecostalismo e “mcdonaldização”.
Introdução – A compreensão do conceito de “mcdonaldização”
Inicialmente devemos compreender o que chamamos de “mcdonaldização.” Para
isso utilizamos os conceitos do sociólogo estadunidense George Ritzer (2008), na obra
“The mcdonaldization of society 5”, ainda sem tradução para a língua portuguesa.
Torna-se nesse sentido, de analisarmos as características empregadas na referida
obra, que incluem quatro dimensões, que envolvem: eficiência, calculabilidade,
previsibilidade e controle.
Escolhemos as igrejas neopentecostais1 , como deixamos explícito no título, porque
visualizamos nelas mais fortemente as dimensões “mcdonaldizadas” pelo qual nos
1
O neopentecostalismo é uma vertente que congrega igrejas oriundas do pentecostalismo
clássico, ou mesmo das denominações protestantes e evangélicas, como batistas, metodistas
e presbiterianos. Surgiu nos Estados Unidos na década de 70. No Brasil, surgem na região
Sudeste, representados pela Igreja Universal do Reino de Deus (1977), Internacional da Graça
(1980), Cristo Vive (1986), Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1976), Comunidade da
Graça (1979), Renascer em Cristo (1986) e a Igreja Nacional do Senhor Jesus Cristo (1994).
Apresentam como características: a sua inserção social e do ethos de afirmação no mundo, a
defesa da Teologia da Prosperidade e os investimentos maciços na mídia de massa.
1
referimos no parágrafo anterior (ARAÚJO, 2007, p.505-506). Não estamos com isso,
dizendo que o fenômeno abordado por George Ritzer se aplica apenas as igrejas, mas
sim, que o recorte que fizemos para este artigo se encontra entre os neopentecostais
brasileiros.
Como bem disse um gerente da mais famosa rede de fast food na Cingapura “o
Mcdonald´s vende um sistema... não um produto”
2
(RITZER, 2008, p.185).
Esse
sistema envolve vários setores da sociedade, tais como: sistema judiciário, relações
familiares, drogas, Internet, educação, política e é claro, a religião (RITZER, 2008, p.
13). Para tornar claro este aspecto, buscamos exemplificar. A Internet, por exemplo,
visa homogeneizar o uso e a experiência dos usuários de “surfar” pela rede mundial.
Os currículos escolares que são padronizados com planos de lições de antemão
preparados para a aplicação dos professores em relação aos alunos e ainda na
religião, com as megaigrejas e as franchises (RITZER, 2008, p. 13).
A eficiência
A eficiência é a primeira dimensão do conceito de “mcdonaldização”. Definida aqui,
como um método otimizado que permite chegar de um ponto até outro para
satisfazer as necessidades dos clientes. As necessidades dos clientes podem envolver
uma série de necessidades, sejam elas: sexuais, perda de peso, lubrificar carros,
conseguir lentes de contato ou diminuir impostos. Devem-se seguir os passos como
num processo pré-designado, evidenciando uma extrema racionalização desse
processo (RITZER, 2008, p. 13). Um consumidor pode comprar um Viagra para
resolver os seus problemas sexuais o mais rapidamente possível ou pode fazer uma
dieta que perca peso rapidamente. Nos dois casos, o consumidor deve seguir os
passos indicados no rótulo do produto para o efeito desejado.
Considerando a noção de eficiência que apresentamos, entendemos que as igrejas
neopentecostais são as que mais encaixam dentro desse perfil. Muitas pessoas
adentram os templos neopentecostais brasileiros em busca de resolver as suas
preocupações de maneira mais eficiente possível. Problemas como: doenças,
desemprego, problemas financeiros, vícios nas drogas, desestruturação familiar são
facilmente encontrados nas multidões que visitam os templos brasileiros diariamente
e que buscam muitas vezes na fé, o último refúgio para resolver essas questões
presentes no seu cotidiano.
2
Tradução minha do inglês para o português. Todas as traduções referentes a essa obra neste
artigo foram de minha autoria.
2
A Igreja Universal do Reino de Deus, por exemplo, apresenta uma dinâmica semanal
que atende diferentes demandas. Domingo é o dia do louvor e da busca do Espírito
Santo, segunda-feira é o dia da reunião da prosperidade, terça-feira é o dia da sessão
do descarrego, quarta-feira tem a reunião dos Filhos de Deus, quinta-feira tem a
reunião da sagrada família, sexta-feira é o dia da corrente da libertação, sábado é o
dia da terapia do amor (ARAÚJO, 2007, p. 376). Delimitar públicos de acordo com
demandas específicas (curas, problemas financeiros, problemas sentimentais, entre
outros) que no caso, da Igreja Universal do Reino de Deus são definidos de acordo
com cada dia da semana é mais eficiente do que “misturar” públicos com demandas
distintas. Funciona como uma empresa que busca alcançar diferentes nichos de
mercado.
Afirma o site oficial da Igreja Universal do Reino de Deus sobre a reunião de sábado
que:
A Terapia do Amor, reunião realizada na Igreja Universal do Reino de
Deus, é voltada para as questões sentimentais. Pessoas que estão em
busca de uma vida amorosa bem-sucedida não devem deixar de
participar. A escolha amorosa adequada nem sempre depende
exclusivamente da pessoa. É por este motivo que nas reuniões, com
base nas Sagradas Escrituras, bispos e pastores ensinam que, para
uma
vida
sentimental
harmoniosa,
é
necessário
estruturar
primeiramente uma aliança com Deus, pois esta é a base para a
felicidade plena. O encontro é importante para os que são casados,
para aqueles que já têm um relacionamento e para os solteiros que
estão em busca de um amor. Os testemunhos de vidas transformadas
são cada vez mais freqüentes. Milhares de pessoas têm comprovado
o Poder de Deus em suas vidas.3
Nesse trecho evidencia-se a existência de uma demanda, que é para os que têm
problemas amorosos. Voltado para dois tipos de pessoas: aos casados que estão com
problemas de casamento e que buscam reatar a relação conjugal e para os solteiros
para encontrar o seu futuro (a) esposo (a).
Um exemplo clássico da concepção de eficiência entre a Igreja Universal do Reino
do Deus e o sistema “mcdonaldizado” é o sistema drive-thru. No Mcdonald´s, o
sistema drive-thru permite que os clientes passem de carro sobre a pista do
3
Disponível em < http://www.arcauniversal.com/iurd/reunioes.html?dia=sex>. Data de
acesso: 17 jun. 2011.
3
estabelecimento, vejam os letreiros com o nome dos lanches, escolham os lanches,
façam os pedidos, paguem pelos produtos adquiridos, peguem os sanduíches e saem,
criando um ritual altamente padronizado. Para o Mcdonald´s é eficiente, pois os
clientes não entram na loja (e, portanto, não sujam), leva os seus lixos embora nos
seus carros (fazendo com o que os clientes trabalhem para a rede de alimentos, sem
serem pagos por isso), despendem menos locais de estacionamentos, mesas,
empregados e espaços (RITZER, 2008, p.60; 74). Para os que entram pessoalmente no
Mcdonald´s, as filas, a pressa para “reabastecer” (refuel) e não se alimentar, os
bancos desconfortáveis, faz exatamente aquilo que os donos do fast food desejam,
que o cliente coma e vão embora o mais rapidamente possível (RITZER, 2008, p.82).
A Igreja Universal do Reino de Deus criou “o drive-thru da oração” que permite
com que o fiel receba a oração sem necessidade de sair do carro. “O procedimento é
simples: o ocupante do automóvel recebe um folheto de apresentação da Igreja, com
informações sobre as reuniões e, de dentro do carro, explica para o pastor o
problema que tem vivido, recebe oração e segue viagem.” Esse serviço religioso
funciona no bairro Vila Mariana, em São Paulo e segundo o seu idealizador foi trazido
de Houston (Estados Unidos), que desde 2006 é feito numa igreja à beira de uma
rodovia movimentada.4 Só que num aspecto é diferente do Mcdonald´s, o drive-thru
funciona com estratégia para fazer com que mais fiéis compareçam pessoalmente aos
templos iurdianos, enquanto na rede de fast food, o objetivo do drive-thru é evitar
com que os fiéis usem o espaço interno do estabelecimento.
Outros
modelos
de
eficiência
são
facilmente
perceptíveis
nas
igrejas
neopentecostais. A Igreja Internacional da Graça oferece o cartão de crédito com a
bandeira Visa, permitindo com que os clientes-fiéis cada vez que o utilizarem e
contribuam com as ações sociais da igreja.5 O uso das redes sociais (Orkut, facebook,
entre outros), mensagens no celular, cultos virtuais, mensagens SMS, salas de batepapo, disponibilização de vídeos na Internet permitem maior comodidade para fiéis
que podem assistir e melhor, até interagir pela Internet, constituindo verdadeiras
redes eclesiásticas virtuais muito mais complexas do que as igrejas eletrônicas.
4
Disponível em
<http://www.arcauniversal.com/iurd/noticias/igreja_universal_oferece_drivethru_da_oracao-987.html>. Disponível em 17 jun. 2011.
5
Disponível em < http://www.missionway.com.br/cartaodecredito.aspx>. Disponível em 17
jun. 2011.
4
A Igreja Renascer em Cristo no seu espaço virtual disponibilizam fotos, vídeos,
pronunciamentos dos seus líderes, divulga redes no twitter, facebook, RSS e rádios,
cultos gravados, leitura de bíblia online, espaços para doações, campanhas e
ministrações, entre outros.6 O uso do marketing nas igrejas é bastante comum,
existindo inclusive como disciplina nos vários seminários teológicos e cursos (CUNHA,
2007, p.54) O bom pastor passa a ser visto como o pastor eficiente que utiliza
estratégias de marketing para alcançar mais fiéis e capitais, que são examinados
mediante relatórios, dados estatísticos e estratégias adotadas.
A calculabilidade
Na lógica “mcdonaldizada”, a calculabilidade é percebida pela quantidade dos
produtos e serviços oferecidos pela menor valor e tempo possíveis. A ênfase na
quantidade sobrepõe à qualidade (RITZER, 2008, p.13). O filme “Super Size me – A
dieta do palhaço” 7, que trata de uma crítica ao Mcdonald´s, evidencia a relação
entre a famosa rede de fast food com a cultura estadunidense, onde tudo tem
proporções gigantescas. Os carros de grandes proporções e as pessoas obesas são
exemplos mais óbvios dessa imagem estadunidense. Os copos de refrigerantes cada
vez maiores das combinações dos lanches, que atingiram inacreditáveis dois litros de
volume, contendo o equivalente a 48 colheres de açúcar, aparecem no referido
documentário, lembrando que os carros ajustaram o tamanho dos portas-copos, para
que pudessem acomodá-los.8 Em suma, a cultura “mcdonaldizada” defende a idéia
que “o maior é melhor” (RITZER, 2008, p.14). Para George Ritzer (2008), sociedades
que tendem a valorizar a quantidade tendem a ser altamente medíocres.
Dentro dessas afirmações, não é difícil de entender a busca das igrejas por
conseguir o maior número dos fiéis, o maior templo, a maior quantidade de templos,
o maior show gospel, entre outros. A Igreja Universal do Reino de Deus chamou
atenção para o templo de Salomão, megatemplo que está sendo construído em São
Paulo que terá 126 metros de comprimento e 104 metros de largura, com 70 mil
metros quadrados de área construída, maior do que a Catedral da Sé.9 Repare que a
ênfase nos números e a comparação com o tamanho do templo católico (Catedral da
6
Disponível em < http://www.igospel.org.br/br/index.php#>. Data de acesso 17 jun. 2011.
SPURLOCK, Morgan (diretor). Super size me – A dieta do palhaço. EUA : Estúdio The Icon,
2004. Colorido.100 minutos.
8
Id.Ibid
9
Disponível em: <http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-universal-do-reino-de-deusconstruira-replica-do-templo-de-salomao-com-pedras-trazidas-de-israel/>. Data de acesso
: 17 jun. 2011.
7
5
Sé) não é em vão. Freqüentemente a Igreja Universal de Deus diz que as reuniões nos
templos das diversas capitais brasileiras ocorrem no “templo maior.”
Outro exemplo da questão da calculabilidade é no tamanho das concentrações e
eventos públicos organizados pelas igrejas. A Igreja Renascer em Cristo costuma
lembrar-se dos números dos participantes do evento que organizado anualmente
chamado “Marcha para Jesus”. Afirmara que a “Marcha para Jesus” 2005, reuniu em
São Paulo, cerca de 3 milhões de pessoas, e em 2008, na mesma cidade, 6 milhões de
pessoas.10
Na medida, em que aumenta o número de fiéis nos templos neopentecostais, o
atendimento para os que visitam a igreja tende a serem mais impessoais, pois fica
difícil atender um fiel ou mesmo um visitante chamando pelo nome, criando um grau
de intimidade. Algumas igrejas evangélicas adotaram o sistema de células, com
reuniões mais informais nas casas e em pequenos grupos para permitir uma maior
aproximação do fiel com a liderança, como defendido pela Igreja Sara Nossa Terra.
George Ritzer cita a questão das megaigrejas, com o exemplo da Igreja Bíblica
Mclean, sediada em Washington (Estados Unidos) que possui cerca de 13.000
membros e estão planejando a expansão para nove igrejas satélites ao redor da
capital estadunidense, contando muitas vezes com o mesmo sermão, as mesmas
músicas e os mesmos pastores que são levados através da TV, levando uma
“mcdonaldização” religiosa (RITZER, 2008, p.100).
Algumas denominações religiosas buscam enfatizar o número de países aonde
possuem seus templos. Cada novo país alcançado representa a conquista dentro de
uma espécie de geopolítica religiosa de abertura e presença num novo campo
religioso, entendido neste sentido, a concepção de um campo, como local de
disputas religiosas em busca de hegemonia, que pode ser traduzido, em número de
fiéis, número de templos, número de países atingidos, arrecadação do capital, entre
outros. Enfim, o poderio do campo religioso de uma denominação é medida em
números, ou seja, em outras palavras, é uma medida matemática, ligado, portanto, a
calculabilidade.
10
Disponível em: < http://www.marchaparajesus.com.br/> Data de acesso:17 jun. 2011.
6
A Igreja Universal do Reino do Deus se gaba de possuir templos em mais de 170
países.11 A Igreja Renascer em Cristo oferece um mapa no seu site para encontrar a
igreja mais próxima de você.12 A Igreja do Poder Mundial de Deus para fazer jus ao
nome, tem templos na África do Sul, Angola, Moçambique, Estados Unidos,
Argentina, Colômbia, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Filipinas, Japão, Portugal e Suíça.13
O site do Mcdonald´s faz referência ao seu poderio através da sua presença em
termos globais, pois afirmava que estava em mais de 100 países no mundo, em
32.000 restaurantes e servindo 60 milhões de pessoas por dia.14 Assim como no
Mcdonald´s, muitas igrejas defendem que a multiplicação dos templos crie uma
espécie de onipresença, pois onde quer que você vá, você deve encontrar um
Mcdonald´s, preferencialmente sempre aberto. A multiplicação do número de cultos
por dia e o fato de estarem abertos todos os dias da semana entre as igrejas
neopentecostais traz a idéia que a igreja sempre está disposta para receber um fiel
ou visitante ou ao menos como uma igreja virtual, 24 horas disponível para o fiel,
seja pela Internet, TV ou rádio. A igreja precisa estar sempre online.
Uma sociedade “mcdonaldizada” valoriza os números. Médicos são valorizados e
ganham comissão pelo número de cirurgias que fazem (o que leva a atender
pacientes de forma mais rápida e mais desumanizada, o que explica também o
elevado número de cesarianas nos partos), estudantes e professores universitários
são avaliados pelo número de trabalhos publicados (e não pela qualidade) e pelo
valor numérico que atribui conceitos mais elevados para periódicos mais prestigiados
e menores aos menos prestigiados (estudantes dos EUA buscam professores menos
exigentes para aumentar a sua média com menos esforço), esportistas buscam
quebrar recordes individuais (dizem que os estadunidenses não gostam de futebol
porque os placares são baixos se comparados aos esportes como basquete e beisebol,
bem mais populares por lá), programas de TV buscam aumentar audiências, a lista é
enorme, e inclui obviamente a religião (RITZER, 2008, p. 79-97). Não é à toa que o
carro-chefe do Mcdonald´s é o Big Mac (RITZER, 2008, p. 71), referência ao seu
11
Disponível em:
<http://folha.arcauniversal.com.br/integra.jsp?codcanal=987&cod=146290&edicao=911>.
Data de acesso 17 jun. 2011.
12
Disponível em:< http://www.igospel.org.br/br/igrejas.php>. Data de acesso 17 jun. 2011.
13
Disponível em:< http://www.impd.org.br/portal/index.php?link=igrejasnomundo>. Data de
acesso 17 jun. 2011.
14
Disponível em:< http://www.mcdonalds.com/us/en/our_story.html>. Data de acesso 17
jun. 2011.
7
tamanho e o Subway oferecia um singelo pão que variava de tamanho, o menor tinha
15 cm de comprimento e o maior 30 cm.15
Previsibilidade
O sucesso do Mcdonald´s está no fato do que os produtos e serviços são uniformes
em qualquer parte do mundo. Na China, um turista estadunidense poderá comer um
Big Mac, da mesma forma do que em Nova York. Para esse turista estadunidense será
muito mais previsível e menos arriscado para o seu estômago comer no Mcdonald´s
ou numa outra lanchonete do estilo fast food do que se aventurar num mercado
chinês, com comidas que provavelmente classificaria como “exótica”. Existem
pequenas adaptações as culturas gastronômicas locais que são adotadas pela rede
dos arcos dourados. Na Noruega existe um sanduíche chamado Mclaks, que tem
salmão grelhado na sua composição; no Uruguai, o Mcquesos, um sanduíche com
queijos tostados, entre outros países e variedades gastronômicas regionais (RITZER,
2008, p.180). Néstor Canclini (2007, p.47) afirmara que “o capitalismo desenvolve
suas tendências expansivas necessitando, ao mesmo tempo, homogeneizar e
aproveitar a multiplicidade.”
Outro exemplo de previsibilidade numa sociedade “mcdonaldizada” é que
usualmente existe um grande número de espectadores que procuram assistir filmes
que são continuações. Hollywood prefere fazer continuações de filmes que tiveram
sucesso do que investir em filmes com roteiros inovadores, mas que sofrem elevados
riscos de prejuízos, na qual os espectadores não sabem exatamente o que vão
encontrar. Para os produtores da indústria cinematográfica de Hollywood é mais
seguro economicamente uma continuação de “Harry Potter” do que investir em
filmes novos com atores desconhecidos (RITZER, 2008, p. 97-114).
Da mesma maneira, turistas preferem escolher se hospedar numa grande cadeia de
hotéis (Sheraton, Hilton e Sofitel, por exemplo), sabendo exatamente o que esperam
do que em hotéis que não são padronizados e ou que não tem cadeias em escala
mundial. Tanto o viajante quanto o freqüentador de cinema sabem exatamente o
que lhe aguarda. Diminui-se a chance de experiências desagradáveis (RITZER, 2008,
p. 97-114).
15
Disponível em < http://www.subway.com.br/como-pedir/>. Data de acesso 18 jun. 2011.
8
Algumas igrejas neopentecostais também têm atuado assim. A Igreja Universal do
Reino de Deus apresenta um mesmo logotipo, composto pelos dizeres “Pare de
sofrer”, ou num país anglófono “Stop suffering”, num hispânico, “Pare de sufrir”, e
assim, por diante. Contém uma pomba branca estilizada dentro de um coração
vermelho.16 Outras igrejas neopentecostais também adotam logotipos, como a Igreja
Renascer em Cristo, com o seu sol nascente.
Cabe-nos entender neste ponto um aspecto importante. Os grandes impérios
eclesiásticos seguem um modelo “mcdonaldizado” na medida em que buscam
homogeneizar a experiência dos fiéis em qualquer lugar do mundo. Buscam para usar
um termo bastante usado na teologia, por ser onipresente, uma espécie de Big
Brother orwelliano (ORWELL, 1983), pois não importa aonde você vá, o templo
sempre será visto e reconhecido pelo seu logotipo. Assim como no Mcdonald´s com os
seus arcos dourados que formam o seu “M” como letra inicial ou com o seu slogan
“I´m loving it”, ou seja, “Amo tudo isso”, que passam a ser vistos em qualquer parte
do planeta, não importa se você esteja em Buenos Aires, Roma ou Tóquio e que
tenha a mesma experiência gastronômica padronizada. Neste sentido, não seria a
Igreja Universal do Reino de Deus, o modelo mais bem acabado de “mcdonaldização”
religiosa? Falar em participar da “terapia do amor” numa Igreja Universal do Reino
de Deus na Argentina17 é possível, mas falar numa “sessão do descarrego” na Rússia
não faz sentido na realidade religiosa do país como faria no Brasil com as religiões
afro.
Adaptarem-se
as
realidades
culturais
dos
países
onde
se
expande
o
empreendimento da Igreja Universal do Reino de Deus deve também numa certa
medida fazer parte da estratégia adotada, assim, como o Mcdonald´s que se
adaptaram as condições locais. Dissemos “em certa medida” porque não pode se
adaptar demais para não se descaracterizar. Considerando que o Mcdonald´s adaptou
alguns sanduíches como citamos no Uruguai e Noruega, porque a Igreja Universal do
Reino de Deus e outros empreendimentos de igrejas neopentecostais não poderiam se
adaptar nas suas programações e na forma de ser igreja para as culturas locais? Nas
palavras de George Ritzer, a “mcdonaldização” oferece a ausência de um conteúdo
distintivo. O segredo é se adaptar sem ofender as culturas locais (RITZER, 2008,
p.171-175). Mais do que isso, o Mcdonald´s precisa ser percebido pelos nativos como
parte da cultura local, como os modelos “mcdonaldizados”. Um jovem escoteiro
16
Fotos de templos da Igreja Universal do Reino do Deus podem ser visualizados no site <
http://iurdenderecos.blogspot.com/2009/07/honduras.html>. Disponível em 18 jun. 2011.
17
Para maiores detalhes ver <http://www.eluniversal.com.ar/iurd-noticias/terapia-del-amor5/> Data de acesso em 20 jun.2011.
9
japonês encontrou um Mcdonald´s em Chicago e se surpreendeu em encontrá-lo, pois
achava que era uma empresa japonesa (RITZER, 2008, p.184). O sucesso dos
empreendimentos neopentecostais transnacionais com a marca made in Brazil
exportados para o exterior dependem em grande de se adaptarem as culturais, mas
sem perder as suas características originais.
É importante salientar também que na medida em que as igrejas neopentecostais
tendem a desenvolverem dias da semana com os objetivos específicos torna-se mais
previsível as respostas que os fiéis buscam, pois chegam mais focados nos problemas
que são trabalhados especificamente em cada dia da semana. Quem tem problema
financeiro, por exemplo, buscaria o dia da semana onde o culto com ênfase na
prosperidade financeira é oferecido.
Outra característica das igrejas neopentecostais que se relaciona com a questão da
previsibilidade é a questão do carisma. Para Ari Pedro Oro (1996, p.54), os líderes
dessas denominações são apresentados com uma admiração singular e tem o seu
poder atribuído devido às características e poderes extraordinários. É difícil imaginar
a Igreja Renascer em Cristo sem Estevão Hernandes a Igreja Mundial do Poder de
Deus sem Valdemiro Santiago, a Igreja Internacional da Graça sem R.R. Soares, a
Igreja Universal do Reino de Deus sem Edir Macedo, a Igreja Sara Nossa Terra sem
Robson Rodovalho.
Na medida em que as referidas denominações neopentecostais apresentam os seus
referidos líderes e fundadores como modelos a serem seguidos, a reprodução de uma
liderança eclesiástica segue e reproduz inclusive o estilo de pregação deles. O
pesquisador Ricardo Bitum afirmara que muitos pregadores da Igreja do Poder
Mundial de Deus imitavam o estilo de Valdemiro Santiago “Encontrei muitos pastores,
não só entre os da Mundial, que imitam os trejeitos de Valdemiro. Falam com o
mesmo sotaque mineiro, andam pelo púlpito, apertam os fiéis entre os braços”.18 A
reprodução do estilo de pregação e dos discursos apresentados nas igrejas
neopentecostais, inclusive via TV, tornam os elementos do culto altamente
previsível. E o carisma a serviço da previsibilidade.
Controle
Está claro que se segue uma lógica fordista de uma linha de produção que envolve
tanto controle de empregados quanto de consumidores. Os empregados seguem as
18
Disponível em <http://noticias.gospelprime.com.br/crescimento-da-igreja-mundial-dopoder-de-deus-expoe-a-disputa-por-fieis-no-neopentecostalismo-brasileiro/>. Data de acesso
em 20 jun. 2011.
10
normas padronizadas. Devem-se fritar as batatas que estão previamente congeladas e
cortadas com uma temperatura exata num tempo exato, auxiliado por tecnologias
não-humanas, como o timer, que indica o fim do tempo de fritura. Quanto menor a
possibilidade de variabilidade desse processo melhor, porque o controle estará
assegurado. Claro que os funcionários são determinados para fazer determinados
tipos de atividades num tempo determinado e reforçados pelo uso da tecnologia e de
organização corporativa. Existem inspetores para verificar isso.19 Os consumidores
também são constantemente controlados pela Mcdonald´s. As lixeiras que são
numerosas e ficam espalhadas em várias partes do estabelecimento induzem aos
clientes para que joguem fora o seu lixo, pois caso não faça isso, seria visto como
mal-educado ou algo do gênero. Além disso, podemos citar que muitas crianças
escolhem os sanduíches motivados mais pelos brinquedos que vem junto aos lanches
do que saciar a sua fome.
Mas como o controle influi nas igrejas neopentecostais?
O controle deve ser
exercido através da domesticação dos indivíduos. Um exemplo claro é que
geralmente as igrejas neopentecostais não apresentam escolas dominicais, espaço
próprio para as discussões teológicas. Muito comum também a ausência dos
seminários teológicos nas igrejas neopentecostais Reduzir esses espaços mais
democráticos ou mesmo não ter as escolas dominicais diminuem a capacidade dos
fiéis de pensarem por si mesmos, sendo assim, eles são domesticados. A
centralização administrativa sobre o permitido e o não-permitido fica assim mais
sujeitos aos líderes denominacionais, já que geralmente as igrejas neopentecostais
têm “dono”. Sobre essa questão, Luiz Rossi (2008, p.137) afirmou que “o controle
teológico inviabiliza a conscientização do indivíduo. Indivíduos não conscientizados,
ficam à mercê das decisões dos outros.” Se cria toda uma teologia produzida pela
liderança que não pode ser contestada. O carisma auxilia na diminuição de possíveis
desacordos entre os indivíduos e a liderança eclesiástica. Dessa forma os que
quebram a rotina pré-estabelecida são considerados violadores (ROSSI, 2008, p.139).
Assim, não se estimula um pensamento crítico, mas o objetivo é a formação de um
indivíduo passivo que “digere” apenas aquilo que o seu líder deseja, sendo
coisificado, e, portanto, desumanizado. Os indivíduos que não respondem
positivamente aos discursos são vistos como aqueles que não foram domesticados, e,
portanto, perigosos a ordem institucional. A teologia deixa de se interessar pelos
fiéis, mas pelo poder que circula e controla os fiéis (ROSSI, 2008).
19
Id.Ibid.
11
Para se fazer batatas no Mcdonald´s seguem-se nove passos que são estritamente
mencionados desde abrir o saco das batatas congeladas até acabar de fritar as
batatas e colocá-lo na porção para o cliente, num controle rígido. Na teologia da
prosperidade, também chamado de teologia da confissão positiva, segue-se a lógica
do que o fiel deve cumprir os passos para assegurar o resultado esperado. “A fórmula
da fé da teologia da prosperidade é: 1) diga a coisa; 2) faça a coisa; 3) receba a coisa
e 4) conte a coisa” (ARAÚJO, 2007, p 617). Mentaliza-se o desejo para que se torne
realidade. No Mcdonald´s seguir os passos garante o lanche pronto para o cliente,
enquanto, nas igrejas neopentecostais devem garantir as bênçãos normalmente
ligadas às questões financeiras e curas como resultado. Quando a bênção da teologia
da prosperidade não é alcançada, a culpa é da falta de fé, dos demônios e do pecado
(ROSSI, 2008, p. 15). O sucesso (quando a bênção é recebida) é privatizada pelas
igrejas neopentecostais, enquanto o fracasso é individualizado por quem buscou a
bênção.
Nas igrejas “mcdonaldizadas”, a questão do controle se resume a técnica de
cumprir os passos corretamente para atingir o sucesso. No Mcdonald´s qualquer
pessoas, mesmo sem saber cozinhar, pode fazer um sanduíche se seguir
corretamente os passos que foram padronizados, assim, como nas igrejas
“mcdonaldizadas”, se seguir os passos adotados está ao alcance de qualquer
indivíduo. Isso explica porque a lógica das igrejas “mcdonaldizadas” devem respeitar
e seguir tantos passos para conseguir tal coisa. Não é à toa que toda uma literatura
de auto-ajuda tem entrado nas igrejas, falando de seguir tais passos para obter um
resultado satisfatório e coisas do tipo, colocando a religiosidade em termos de
cumprir as técnicas para atingir o sucesso.
Cria-se uma espécie de “Kit teológico” pronto para resolver qualquer situação, que
serve para qualquer igreja em qualquer contexto e que soe bem aos ouvidos dos que
têm problemas que necessitam serem resolvidos no tempo mais rápido possível, como
num passe de mágica. A teologia pré-pronta é embalada como um produto
“mcdonaldizado” seguindo padrões criados pelos líderes denominacionais que
oferecem soluções baratas, rápidas e impessoais aos problemas cotidianos e
acessíveis a todos desde que aceitam as regras propostas. Falta “apenas” um
certificado do tipo ISO 9000 que assegure a qualidade total! Como diria um antigo
jingle publicitário do Mcdonald´s no Brasil do Big Mac “Dois hambúrgueres, alface,
molho, queijo especial, cebola, picles, no pão com gergelim.”
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Sem erros, sem
20
O vídeo do jingle está disponível em < http://www.youtube.com/watch?v=obCWYjZW-30>.
Data de acesso 20 jun. 2011.
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riscos e com os ingredientes na medida certa e feitos no tempo certo. Difícil imaginar
controle maior!
Referências bibliográficas
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CANCLINI, Néstor Garcia. A globalização imaginada. Tradução Sérgio Molina. São
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CUNHA, Magali do Nascimento. A explosão gospel. Um olhar das ciências humanas
sobre os cenários evangélicos no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X e Instituto
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Editora Nacional, 1983.
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Filmes
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http://noticias.gospelprime.com.br/igreja-universal-do-reino-de-deus-construirareplica-do-templo-de-salomao-com-pedras-trazidas-de-israel/
http://www.subway.com.br/como-pedir/
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“mcdonaldização” da fé Eduardo Guilherme de Moura