III
SEMINÁRIO
INTERNACIONAL
VIOLÊNCIA
E
CONFLITOS
SOCIAIS:
ILEGALISMOS E LUGARES MORAIS
06 a 09 de dezembro de 2011, Laboratório de Estudos da Violência, UFC, FortalezaCE
Grupo de Trabalho: 11 – Segurança Pública e Cidadania
Título do Trabalho: A cultura de militarização da Segurança Pública no Rio de Janeiro:
uma leitura crítica
Nome: Elisabete Cristina Cruvello da Silveira
Universidade Federal Fluminense – Doutoranda em Política Social
Co autora: Dra. Suely Gomes Costa
Universidade Federal Fluminense - Orientadora
1.Introdução
Este trabalho procura discutir a militarização da Segurança Pública no Rio de
Janeiro como uma proposta sutil no que diz respeito ao emprego das Forças Armadas
(FFAA) para as operações da Garantia da Lei e da Ordem (GLO), especialmente, em
Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Neste sentido, metodologicamente resgata a
polêmica em torno do emprego das FFAA a partir da análise crítica de fontes
documentais legais e bibliográficas sobre o processo da política de Segurança
Pública, buscando considerar a respeito de duas questões fundamentais:
1) Como se traduz essa cultura de militarização da Segurança Pública?
2) Até que ponto essa cultura serve para a real proteção e cidadania dos envolvidos?
Parte-se da suposição que o desenvolvimento dessa mentalidade engendra,
por um lado, um deslocamento e uma reorientação do papel das FFAA e, por outro,
uma aplicação de princípios de gestão e de controle da criminalidade decorrentes de
um modelo de Estado Penal, com resposta à crise do capitalismo internacional. Isto
leva ao questionamento a respeito da natureza da proteção e da segurança que vem
se conformando para os envolvidos nas regiões consideradas pacificadas.
O emprego das Forças Armadas (FFAA) em operações de GLO é um objeto
polêmico tratado na literatura examinada, não existindo uma posição consensual
entre os analistas. Além dessa polêmica que se origina, para os analistas, em uma
ambigüidade entre a missão precípua das FFAA e suas atividades subsidiárias, como
as Atividades Cívico-Sociais (ACISO) e a GLO, sublinhadas na Constituição Federal e
em outros documentos legais.
Alsina Júnior, Brigagão, Ramalho da Rocha, Castro Santos, entre outros,
apontam que essa ambigüidade legal, por seu turno, engendra uma “reação
desconfortável” no tocante a participação das FFAA nas missões de GLO,
vulgarmente denominada de “papel de polícia”. A pesquisa realizada por Maria
Helena Castro Santos em 2002 sobre a missão das FFAA, depois de 1990, após a
Guerra Fria, detecta essa reação desconfortável das FFAA no que tange ao papel de
polícia:
Nós sabemos que toda ação de natureza policial é repugnante aos militares, que são
formados dentro do conceito tradicional de somente lutar contra inimigos que portem
uniforme militar, seus pares. Lutar contra criminosos, mesmo que esses possuam
equipamento equivalente ao das Forças Armadas, não faz parte das tradições militares
e pode ferir seus sentimentos. (Castro Santos, 2004, p.127)
Para Alsina Júnior uma das questões que permeia a incompreensão sobre a
defesa nacional constitui o mito de que “as Forças Armadas podem colaborar
decisivamente no combate à criminalidade, o que lhes conferiria utilidade”. (Alsina
Júnior, 2008, p.72). Nesta linha de raciocínio bastante controvertida, em 2007, a
Revista Veja divulgou uma matéria “Radiografia dos Militares”, resultado de uma
pesquisa em parceria com a CNT/Sensus realizada no País entre civis e militares,
tendo uma questão central: “qual a lógica de manter um Exército com 190.000
homens armados sem uma guerra para travar, enquanto o crime organizado,
espantosamente bem armado, aterroriza uma população indefesa”? (Revista Veja,
Edição 2036, 28/07/2007, p.138)
Foram várias conclusões apresentadas nesta edição da Veja, porém o que se
pretende ressaltar no contexto deste trabalho é a sutileza da indagação proposta: por
que não dar validade a um contingente de homens disciplinados e preparados para o
combate à criminalidade? Na realidade, trata-se apenas do combate à criminalidade
ou da construção e sustentação de uma cultura de militarização que subjaz a política
de Segurança Pública no Rio de Janeiro?
2. Sentidos da cultura de militarização da Segurança Pública
Por cultura de militarização denomina-se o processo de institucionalização de
uma mentalidade de combate à criminalidade e à violência urbana no Rio de Janeiro
definidas como cultura de controle (Garland, 2008) e estratégias de gestão do
Estado Penal (Wacquant, 2003), no contexto local, com o emprego das FFAA como
papel de polícia.
Garland ressalta algumas conotações da cultura de controle formada nos
Estados Unidos a partir dos anos 70, e, posteriormente, aplicada na Grã-Bretanha e
em outros países. As principais são: tolerância zero; ressurgimento da prisão;
crescente interesse da mídia em retratar as situações de crime; falência das
propostas de reabilitação; parceria entre público e privado na implementação dos
projetos; fortalecimento dos sistemas de informação para prevenção do crime; cultura
do medo; retorno da vítima enquanto o cidadão merecedor de proteção; disciplina
moral; foco da punição é o pobre; maior envolvimento de novos atores no combate à
criminalidade e à violência urbana, como as FFAA. Além dessas, Garland ressalta
seus corolários:
A intensificação das divisões sociais e raciais; o reforço de processos criminogênicos; a
alienação de muitos grupos sociais; o descrito da autoridade legal; a redução da
tolerância civil; a tendência ao autoritarismo – estes são resultados suscetíveis de
serem produzíveis pela confiança em mecanismos penais e na manutenção da ordem.
(Garland, 2008, p.429)
É importante sublinhar que o crime é visto nessa perspectiva de militarização
como indisciplina, ausência de caráter, anomia, por isso, a moralização constitui uma
concepção estratégica que vem ressurgindo no final do século XX. Vale lembrar que
esta concepção moralizante surgiu e foi aplicada no final do século XIX, vinculando-se
à vertente biológica para explicações causais dos conflitos sociais naquele contexto.
Neste sentido, o reaparecimento da moralização como instrumento analítico e
gerencial para combate à criminalidade hoje é um retorno ao ideário conservador, que
simplifica, naturaliza e banaliza as questões sociais, não explicitando sua real
dimensão, dado que a segurança volta-se apenas à esfera criminal. Wacquant no livro
“Punir os pobres” desconstrói e crítica essa suposta segurança criminal, evidenciando
que “não foi tanto a criminalidade que mudou no momento atual, mas sim o olhar que
a sociedade dirige para certas perturbações da via pública, isto é, em última instância,
para as populações despossuídas e desonradas”. (Wacquant, 2003, p.29). Ainda,
demonstra a relevância de sua tese no que concerne à conformação do Estado Penal
em resposta ao modelo de “Welfare State”:
...a irresistível ascensão do Estado penal nos Estados Unidos durante as três últimas
décadas não é uma resposta ao aumento da criminalidade – que permaneceu
praticamente constante, em termos globais, antes de cair no final do período -, mas sim
aos deslocamentos provocados pela redução de despesas do Estado na área social e
urbana e pela imposição do trabalho assalariado precário como nova norma da
cidadania para aqueles encerrados na base da polarizada estrutura de classes.
(Wacquant, 2003, p.15)
É interessante constatar que os pressupostos do Estado Penal apontados por
Wacquant servem como critérios caracterizadores na delimitação da cultura de
militarização da Segurança Pública no Rio de Janeiro, via emprego das FFAA para
GLO nas UPPs, como se verifica na continuação:
Reconhecimento das “incivilidades” pelas autoridades, definindo e sujeitando o
território problemático à norma comum;
Maior elaboração de leis, inovações burocráticas e tecnológicas;
Fomento de uma política punitiva através da mídia e outros canais de
informação;
Preocupação obsessiva com a “guerra ao crime”;
Implantação de uma abordagem gerencial no lugar da terapêutica para
recuperação dos presos;
Fortalecimento das políticas punitivas como mecanismo de responsabilização.
Se as características do Estado Penal analisadas por Wacquant e da cultura do
controle examinados por Garland fundamentam os pressupostos da política de
Segurança Pública, é pertinente indagar: Por que as FFAA são encaminhadas para
este papel de polícia no século XXI?
Castro Santos identificou em sua pesquisa que os Estados Unidos e os países
aliados fazem pressão para que a América do Sul, em especial o Brasil, empreguem
as FFAA como uma “nova polícia” no combate as ditas novas ameaças do século XXI,
apreendida nesta passagem:
Os militares são convocados a prestar um grande número de tarefas, mais conhecidas
como atividades complementares ou subsidiárias, definidas em dois grupos: atividades
de polícia e atividades socioeconômicas. Contudo, vale insistir que, embora tenham um
profundo orgulho de seu papel social, rejeitam desempenhar um papel policial. (...) A
atividade policial mais demandada às Forças Armadas é o combate ao tráfico de
drogas e ao crime organizado em geral. Entretanto, como já foi observado, os militares
argumentam que não estão preparados para exercer essa tarefa. Vale lembrar,
contudo, que os Estados Unidos e seus aliados ocidentais pressionam fortemente o
governo brasileiro para que haja engajamento das Forças Armadas neste tipo de ação.
(Castro Santos, 2004, p.123)
Se de fato ocorre a pressão dos países hegemônicos para que as FFAA
brasileiras desempenhem o papel de polícia em operações de GLO, Ramalho da
Rocha questiona a pertinência e a legalidade dessa função para as FFAA do País,
afirmando:
Mal terminada a Guerra Fria, afastado, portanto, o perigo soviético, o governo norteamericano inscreveu entre as principais ameaças à sua segurança nacional as
chamadas “novas ameaças” – terrorismo, narcotráfico, crime organizado, lavagem de
dinheiro, migrações ilegais, riscos ambientais, etc - que logo entraram no rol de
preocupações de quase todos os países do mundo, inclusive o Brasil. As novas
ameaças, no entanto, são ilícitos que, mesmo que afetem a segurança nacional e
comprometam a estabilidade do Estado, dificilmente podem ser combatidas
eficazmente pelas Forças Armadas. Nenhuma delas, talvez nem mesmo o terrorismo,
pode ser caracterizada como atividade hostil desenvolvida por um Estado inimigo. Além
disso, nenhum país, à exceção dos Estados Unidos – e assim mesmo em casos muito
específicos -, dispõe de meios militares para neutralizar a ameaças na fonte.
É extremamente limitada, portanto, a participação possível das Forças Armadas, como
instrumento por excelência da defesa nacional, no combate às novas ameaças. (...)
Também no Brasil, estão impedidos de exercer a função policial. (Ramalho da Rocha,
2004, p.210-211)
Este analista de Estudos Estratégicos destaca que existe um impedimento
legal para que as FFAA desempenhem papel de polícia, então vale à pena indagar:
por que as FFAA vem colaborando na GLO, em especial, nas UPPs, como por
exemplo, nos Complexos do Alemão e da Penha com um efetivo de 1,6 militares até
junho de 2012 com anuência dos governos federal e estadual?
Em declaração do Ministro da Defesa Celso Amorim à Agência Brasil em
24/10/2011 coloca que a presença das FFAA é “provisória” nos processos de
pacificação, não descartando a possibilidade de novas participações dessas no Rio
de Janeiro, como mostra sua fala: “Eu acredito que até lá [junho de 2012] as forças
policiais estarão preparadas. Há todo um cronograma que começa a ser
implementado em março e, aí, como é natural, a polícia tomará conta do dia a dia
dessas comunidades”. (Declaração do Ministro da Defesa Celso Amorim à Rede
Agência do Brasil, em 24/10/2011) A continuação pretende-se problematizar a
atribuição sutil do papel de polícia as FFAA no Rio de Janeiro, com o projeto das
UPPs.
3. Deslocamento da natureza das FFAA: das funções subsidiárias para o papel
de polícia nas UPPs?
Vários estudiosos do campo da Defesa e Estratégia se voltam para a reflexão a
respeito do papel das FFAA do Brasil no século XXI para o contexto nacional e
internacional. Neste trabalho, acreditamos que as FFAA têm como missão precípua a
defesa do País, preparando-se para o conflito armado ou guerra. Neste sentido,
constitui um patrimônio para a segurança do Brasil em regiões fronteiriças e de difícil
acesso, como na Região Amazônica, onde existem riquezas naturais abundantes e as
FFAA servem, por vezes, como mecanismo de proteção social, como mostra o texto:
Em um país que apresenta um dos piores níveis de distribuição de renda do mundo, as
Forças Armadas levam comida, atendimento médico, assistência social e até serviço
religioso às populações carentes das mais longínquas regiões do território nacional.
Constroem estradas e socorrem vítimas da seca e de enchentes; prestam assistência
permanente a povoamentos situados em fronteiras distantes – por vezes, são o único
contato dessas populações com o mundo moderno. (Castro Santos, 2004, p.123)
Outro analista reconhece a relevância da função subsidiária das FFAA em
contextos fronteiriços e na região Amazônica, pois possuem tecnologia, forte preparo
físico, experiências de vida na selva e em regiões de escassez, sendo bem
aproveitados, como se verifica no depoimento:
Na área da saúde, preocupação constante das três Forças, o esforço principal está
direcionado para as missões de ACiSo, que levam atendimento médico e odontológico
a comunidades carentes; para as novas linhas do CAN na Amazônia, nas quais os
aviões transportam equipes médicas para o atendimento a pequenas comunidades –
muitas das quais com dimensões que não comportam o recebimento de uma missão
ACiSo; para a assistência médica, odontológica e farmacêutica, prestada pelos
Pelotões Especiais de Fronteira (PEF) às comunidades circunvizinhas; para o
atendimento médico e odontológico às comunidades ribeirinhas da Amazônia, prestado
pelos navios-hospitais da Marinha do Brasil; para a operação, pelo Exército Brasileiro,
de hospitais estaduais em cidades amazônicas, sedes de unidades militares do nível
batalhão, e onde os governos estaduais enfrentam dificuldades para fazer funcionar
seus hospitais; para os programas anuais de vacinação na Amazônia; para o apoio a
populações nos casos de calamidade pública; para o apoio aos governos estaduais e
municipais no combate a incêndios e inúmeros outros. (Ramalho da Rocha, 2004, p.49)
Contudo, no que diz respeito às atividades de GLO, eles honram ao
cumprimento do dever. Mesmo o ACiSo na região metropolitana, onde as agências do
Estado deveriam atuar, admitem que se existe a demanda, não tem razão para o
descumprimento. Na ótica das FFAA, se ocorre o “sentimento de rejeição” para o
desempenho o “papel de polícia”, no cotidiano a tarefa deve ser realizada. Este
sentimento de rejeição é engendrado por dois motivos que se referem história
institucional.
O primeiro a sua identidade cultural, onde seu inimigo é outro militar, fardado,
mas não um civil com arma, mesmo que seja um “marginal”. O segundo motivo se
relaciona a fundamentação legal que é pouco clara sobre o emprego das FFAA para
GLO. Rocha faz um estudo detalhado a respeito das bases legais, constatando:
O capítulo que trata do emprego das Forças Armadas, constituído de único artigo (o
artigo 15), termina por concentrar-se na sua utilização em operações de garantia da lei
e da ordem (GLO); o que poderia ser entendido como o emprego das Forças Armadas
em missões de segurança pública e, em consequência, na execução de operações
tipicamente policiais. Todavia, esse emprego se dá como instrumento emergencial
destinado a preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio,
em situação de excepcional anormalidade dos órgãos de segurança pública em
exercerem sua competência constitucional. (Rocha, 2006, p.6)
Então, fica expresso que seu emprego deveria ocorrer em situações de
esgotamento da ordem pública, portanto de modo extraordinário. Não obstante, cabe
indagar: a partir de 1995, em contexto nacional, as operações de GLO que vem
ocorrendo, possuem esse caráter excepcional, como ordena a Constituição Federal,
artigo 142, a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999 e as alterações trazidas
pela Lei Complementar nº 117/2004? Rocha é explícito ao analisar essas legislações,
ratificando:
O emprego das Forças Armadas em operações de garantia da lei e da ordem se dará a. segundo diretrizes do Presidente da República; b. só após formalmente reconhecido
o esgotamento dos órgãos de segurança pública para o cumprimento de sua
destinação constitucional; c. de forma episódica e por tempo limitado; e d. em área
previamente delimitada pelas autoridades. (Rocha, 2006, p.7)
Um exemplo que serve para ilustrar a imprecisão legal e a complexidade
política do uso das FFAA na GLO ocorreu em abril de 2004, no Rio de Janeiro, na
Favela da Rocinha. Nas palavras de Arruda, “os dias que se seguiram foram palco de
mais uma demonstração da inabilidade de autoridades estaduais e federais, enquanto
a população, ansiosa, esperava uma suposta batalha decisiva entre o crime
organizado e o Estado.” (Arruda, 2007, p.81).
Vale lembrar que as FFAA já tinham sido empregadas em operações ditas de
GLO no governo Fernando Henrique Cardoso, em duas ocasiões: 1996 foram
enviados mais de 1000 soldados do Exército para ocupar a Companhia Vale do Rio
Doce contra manifestantes do Movimento pela Libertação da Serra Pelada. Em 2000,
a fazenda do presidente foi ocupada em Minas Gerais por participantes do MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o que demandou a “intervenção”
das FFAA. Ambos produziram debates acalorados sobre a legitimidade dessas
intervenções. Em uma passagem clara de seu texto sobre a operação na Rocinha em
2004, do ponto de vista de Arruda, entraves legais perpassaram essa operação:
O primeiro entrave surgiu a pretensão do secretário de Segurança em ter a tropa
federal sob seu comando.
Os militares, como se sabe, sempre são muito ciosos, quando se trata de questões que
envolvem a hierarquia. Assim, não foi muito bem recebida a idéia de submeter o
Comandante Militar do Leste, general de quatro estrelas, à governadora Rosinha e ao
secretário consorte Garotinho, as duas estrelas da política estadual.
Foram 15 dias de expectativa por parte da população carioca até que Rosinha e
Garotinho foram ao encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Brasília, e
reiteraram o pedido de envio da tropa. Recuaram e aceitaram que o comando ficasse
com os militares. (Arruda, 2007, p.83)
Alsina Júnior questiona “se o país pretende combater a criminalidade, não será
uma (falsa) solução de emergência – o emprego das Forças Armadas na garantia da
lei e da ordem – que lhe permitirá dar conta da questão.” (Alsina Júnior, 2008, p.76)
De fato, é o combate à criminalidade que se deseja combater com a atuação das
FFAA nas UPPs ou dar um novo papel de polícia e sentido as FFAA no século XXI?
Assim também, Clóvis Brigagão não considera que as FFAA devam participar
da “atividade de polícia”, apesar das novas ameaças, afirmando:
Hoje, diante dos crimes transnacionais, as ameaças desse tipo (drogas, lavagem de
dinheiro, terrorismo, contrabando, etc), o tratamento mais adequado, em minha opinião,
seria de ordem pública, com a efetiva ação da polícia federal e os demais aparatos
policiais dos Estados da Federação. Certamente que para o provimento da ordem
pública deve-se contar plenamente com o apoio da inteligência nacional (inclusive com
o apoio logístico das Forças Armadas em áreas de fronteiras) e internacional.
(Brigagão, 2004, p.81)
Nesta fase da pesquisa, as argumentações desses analistas extraídos da
revisão bibliográfica realizada e sinteticamente expostas no contexto deste trabalho,
servem para demonstrar a institucionalização da cultura de militarização via emprego
das FFAA nas UPPs no Rio de Janeiro. Metodologicamente, ainda se pretende
avançar na revisão da literatura, refazendo conexões, ouvindo os analistas e atores
envolvidos no processo.
4. Considerações preliminares
A problemática que perpassa as questões nesse trabalho é complexa e
contundente,
significando
a
impossibilidade
de
apresentação
de
resultados
conclusivos nesta fase. No entanto, a partir da análise das fontes bibliográficas e
documentais, é possível desdobrar outras questões afins, como: Como se pode dar a
participação das FFAA em operações de GLO? Qual deve ser o seu grau de
envolvimento? O que pensam os analistas do campo de Defesa? E os de Segurança
Pública? E os envolvidos nesse processo de pacificação? O que é segurança para
eles? Ao lado disso, é possível pensar em uma política de segurança pública para o
Rio de Janeiro como uma “atividade pertinente à sociedade prevendo a proteção à
cidadania”, isto é, que “prevê a participação da sociedade e deve aplicar-se na vida
de cada membro da comunidade.” (Lopes, 2009, p.78)
Esta pesquisa pretende contribuir para este debate e para a construção desse
projeto, explicitando o papel das FFAA para a defesa do País e no sentido de
conceber e fazer da Segurança Pública uma política social, ou seja, uma estratégia de
proteção.
Referências
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Reflexões sobre defesa e segurança: uma estratégia para o Brasil. Brasília:
Ministério da Defesa. Secretaria de Estudo e Cooperação, v.1, 2004.
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Alsina Júnior, João Paulo. Dez mitos sobre Defesa Nacional no Brasil. Interesse
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Arruda, João Rodrigues. O Uso Político das Forças Armadas e outras questões
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Bacha, Edmar Lisboa e Schwartzman, Simon (organizadores) Brasil: A nova agenda
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Garland, David. A cultura do controle. Crime e ordem social na sociedade
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Câmara dos Deputados. Brasília: Estudo, outubro, 2007
Wacquant, Loic. Punir os pobres. A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. [A
onda punitiva] Rio de Janeiro: Revan, 2003.
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