Livro produzido pelo projeto
Marcos Nicolau
(Org.)
Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercultura PIBIC/UFPB
Departamento de Mídias Digitais - DEMID / Núcleo de Artes
Midiáticas - NAMID
Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas Gmid/PPGC/UFPB
Coordenador do Projeto
Marcos Nicolau
Capa
Rennam Virginio
midiatização e cotidiano:
Editoração Digital
Marriett Albuquerque
reflexões sobre as interações
Integrantes do Projeto
Danielle Abreu
Fabrícia Guedes
Filipe Almeida
Keila Lourenço
Luan Matias
Maria Alice Lemos
Marriett Albuquerque
Rennam Virginio
tecnomediadas
EDITORA
Av. Nossa Senhora de Fátima, 1357, Bairro Torre
Cep.58.040-380 - João Pessoa, PB
www.ideiaeditora.com.br
Atenção: As imagens usadas neste trabalho o são para efeito de estudo, de
acordo com o artigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade das mesmas
aos seus criadores ou detentores de direitos autorais.
M629
EDITORA
João Pessoa - 2012
Midiatização e cotidiano [livro eletrônico]: reflexões sobre as interações
tecnomediadas / Marcos Nicolau (org.). - - João Pessoa: Ideia, 2012.
1.857 kb / pdf.
ISBN 978-85-7539-751-0
1. Comunicação. 2. Interações tecnomediadas. 3. Culturas midiáticas. 4. Midiatização. I. Nicolau, Marcos.
UFPB/BC
CDU: 007
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
7
- Marcos Nicolau
Sumário
Prefácio:
Midiatização e interações tecnomediadas ........... 08
A midiatização do cotidiano:
da techné à técnica
Wellington Pereira .................................................. 12
TV Digital Universitária:
a midiatização pública do conhecimento
Olga Tavares ......................................................... 28
Narrativas Transmídias:
um estudo da franquia The Walking Dead
Charles Cade
José Glaydson Pereira
Ed Porto Bezerra .................................................... 44
A falsa interatividade mercadológica
e a negação da inteligência coletiva
Emanuella Santos
Jitana Cardins ....................................................... 70
Série, cartazes e fones de ouvido:
a lógica da transmídia publicitária na midiatização
Alan Mascarenhas
Andréa Poshar
Danielle Vieira ..................................................... 100
Capa
Sumário
A resenha cinematográfica online
em tempos de midiatização: o caso Omelete
João Batista Firmino Júnior .................................... 134
A Midiatização e a Multiconversação
nas Redes sociais
Ana Maria de Sousa Pereira
Patrícia Medeiros de Lima ...................................... 155
Interações religiosas tecno-mediadas:
ressignificação da religião no ciberespaço
Odlinari Ramon Nascimento da Silva ....................... 182
Uso dos sites de redes sociais como serviço
de atendimento ao consumidor na sociedade
midiatizada: estudo de caso da Fan Page TIM Brasil
Gustavo David Araújo Freire .................................. 204
Anonimato e violência no discurso midiatizado:
desafios ao Marco Civil da Internet
Giovanna Abreu ................................................... 234
O livro digital e a interdependência
dos fatores da midiatização
Rennam Virginio .................................................. 272
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Prefácio
Midiatização e interações tecnomediadas
A virtualização das relações humanas presente em determinadas pautas individuais de conduta baseadas nas tecnologias da comunicação, segundo Muniz Sodré, é um dos aspectos que confirma a hipótese de que a sociedade contemporânea rege-se pela midiatização.
Para este autor, a midiatização deve ser pensada como um novo bios,
no sentido aristotélico, uma espécie de quarta esfera existencial, com
uma qualificação cultural própria ou uma tecnocultura.
E não há como transitar pela sociedade moderna, sem que se
isente de qualquer operação digital: nosso dinheiro, cada vez mais
circula pelas maquininhas das lojas; nossos cartões de felicitações
já são digitalizados através de e-mails; nossas reclamações e críticas
a produtos e serviços, nossas compras e reservas são tecnomediadas; produções, ideias e opiniões, mobilizações e participações em
fóruns, cursos e eventos; namoros e casamentos... o que mais nos
falta participar via internet? E mesmo aqueles que acreditam estarem livres ou à parte dessa rede de interação midiática, não percebe
que toda a vida a sua volta se articula com as redes invisíveis do
ciberespaço, uma vez que está inserido em um novo bios, conforme
ainda Sodré, instaurado sob o processo social da midiatização.
Diante desse processo de significativa repercussão social da
midiatização no contexto de nosso cotidiano é que se articulou pesquisa e discussão da temática, com a consequente produção desta
obra, como parte dos estudos do Grupo de Pesquisa em Processos e
Linguagens Midiáticas (Gmid), do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação (PPGC), da Universidade Federal da Paraíba. As pesCapa
9
- Marcos Nicolau
Sumário
quisas foram apresentadas no Seminário Midiatização e Cotidiano:
reflexões sobre as interações tecnomediadas - SEMID 2012, evento
organizado dentro das atividades do PROCAD na UFPB, nos dias
17 e 18 de setembro de 2012, que contou com a presença das professoras Maria das Graças Pinto Coelho e Josimey Costa, ambas do
PROCAD do Programa de Pós-Graduação em Estudos Midiáticos
(PPGEM), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, além
de professores e mestrandos do PPGC.
Esta obra é composta por 11 artigos. Os três primeiros são
de autoria de professores, os 07 seguintes de alunos do Mestrado
(PPGC/UFPB) e o último de estudante de graduação do Curso de
Comunicação em Mídias Digitais – DEMID.
Abre o livro o texto do professor Wellington Pereira, intitulado A midiatização do cotidiano: da techné à técnica. Trata-se de
um ensaio que visa discutir o caráter da midiatização do cotidiano,
ora privilegiando a técnica, ora a techné. O autor discute as formas
que aparecem encobertas ou reveladas no exercício de midiatizar a
vida cotidiana.
No segundo artigo, TV digital universitária: a midiatização pública do conhecimento, a professora Olga Tavares procura
repensar a TV brasileira sob a ótica da TV digital pública, mas especificamente, as TVs universitárias, procurando adotar o conceito
de midiatização pública do conhecimento para expor a proposta de
diferenciar a produção de conteúdos da programação e demonstrar
os preceitos da comunicação colaborativa.
As narrativas transmidiáticas ganharam características próprias no processo da midiatização com uma diversidade de experiências: é o que sustém o terceiro artigo do livro, intitulado, As
narrativas transmídias: um estudo da franquia The Walking
Dead. Nele, o professor Ed Porto Bezerra e os mestrandos Charles Cadé e José Glaydson Pereira, além de apontarem características inerentes às singularidades da história, tanto na TV quanto nas
HQs, destacam a imersão e interação do público na trama através
dos games e do ciberespaço.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A partir do quarto artigo é a vez dos mestrandos do PPGC/
UFPB apresentarem seus textos, iniciando por: A falsa interatividade mercadológica e a negação da inteligência coletiva, de autoria de Emanuella Santos e Jitana Cardins. Para elas, o Facebook
é uma empresa que seduz seus usuários através de seus discursos,
mas na prática contradiz-se com ações manipuladoras.
Alan Mascarenhas, Andréa Poshar e Danielle Vieira são
autores do artigo Série, cartazes e fones de ouvido: a lógica da
transmídia publicitária na midiatização, cuja abordagem trata
das estratégias mercadológicas na atualidade. Na visão deles: “à
medida que a comunicação e interação entre indivíduos é potencializada, novas configurações surgem no fazer publicitário, sobretudo
nas mídias digitais”.
O sexto artigo, intitulado A resenha cinematográfica online em tempos de midiatização: o caso Omelete, de João Batista Firmino Júnior, tem como temática a resenha cinematográfica
presente no site Omelete, como uma experiência própria do processo de midiatização. Identificado como um espaço em aprimoramento, o site envolve um fluxo de comentários e de outras ações
conjuntas (como programação de salas de cinema e participação
em promoções).
A midiatização e a multiconversação nas redes sociais é o
sétimo artigo, elaborado por Ana Maria de Sousa Pereira e Patrícia
Medeiros de Lima. A pesquisa busca analisar a construção das multiconversações nas redes sociais, a partir do uso que fazemos das
ferramentas tecnológicas.
O artigo de Odlinari Ramon Nascimento da Silva, Interações religiosas tecno-mediadas: ressignificação da religião no
ciberespaço faz uma análise a respeito das mudanças ocorridas no
campo religioso a partir do desenvolvimento das novas tecnologias
da informação e comunicação.
Responsável pelo oitavo artigo desta obra, Gustavo David
Araújo Freire, escreve sobre o Uso dos sites de redes sociais como
serviço de atendimento ao consumidor na sociedade midiatizaCapa
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- Marcos Nicolau
Sumário
da: estudo de caso da Fan Page TIM Brasil, cuja temática é como
o descaso enfrentado pelos consumidores junto aos serviços de
atendimento ao consumidor das empresas tem levado, todos eles, a
adotarem um novo comportamento na internet.
O penúltimo artigo tem como título, Anonimato e violência
no discurso midiatizado: desafios ao Marco Civil da Internet e
foi escrito por Giovanna Abreu, em torno das questões sobre a midiatização, Marco Civil da Internet, crimes digitais e a questão do
anonimato online.
Por fim, o décimo primeiro e último artigo, elaborado pelo
graduando Rennam Virginio, aluno de Mídias Digitais e Bolsita
PIBIC de Iniciação Científica, tem como temática O livro digital
e a interdependência dos fatores da midiatização. A partir dos
fatores mercadológicos, humanológicos e tecnológicos da midiatização, Rennam faz uma análise dos ebooks, suas atuações e influências no mercado do livro digital.
Esperamos que este livro possa contribuir com as pesquisas
sobre midiatização, no contexto da comunicação e das culturas midiáticas, fornecendo luzes para novos estudos e aprofundamentos
das questões aqui levantadas. Boa leitura.
Marcos Nicolau
Coordenador do Gmid/PPGC/UFPB
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A midiatização não se confunde com a mediação, pois
este tem o caráter auxiliar e tecnológico a partir de demandas
predicativas, instauradas na necessidade de ratificar ações.
A midiatização do cotidiano:
da techné à técnica
Wellington PEREIRA1
Resumo
Este ensaio tem como objetivo discutir o caráter da midiatização do cotidiano promovido, ora privilegiando a
técnica, ora a techné. Nesse sentido, ensaiamos uma
discussão sobre as formas que aparecem encobertas ou
revelados no exercício de midiatizar a vida cotidiana.
Palavras-chave: Techné. Técnica. Midiatização. Cotidiano.
Introdução
O processo de midiatização se caracteriza por um
predicativo cultural, quer seja de ordem religiosa, quer
seja estético-político.
Midiatizar é procurar apreender algo através do auxílio de uma ferramenta lógica ou material.
Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC/UFPB. Coordenador do Grupo de Pesquisa Sobre
o Cotidiano e o Jornalismo - GRPECJ.
1
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
Na mitologia, os deuses exercem um processo de
mediação entre os homens, são porta-vozes de suas necessidades na adequação de seus atos à natureza.
Os deuses não se colocam - no processo de mediação - no lugar dos homens, mas têm a função de adequar
os seus pedidos de acordo com o imaginário de cada um
deles. Deuses e deusas oferecem índices de compreensão, mas não a compreensão em si.
O mediador ocupa sempre uma posição de neutralidade axiológica entre o sujeito e o predicado, ou seja: se
coloca entre aquele que pratica a ação e o que o determina na ação.
A mediação traduz o poder que tem um instrumento
de provocar sintaxes – conexões – entre a razão teorética
– a busca do entendimento – e o método – os instrumentos usados para se chegar ao que se deseja conhecer.
Mediar é oferecer auxílio ao predicativo para a diminuição dos ruídos, da entropia de significados. É tradução.
A midiatização é o contrário da mediação, pois sua
função não é evitar os problemas de significação entre os
campos dos saberes, mas “doar” possibilidades de interpretação.
Na midiatização, o sujeito não tem como principal
objetivo usar o predicado como instrumento auxiliar da
compreensão, mas como instrumento de dominação, as-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
sim: o começo, o meio e o fim de uma cultura vêm determinados por uma cultura de per se: construída como
forma dominadora até se tornar dominante.
Embora o processo de mediação não possa ser lido
fora de instâncias de poder, este depende da interpretação que o predicativo pode gerar em relação ao sujeito
– enquanto na midiatização o que prevalece é “argumentação à la carte”.
No mundo da vida, a mediação está para a techné assim como a midiatização para a técnica. Mas estes
conceitos não dialogam independem de um efeito “maniqueísta” das interpretações, pois se entrelaça, julgam e
subjugam as formas discursivas do cotidiano.
Considerando a tradição filosófica ocidental – a partir dos gregos – poderíamos verificar o mito do Prometeu
acorrentado (Esquilo) como uma primeira tentativa de entender as sutis diferenças entre techné e técnica. Nesse
sentido, a palavra que une os deuses, os homens e a punição a Prometeu é revelação.
Quando Prometeu rouba o fogo dos deuses e oferta aos homens, a importância não está no objeto (fogo),
mas no processo de instauração (luz) da consciência dos
humanos em relação ao seu mundo e ao divino.
No mito prometeico, temos elencada a dualidade
conceitual entre techné e técnica – para demonstrar que
ambas se imbricam conceitualmente.
O de transferir simples o poder de manejar o fogo
aos homens é técnica: instrumento criado para realizar
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- Marcos Nicolau
Sumário
meios para atingir o fim. Aqui, estamos falando em emprego de ferramenta que auxiliam as habilidades manuais
ou cognitivas para alcançar um determinado objetivo. Mas
isso é apenas operacional. Noutra ponta de reflexão, aparece a techné encetada por Prometeu quando a revelação
e autonomia da razão humana em relação aos deuses se
dão através da dominação do fogo.
Alguns filósofos chegam a determinar Prometeu
como o pai da técnica, pois acabam esquecendo que além
do poder de manipular o fogo os humanos foram revelados portadores de uma consciência que os tornou iguais
aos deuses, não precisando pedir mais nada a estes. Este
foi o problema absorvido na passagem da cultura mitológica à cultura técnica construída no renascimento e legitimada na modernidade.
A techné – mal traduzida por técnica- pertence ao
mundo das habilidades, portando da capacidade de revelação. Como revelação, os gregos tomaram todo processo
artístico ou religioso, que exigiria uma liturgia reflexiva
(Delfos, Pitonisa, Dioniso, Hermes) capaz de estabelecer
o procedimento de “religar” (re-ligare) culturas. Aqui, temos a clara mediação entre o sensível e a epistème (o
conhecimento racional codificado).
Portanto, no cotidiano a techné corresponde ao processo de alinhamento entre o conjunto de instrumentos de
um determinado campo de habilidade (escrita, dança, música, engenharia etc.) para revelar significados, pois na techné os instrumentos não escondem a natureza dos fins.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
“A técnica é mais fraca do que a necessidade”. Esta
frase de Esquilo, em Prometeu acorrentado, joga por terra
aquela máxima de que “os fins justificam os meios”, porque as técnicas governamentais ou industriais não podem
estar acima da ética.
Quando Esquilo afirma ser a técnica mais fraca que
a necessidade, isso demonstra que as necessidades humanas não devem ser tratadas a partir das técnicas, sobretudo, de que necessidade técnica elas estabelecem,
inclusive considerando os contextos históricos.
A técnica não é boa, tampouco má: é instrumental.
A techné é reflexiva, reveladora.
O grande problema é quando a técnica deixa de ser
meio e passa a ser fim, tornando-se mais forte que as
necessidades humanas (invertendo a lógica do Prometeu
acorrentado). Para Marx este é o início da idade técnica,
no qual o homem está longe-de-si e mais perto do outro-de-si – as técnicas do modo de produção do capital.
Mas, na idade da técnica, que começa quando o universo dos
meios não tem em vista nenhuma finalidade (nem mesmo o
lucro), a relação se inverte no sentido de que o homem não
é mais um sujeito que a produção capitalista aliena e reifica,
mas um produto da alienação tecnológica, a qual se organiza
como sujeito e faz do homem um predicado seu. (GALIMBERTI, 2006, p. 17-18)
O desafio para os cientistas sociais é recuperar o
homem em meio a tantos sistemas técnicos no cotidiano,
pois ele tem os seus valores dependentes das técnicas,
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
como nos ensina Galimberti, em seu, livro à página 19.
A técnica não deve ser demonizada, acusada de
empobrecer a autenticidade da obra de arte. Ela deve ser
compreendida enquanto técnica, a partir de um exercício
pedagógico capaz de fazer o homem pensar na sua essência e aplicabilidade. Se não exercitarmos esta reflexão,
teremos a instrumentalização do cotidiano e uma nova
forma de mitificação: a técnica pela técnica.
O primeiro exercício para não sucumbir à instrumentalização do cotidiano pode ser entendido através dos
escritos de três pensadores: Martin Heidegger, Wittgenstein e McLuhan – sem importamos com uma cronologia
das ações desses homens.
Heidegger (2008) vai dizer que a maneira mais fácil de sucumbir ante as seduções da técnica é considerada neutra, porque isso nos torna cego em relação à
essência da técnica.
Com Heidegger, aprendemos uma coisa simples,
mas de extremo valor: não existe técnica neutra. Assim,
podemos arriscar a afirmação: toda a essência está em
uma de suas utilizações e causas determinadas a priori.
A essência da técnica é determinada pelas formais
causais de seu emprego, ou seja: desde a filosofia Aristotélica aprendemos que existem quatro causas para o
emprego das técnicas: 1) material; 2)formal; 3) final; 4)
eficiente.
Essas causas são modificadas na sociedade moderna e pós-moderna para que a técnica (aqui lato sensu) se
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
legitime como um fim em si (uma metafísica da comercialização e do controle social). Sua essência não está no
pré-advento de suas aplicabilidades, mas no “pro” aquilo
que se insere na natureza provocando uma “naturalização” dos sentidos humanos.
A técnica, sobretudo a midiática, foi vista por
McLuhan como uma extensão dos sentidos humanos – no
sentido do alargamento da visão, audição e tato (ficaram
de fora o paladar e o olfato).
Na concepção do pensador canadense, ao contrário do que pensou Heidegger, a técnica dos meios de
comunicação de massa exigia – antes de tudo- o aprimoramento dos sentidos humanos para a decodificação
das mensagens. Assim, McLuhan aproxima – com sua
classificação de meios quentes e meios frios – de um
exercício técnico próxima do humano, o que seria da
ordem da techné.
Com Wittgenstein, um filósofo da linguagem, vamos
aprender que a interferência da técnica no cotidiano se
dá a partir das Formas Tecnológicas da Vida. Esta me parece uma síntese apropriada das ideias de Heidegger e
McLuhan, porque o importante é entender quais são as
práticas e os modos de ação que cada técnica impõe à
vida cotidiana.
O importante em Wittgenstein – sobretudo para
aqueles que pesquisam a relação Mídia e cotidiano – é
que as Formas Tecnológicas da Vida são sustentadas por
uma tradição epistemológica que reforça a necessidade
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19
- Marcos Nicolau
Sumário
de validar o conhecimento em um regime classificatório e
capaz de construir representações válidas.
Mas todo o sentido das Formas Tecnológicas da Vida
é produzido pelos sistemas tecnológicos – mesmo que sejam orgânicos, trabalhando no sentido fisiológico, ou seja,
cibernéticos (no sentido da utilização da eletricidade, átomos, velocidade, para reconstituí-la os corpos ou as formas do habitat humano).
Assim, o processo de midiatização do cotidiano não
pode ser lido mais através da dicotomia techné e técnica,
mas a partir das interfaces tecnológicas impostas pela herança da Formação Tecnológica da Vida que nos legou a
modernidade.
O desafio é – através de uma pedagogia da vida cotidiana procurar saber a que galáxia tecnocultural pertence
esse ser Humano ad hoc (um Dasein do instante) que estamos construindo nesses exercícios de simulações da vida.
1 A tékhne do sujeito e a técnica da política
Uma das formas de compreender a midiatização do
cotidiano é observar as formas de construção dos sujeitos
– através da tékhne – e dos sistemas políticos a partir das
técnicas.
As técnicas estabelecem uma midiatização dos sistemas de governo invocando um para-si e um “à vous”,
como se toda ação social –mediada e midiatizada – exercida pelo poder obedecesse a dois princípios: 1) legitima-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
ção do poder – considerando as técnicas propagandísticas; 2) a doação das virtudes estatais aos cidadãos – ou
seja, não pergunte, cumpra, aceite, reproduza que é para
o vosso bem.
Na midiatização, o trabalho de apresentação das
virtudes do estado é um problema técnico, pois considera a manutenção dos sistemas capazes de promover a
circulação dos ideais de governabilidade. Neste sentido,
a técnica veste os sujeitos para que eles sejam média
das formas de governabilidade: formação escolar, lógica
do consumo, demandas de desejos estéticos instauradas
pelo sistemas políticos.
A técnica de alimentação dos sistemas políticos –
no processo de midiatização do cotidiano – não se decifra
apenas com uma hermenêutica das ideologias, mas através de um exercício pedagógico revelador de uma moldagem da mente e das vontades pessoais (BAUMAN, 2012).
O problema na midiatização do cotidiano no âmbito da técnica do sistema político é a desnaturalização do
sujeito, da perda dos índices que mostram os contornos
históricos do imaginário de cada cultura, pois o sistema
políticos em seus vieses partidários, econômicos, midiáticos – busca apenas apresentar a sociedade a partir de
demandas criadas para si e “à vous”.
A técnica esconde mais que revela. Quando revela
traz em si um “à priori” que necessita ser decifrada por
sistemas peritos: judiciário, médico, pedagógico, físico-matemático.
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- Marcos Nicolau
Sumário
Nesse processo, a técnica auxilia a criação de um
sistema de midiatização do cotidiano que não obedece
às “teologias” seculares, mas à nova ordem mercantil-cognitiva responsável pela apresentação do cotidiano
como produto dos artefatos “eletroeletrônicos” e de suas
retóricas.
Na midiatização do cotidiano, as retóricas que possuem uma funcionalidade técnica são da ordem da sociabilidade – procura legitimar o para si e o “à vous” dos
sistemas políticos ocidentais considerando padrões econômicos como determinantes dos valores de inclusão ou
exclusão dos sujeitos “midiatizados” – na maioria das vezes – pela ideia de incompetência no tocante ao uso das
riquezas oferecidas pela tecnologia.
O tempo de midiatização do cotidiano pertence ao
domínio das técnicas de legitimação do sistema político,
através de um conjunto de tecnologias cujo objetivo é
transformar o factual em um “continuum” sem caracteres
históricos – capaz de prescindir das formas antropológicas
do humano.
A técnica pela técnica – no sentido heideggeriano – tem sido a acomodação de instrumentos – às vezes
tomados como superiores – para difusão das injunções
cotidianos, da “falha ontológica” do ser humano ante às
inovações tecnológicas.
Enquanto a técnica – no processo de midiatização
do cotidiano – representa o “à vous” – uma fabricação
de demandas “ofertadas” pelo estado e suas maquinarias
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
aos sujeitos, a tékhne representa o esforço do sujeito em
recuperar a consciência de si e não para-si.
A tékhne no cotidiano se perfaz quando os instrumentos –retóricos ou físicos – são usados para revelar
e não acomodar os meios aos fins. Por isso, ela é da
ordem cognitivo-pedagógico, provocando o sujeito a tomar consciência de si de outrem, como mostra Foucault
(2010, p. 159):
Vemos pois que há em Platão três maneiras de vincular, encaixar solidamente o que os neoplatônicos chamarão de catártico e político: vínculo de finalidade na tékhne política (devo
ocupar-me comigo mesmo para saber, para conhecer, como
convém, a tékhne política que me permitirá ocupar-me com
os outros); vínculo de reciprocidade sobre a forma da cidade,
pois, salvando-me, salvo a cidade e, salvando a cidade, me
salvo...”.
A techné é o exercício ontológico realizado pelo
sujeito através do cuidado-de- si e da sociedade (FOUCAULT, 2010), com base numa ética da estética que privilegia todo o conjunto simbólico dos imaginários sociais.
Mas este sujeito também é político, pois criando uma
reflexão sobre si garante as habilidades necessárias para
governar a cidade.
O sujeito da techné exerce a difusão de sua essência (ousía) no espaço público, empregado os instrumentos
mediadores com destreza clínica – não erradicando os problemas – mas procurando decifrá-los no desencaixe social.
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
Na techné, a ênfase não está na simples apresentação dos fatos cotidianos – prerrogativa das técnicas midiáticas – mas no mostrar (monstrare, assombrar, espantar) filosoficamente as nuanças do viver em comunidade
(quer seja urbana, quer seja rural) promovendo imbricações de técnicas culturais consideradas arcaicas com as
tecnologias da pós-modernidade.
Assim, podemos pensar que a função da techné é
promover a harmonia entre o sujeito e a cidade ( entre
o homem e a natureza) através do cuidado-de-si, obnubilado pela instrumentalização técnica que doa “à vous”
fragmentos da realidade que substituem a realidade.
2 A techné e a técnica em relação
às Teorias da Mídia
Considerando a sistematização de uma Teoria da
Mídia sistematizada por Harry Pross – seguindo os passos antropológicos de Ernst Cassirer (BAITELLO JUNIOR,
2010): 1) comunicação primária, 2) comunicação secundária; 3) comunicação terciária; podemos verificar que a
técnica é pensada como auxiliar do item terceiro:
Os meios terciários surgem com a eletricidade, com a criação
de aparatos que transmitem mensagens para outros aparatos
similares instantaneamente, ou remetem a mensagem gravada em suportes que somente podem se lidos por aparatos
similares. Todos os que querem participar de um processo de
comunicação terciária necessitam o acesso (ou a posse) aos
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
aparatos correspondentes. E a eletrificação, o cabeamento ou
a construção de redes transmissoras, retransmissoras e captadoras tornam-se indispensáveis para o desenvolvimento da
comunicação terciária. (BAITELLO JUNIOR, 2010, p.62).
De forma geral, a citação reflete um entendimento “científico comum” –aquilo isolada- do que significa a
midiatização enquanto processo apenas técnico. Pois é
este “conectar” que reforça a construção de um cotidiano midiatizado pelo “à vous” como naturalizada das ofertas dos gostos e das formas de apreciação da natureza.
Mas também é uma ordem discursiva para-si à medida
que procura legitimar as demandas do estado: ideológica,
educacional, política.
Se a comunicação terciária se aproxima do predomínio da técnica no processo de midiatização do cotidiano, as comunicações primária e secundária estão mais
próximas da techné – pois nelas o corpo-humano é a principal ferramenta para construção e desconstrução das realidades, das inscrições de mensagens em outros suportes a partir de uma biosfera – reconhecimento do habitat
humano enquanto lugar de espécies e com um apelo mais
sociocultural:
Assim, a partir do telefone e da telegrafia, a radiofonia, a televisão e a rede mundial de computadores, a chamada www,
constituem sistemas de comunicação terciários. Contudo, independente do grau de complexidade da mediação, primária,
secundária ou terciária, sempre há um corpo no início e no final
de todo processo de comunicação, afirma Harry Pross. Quer
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25
- Marcos Nicolau
Sumário
dizer, há aí uma comulatividade na passagem da primária para
a secundária e da secundária para a terciária, a secundária
contem a primária e a terciária contém a secundária e a primária. E isso não significa que a comunicação presencial seja
a mais simples ou a mais fácil, e também não quer dizer que a
comunicação terciária seja mais complexa por requerer maior
número de etapas de mediações. Cada uma delas possui suas
vantagens e desvantagens, seu potencial maior ou menor, sua
melhor ou menos adequada aplicabilidade para cada determinada situação. (BAITELLO JUNIOR, 2010, p.63).
À guisa de Conclusão
Há de se pensar que –para efeitos didáticos – a midiatização do cotidiano se configura ora através da técnica
– entendida com adequação de meios para determinados
fins; ora se estabelece enquanto techné – a utilização de
instrumentos para a criação e recriação de novos significados. Mas isto não quer dizer que técnica e techné sejam
processos excludentes – impassíveis de convivência na
vida cotidiana: ambos se legitimam na ordem da intencionalidade estético-econômica.
A midiatização do cotidiano considerando apenas os
aspectos instrumentais da técnica é um procedimento que
esconde o caráter preconceituoso e hierárquico dos média
com relação às culturas economicamente mais pobres –
como se a tecnologias dos povos ricos fossem superiores
às “técnicas dos menos civilizados.”.
Na techné, o processo de midiatização não se dá
através da superação e separação temporal entre meios e
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
fins, mas no exercício pedagógico de reconhecimento dos
conflitos sociais.
As técnicas podem ser consideradas sistemas simples “... redutíveis a seus componentes e às interações
mecânicas entre eles...”. (Halévy, p.11, 210). Enquanto
a techné é um sistema complexo, ultrapassando o analitismo cartesiano (o todo deve ser explicado por suas
partes), promovendo a descoberta de novas camadas de
significados preconizando uma relação noética - conhecimento, inteligência, espírito – (Halévy, p.14, 2010) entre
os sistemas, os sujeitos e os sistemas sociais construídos
por eles.
Por tudo isso, que seja dito: a técnica é a midiatização da aparência; a techné promove midiatizações sobre
o que se esconde no fundo das aparências.
HEIDEGGER, Martin. Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2008.
MAFFESOLI, Michel. No fundo das aparências. Petrópolis
(RJ): Vozes. 1996.
Referências
BAITELLO JUNIOR, Norval. A serpente, a mação e o holograma: esboços para uma Teoria da Mídia. São Paulo: Paulus,
2010.
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
TV Digital Universitária:
a midiatização pública do conhecimento
Olga TAVARES2
Resumo
Repensar a TV brasileira sob a perspectiva da TV digital
pública, particularmente as TVs universitárias, de modo
a aplicar o conceito de midiatização pública do conhecimento para trazer a proposta de diferenciar a produção
de conteúdos da programação televisiva e, assim, cumprir
com os preceitos da comunicação colaborativa que ora se
instaura na cultura midiática.
Palavras-chave: TV digital universitária.
pública. Socialização do conhecimento.
Midiatização
Introdução
A cultura midiática hodierna, no Brasil, não pode
prescindir de repensar o papel da televisão sem deixar de
considerar sua relevância na construção de uma cultura
Professora Doutora do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGC/UFPB. Pós-Doutoranda em Comunicação na
UFRJ.
2
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- Marcos Nicolau
Sumário
televisiva que se instaurou no país desde a inauguração
da TV Tupi, em 1950. A história brasileira dessas seis
décadas se confunde com a programação da TV, no que
concerne à adoção de comportamentos cotidianos, à homogeneização linguística e à pasteurização das práticas
socioculturais.
Com a inauguração da TV Digital, que privilegia, por
enquanto, melhores qualidades técnicas, tem-se demandas novas que podem abrir espaço para que a televisão
brasileira apresente novas propostas de produtos que tragam o diferencial conteudístico, que é uma discussão meramente acadêmica e que, por sua vez , merece destaque
quando se fala em TV digital universitária.
Portanto, nossa proposta é exatamente discutir a
possiblidade de trazer ao fórum acadêmico a ideia de se
repensar a televisão brasileira a partir de experiências
que podem ser estudadas e trabalhadas pelo público universitário, convocando quadros discente e docente para a
tarefa de se fazer, realmente, uma televisão que se almeja desde que ficou evidente que a função do meio, neste
país, era fundamentalmente mercadológico, comprometido com o consumo e com a indústria do entretenimento
– discussões que têm sido feitas sem que se chegue a
nenhum consenso, tornando-as inócuas. Este momento
se delineia como uma porta aberta para perspectivas favoráveis às mudanças que se esperavam em vão.
Como a TV brasileira é um dos veículos de maior
penetração midiática no país, o seu novo papel pode as-
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
sociar-se à pretensão de uma socialização do conhecimento que tenha êxito, efetivamente, utilizando-se das
novas ferramentas à disposição. A midiatização pública
do conhecimento pode partir dos objetivos das televisões
universitárias, cujos propósitos, conforme estabelece a
Associação Brasileira de TVs Universitárias (ABTU), são
o de contribuir para o aprimoramento dos profissionais do
setor e para a melhor informação e formação do público telespectador; e entender a televisão brasileira como
aquela voltada exclusivamente para o desenvolvimento
da cidadania, a melhoria de qualidade de vida da população, o apoio à educação, o incremento à cultura regional,
a democratização da informação e do conhecimento e todas as demais demandas preconizadas pelo artigo 221 de
nossa Constituição.
Midiatização Pública
As práticas discursivas midiáticas, no Brasil, têm
sido um grande campo de análise da televisão brasileira.
Como exemplo, tem-se a grande mídia nacional pautando as novelas e seus enredos, que se confundem com a
sociologia do cotidiano brasileiro, e muitos espaços midiáticos são ocupados por essas novas discussões dos comportamentos, vestuários e/ou valores de personagens,
como fez a revista Veja (8/8/2012), com matéria de capa
intitulada Vingança, sobre a atual novela da TV Globo,
Avenida Brasil. Se for pesquisar no acervo digital da cita-
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31
- Marcos Nicolau
Sumário
da revista, desde a década de 80 que as novelas e seus
personagens têm sido motivo de discussão nacional. Sem
contar os inúmeros programas televisivos que dispendem
muitas horas com esses mesmos assuntos em manhãs,
tardes e noites de debates.
Para Fausto Neto (2009), este é o conceito de midiatização:
Trata-se da emergência e do desenvolvimento de fenômenos
técnicos transformados em meios, que se instauram intensa
e aceleradamente na sociedade, alterando os atuais processos
sociotécnico-discursivos de produção, circulação e de recepção
de mensagens. Produz mutações na própria ambiência, nos
processos, produtos e interações entre os indivíduos, na organização e nas instituições sociais. Grosso modo, trata-se de
ascendência de uma determina realidade que se expande e se
interioriza sobre a própria experiência humana, tendo como referência a própria existência da cultura e da lógica midiáticas.
Então, as manifestações midiáticas são observadas
sob essas premissas de modo a fornecer um quadro geral da própria cultura midiática que se tem no país. Essa
ambiência midiática permite que se perceba a construção discursiva que se desenvolve através dos meios de
comunicação que, por si só, contém sub-repticiamente
uma formação ideológica previamente fortalecida pela mídia dominante. No entanto, com as novas conformações
tecnológicas – portabilidade, mobilidade, funcionalidade,
acessibilidade etc.-, esse perfil será modificado e a midiatização pública será possível, no sentido de combinar suas
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
propostas àquelas que a TV digital pública defende, por
exemplo, como atender às necessidades da coletividade e
abrir canais de cidadania.
A multiplicidade de alternativas midiáticas aplicadas
à TV digital universitária poderá ser a pauta das mudanças no setor televisivo nacional. E faz-se mister pensar a
respeito de fato, tanto quanto já se organizar estratégias,
parcerias e afins para que essas ideias sejam implantadas
em tempo de assegurarem uma penetração significativa
nas sociedades locais, a princípio, para que se estendam
a todas as redes televisivas públicas do país, em um sistema que se configure profissional e capaz de preencher
novas demandas, essas calcadas em cima dos novos aparelhos interativos que deverão interagir com a TV, tanto
quanto fugir dos lugares comuns estipulados até hoje pela
grande mídia, que pauta o cotidiano sociocultural brasileiro. Nesse caso, o conceito de Moniz Sodré (2009) serve
de inspiração para aplicações que se direcionem à cidadania digital, quando ele diz que “midiatização (...) é a
articulação do funcionamento das instituições sociais com
a midia”, ou seja, é o que ele chama de “ethos midiatizado”, que “caracteriza-se pela manifesta articulação dos
meios de comunicação e informação com a vida social”. E
ele define assim essas contradições de hoje:
Ou seja, os mecanismos de inculcação de conteúdos culturais
e de formação das crenças são atravessados pelas tecnologias
de interação ou contato. Passamos a acreditar naquilo que se
mostra no espelho industrial.
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33
- Marcos Nicolau
Sumário
Como não dá para negar a sociedade midiatizada,
tem-se que buscar maneiras de se integrar a esses tempos pós-modernos de modo a conciliar essas contradições já citadas com as perspectivas de renovações possíveis com a mediação midiática, cujo foco é a conexão de
todas as áreas existentes na sociedade, como a política
e a religião, que são os exemplos mais profícuos nessa
construção imaginária-visual. É preciso haver uma compreensão dessa realidade para que se possa repensar as
práticas comunicativas a partir disso, e utilizar-se desse
mundo da visibilidade que ela instituiu para se criar novas legibilidades, novas competências e novas práticas
de visibilidade.
Se as universidades estão formando profissionais de
comunicação para exercer esse fazer, nada melhor do que
utilizar os laboratórios e os estúdios das televisões universitárias para elaborar novas práticas profissionais, que vão
ao encontro dos interesses públicos. Os novos processos
de midiatização requerem uma nova leitura de mundo e
uma percepção mais sensível da realidade, no sentido de
entendê-la no contexto da vida social e não somente da
vida da novela, mesmo quando as narrativas midiáticas se
imbriquem com o cotidiano dos indivíduos. Deve-se adequar este quadro descrito por Carlos Sanchotene (2009,
p.8) , que tem sido tão comum na audiência brasileira:
Em um ambiente midiatizado, os sujeitos se tornam atores
da encenação, buscando uma recriação imaginária da própria
vida. Através de exacerbadas exposições íntimas dos indiví-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
duos, cada vez mais dramatizada pela tevê, os personagens
são compostos por todos os sujeitos,aquele que está na tela
e aquele que está assistindo. Os sujeitos atorizados acabam
interpretando papéis que carregam todo o enredo da trama, o
roteiro que sustenta as subversões que produzem identificações com o público.
O que se propõe na midiatização pública na TV digital universitária é o mesmo que Carlos Sanchonete sugere
(2009, p.9):
E um dos efeitos da midiatização é justamente a capacidade
de cada um fazer sua própria edição do real, estabelecendo
relações verdadeiras que são mantidas em situações de copresença com os dispositivos midiáticos, uma vez que estes
atuam segundo realidades de construções que lhes são intrínsecas, convertendo os indivíduos em cogestores de processos
cujas modalidades os nomeiam e legitimam como personagens e atores desta realidade.
No desenvolvimento dessas transformações tecnológicas, os pressupostos da midiatização pública do conhecimento vão se manifestando, conforme a lógica das dinâmicas sistêmicas estabelecidas, haja vista estarem aí se
consolidando novas práticas de sociabilidade que privilegiarão o pensamento coletivo, a criatividade colaborativa.
Canal da Cidadania em Rede
O Sistema Brasileiro de TV Digital, desde o seu lançamento, em 2003, e sua instalação, em 2007, vem preCapa
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- Marcos Nicolau
Sumário
conizando as seguintes metas: inclusão digital; e-gov;
apoio educacional; disseminação cultural; e integração
social em nível regional e nacional; tanto quanto a garantia dos requisitos técnicos.
Sabe-se que as televisões comerciais são pouco
comprometidas com essas metas; portanto, cabe à televisão pública, neste caso aqui principalmente as televisões universitárias, a tarefa de cumprir essas metas e
adotá-las como proposta de modificação do papel que a
televisão deve ter nestes novos tempos de convergência
e flexibilidade tecnológica, que prenunciam maior liberdade de criação e mais espaço de debate.
As TVUs públicas são as mais apropriadas para promover a vivência comunitária tanto no campus quanto nas comunidades
da cidade onde a universidade está situada, fazendo com que
a produção de conteúdo seja realizada por todos os agentes do
fazer acadêmico. (TAVARES, 2009, p.104).
De acordo com Francisco Machado Filho (2012), este
é “a hora e o momento ideal” da TV pública brasileira:
Um exemplo importante deste momento é a decisão do governo federal em expandir a rede de TV pública por meio de
um operador único. Esta iniciativa permitirá a digitalização
dos canais comunitários, legislativos, judiciários e educativos
a custos compartilhados em todas as capitais e em cidade
com população acima de 100 mil habitantes. Com isso, a TV
pública brasileira poderá investir no uso da interatividade em
larga escala e fomentar a inclusão social, temas que nortearam toda a política de escolha do padrão brasileiro de TVD,
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
mas que ainda encontra vários obstáculos para serem aplicados pelas emissoras comerciais.
Essa integração dos sistemas de transmissão de televisão aos sistemas voltados para os serviços de banda
larga e satélites fará um diferencial que tem que ser introduzido o mais rapidamente possível. Além de reduzir
custos de transmissão dos sinais eletromagnéticos, ganhando qualidade, haverá também economia de recursos
e a melhoria da emissão e recepção de sinais (BARBOSA
FILHO;CASTRO, 2008, p.4).
Esses autores ainda explicam por que este operador
fará sentido no Brasil.
Porque o Brasil tem hoje cerca de 600 emissoras geradoras de
TV analógica, aproximadamente 3 mil retransmissoras, além
de outras 12 mil repetidoras (Anatel, 2008). Ao formatar uma
proposta que se viabilize a partir da oferta de sistemas integrados de transmissão de sinais de TV digital, o projeto operador de redes comum vai colaborar com o mercado de pequenas e médias emissoras no país. (BARBOSA FILHO;CASTRO,
2008, p.4-5)
E tem-se que aproveitar essa oportunidade de participar e aproveitar essa iniciativa da EBC (Empresa Brasileira de Comunicação) para dar também uma nova perspectiva à TV pública. Segundo Laurindo Leal Filho (2007, p.2):
a ausência de uma televisão pública forte no Brasil impediu
a formação de um público mais crítico em relação à TV comercial, resultado da falta de modelos alternativos. Também
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- Marcos Nicolau
Sumário
impossibilitou a criação de uma massa crítica capaz de exigir
da televisão, no mínimo, o respeito aos preceitos constitucionais que determinam a prestação de serviços de informação,
cultura e entretenimento.
Sob os pressupostos da interdisciplinaridade, as televisões universitárias podem congregar várias áreas do
conhecimento para produzir a futura TV digital, adotando,
também, o modelo de TV Social, que é um serviço de
integração TV-Redes Sociais, que privilegia a ferramenta
da interatividade e intenta promover a inclusão social no
espaço televisivo. E como o midleware Ginga – o dispositivo da interatividade – foi criado no Labo­ratório de Vídeo
Digital (LAVID) da UFPB, e no Departamento de Informática da PUC-RJ, e ainda estão sendo desenvolvidos novos
for­matos, é possível viabilizar um design para TV Digital
Social a ser aplicado através das TVs universitárias, em
um trabalho conjunto dos corpos docente e discente, no
sentido de elaborar interfaces que melhorem a comunicação entre as TVs universitárias e a sociedade em geral,
através das Redes Sociais, e possam, assim, estabelecer
de fato uma comunicação bidirecional que dialogue em
outras esferas também.
Dados da ABTU indicam que existem no país cerca de 120 tvs universitárias, com possibilidades de alcançar uma audiência de 110 milhões de pessoas. Obviamente que nos dias atuais isso ainda é uma utopia.
A maioria das TVs públicas brasileiras tem pífios índices
de audiência. Contudo, esse quadro pode ser modificado
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
39
- Marcos Nicolau
com as propostas em vigor, como o incentivo a produções
independentes e a produções regionais. Além disso, as
instituições de ensino podem revitalizar a Ritu (Rede de
Intercâmbio de Televisões Universitárias), que é um sistema de recepção e distribuição de programas de televisão,
via internet de banda larga, de modo a incentivar a troca
de produções televisivas e intercâmbios tecnológicos em
todo o país, aproveitando ainda o suporte da Rede Ipê,
que é “uma infra-estrutura de rede internet voltada para
a comunidade brasileira de ensino e pes­quisa”, com conexões também para redes aca­dêmicas estrangeiras (RNP,
2012). Como enfatizam Lemos e Lèvy (2010, p.111), “a
sobrevivência de uma instituição está precisamente ligada a seu suporte a um rede social online”. Os autores
ainda completam:
Por outro lado, o Brasil é o 24º no ranking que mede o
papel da internet na vida das pessoas (A REDE, 2012),
em levantamento feito pela World Wide Web Foundation.
Esses dados mostram que a internet é um espaço em
expansão, tanto quanto de inúmeras possibilidades de
midiatização; por isso, sua integração com a TV digital
pública poderá ser um ponto relevante na construção do
conhecimento coletivo.
(...) a verdadeira concorrência entre todas as mídias, empresas e instituições de um planeta dominado pela economia da
informação vai se dar na sua capacidade de reunir e estabilizar
uma comunidade ou uma rede social de produção de conteúdo.(LEMOS;LÈVY, 2010, p.111-112).
Deve-se, portanto, fugir das posturas ingênuas de
combater as questões mercadológicas que envolvem as
televisões comerciais no país e buscar mecanismos de
enfrentamento através da criatividade, da disposição intelectual e do incentivo público aos bens públicos disponíveis nas universidades brasileiras. O que se espera é que
as oportunidades não se percam; afinal, o tripé ensino,
pesquisa e extensão é o que mantém a expectativa de
que as TVs universitárias poderão modificar o papel que
estes veículos terão neste novo cenário digital.
O Ibope/Nielsen publicou, em agosto de 2012, que
já chega a 82,4 milhões de brasileiros com acesso à internet em qualquer ambiente. Esses números vêm aumentando ano a ano, mesmo que ainda estejam defasados em relação a países do norte europeu ou asiáticos,
que lideram a lista da inclusão social, por exemplo, segundo dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2012).
Capa
Sumário
O aprendizado baseado na internet não é apenas uma questão
de competência tecnológica: um novo tipo de educação é exigido tanto para se trabalhar com a internet como para se desenvolver capacidade de aprendizado numa economia e numa
sociedade baseados nela. A questão crítica é mudar de aprendizado para o aprendizado-de-aprender, uma vez que a maior
parte da informação está online. (CASTELLS, 2003, p.212)
A exemplo dos hospitais universitários e dos centros de pesquisa na área de informática, as TVs Universitárias podem
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
cumprir o papel de centro de pesquisa, experimentação e criatividade, desde que haja política de reflexão sobre o fazer.
(CARVALHO;COUTINHO, s/d, p.3).
Da mesma forma, Felipe Pena (2001, p.4) enfatiza
que as TVs universitárias devem contemplar “mecanismos
que garantam a pluralidade”, pois esta é muito importante
“para a disseminação das discussões sobre cidadania na
TV universitária” (2001, p.6).
Considerações Finais
A TV digital pública ainda requer que as propostas a
ela destinadas sejam efetivamente implementadas e asseguradas. Canais abertos para as TVs universitárias são
um requisito fundamental para que elas possam participar igualitariamente do projeto de TV digital interativa;
ao contrário, será impossível quaisquer projetos no sentido de integrar a TV universitária às redes sociais, por
exemplo. Os canais abertos são os mais próximos ainda
do público em geral; sendo assim, a polifonia dialógica só
pode ocorrer se a sociedade puder interagir nos seus espaços de compartilhamento. Hoje, as TVs universitárias
se distanciam da sociedade exatamente porque estão nos
canais a cabo, o que limita bastante a intenção de aproximação das comunidades locais à produção acadêmica.
Segundo o Censo 2010, do IBGE, os aparelhos de
TV estão em 95,1% dos domicílios brasileiros (IG, 2012),
configurando-se como a mídia de maior penetração no
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41
- Marcos Nicolau
Sumário
país. A sua permanência nos ambientes familiares e afins
vai depender exatamente da adoção de estratégias de integração da TV com os novos dispositivos tecnológicos,
bem como conviver com novas propostas televisivas,
como a Google TV, que tem um pacote completo de serviços da sua própria linha de produção. Às TVs universitárias caberá ficar atenta a todas as mudanças orquestradas
pelo mercado, de modo a conseguir estabelecer linhas de
ação que agreguem valores diferenciados e que só os espaços acadêmicos propiciam, como a capacidade reflexiva
em relação aos meios nestes tempos de convergência midiática; a possibilidade de uma produção audiovisual sem
liames com os requisitos mercadológicos, voltada para a
parceria com a sociedade em geral; e uma liberdade maior
para repensar o papel da TV e promover a midiatização
pública do conhecimento na TV digital no âmbito das TVs
universitárias.
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Narrativas Transmídias:
um estudo da franquia The Walking Dead
Introdução
Charles CADE3
José Glaydson PEREIRA4
Ed Porto BEZERRA5
Resumo
Discutimos as narrativas transmídias a partir da franquia
The Walking Dead. Nosso intuito é apontar algumas características inerentes às singularidades da história tanto
na TV, quanto nas HQ; destacar a imersão e interação do
público na trama através dos games e do ciberespaço; e
demonstrar como as novas tecnologias têm proporcionado, através de remixagens, processos de recriações paralelas da trama original. Este objetivo corrobora com a midiatização ao envolver vários componentes na elaboração
das narrativas. Entre os principais teóricos que nos deram
o embasamento necessário, destacamos: Henry Jenkins,
Fabiane Scorla, Lúcia Santaella, Gustavo Cardoso, Janet
Murray e André Lemos.
Palavras-chave: Narrativas Transmídias. Midiatização.
The Walking Dead.
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
- PPGC/UFPB
4
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
- PPGC/UFPB
5
Professor Pós-doutor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação - PPGC/UFPB
3
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
Na contemporaneidade não há como falar em narrativas transmidiáticas, ou narrativas transmídias, sem
situá-las no contexto da convergência das mídias. É certo que as narrativas, fictícias ou não, sempre fluíram de
um suporte a outro; de uma mídia à outra: “Quantos livros não explodiram em vendas, depois de terem sido
adaptados para o cinema, ou para uma novela de TV?”
(SANTAELLA, 2003, p. 53). Esta é a concepção primeira das narrativas transmídias, uma mesma história que
transita (não necessariamente nessa ordem) do impresso
ao audiovisual e/ou ao ciberespaço entre outras mídias.
No entanto, como veremos no decorrer deste capítulo, as
formas de criação, produção e consumo destas narrativas
vem se transformando sob efeito do que Jenkins (2009)
chama de cultura da convergência.
A convergência midiática em si não é fenômeno do
século XXI surgido no rastro da Internet e das mídias móveis. Santaella já havia constatado, em Cultura das Mídias
(1996), um direcionamento antropofágico nas mídias a
partir do poder de hibridização da TV, principal veículo
de comunicação do século XX. Atualmente, podemos considerar que a Internet é quem possui tal status. A autora, porém, ressalta que, mesmo havendo tendência a
se engendrarem como redes, cada mídia em particular
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
tem uma função específica que lhe garante existência em
vez de substituição. E mais, para ela: “o aparecimento de
cada nova mídia, por si só, tende a redimensionar a função das outras”. (SANTAELLA, 1996, p. 40).
Apesar de assumir-se contrário a ideia de convergência e preferir a expressão “articulação em rede”, o pensamento de Cardoso (2007), não se desvirtua, em parte, do
universo convergente das mídias. No entanto, para ele:
Não há convergência, mas sim articulação em rede de mídias
e usos. [...] A hipótese aqui proposta é que o sistema de mídia
se articula cada vez mais em torno de duas redes principais,
que por sua vez comunicam-se por meio de diferentes tecnologias de comunicação e informação. Essas redes constituem-se respectivamente em torno da televisão e da Internet estabelecendo nós com diferentes tecnologias da comunicação e
informação como o telefone, o rádio, a imprensa escrita etc.
(CARDOSO, 2007, p. 17).
Percebe-se, pela afirmação acima, que o posicionamento do autor não diverge totalmente do princípio de
convergência, pois sua hipótese deixa transparecer – através do que ele chama de articulação em redes – a existência de fluxos de conteúdos entre as mais diversas mídias,
fenômeno típico da cultura da convergência (JENKINS,
2009), uma das bases conceituais deste capítulo:
Por convergência, refiro-me ao fluxo de conteúdos através de
múltiplas plataformas de mídia, à cooperação entre múltiplos
mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer
Capa
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Sumário
parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais.
(JENKINS, 2009, p. 2009) O conceito de Convergência de Jenkins se assemelha ao conceito de Midiatização de Scorla. Segundo esta
autora, “[...] a “midiatização” pode ser entendida como
múltiplos entrecruzamentos entre tecnologias midiáticas, campos e atores sociais, meios de comunicação social tradicionais e sociedade” (SCORLA, 2009). Ora, tais
entrecruzamentos múltiplos são contemplados nas plataformas de mídia, nos mercados midiáticos e no comportamento dos públicos, referenciados no supracitado
conceito de Jenkins.
É neste ambiente que estão inseridas as narrativas
transmidiáticas. Num contexto em que o público assiste, de forma interativa, a programas, séries, novelas etc.
através de vários suportes e plataformas midiáticas articuladas. E os produtores dos conteúdos midiatizados e
fluidos (isto é, passíveis de serem explorados em várias
mídias), por sua vez, fazem uso das mais diversas tecnologias para criar produtos mais interativos que possibilitem a participação do público.
Para Murray (2003), o avanço da informatização
e o desenvolvimento de mundos virtuais têm propiciado
uma “convergência histórica” impulsionada por profissionais (Romancistas, Dramaturgos, Cineastas e Cientistas da
Computação) cada vez mais empenhados em criar, em foreLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
matos digitais, histórias multiformes em universos fictícios.
Isto ocorreu com a criação de The Walking Dead, lançada
no Brasil com o título Os Mortos-Vivos. Neste capítulo adotaremos o título em inglês, visto que os fãs, e a maioria
dos produtos relativos à franquia, utilizam este termo estrangeiro. Trata-se da história em quadrinhos (HQ) de um
grupo de pessoas que luta para sobreviver num mundo tomado por zumbis. Esta HQ vem se expandindo para outras
plataformas como TV, Internet e games.
teórico da imagem Josep Català7, afirmou:
A princípio, […] pensava que a imagem detinha a imaginação na comparação com a literatura, porque aquele
que lê pode imaginar, enquanto a imagem já nos oferece essa passagem por feita. Agora já não vejo assim.
A imagem não é um muro que bloqueia a imaginação,
pelo contrário: está cheia de impulsos e estímulos que
projetam a imaginação para mais além. É possível ficar
só com a superfície da imagem, contentar-se com ela,
até porque a imaginação é um procedimento que requer
esforço, não se produz automaticamente. Penso, então,
que há vários tipos de imagem, algumas mais imaginativas e outras que de certa forma fecham as portas.
(CATALÀ, 2012)
1 Narrativas transmídias: a articulação
de histórias em diferentes suportes
Obras literárias são adaptadas tradicionalmente para
outros meios, como peças de teatro, cinema e televisão.
No século passado, as HQ também serviram como base
para adaptações audiovisuais. De acordo com Umberto
Eco (1996), “livros são máquinas que provocam outros
pensamentos”6. Ampliando esta perspectiva, entendemos
que algumas obras impressas são fontes de “concretização” desses “outros pensamentos”, através de processos
de tradução e expansão para os audiovisuais. Em outros
termos, as histórias dos livros saem do campo abstrato,
imaginativo e individual de quem as lê e ganham uma
versão “concreta”, constituída por imagens e sons que são
compartilhados. Em entrevista à Folha de São Paulo, o
“books are […] machines that provoke further thoughts.”
(ECO, 1996) - tradução nossa.
6
Capa
49
- Marcos Nicolau
Sumário
Segundo Will Eisner, um dos mais renomados autores de quadrinhos, a aproximação entre produções audiovisuais e HQ decorre do fato de ambas lidarem com
palavras e imagens. “O cinema reforça isso com som e a
ilusão do movimento real. Os quadrinhos precisam fazer
uma alusão a tudo isso a partir de uma plataforma estática impressa”. (EISNER, 2005, p. 75)
No que se refere à expansão de histórias para diferentes mídias, a série de ficção científica Jornada nas
Estrelas, criação do autor Gene Roddenberry, que narra
às aventuras de uma nave que explora o universo, é um
Enquanto o Chaplin dos games não vem. Disponível em
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrissima/15476-enquanto-o-chaplin-dos-games-nao-vem.shtml>. Acesso em 25
de maio de 2012
7
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
dos exemplos mais antigos. Surgida na TV dos Estados
Unidos (foi exibida entre 1966 - 1969) e tendo migrado para o cinema, em 1979, Jornada nas Estrelas ganha,
desde 1967, inúmeras novas tramas em livros ou histórias
em quadrinhos8. O mesmo ocorre com as séries de TV
do mesmo universo narrativo: A Nova Geração (produzida entre 1987 - 1994), Deep Space Nine (1993 - 1999),
Voyager (1995 - 2001) e Enterprise (2001 - 2005). Ambientados no futuro, os programas respeitam a cronologia
ficcional da série televisiva original. Alguns se passam em
anos posteriores ao primeiro seriado. Já Enterprise recua
pouco mais de cem anos.
Chamam igualmente a atenção outras obras que
expandem o que era mostrado na TV. Voyager teve aspectos da sua história explorados com profundidade em livros9. Na obra Mosaic (1997), Jeri Taylor, a co-criadora da
série televisiva, apresentou o passado - não revelado na
TV - da capitã da nave, Kathryn Janeway. Já em Pathways
(1999), Taylor faz o mesmo em relação aos demais integrantes da tripulação.
Os seis filmes de Guerra nas Estrelas, que abordam
a luta de rebeldes para se livrar de um governo ditatorial
intergaláctico, cuja primeira película chegou às salas de
exibição em 1977, deram origem a várias outras narratiLista de livros de Jornada nas Estrelas.
Disponível em <http://
www.well.com/~sjroby/lcars/>. Acesso em 25 de maio de 2012
9
Jeri Taylor’s Voyager Retrospective. Disponível em <http://
www.trektoday.com/news/210301_01.shtml> Acesso em 25
de maio de 2012
8
Capa
51
- Marcos Nicolau
Sumário
vas10 em jogos eletrônicos, RPG, livros e desenhos animados. O universo ficcional é expandido: há tramas focadas
em personagens secundários já mostrados anteriormente
e são introduzidos novos personagens.
Já Buffy, seriado sobre uma caçadora de vampiros
que durou sete temporadas na TV (1997 - 2003), continuou nos quadrinhos11. A oitava temporada do seriado é
constituída de 40 edições de HQ. Em setembro de 2011,
teve início a nona temporada de Buffy e nos quadrinhos. O
trabalho é comandado pelo criador do seriado, Joss Whedon. Não por acaso, coube a Whedon a adaptação para
o cinema do grupo Os Vingadores (2012), que reúne super-heróis criados pela Marvel, empresa que inicialmente
editava HQ e que passou, recentemente, a também produzir filmes utilizando o seu portfólio de histórias.
The Walking Dead é mais um exemplo desse fenômeno. Entretanto, fez o caminho inverso ao de Buffy e
outras histórias que tiveram origem na TV. Seu universo
narrativo, criado por Robert Kirkman, tem origem nas
HQ publicadas pela editora Image Comics, nos Estados
Unidos, em 200312.
Star Wars: O passado e o futuro no universo expandido.
Disponível em <http://www.trektoday.com/news/210301_01.
shtml> Acesso em 27 de julho de 2012.
11
Buffy | Temporada 9 do seriado começou nos quadrinhos
- veja trailer.
Disponível em <http://omelete.uol.com.br/buffy-caca-vampiros/quadrinhos/buffy-temporada-9-do-seriado-comecou-nos-quadrinhos-veja-trailer/>. Acesso em 25 de maio
de 2012
12
Disponível em: http://ebooksgratis.com.br/quadrinhos/qua10
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
53
- Marcos Nicolau
Assim, os conglomerados de comunicação e entretenimento buscam, cada vez mais, recontar histórias
surgidas nos quadrinhos. Nos últimos anos, personagens
como Watchmen, X-Men, Homem-Aranha, Batman, Homem de Ferro e Thor foram adaptados para o cinema. Na
TV, a série Smallville (2001 - 2011) contou, ao longo de
10 temporadas, a origem do Super-Homem. O sucesso
de bilheteria e a repercussão na TV foram tão grandes
que atraíram a atenção das produtoras de filmes. Em
2009, a Disney comprou o conglomerado Marvel por US$
4 bilhões13.
Todos esses exemplos de expansão de narrativas
dos impressos aos audiovisuais, ou destes para aqueles,
podem ser considerados narrativas transmídias. O fenômeno de expansão das histórias de uma mídia à outra
possibilita uma ampliação das mesmas, podendo surgir
complementações, tramas paralelas, recriações etc.
de que uma narrativa transmídia precisa de autonomia
em todos os suportes midiáticos em que (per) passa:
Na forma ideal de narrativa transmídia, cada meio faz o que
faz de melhor – a fim de que uma história possa ser introduzida num filme, ser expandida pela televisão, romances
e quadrinhos; seu universo possa ser explorado em games
ou experimentado como atração de um parque de diversões.
Cada acesso à franquia deve ser autônomo, para que não
seja necessário ver o filme para gostar do game e vice-versa.
(JENKINS, 2009, p. 138)
Na perspectiva dos donos da franquia, o que interessa é o sucesso de público e, consequentemente, de
mercado, em todas as plataformas em que a narrativa é
contada. Até porque, cada suporte contribui, à sua maneira, para que toda a franquia seja bem sucedida. Além
disso, uma narrativa transmídia não tem obrigação de repetir fielmente o roteiro de origem. É aí que reside a au-
2 The Walking Dead: imersão e interação
tonomia da trama. Cabe ao público – que cada vez menos
Para se compreender a trama de The Walking Dead,
não é necessário ter um conhecimento prévio do que vem
acontecendo em todos os meios técnicos em que a história está afixada, pois a mesma segue um princípio básico
as interseções que deseja a respeito da trama que conso-
drinhos-the-walking-dead-robert-kirkman-tony-moore-e-charlie-adlard/
13
Disney anuncia compra da Marvel por US$ 4 bilhões.
Disponível em <http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2009/08/31/
ult4326u1395.jhtm>. Acesso em 25 de maio de 2012
de consumo desencadear o interesse pelas outras, como
Capa
se conforma em consumir ficção apenas pela TV – fazer
Sumário
me. Aqui se confirma a afirmação de Santaella (1996) de
que uma mídia redimensiona o interesse em outras. Ou
seja, The Walking Dead, coexiste de maneira particular
em vários suportes, com grandes chances de uma forma
por exemplo, fãs da série televisiva recorrerem aos quadrinhos e vice-versa.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Além da HQ e da TV, o universo narrativo de The
Walking Dead se expande para outros meios. Em 03 de
outubro de 201114, treze dias antes do início da segunda temporada televisiva15, a AMC, que transmite o programa nos EUA, lançou em seu site a web série “Torn
Apart”16. Os seis webisodes contam a história de como
Hannah se tornou zumbi. A personagem aparece brevemente na primeira temporada – já transformada em
zumbi – logo após o personagem principal Rick sair do
hospital e descobrir que o mundo entrou em colapso. A
web série mostra que Hannah era uma vizinha com quem
Rick se relacionava. Ou seja, uma narrativa paralela ao
que foi exibido na TV. Embora sua participação seja pequena, a versão zumbi de Hannah se tornou uma das
criaturas mais comentadas da primeira temporada do
seriado. Existem outros casos de autonomia transmídia,
como personagens que morrem apenas na trama televisiva, como é o caso da garota Sophia.
The Walking Dead também caminha nos jogos eletrônicos, talvez a forma mais interativa da franquia, tendo em vista que são as decisões do jogador que conduzirão a narrativa. Assim, em abril de 2012 foi lançado The
Walking Dead: a New Day, o primeiro dos cinco títulos
http://www.thedreamersedge.com/the-walking-dead-0-01torn-apart/
15
http://www.imdb.com/title/tt1790548/
16
http://www.movieweb.com/news/watch-all-six-the-walking-dead-webisodes
14
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55
- Marcos Nicolau
Sumário
que serão desenvolvidos17 para PC e os consoles PlayStation 3 e Xbox 360. O roteiro novamente é de Robert
Kirkman. No game, o jogador assume a pele de Lee Everett, ex-detento que busca sobreviver ao caos no qual o
mundo se transformou. No caminho, protegerá uma menina chamada Clementine. Ambos os personagens são
novatos no universo The Walking Dead. Mais um exemplo de autonomia narrativa dentro da franquia. O game
se estendeu, ainda, para as redes sociais. Em agosto de
2012 foi lançado The Walking Dead Social Game18 no
Facebook. Através de um aplicativo adicionado à rede
social, é possível vivenciar a narrativa de forma fiel a do
seriado, interagindo não só com os personagens, mas
também com a lista de amigos do Facebook (daí a denominação de Social Game) de cada jogador. Os amigos
podem aparecer, em fotos, transformados em zumbis
que precisam ser eliminados. O jogador tem a opção de
publicar na linha do tempo o resultado da eliminação de
seus amigos.
Devido a essas facilidades de acesso a informação
e ao avanço e inserção das inteligências coletiva (LÉVY,
1998) e artificial na vida contemporânea, o público consumidor de ficção também não se conforma em ser apenas
espectador. Para Murray (2003) os fãs são cada vez mais
interator e menos espectador. Em outras palavras, eles
querem compartilhar suas impressões com outros fãs,
http://telltalegames.com/walkingdead
http://clubalfa.abril.com.br/tecnologia/games/the-walking-dead-ganha-jogo-no-facebook/
17
18
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
57
- Marcos Nicolau
opinar sobre os roteiros, criar suas próprias versões remixadas, interagir com os personagens e imergir no universo ficcional. A mesma autora, em seus estudos sobre
narrativas no ciberespaço, defende que as novas tecnologias da informação vem potencializando a sensação de
imersão em ambientes ficcionais, como no caso dos games mencionados acima:
público tem que criar um avatar – uma forma preliminar
de estar imerso na trama – no perfil do Facebook do canal.
Entretanto, os aficionados pela série não se conformam
com o que lhes é oferecido e investigam e comparam as
narrativas na HQ, além de criarem outras subnarrativas
paralelas ao conteúdo oficial.
3 Quando os fãs criam novos caminhos narrativos
Ambientes eletrônicos baseados na tela de um monitor também podem proporcionar a estrutura de uma visita de imersão. Aqui, a própria tela é a tranqüilizadora quarta parede,
e o controlador (mouse, joystic [...]) é o objeto liminar que
lhe permita entrar e sair da experiência. Quando o controlador está estreitamente ligado a um objeto do mundo ficcional,
como um cursor na tela que se transforma numa mão, os movimentos reais do participante transformam-se em movimentos pelo mundo virtual. (MURRAY, 2003, p. 109-110)
Dessa forma, admitimos que a busca pela sensação
de pertencer a uma trama fictícia transforma a nossa relação com as tecnologias. Lemos (2008) ao tratar de interações, interatividade e interfaces afirma que “o imaginário alimenta a nossa relação com técnica” remodelando
a nossa compreensão de interatividade. Em The Walking
Dead, a imersão através do site do canal Fox, que exibe
o programa no Brasil, se restringe aos conteúdos extras
e mini jogos da própria página. No entanto, o canal Fox
lançou recentemente uma promoção que garante aos fãs
uma imersão efetiva na série de TV. O vencedor fará figuração como um zumbi na terceira temporada. Para isso, o
Capa
Sumário
Embora a versão televisiva de The Walking Dead tenha certa autonomia em relação ao que foi apresentado
na HQ homônima, as tramas são similares. Robert Kirkman19, criador da HQe produtor do seriado televisivo, explica a dinâmica das tramas nos dois suportes:
A maioria dos personagens foi traduzida para a tevê de maneira quase exata. [...] Agora, as histórias que vamos contar
serão diferentes em alguns momentos. A série sempre seguiu
os quadrinhos meio de longe, tem divergências de tempos em
tempos, e queremos continuar isso na terceira temporada.
(KIRMAN, 2012)
Isso desperta em alguns admiradores a prática de
acompanhar a transposição para a televisão20 traçando
Robert Kirkman fala sobre a finale e os planos para a série
The Walking Dead. Disponível em <http://www.nerdplus.xpg.
com.br/nerd/2012/03/20/robert-kirkman-fala-sobre-a-finale-e-os-planos-para-a-serie-the-walking-dead/>. Acesso em 21
de junho de 2012.
20
http://www.walkingdeadforums.com/forum/f36/differences-between-comics-show-414.html
19
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- Marcos Nicolau
um paralelo entre as duas abordagens21, considerando
os quadrinhos, onde a história primeiro surgiu, como a
abordagem principal. Por isso, todas as demais deveriam
“respeitar” essa concepção original. Quando o seriado televisivo opta por caminhos distintos, muitos fãs sentem-se traídos22.
Os apelos dos fãs muitas vezes são ouvidos. De
acordo com Robert Kirkman, o seriado de TV e a HQ podem se juntar de forma inusitada23: Daryl Dixon, um dos
personagens mais queridos do programa televisivo, não
existe na versão em quadrinhos. Todavia, Kirkman planeja inserir o personagem na HQ.
Jay Bolter e Richard Grusin (2000) consideram que
TV e Internet concorrem econômica e esteticamente. O
que cada suporte procura é “remediar” o outro24 (BOLTER
e GRUSIN, 2000, p. 47). Os mesmos autores lembram,
todavia, que a nova mídia pode igualmente buscar implementar a remediação, tentando absorver inteiramente
http://www.comicvine.com/news/amcs-the-walking-dead-comics-comparison-and-analysis/142588/
22
http://www.tivocommunity.com/tivo-vb/archive/index.
php/t-483169.html
23
The Walking Dead | Personagem exclusivo do seriado deve
entrar nas HQs.
Disponível em <http://omelete.uol.com.br/
walking-dead/quadrinhos/walking-dead-personagem-exclusivo-do-seriado-deve-entrar-nas-hqs/>. Acesso em 25 de maio
de 2012
24
“In fact, television and the World Wide Web are engaged in
an unacknowledged competition in which each now seeks to
remediate the other. The competition is economic as well as
aesthetic.” (BOLTER e GRUSIN, 2000, p. 47) - tradução nossa.
a história pregressa Como resultado, as diferenças são
minimizadas e o novo meio permanece dependente do
anterior25 (BOLTER e GRUSIN, 2000, p. 57).
No caso de The Walking Dead, os apreciadores
acompanham com atenção não apenas o que foi mostrado, mas o que ainda está por vir. Veja o caso da personagem Michone. Já presente nos quadrinhos, ela foi
introduzida na versão televisiva apenas na terceira temporada, a ser lançada em 14 de outubro de 2012. Durante a produção dos novos episódios, os fãs comentaram
a atriz escolhida para o papel, Danai Gurira (Figura 01).
Uma única imagem revelada serviu para ser remixada
com outras obras, como o filme Kill Bill (2003), de Quentin Tarantino (Figura 02).
21
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Sumário
“Finally, the new medium can remediate by trying to absorb
the older medium entirely, so that the discontinuities between
the two are minimized. The very act of remediation, however,
ensures that the older medium cannot be entirely effaced; the
new medium remains dependent on the older one in acknowledged or unacknowledged ways.” (BOLTER e GRUSIN, 2000, p.
57) - tradução nossa.
25
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Figura 01 – A atriz Danai Gurira caracterizada como
a personagem Michone
Fonte: http://www.boomtron.com/2012/05/danai-gurira-as-michonne-in-walking-dead-season-3/
A segunda temporada televisiva de The Walking
Dead, por exemplo, foi muito contestada por telespectadores que viram problemas na condução da trama. Por
isso, fãs lançaram várias fotomontagens apontando as
incongruências da série televisiva. De acordo com Lawrence Lessig, “vivemos em uma cultura de ‘cortar e
colar’ proporcionada pela tecnologia’’ (2005, p. 120). Um
dos alvos mais constantes é o personagem T-Dog. Na
primeira temporada, era um personagem secundário. No
segundo ano da série, virou um extra, com poucas falas (Figura 03). Na imagem, T-Dog reclama do convívio
com os zumbis. No que Rick, seu companheiro de acampamento de longa data, pergunta: “Isso é embaraçoso,
mas quem é você mesmo?”
Figura 02 – Michone encontra Beatrix Kiddo (Uma Thurman):
a personagem principal de Kill Bil
Fonte: http://michonnedoesntlike.tumblr.com/post/23615959808/
people-stealing-her-poses
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Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
63
- Marcos Nicolau
A família do personagem principal Rick também foi
alvo de críticas (Figura 04). Sua esposa lhe dá pouco suporte. Já seu filho vive colocando o grupo em risco. Na imagem
consta a seguinte crítica: “Duas coisas farão você ser morto
num apocalipse zumbi: mulher histérica e garoto estúpido”.
Figura 04 – Crítica feita à família de Rick
Fonte: http://weknowmemes.com/2012/03/top-two-things-that-will-get-you-killed-in-a-zombie-apocalypse/
Essas criações derivadas que mostram o descontentamento dos fãs fazem parte da cultura do remix. De
acordo com Lemos (2005), o remix pode ser compreendido como:
Figura 03 – Diálogo entre T-Dog e Rick
Fonte: http://pmb-prettythings.tumblr.com/post/19687675493
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Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
65
- Marcos Nicolau
[...] possibilidades de apropriação, desvios e criação livre [...]
a partir de outros formatos, modalidades ou tecnologias, potencializados pelas características das ferramentas digitais e
pela dinâmica da sociedade contemporânea. Agora o lema da
cibercultura é “a informação quer ser livre”. E ela não pode ser
considerada uma commodite como laranjas ou bananas. (LEMOS, 2005, p. 2)
sódio da segunda temporada, o personagem Hershel começa a disparar sua arma sem parar. Na vida real, é algo
improvável, já que é necessário recarregar o equipamento. No mundo dos jogos eletrônicos, não.
Outros admiradores de The Walking Dead preferem
desenvolver tramas derivadas (fan fiction) do seriado, investindo em aspectos pouco explorados da história26, ou
Nas figuras 03 e 04 observamos que os fãs fizeram
uma leitura paralela ao que é narrado de forma direta na
série. Ao observarem, no primeiro caso, que o personagem T-Dog quase não tinha falas, os fãs satirizaram a
presença de T-Dog, recriando um diálogo em que Rick
desconhece o mesmo. No segundo caso, os fãs demonstram sua rejeição rotulando os personagens Lori Grimes
e Carl Grimes (esposa e filho de Rick, respectivamente)
de mulher histérica e garoto estúpido. Dessa forma, entendemos que as possibilidades de recriação trazidas com
as novas mídias mobilizam o público consumidor de ficção
e fazem com que o mesmo expresse seus pontos de vista recriando subtramas paralelas de inúmeras maneiras:
através de intertextualidades que remetem uma trama a
outra, como nas figuras 01 e 02 (que relacionam a série
The Walking Dead ao filme Kill Bill), montagens de paródias, figuras 03 e 04, entre outras.
Vídeos também são elaborados. “Hershel’s Shotgun
with Infinite Ammo Hack” mistura a imagem da TV com
ícones de jogos eletrônicos de First Person Shooter (em
tradução livre, games de tiro). Isso porque, no último epi-
mesmo criando novas abordagens. A trama de The Walking
Dead se passa num mundo atacado por zumbis, no qual
os poucos seres humanos não infectados procuram sobreviver. Muitos fan fictions buscam justamente apresentar a
vida dos personagens antes dessa epidemia27, mostrando
como era o cotidiano deles no mundo normal.
Diversos autores (JENKINS, 1992; PUGH, 2005) já
afirmaram que o ato de (re)elaborar narrativas preexistentes não é uma prática nova. Walter Benjamin argumentou que:
Capa
Sumário
A obra de arte sempre foi reprodutível. O que os homens faziam sempre podia ser imitado por outros homens. Essa imitação era praticada por discípulos, em seus exercícios, pelos
mestres, para a difusão de obras, e finalmente por terceiros,
meramente interessados no lucro (BENJAMIN, 1994, p. 166).
Henry Jenkins (1992) lembra, porém, que o advento da Internet ampliou o fenômeno. Segundo Pierre Lévy,
http://www.fanfiction.net/tv/Walking_Dead/3/0/0/1/0/0/0/0/0/37/
http://forum.thewalkingdead.com.br/topico/767-fan-fiction-the-walking-dead/
26
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“A partir do hipertexto, toda leitura tornou-se um ato de
escrita” (LÉVY, 1997, p. 46). Lawrence Lessig (2005) também reforça o papel da rede mundial de computadores
nesse processo. Entretanto, este autor acrescenta que o
alcance da Internet vai “além dela própria”. Trata-se de
“um efeito que afeta a maneira como a cultura é produzida” (LESSIG, 2005, p. 36).
Para a pesquisadora Maria Lúcia Vargas, tal prática pode ser explicada como oportunidade do fã interagir
“com textos de seu interesse, a saber, na maior parte dos
casos, textos bem-sucedidos comercialmente (...), cuja
presença, no dia-a-dia do jovem, o motive a prolongar o
contato com eles” (VARGAS, 2005, p. 14). Esse prolongamento contribui, até certo ponto, ao processo de desenvolvimento das narrativas fictícias em diversas plataformas, pois embora o público não tenha poder de interferir
diretamente nas séries e games, essas formas de recriação publicizadas na Internet funcionam como um termômetro de audiência. Em outros termos, o público não se
torna co-autor das histórias, mas suas críticas, elogios,
paródias e sugestões podem significar o sucesso ou não
de determinados produtos midiatizados.
Considerações finais
The Walking Dead é uma narrativa fictícia robusta
que faz intercâmbio com outros meios, ao mesmo tempo em que expande seu universo imaginativo, propor-
Capa
67
- Marcos Nicolau
Sumário
cionando recriações por parte do público. Diferente de
um livro, cuja trama já foi concluída, e que é transposto
para o cinema, o trajeto percorrido por The Walking Dead
ocorre concomitantemente em diversas mídias. Tal processo de ampliação de participação do público se insere
no atual contexto, em que não só empresas de comunicação fazem uso de tecnologias para criar narrativas,
mas também a audiência que é cada vez mais ativa na
forma de consumo.
Podemos constatar, ainda, que The Walking Dead
vem se configurando uma legítima narrativa transmídia.
Isso se deve à sua crescente aceitação pelos públicos segmentados de diferentes mídias e suportes, ou seja, aqueles que acompanham a saga dos sobreviventes através
das HQ e da TV, e o público que consome a história em
várias plataformas, incluindo os games e a Web.
Consideramos também que a franquia está articulada em rede (CARDOSO, 2007), pois existe um esforço
de empreendimento de seus criadores não só em conquistar públicos segmentados, mas também de imprimir
sua marca nas mais diversas mídias, ampliando assim, a
audiência.
Por fim, analisamos como a midiatização se revela ao abarcar transformações tecnológicas, a partir das
narrativas em TV, HQ, Internet e games da franquia The
Walking Dead, e mudanças sociais representadas pela
postura pró-ativa dos fãs da série.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
69
- Marcos Nicolau
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Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
te no Facebook nega a própria inteligência coletiva que
flui em sua rede.
A falsa interatividade mercadológica e a
negação da inteligência coletiva
Emanuella SANTOS28
Jitana CARDINS29
Resumo
Palavras-chave: Midiatização. Inteligência
Manipulação. Interatividade. Facebook.
coletiva.
Introdução
No contexto da sociedade midiatizada o uso das tecnologias como meios de comunicação causa inúmeros reflexos nas relações sociais. A inteligência coletiva, característica pulsante desta era, passa a ter seus princípios
manipulados por discursos mercadológicos, assim como a
interatividade passa a ser argumento de venda para serviços online. Atentamo-nos aqui para o Facebook como
objeto de análise, pois tal empresa seduz seus usuários
através de seus discursos de benfeitor, o que na prática
contradiz tal discurso com ações manipuladoras, fazendo-nos aceitar seus termos sem ao menos nos convencer
que seja realmente o melhor para nós. Com escolhas que
deveriam ser autônomas e livres, a manipulação presenMetranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]
29
Metranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]
28
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- Marcos Nicolau
Sumário
Em decorrência das transformações e avanços tecnológicos que vêm acontecendo ao longo dos últimos
anos, a sociedade atual presencia e ajuda a formar uma
nova era contextualizada pelo processo de midiatização.
As tecnomediações agora determinam as formas de relacionamento e as vivências do mundo atual. De acordo
com Sodré (2009) uma nova forma de vida está surgindo,
o quarto bios, o bios midiático, o qual completa a classificação aristotélica das formas de vida: bios theoretikos
(vida contemplativa), bios politikos (vida política), e bios
apolaustikos (vida prazerosa, vida do corpo).
Dentro do contexto da midiatização Nicolau (2012)
identifica três fatores estruturantes que determinam os
acontecimentos inerentes a esta esfera social, são eles:
o fator humanológico, o fator tecnológico e o fator mercadológico, sendo este último fator o que nos interessará
para esta pesquisa.
Com base nos estudos de Sodré (2009) e Fausto
Neto (2006) sobre o processo de midiatização, percebeeLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
73
- Marcos Nicolau
mos que esta pode ser analisada sobre variados aspectos,
visto que tal processo está presente em todos os níveis da
1 Compreendendo o contexto atual
pelo processo de midiatização
vida social contemporânea.
Isso posto, temos como objetivos no presente trabalho, observar como o fator mercadológico se desenrola
em meio ao contexto da midiatização, percebendo as estratégias de manipulação de ações de seus usuários pelas
chamadas empresas virtuais, tomando como exemplo o
Facebook; compreender como a inteligência coletiva se
manifesta nos dias de hoje no ciberespaço e como ela
chega a ser negada em decorrência das ações de simulação de ambientes de livre expressão na internet.
Usando como método a observação empírica, procuraremos fazer uma análise do ambiente proporcionado
pela rede social em questão, de sua política de privacidade, em sua página oficial e blog, no intuito de levantar indícios para a confirmação de nossa suspeita sobre
a manipulação de nossas escolhas quando utilizamos a
sua rede social. Além disso, acreditamos que ela manipula
os princípios que norteiam a inteligência coletiva, quando
ela disponibiliza uma ambiência que aparentemente tem
o objetivo de fazer com que as informações fluam livremente, nos fazendo crer em uma autonomia individual e
na espontaneidade da inteligência coletiva que se constrói
a partir dela.
Com a emergente virtualização das relações nos
dias atuais, a sociedade se encontra em outro contexto
de vivências. Com as novas formas de comunicação trazidas pelas atuais mídias, as facilidades de compartilhamento, e o desenvolvimento tecnológico têm colaborado
para o desenrolar do momento atual. Não se consegue
mais estudar, trabalhar, se relacionar com amigos e familiares, ou até mesmo ir ao banco, sem que essas ações
sejam permeadas pelas novas tecnologias. Agora vivemos
uma época em que as relações estão cada vez mais se
tornando tecnomediadas, ou seja, as tecnologias tornam-se mediadoras das relações humanas. O mundo vive no
contexto da midiatização. “Estamos diante de numa nova
forma de organização e produção social, onde o capital já
não estaria mais apenas a serviço das estruturas, mas dos
fluxos e da informação.” (FAUSTO NETO, 2006, p.4).
A midiatização é um processo social que anda junto
com a cibercultura e, como afirma Sodré (2009, p. 16),
põe em jogo um “novo tipo de formalização da vida social,
que implica outra dimensão da realidade, portanto formas
novas de perceber, pensar e contabilizar o real.” A partir
desse momento as pessoas estão inseridas numa tecnocultura, fazendo uso variado das tecnomediações.
Além da tecnologia, outro fator decisivo para que a ordem
social e o modelo cultural contemporâneo tenham atingido as
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Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
feições atuais diz respeito à localização da mídia no centro da
sociedade e à expansão de suas lógicas para os demais campos sociais, processo a que chamamos de midiatização. Podemos dizer que a midiatização é um processo relacional, que
resulta do encontro de variados fatores e, ao mesmo tempo,
interfere nesses elementos e realidades que lhe originaram de
maneira a configurá-los segundo lógicas de mídia. (FLORES;
BARICHELO, 2009) 30
Implica a midiatização, por conseguinte, uma qualificação par-
É importante também frisar a distinção que Sodré
(2009) mostra em seus estudos entre mediação e
midiatização, termos que muitas vezes erroneamente são
usados como sinônimos. O autor aponta mediação como
sendo “a ação de fazer ponte ou fazer comunicaremse duas partes” (SODRÉ, 2009, p. 21). Enquanto que a
midiatização:
corpo). [...] Partindo-se da classificação aristotélica, a midia-
...é uma ordem de mediações socialmente realizadas no sentido da comunicação entendida como processo informacional, a
reboque de organizações empresariais e com ênfase num tipo
particular de interação – a que poderíamos chamar de “tecnointeração”. (SODRÉ, 2009, p. 21)
Considerando essas afirmações percebemos que é
fato que as sociedades estão passando por modificações
determinantes, se tornando cada dia mais tecnomediadas
e inseridas em um novo bios, que foi estabelecido a partir
do processo social da midiatização.
ticular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas
de vida, um bios específico. Logo nas primeiras páginas de
sua Ética a Nicômaco, Aristóteles distingue, a exemplo do que
já fizeram Platão no Filebo, três gêneros de existência (bios)
na Polis: bios theoretikos (vida contemplativa), bios politikos
(vida política), e bios apolaustikos (vida prazerosa, vida do
tização ser pensada como tecnologia de sociabilidade ou um
novo bios, uma espécie de quarto âmbito, onde predomina a
esfera dos negócios, com uma qualificação cultural própria (a
“tecnocultura”). (SODRÉ, 2009, p. 24 – 25)
De acordo com Marcos Nicolau (2012) podem ser
identificados três fatores básicos que determinam os acontecimentos inerentes a esta esfera social ou bios, sendo
eles os fatores humanológico, tecnológico e mercadológico. Faz parte das características do fator humanológico “a
necessidade e a possibilidade de participar e compartilhar
ideias e opiniões a partir da apropriação e uso das mídias
digitais e atuação nas redes sociais” (NICOLAU, 2012, p.
11). Já no fator tecnológico “instaura-se a ubiquidade da
comunicação, sem fronteiras de idiomas, raças ou crenças.” (NICOLAU, 2012, p. 5). Como o fator mercadológico é estruturante para o nosso trabalho, trataremos dele
com mais profundidade.
Artigo disponível em: http://www.cchla.ufpb.br/ppgc/smartgc/uploads/arquivos/2f1351ff7220101009062343.pdf
30
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Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
1.2 Fator mercadológico
É fácil perceber que o mercado sempre fez e faz o
mundo disputar relações de interesses e manipular para
vender, tendo como foco principal o lucro. Na atualidade a palavra de ordem é informação. Se a sua empresa
não vende informação, ela, pelo menos, deve estar bem
representada para atingir seu público com informações
sobre seus produtos. Temos também a grande briga para
ver quem produz mais e traz mais inovações para os aparatos tecnológicos. Além do lucro, o domínio do mundo
também se tornou objetivo.
Como afirma Nicolau (2012) os fatores humanológico, tecnológico e mercadológico foram projetados dentro
da esfera do novo bios que se instaura na modernidade,
estabelecendo uma constante negociação de interesses,
que as mantêm interdependentes.
O fator mercadológico é determinante para que sejam desenvolvidas as bases inovadoras das tecnologias da informação
e da comunicação, proporcionando a produção dos aparatos
técnicos capazes de atender as necessidades comunicacionais.
Mas é também no cerne deste fator que tem havido os mais
acirrados embates entre os que defendem o controle sobre os
direitos autorais e os que pregam a pirataria como uma prática
natural na internet, por exemplo. (NICOLAU, 2012, p. 5)
A economia digital está se tornando muito forte
pela sua facilidade de compartilhamento e pelo fato de
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- Marcos Nicolau
Sumário
estar em todos os lugares, podendo atingir qualquer público. Sodré (2009) afirma que essa economia tem um
grande impacto sobre o mundo do trabalho e sobre a cultura, atingindo a indústria, a pesquisa científica, a educação, o entretenimento, de modo que novas variáveis
surgem e transformam de forma muito rápida a vida das
pessoas. Ele afirma ainda que é uma tendência mundial que o comércio flua para a rede cibernética abrindo
possibilidades para novos empregos e atividades rendosas. “Desenha-se a partir daí a possibilidade de um novo
tipo de empresa, a ‘empresa virtual’, definida como uma
estrutura híbrida de atividades organizadas” (SODRÉ,
2009, p.18).
A partir disso muitas possibilidades econômicas e
mercadológicas podem surgir com o intuito de se aproveitar das facilidades encontradas nesse novo bios. Empresas virtuais como as grandiosas Google e Facebook
hoje dominam o mercado de buscas online e de redes
sociais, respectivamente, de maneira jamais vista. Elas
buscam cada vez mais usuários que façam uso de seus
serviços afim de que seu número de acessos cresça,
atingindo desde crianças até pessoas da terceira idade,
apostando na adesão de um público o mais diversificado
possível.
Já é lugar comum afirmar que o desenvolvimento dos sistemas
e das redes de comunicação transforma radicalmente a vida
do homem contemporâneo, tanto nas relações de trabalho
como nas de sociabilização e lazer. Mas nem sempre se enfati-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
za que está primeiramente em jogo um novo tipo de exercício
de poder sobre o indivíduo (o ‘infocontrole’, a ‘datavigilância’).
Os sistemas informacionais e as redes de telecomunicações
[...] ampliam-se continuamente como gigantesco dispositivo
de espionagem global. (SODRÉ, 2009, p. 15)
Essas empresas buscam criar novas formas de obter lucro através da internet, fazendo com isso, uma vigilância dos gostos e costumes de seus usuários, o que
proporciona um domínio de mercado, levando assim à velha conhecida manipulação, que trataremos mais adiante.
Agindo dessa forma, percebemos também que há uma
grande influência dessas empresas sobre os ambientes
que elas criam para seus usuários se sentirem à vontade
para falar, comprar, pesquisar ou compartilhar o que quiserem, mas que na verdade essas pessoas estão sendo
manipuladas pelos seus interesses mercadológicos.
A internet é um lugar extremamente propício para
o crescimento de uma inteligência coletiva, no entanto
esses espaços criados por essas empresas demonstram
serem ambientes livres para compartilhamento, mas que
detêm fortes indícios de que manipulam as ações de seus
usuários. Desse modo, considerando que a inteligência
coletiva acontece de maneira espontânea, percebemos
que nesses ambientes não acontece livremente. Mas antes de nos aprofundarmos nesse assunto, vamos conhecer melhor o conceito de inteligência coletiva e como ela
se desenvolve.
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- Marcos Nicolau
Sumário
2 Inteligência coletiva: a onipresença do saber
A inteligência coletiva, teoria bastante difundida
por Pierre Lévy (2004), define tudo aquilo que envolve as
capacidades cognitivas, técnicas, habilidades e conhecimentos de todos os seres humanos individualmente, mas
que unidos formam uma grande rede de informações. De
acordo com suas afirmações, ela é uma inteligência compartilhada em todos os lugares, avaliada constantemente,
coordenada em tempo real, que conduz a uma mobilização efetiva das habilidades, tudo isso acontecendo de
forma espontânea. O autor parte do pressuposto de que
ninguém sabe tudo, todo mundo sabe algo e o conhecimento, de uma forma geral, está na humanidade.
O conhecimento de cada um é a matéria-prima para
a formação da inteligência coletiva. Dessa forma um conhecimento é passado de pessoa para pessoa afim de que
faça parte de um conjunto de informações
Até mesmo nos lugares onde as pessoas são tidas
como “ignorantes” existe a inteligência coletiva. “A luz do
espírito brilha bem ali onde se trata de fazer crer que não
tem inteligência: “fracasso escolar”, “simples execução”,
“subdesenvolvimento”, etc. [...] A inteligência coletiva só
começa com a cultura e aumenta com ela.”31 (LÉVY, 2004,
p.20, tradução nossa).
“La luz del espíritu brilla incluso allí donde se trata de hacer
creer que no hay inteligencia: “fracaso escolar”, “simple ejecución”, “subdesarrollo”, etcétera. [...]La inteligencia colectiva
solo comienza con la cultura y aumenta con ella.”
31
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Quando se pensa em inteligência coletiva, pode-se
remeter ao pensamento com diferentes idiomas, com tecnologias cognitivas, mas a inteligência culturalmente informada não é programada. Por transmissão, invenção ou
esquecimento, o patrimônio comum passa a ser de responsabilidade de todos. “A inteligência do conjunto já não
é resultado mecânico de atos cegos e automáticos, pois
aqui é o pensamento das pessoas que o perpetua, inventa
e põe em movimento a sociedade.”32 (LÉVY, 2004, p.22,
tradução nossa).
É importante ressaltar que a inteligência coletiva se
desenvolve de maneira espontânea, é uma rede de conhecimentos extremamente vasta sobre a qual ninguém
detém domínio algum. Entretanto, a partir do momento
que alguém, no caso do nosso estudo, as empresas, simula um ambiente de ações espontâneas, mas na verdade tem um intuito camuflado de manipulação e domínio,
aí deixa de haver uma inteligência coletiva. Essa rede de
informações passa a ser negada.
3 Passado manipulado, presente manipulável.
As instituições, no contexto midiatizado, seguem
o desígnio da visibilidade para ganhar seu espaço, instigando diversos tipos de esforços e sucedendo conforme
“La inteligência del conjunto ya no es el resultado mecánico
de actos ciegos y automáticos, pues aqui es el pensamiento de
las personas lo que perpetua, inventa y pone en movimiento el
de la sociedad.”
32
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- Marcos Nicolau
Sumário
especialidades das mídias. As suas ações ultrapassam
aquelas práticas tradicionais de comunicação com seus
diversos públicos e cria novos tipos de relacionamentos.
Tal relação é potencializada pelas tecnologias digitais,
que surge conforme os caminhos trilhados pela própria
sociedade contemporânea.
A midiatização vem sendo responsável por mudanças em vários aspectos da vida humana, entre esses aspectos está a economia da sociedade midiatizada. As organizações configuram-se como espaço privilegiado, visto
que na maioria das vezes, elas são as próprias proprietárias dos meios que interagem com seus públicos. Com
isso, seus interesses são facilmente alcançados, sejam
eles de teor sociais, financeiros ou de poder, interesses
estes que regem as mídias desde seus primórdios.
As estratégias organizacionais frequentemente tentam “esconder” seus reais interesses (por mais que saibamos que seu único e principal interesse seja o lucro),
através de discursos que convencem os mais diversos
indivíduos. Evidenciamos e defendemos aqui, que estes
discursos tentam, de alguma forma, burlar a pura e simples manipulação. E parece-nos importante conceituar tal
termo, visto nosso interesse em trazer à tona suas implicações. De forma breve, por manipulação entendemos ser
o ato de levar alguma pessoa ou grupo a fazer algo, sem
que ela perceba o principal interesse.
Nos modelos teóricos tradicionais de comunicação,
uma das grandes questões que se estudou foi se o recep-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
83
- Marcos Nicolau
tor era passivo ou ativo nos processos de transmissão de
informação pelos meios de comunicação de massa. Segundo Braga (2006, p. 61) isso já é coisa do passado:
Superamos já uma percepção (vigente pelo menos até os anos
1980), de que os usuários dos meios ditos “de massa” seriam
homogêneos, passivos e, portanto facilmente manipuláveis.
Reconhece-se hoje uma possibilidade de resistência (baseada
em mediações culturais extramidiáticas) do “receptor”. Mas, se
o “receptor” resiste, isso não significa necessariamente que faça
as melhores interpretações, os melhores usos. (grifo nosso)
Contudo, mesmo existindo essas formas de resistência, enxergamos que ainda nos dias atuais, esse
caráter de manipulação exista nos novos meios digitais
de interação social. E acreditamos necessário, que os
usuários aprendam a interpretar e selecionar suas escolhas, desenvolvendo uma “autonomia interpretativa”
(2006, p. 63), o que a nosso ver, faria com que estes
escapassem do fascínio manipulador nos meios da contemporaneidade.
Para Carvalho33 as mídias passaram a ser utilizadas
como instrumentos de engenharia social, devido principalmente ao que o autor chamou de “uniformidade da mídia” nos tempos atuais. O autor diz que a mídia não mais
se vincula a difusão de informação, e sim ela passou a ter
controle sobre o curso das informações que são direciona-
dos para gerar certos padrões sociais, produzindo padrões
comportamentais específicos. As mídias, em pouco tempo, levam o povo a mudar de atitude ou de valores como
se fosse coisa da vida inteira. Alfonso Lópes Quintás em
entrevista34 nos revela que:
Os meios de comunicação nos oferecem um elenco de possibilidades indefinidas para informar-nos, distrair-nos, compartilhar outras vidas, assistir a toda sorte de acontecimentos
relevantes. Dispor de tais possibilidades supõe uma impressionante liberdade de manobra, que nos dá uma impressão
de poderio e riqueza. Basta clicar um botão para abrir-nos a
um horizonte sempre novo de paisagens, concertos, notícias,
acontecimentos de toda ordem. Este aumento diário de nossa
“liberdade de manobra” nos embriaga e seduz.
Tal fato se propaga evidentemente nas empresas
que fazem uso das novas tecnologias digitais, ou melhor,
as grandes empresas que estão na internet, e são provenientes dela. Silverstone (1999, p. 47) afirmou que “a nova
mídia é construída sobre as bases da velha”, e junto a isso,
nasce também, neste mundo da internet, uma nova economia baseada na antiga. Tornando-se para as grandes empresas uma enorme vantagem, uma vez que são elas que
detêm o uso que fazemos dos seus serviços, monitorando
cada um dos usuários/clientes, e lucrando com o consumo:
Entrevista disponibilizada na página: http://www.zenit.org/
article-5976?l=portuguese
34
Vídeo disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=IE6IOCsVkvs
33
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A esfinge do consumo. Autorizadas por uma economia supostamente livre de atrito, em que as escolhas entre produtos são infinitas, a informação sobre eles acessível e clara, e
nossa capacidade de decidir entre eles (finalmente) racional,
nossas decisões de compra, como indivíduos e como instituições, não seriam restringidas por nada, a não ser por
nossa capacidade de pagar. Ao mesmo tempo, no entanto,
essa autorização é comprometida pelas várias estratégias
que as empresas, tanto globais como locais, estão desenvolvendo para recrutar e restringir nossas escolhas. Nossas
decisões de compra são registradas, preferências são verificadas, gostos definidos, fidelidades reclamadas. (SILVERSTONE, 2002, p.55)
Percebe-se com isso que a sociedade cada vez
mais, recebe influências dos padrões midiáticos. A presença dos meios de comunicação como mediadores tem
sido cada vez mais marcante para as relações sociais.
Surpreendem-nos vivermos em uma época dita de maior
circulação e acesso a informação e ainda assim, empresas privadas tentarem por várias formas manipular seus
clientes, visto que além de termos as informações ao
nosso alcance, os estragos causados, caso um usuários
se rebele contra as artimanhas da empresa, seriam bem
maiores do que quando só existiam os meios de comunicação de massa.
Grandes empresas, como Google35 e Facebook36,
trazem em sua missão e filosofia um discurso de benfeitor
35
36
Disponível em: http://www.google.com.br/about/company/
Disponível em: http://www.facebook.com/facebook
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resguardando a todo tempo seus principais interesses que
muitas vezes passam despercebidos por seus usuários.
Tais empresas usam seu modelo de negócio para modular
comportamentos, cria novos gostos e padronizar fenômenos que alteram as mais diversas formas de cultura.
Nesta discursão trazemos também a visão de Rodrigues (2012) sobre a preocupação nos estudos dos novos
meios tecnológicos de mediação que continuam a assegurar o uso de estratégias para os diferentes campos. Sendo assim, Rodrigues mostra que não podemos separar as
abordagens do media como responsáveis pelas interações
mediáticas, e o seu uso como instrumentos de manipulação. Para o autor é “impensável a inexistência de discurso
não manipuláveis” (2012, p. 15) em tais meios:
Os discursos veiculados pelos media são manipuladores como
manipuladores são todos discursos que circulam no tecido social. Falar é fazer crer e fazer crer é levar os interlocutores a
adotar comportamentos conformes com a crença que os locutores pretendem fazer aceitar. É que, a partir do momento em
que qualquer discurso visa fazer aceitar pelos seus interlocutores aquilo que o autor crê ser verdadeiro, ter ocorrido, ser
razoável e ser relevante, no quadro enunciativo que delimita o
mundo desse discurso, não é plausível a existência de um tipo
de discurso que não vise levar o interlocutor a aceitar aquilo
que pretende fazê-lo aceitar. (RODRIGUES, 2012, p. 16)
Tal fato nos faz questionar o que até agora havíamos reprimidos, uma vez que vemos algumas técnicas
de manipulação serem utilizadas de forma que prejudique
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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o receptor de determinado discurso, seja para o uso dos
seus serviços, ou para a compra de seus produtos.
E por mais que todo discurso que tente convencer o
outro de algo seja em sua essência manipulável, não podemos nos tornar sujeitos passivos, principalmente quando tais manipulações vão contra o progresso e desenvolvimento de formas de melhorarmos capacidades humanas.
Há aos montes empresas que praticam tais discursos, e
o Facebook é uma delas, pois ela tenta convencer seu
público de que faz algo exclusivamente em benefício social, voltado ao interesse público, quando na verdade ela
manipula a usabilidade e as trocas na sua rede, colocando
a prova o cerne da inteligência coletiva, que é o que analisaremos em seguida.
(2011), acreditamos que para entendermos as transformações sociais atuais, se faz necessário estarmos atentos
a como os meios tecnológicos operam.
Dispositivos móveis como notebook, celulares, tablets, smartphones, tecnologias wi-fi, tornam-se actantes37 nos processos midiáticos, possibilitando que as barreiras espaço/tempo sejam quebradas, o que modifica a
forma de interação do homem com o outro, com as organizações e com as próprias tecnologias. No ciberespaço
as instituições se estruturam a partir de ações que reposicionam as diferentes finalidades dos usos de tais meios, o
que foram possibilitados pelo desenvolvimento das novas
tecnologias.
4.1 A interatividade como discurso
4 Uma ambiência propícia à manipulação
O ciberespaço é a ambiência que surgiu a partir da
interconexão mundial de computadores e tem as tecnologias digitais como sua infraestrutura. Lévy (1999, p 32)
diz ser um “novo espaço de comunicação, de sociabilidade,
de organização e transação, mas também novo mercado
da informação e do conhecimento”, sendo aberto a todos,
seja indivíduos, instituições ou governo que tenham acesso à internet.
Já pudemos perceber que as mídias digitais, na sociedade pós-moderna, têm cada vez mais um papel central sobre as relações humanas. E assim como McLuhan
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Sumário
Atualmente quanto mais interativa for uma ferramenta, rede social ou site, mais interessante ele torna-se aos
olhos do público. Mais o que é interatividade? E interação?
Existe diferença nestes dois termos? Essas são perguntas
essenciais para se compreender a oferta mercadológica de
tantos produtos tecnológicos ditos interativos.
Alex Primo (2008) revela que são variados enfoques
Termo utilizado na Teoria Ator-Rede (TAR) por Bruno Latour e
outros, que optaram pelo termo, pois a palavra “ator” se remetia só a seres da espécie humana, quando ele defende que os
actantes são seres humanos e não-humanos (objetos, materiais, objetos e sensações), que associados desempenham ações
que originam outras ações dentro de uma rede.
37
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
que abordam o conceito de interatividade. São perspectivas tecnicistas, mercadológicas, do comércio informático
e informacionais. Para o autor torna-se uma armadilha
tentar diferenciar os termos interação e interatividade,
pois eles representam, na verdade, a mesma coisa, porém deve-se distingui-los somente qualitativamente. Interação seria a “ação entre” diferentemente da comunicação que é a “ação compartilhada”.
Quando estabelecemos acima uma ambiência de desenvolvimento tecnológico – o ciberespaço - não estamos
dizendo que ela é a única e que foi dela que surgiram diferentes formas de interação entre os indivíduos. Pelo contrário, é bom termos em mente que a interação faz parte
da história da raça humana (sendo a face a face, a mais
antiga) e que só se ampliaram as possibilidades, devido ao
surgimento de mecanismos de interação mais modernos.
Tais mecanismos, no caso os digitais, moldaram
a forma das relações sociais na contemporaneidade, e
decorrem destes, relações e interações extremamente
complexas, que devido à velocidade das transformações,
devem ser analisadas levando em consideração seu contexto específico.
Raquel Recuero (2009) fez uma análise das redes
que se desenvolveram devido ao advento da internet,
especificamente as redes sociais online, e delineia as
transformações de aspectos sociais e informacionais, decorrentes das redes que se constituem parte estruturante do ciberespaço.
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Para a autora as conexões que são estabelecidas
nesta ambiência são percebidas devido aos rastros deixados pelos indivíduos e suas interações. As redes estão em constante mutação, por isso, suas dinâmicas
podem influenciar o surgimento de novos padrões estruturais e as relações provenientes destas. Porém, Recuero (2009, p. 30), embasando sua visão nos estudos
de Parsons e Shill, afirma que “a interação, como tipo
ideal, implicaria sempre uma reciprocidade de satisfação entre os envolvidos e compreende também as intenções de cada um”.
Os sites de redes sociais, como Facebook, seriam
estruturadores, pois possibilitam que os indivíduos se expressem, sendo compreendidos como ferramentas de auxilio às interações sociais. Com isso, tais sites são utilizados com diferentes fins: “a) Criar de um espaço social; b)
Gerar interação social; c) Compartilhar conhecimento; d)
Gerar autoridade; e e) Gerar popularidade.” (RECUERO,
2009, p. 105).
Contudo, pode-se perceber a existência de outras
formas de utilização das redes sociais, principalmente, as
que decorrem da lógica do mercado. No que se trata da
interação, segundo Recuero, ela deve satisfazer os dois
lados, entretanto, quando empresas como Facebook usam
de indicadores publicitários para influenciar seus usuários,
passando por cima dos reais interesses e necessidades individuais (visto que eles só supõem que precisamos e nos
interessamos por determinada publicidade), suas ações
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
publicitárias são invasivas e fogem ao real interesse de
estar conectado a tal rede social.
Não negamos aqui a importância das interações (e a
que nos interessa são as sociais) existentes entre os usuários do Facebook, com seus compartilhamentos e “curtidas”, podendo até se expandir para fora de tal rede, e
que estão na maioria das vezes associadas aos interesses
e gostos comuns entre tais. Contudo, o simples fato de
algumas publicidades existirem o tempo todo em nossos
perfis, não nos deixando escolha, em ocultar sua visualização, e nos limitando somente, em clicar ou não na publicidade, nos remete a interação reativa que “é limitada
por relações determinísticas de estimulo e reposta” (PRIMO, 2008, p. 57), o que de certa forma não atende as expectativas dos usuários de uma comunicação plena, pois
continua com o tradicional modelo de estimulo-resposta.
Tal discursão nos remete a uma questão bastante
atual sobre privacidade, visto que grande parte do que
nos é ofertado na rede, como no caso das publicidades,
e também das atualizações dos nossos amigos, são suposições que algoritmos38 criam a partir dos rastros que
deixamos por um simples click (que pode ocorrer até por
um descuido) em nossas navegações.
No que concerne ao termo interatividade, o seu
emprego tornou-se bastante apropriado para os tempos atuais, sendo utilizado, principalmente, por diversos
mercados publicitários e produtos midiáticos. Seu uso no
38
http://pt.wikipedia.org/wiki/Algoritmo
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- Marcos Nicolau
Sumário
discurso publicitário favorece a concepção de novas estratégias de negócios, baseado, contudo, nas propostas
sedutoras para seus públicos.
Conforme Primo (2008) tal termo se tornou um “argumento de venda”, seja para produtos eletrônicos com
uma interação somente homem-máquina, seja nas promessas interativas que determinadas empresas que fazem uso da internet, oferecem em seus serviços, e na
maioria das vezes de forma antiética. Vemos claramente
o Facebook atuando de tal forma, uma vez que seu discurso de ambiência interativa, encobre todo o jogo que
há nas interações que ali ocorre, influenciando e limitando os desdobramentos das relações em sua rede, o que
classificamos como falsa interatividade, utilizadas pelos
mercados.
4.2 A tentativa de negação
O desenvolvimento dos meios de comunicação e
informação não só criaram novas formas de interação,
como também criaram novos tipos de ações (estratégias)
institucionais com particularidades e consequências diversificadas. A particularidade mais geral destes novos tipos
de ações é que as formas de manipulação dos indivíduos
ganharam ferramentas mais eficientes, as quais determinados modelos de negócio passam a tratar seus usuários
como meros objetos e produtos, lucrando com a comercialização de suas informações.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Nos tempos atuais enfrentamos inúmeras contradições, entre elas os discursos das organizações que tentam a todo custo lucrar, passando por cima de barreiras
éticas essenciais. Bastos (2003, p. 196) em seu trabalho
sobre o que venha a ser contradição nos dá quatro acepções possíveis para tal:
• Contradição no sentido eminentemente lógico;
• Contradição no sentido de interesses distintos e
antitéticos;
• Contradição no sentido da junção, da justaposição, da interpretação, ou ainda, da combinação de
teorias incongruentes, ou seja, de teorias que contenham um ou mais aspectos díspares entre si.
• Contradição no sentido da disparidade entre os elementos adotados para a descrição matemática da
realidade com os elementos que constituem em propriedades objetivas da própria realidade descrita.
Não querendo correr o risco de misturar tais acepções, o que nos vai interessar aqui é a “contradição no
sentido de interesses distintos e antiéticos”, que estão ligados a interesses de pessoas ou de grupos sociais, aplicando-se muito bem às contradições das organizações
atuais, no que diz respeito ao seu discurso único de trabalhar para o outro, quando na verdade usa este outro,
para dominar o mercado em que atua.
O que o Facebook faz é exatamente o que define
o Aurélio (p. 264) sobre o termo contradição, pois a
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93
- Marcos Nicolau
Sumário
rede social possui uma: “incoerência entre o que se diz
e o que se disse, entre palavras e ações”. Sua missão
é de “dar as pessoas o poder de compartilhar e tornar o mundo mais aberto e conectado” 39, porém o que
realmente ocorre é a simulação de uma verdade, pois
seu discurso nos faz crer que temos liberdade, quando
todas as nossas ações dentro de sua rede são manipuladas e direcionadas.
Mark Zuckerberg, em seu discurso benevolente diz
que fundou “o Facebook com a ideia de que as pessoas
querem compartilhar e se conectar com as pessoas que
fazem parte de suas vidas, mas para isso todos precisam
de controle completo sobre com quem eles compartilham
em todos os momentos” (tradução nossa) 40, a sedução
no seu discurso nos faz não mantermos a distância necessária para descobrirmos o risco que corremos, e questionarmos se eles realmente fazem o que prometem.
A manipulação fica evidente na insistência do Facebook em propor que, em nossos perfis, adicionemos,
como amigos, pessoas que “talvez” nós conheçamos, o
que aumentaria seu leque de informações a nosso respeito, pois com simples ações como: adicionar um amigo,
curtir uma página ou comentário, conversarmos mais com
Página oficial do Facebook: http://www.facebook.com/facebook/info
40
Disponível
em:
http://blog.facebook.com/blog.
php?post=10150378701937131. Tradução para: “I founded
Facebook on the idea that people want to share and connect
with people in their lives, but to do this everyone needs
complete control over who they share with at all times.”
39
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
determinadas pessoas - faz com que a empresa crie um
perfil que diga coisas sobre nós, que ultrapassa qualquer
respeito a nossa privacidade.
O Facebook faz parecer que temos o controle das
escolhas do que fazemos dentro de sua rede, mas demonstra sua contradição quando optamos por excluir
alguma informação. Sua Politica de Privacidade41 alega
que algumas informações, mesmo quando excluímos,
são mantidas para que eles nos possam “fornecer a melhor experiência possível no Facebook” 42. E para fazermos uso dos seus serviços, precisamos concordar com
tal, possibilitando que a manipulação nos vença forçosamente, sem nos convencer de que é a melhor escolha
para nós.
Sobre manipulação, entendemos que,
Manipula o que quer vencer-nos sem convencer-nos, ou seja,
o que tenta seduzir-nos para que aceitemos o que nos oferece
sem dar-nos razões. O manipulador não fala a nossa inteligência, não respeita nossa liberdade (nível 2); atua astutamente
sobre nossos centros de decisão a fim de arrastar-nos a tomar
as decisões que favoreçam seus propósitos (nível 1). (QUINTÁS, 2004)43
As pessoas são levadas a pensar que estão ali para
satisfazer seus próprios interesses, quando na verdade
http://www.facebook.com/about/privacy/
http://www.facebook.com/help/330229433729799/
43
Entrevista disponibilizada na página: http://www.zenit.org/
article-5976?l=portuguese
41
42
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
elas servem de objeto para o mercado, de lucro que o Facebook obtém quando disponibiliza nossos dados para outras empresas de publicidade que trabalham em parceria,
pois seu real interesse é vender produtos, coletar informações, manipular pessoas. Torna-se um grande jogo de
interesses, de negação de uma inteligência coletiva que
se estrutura em sua ambiência.
Embora não tenha expressado claramente que a sua
ambiência é voltada à criação da inteligência coletiva, o
Facebook prega em seu discurso aspectos dessa inteligência. Quando cria novos aplicativos, por exemplo, a rede
social nos oferece novas ferramentas de simples utilização, nos fazendo agir através delas, como se fosse algo
espontâneo, que tem um desenrolar natural. Contudo,
suas intensões não são tão boas assim, pois ao nos possibilitar novas experiências com suas ferramentas, ela nos
mantém em seus domínios, nos monitorando e vigiando
a cada “passo”, simulando uma interatividade, uma troca,
quando o valor agregado nesta troca torna-se irrelevante,
pois temos como já foi dito, nossa privacidade tratada, de
forma eticamente negativa.
A negação seria aqui uma das contradições que
queremos destacar no discurso do Facebook. Quando esta
rede social faz uso dos princípios que criam a inteligência
coletiva, disponibilizando uma ambiência para que flua livremente, nos fazendo crer em uma autonomia individual, ela nos manipula e seduz, pois tal ambiência só é uma
simulação do que deveria ser.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Recentemente a empresa anunciou que chegou à
marca de um bilhão de usuários44, mas será que ela levou
em consideração quantas destas pessoas realmente usam
a rede? Quantos perfis falsos existem? Quantas foram às
pessoas que só criaram a conta e deixaram para lá? E também de quantas pessoas possuem mais de um perfil na
rede? Parece que a todo custo o Facebook quer nos passar
a ideia que valoriza e leva à inteligência coletiva, nos dando
liberdade para compartilhar e trocar informações espontaneamente. Entretanto, quando a rede diz tratar-se de um
ambiente livre, mas na verdade manipula, ela nega a inteligência coletiva, pois tal manipulação contradiz seu discurso
encoberto por seus reais interesses, demonstrando a sua
falta de mérito a formação de uma inteligência coletiva,
como nos foi apresentada por Lévy (2004).
Considerações finais
Percebemos diante das reflexões aqui apresentadas que a existência de um novo bios, o bios midiático,
dá a mídia centralidade e configura a forma que enxergamos o mundo, nossas experiências e nossas articulações
com as pessoas. Estamos cada vez mais influenciados
pela padronização midiática, sendo estruturadoras das
nossas interações com o outro, com empresas e instituições em geral.
Disponível em: http://olhardigital.uol.com.br/jovem/redes_
sociais/noticias/facebook-chega-a-1-bilhao-de-usuarios. Acesso em 13 Nov. 2012.
44
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- Marcos Nicolau
Sumário
O fator mercadológico norteia a era da informação
na qual vivemos. As possiblidades trazidas pelos meios tecnológicos digitais proporcionam às organizações a utilização de ações estratégias diversificadas, todas no intuito de
atingir o maior número de pessoas para fazerem uso dos
seus serviços. As empresas se reorganizam segundo a lógica da mídia, com fim de obter visibilidade e legitimação.
A participação coletiva é responsável por unir interesses em comum, em espaços coletivos que se sustentam
a partir das conexões sociais, trazendo enriquecimento recíproco através da construção de uma inteligência coletiva. Mesmo tendo reconhecido a manipulação como caráter
inerente ao discurso, é importante para o desenvolvimento
social mais justo, reconhecermos e estarmos alerta para se
necessário podermos agir vigorosamente contra.
As empresas com seus discursos contraditórios nos
levam a crer que estamos fazendo escolhas por nossas
próprias necessidades, quando na verdade ela manipula e
tenta nos seduzir através de tais discursos contraditórios,
que muitas vezes aceitamos, por um baixo teor crítico de
nossa parte, dando oportunidade às empresas de dirigir
nossa conduta.
O Facebook tenta se posicionar como uma empresa que só quer o melhor para todos os seus usuários,
nos manipulando ao ponto de sentirmos necessidade de
estarmos entre os um bilhão que ela diz fazer parte da
sua rede. E como mostramos, ela deturpa o principio da
inteligência coletiva que ali se mostra presente, mas que
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
99
- Marcos Nicolau
é negada a partir do momento que ela manipula as ações
dos usuários dos seus serviços que deveriam ser livres e
autônomas.
Pode-se dizer, portanto, que a negação da inteligência coletiva pelo Facebook, cumpre a missão de organizações como ela, que criam comportamentos que lhes garantam sobreviverem na nova ambiência proporcionada
pelas mídias, com a finalidade única de lucrar no segmento de mercado o qual faz parte. Contudo, quando enxergamos tal realidade nos questionamos sobre o domínio
que empresas como Facebook têm em nossas vidas, nos
manipulando, nos garantindo uma reciprocidade justa
para os dois, quando na verdade quem na maioria das
vezes sai na vantagem são elas, e quem realmente perde consideravelmente, somos nós, indivíduos, sociedade,
sendo usados como peças manipuláveis em seu jogo.
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Série, cartazes e fones de ouvido:
a lógica da transmídia publicitária
na midiatização
Alan MASCARENHAS45
Andréa POSHAR46
Danielle VIEIRA47
Resumo
As estratégias mercadológicas hoje passam por mudanças: à medida que a comunicação e interação entre indivíduos é potencializada, novas configurações surgem no
fazer publicitário, sobretudo nas mídias digitais. Vários
formatos, recursos audiovisuais, narrativas e discursos
já não possuem as mesmas estruturas de poucos anos
atrás, a exemplo do cartaz publicitário. Mídia secular e
impressa que hoje passa por um processo de reconfiguração no qual é digitalizado, com recursos interativos.
Metrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). Email: alanmangabeira@
gmail.com
46
Metranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). Email: andrea.poshar@gmail.
com
47
Metranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). Email: dani.daniellevieira@
gmail.com
45
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- Marcos Nicolau
Sumário
Criado para reforçar a relação indivíduo/marca e imergi-lo neste “novo” ambiente, podemos encontrar no cartaz digital interativo um potencial meio para campanhas
transmídia. Ora, se a transmídia imerge o indivíduo em
seu conteúdo, “transborda” as informações permeando
todo seu ambiente, incluindo o físico, o cartaz digital interativo pode ser incluso como um meio que respalda
sua comunicação. No entanto, o que vemos na prática
é o contrário. Temos como objetivo demonstrar estas
possibilidades potencializadoras da comunicação: a reconfiguração de meios publicitários, como o cartaz, que
podem dar margem à comunicação criativa e imersiva,
a exemplo da transmídia através da série de televisão
norte-americana The Big Love.
Palavras-Chave: Cartaz.
Televisão. Transmídia.
Midiatização.
Publicidade.
Introdução
Seria um longo título se não tivéssemos pontuado
três elementos nele. Os quais de forma alguma são tendenciosos a dizer que alguns meios ou plataforma são
mais expressivos da nossa época ou mais “transmidiáveis” do que outros, já que o elemento a apresentar um
teor de transmidiação não é o meio, mas sim seu conteúdo, capaz de expandir este meio de uma forma tão elásti-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
ca que ele vira um líquido, um plasma, capaz de fagocitar
outros meios com funções distintas, as quais André Lemos
dividiu em massivas e pós-massivas.
Falamos então de séries, cartazes e fones de ouvido
por eles permearem da casa da sala a uma cibercidade
entrelaçada por textos midiáticos, como quando a série
dramática The Big Love da HBO norte-americana, reintitulada de “Amor Imenso” no Brasil, que além de possuir
os já usuais blogs ficcionais de personagem, onde podem
expandir a narrativa da televisão, teve uma campanha de
divulgação que incluía cartazes interativos da emissora
espalhados pelas ruas de Nova Iorque e Los Angeles, nos
Estados Unidos, com dispositivo de emissão de áudio para
que o usuário conectasse seu fone de ouvido na mente
dos personagens e pudesse ouvir o pensamento deles.
Baseado no tema do seriado “Todos têm um segredo a esconder”, a imagem do cartaz consistia em uma típica cena
do cotidiano: pessoas cruzando uma avenida, caminhando na calçada, umas falando com as outras etc. Assim,
fotos de pessoas se confundem com o aglomerado dos
grandes centros, exceto pelo fato de que o pensamento
dessas pessoas feitas de bytes podem ser lidos ou, mais
precisamente, ouvidos quando um fone de ouvido era introduzido no input disponível na cabeça dos personagens.
Se temos uma estrutura aparentemente funcional para o
transmídia com uma série televisiva que expande-se em
um blog repleto de vídeos dos personagens, temos ao
mesmo tempo o traço massivo carregado pelas mídias an-
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103
- Marcos Nicolau
Sumário
teriores (cartazes, livros etc) presentes no cartaz interativo dentro dos aspectos transmidiáticos, já que ele atua
como uma interatividade reativa (PRIMO, 2008), quando
toda resposta da mídia será a mesma para qualquer ação
humana diante deste cartaz, ou seja, só uma mensagem
será ouvida pelos fones de ouvido e ela não se adapta a
novas situações.
Nossa questão aqui é trazer o cartaz à tona como
uma mídia que se reconfigurou diante das possibilidades
de conexão da internet, mas na prática não reinterpreta
as funções de outras mídias, como a televisão interfere
nas funções pós-massivas da internet e o contrário também acontece. Tratamos da série The Big Love exatamente por ela trazer de forma tão latente este fenômeno no
cartaz e no blog. Se a série, representando a internet,
reinterpreta o cartaz e o aciona enquanto mídia interativa,
ele não interfere de volta na televisão, como o blog que
traz conteúdo inédito à narrativa da série faz, mesmo ele
tendo grande potencial para isso.
No blog temos imersão em uma narrativa fragmentada em plataformas com diferentes funções, trazendo
textos informacionais relevantes e exclusivos para a internet, confluindo no que Henry Jenkins (2003, 2008) chama
de narrativas transmidiáticas.
Tendo um aporte teórico das novas estruturas publicitárias diante da midiatização social, chegamos ao cartaz interativo digital como um dos exemplos desta lógica,
que pode reestruturar o conteúdo em uma transmidiação,
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
mostrando sua potencialidade em situação de convergência, com a qual questionamos certa irrelevância das mídias “antigas” em produções transmidiáticas.
1 A publicidade e sua reconfiguração
Em tempos de conexões instantâneas, fluidez, velocidade e aparente predominância da imagem, uma constante reconfiguração de padrões se faz presente em nossa
sociedade. No âmbito do consumo, tanto as práticas do
produtor quanto do consumidor têm sido modificadas. De
acordo com McLuhan (2005), desde o século XIX, com a
transformação da galáxia tipográfica mecânica em elétrica, temos sido direcionados a vivermos em um mundo
de consumo. Sendo assim, as estratégias mercadológicas
também passam por mudanças e, em decorrência disso,
novas configurações surgem no fazer publicitário, sobretudo nas mídias digitais.
Formatos, recursos audiovisuais, narrativas e discursos já não são os mesmos de poucos anos atrás. Permanece o viés persuasivo, entretanto outras dinâmicas vão
sendo incorporadas, diante da mudança no fluxo da comunicação e dos novos suportes e modelos de relacionamento, cada vez mais horizontalizados. Vemos surgir, portanto,
novas tendências publicitárias, que podem ser mais bem
explicadas com o suporte dos estudos da midiatização. Isto
porque, as próprias ambiências que observamos no cenário
atual são frutos de processos midiatizados.
Capa
105
- Marcos Nicolau
Sumário
Na cibercultura, tais processos são potencializados.
As maneiras de se relacionar se modificam e dão espaço para usos e benefícios que não eram possíveis anteriormente. As formas de interação e de sociabilidade são
expandidas. Antônio Fausto Neto, pesquisador dos desdobramentos da midiatização, aponta que a relação dos
consumidores com os meios não é mais a mesma. Os receptores se aproximam do centro dos processos produtivos midiáticos. Segundo o autor, a midiatização “produz
mutações na própria ambiência, nos processos, produtos
e interações entre os indivíduos, na organização e nas
instituições sociais” (FAUSTO NETO, 2009, p. 1). Sendo
assim, as práticas inerentes à publicidade nas mídias digitais refletem esse atual momento, que se intensifica com
a conversação das tecnologias comunicativas.
Flores e Barrichelo (2009) discutem o papel da tecnologia no processo de midiatização, entendendo-a como
potencializadora das formas de atuação. No estudo das
práticas publicitárias, percebemos que ela possibilita novas
ações, permeando a produção, circulação e recepção dos
conteúdos, alterando em muitos casos a própria estrutura
das campanhas. Fruto de uma mudança tecnológica e cultural muito forte nas últimas duas décadas, a interatividade
é um dos aspectos mais recorrentes nas peças atuais. De
acordo com Lemos (2010, p. 115), “Esta nova qualidade da
interatividade (eletrônico-digital), com os computadores e
o ciberespaço, vai afetar de forma radical a relação entre o
sujeito e o objeto da contemporaneidade”.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A publicidade utiliza essas dinâmicas para construir
suas estratégias. Além da interatividade, tem sido nítida
a busca pelo envolvimento, participação e sensação de
imersão, entre outras características. Os indivíduos não
se conformam em simplesmente ter algo novo; eles são
movidos por um apetite experiencial, que os fazem querer estar envolvidos com determinado universo. Isso é
explicado pelo que Lipovetsky (2007) aponta como “consumo emocional”. A partir dele, os sujeitos têm a possibilidade de vivenciar experiências afetivas, imaginárias e
sensoriais, buscando a sensação de imersão em determinada cultura.
A cartada da sensorialidade e do afetivo tem sido
fortemente presente nas campanhas. Os sentidos (tato,
olfato e paladar) passam a ter uma importância no consumo que não possuíam anteriormente. Com o apelo às
sensações aumenta-se a possibilidade de envolvimento
do consumidor com a publicidade em si e com o produto
anunciado. Assim, se estabelece o que Chiminazzo (2008)
considera como uma “nova amizade”, uma relação “pseudo-social”, a partir do prolongamento da experiência.
Outra mudança se dá nas fronteiras entre informação, publicidade e ficção, que passam a ser mais tênues.
O entretenimento é vinculado como uma estratégia eficaz
no diálogo entre as partes, aumentando a interação da
empresa com o público. Além desses fatores, em muitos casos a convergência entre as mídias é utilizada pelos
anunciantes, que exploram o que há de melhor em cada
Capa
107
- Marcos Nicolau
Sumário
uma delas. Em uma contemporaneidade marcada pelo digital, observamos também o aumento da quantidade de
suportes midiáticos, sendo perceptível a necessidade de
criar linguagens específicas a eles.
Cabe destacar que as linguagens publicitárias apre-
sentam relações com os espaços engendrados pelos diferentes meios. Isto significa que não basta contemplar
apenas as características formais e funcionais de cada
meio para que se tenha a dimensão do que cada um deles
representa e de como deve ser trabalhado; é necessário
considerar também a apropriação dos espaços pelas linguagens publicitárias (PEREIRA, 2009). Sendo assim, a
análise acerca da publicidade não deve ser reduzida aos
seus aspectos gráficos e dimensionais, sejam eles textos
ou imagens. É fundamental observar os novos espaços e
a cultura onde eles estão inseridos. Como constata Pereira (2009), cada mensagem em um suporte diferente vai
inaugurar novos espaços publicitários, e com as mídias
digitais não é diferente.
Toda publicidade deve ser formulada de acordo com
a linguagem do meio em que se expressa. Para entender a linguagem de um meio é preciso pensar a respeito
de um conjunto de fatores: as características materiais
dos meios, do corpo humano (cognição do indivíduo) e as
práticas de comunicação. Portanto, as linguagens publicitárias se desenvolvem também com base nos usos dos
meios. Ou seja, pela maneira como um grupo social se
apropria de um meio e interage com ele.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Em todo caso, é fundamental a compreensão de
que seu surgimento se dá a partir da convivência com
linguagens de outros meios. De acordo com Pereira
(2009, p. 76),
É possível pensar que as linguagens publicitárias nos meios
digitais reproduzem linguagens publicitárias de outros meios
anteriores, até que as linguagens dos novos meios em que
operam estejam suficientemente maduras para que, então,
possam se expressar de modo diferenciado e próprio.
O autor explica que algumas características da publicidade criada para as mídias anteriores são mantidas, e
sobre elas, são incorporadas outras particulares. Trata-se
de um processo indicado por Bolter e Grusin (2001) como
remediação. Adaptando a ideia ao cenário midiático atual
e à publicidade, Pereira acredita que atualmente o processo de remediação está mais intensificado. As linguagens
das novas mídias se mostram como remediações. Observamos na publicidade características comuns as do rádio,
TV e outros meios, e vemos também uma tentativa de
redefinição de linguagens, tentando incorporar elementos
específicos do universo digital.
Diante deste cenário de novas configurações e constantes inovações, não há padrões fechados para a publicidade. Cada vez mais vemos surgir uma gama de possibilidades, fazendo com que a prática publicitária atinja
novos formatos. Constatamos a presença de estruturas
em construção, micromercados descentralizados, além de
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Sumário
práticas crescentes como o advertainment, product placement, transmedia storytelling e cartazes interativos. Essa
expansão adquire uma proporção ainda maior devido às
mídias móveis, em decorrência das tecnologias portáteis
e dos espaços wireless.
Como afirma Di Felice (2008), a partir da computação móvel (celulares, PC portáteis, GPS e outros aparelhos) passa a existir uma nova interação das pessoas com
as mídias, já que qualquer indivíduo que faça uso de algum desses dispositivos e esteja conectado à rede poderá
participar ativamente no processo de criação e divulgação
de conteúdos. O uso dessas mídias provoca também uma
ressignificação dos espaços e articula diferentes relações
do sujeito com o território.
2 Os “novos” cartazes publicitários
É sabido que a partir da cultura eletrônica, surgiram os meios massivos de comunicação e, por conseguinte, o compartilhamento, a distribuição e a procura por informação, tornando o acesso ao conhecimento
mais rápido e fácil. Ou seja, foi a partir daí que processos
comunicacionais, mídias e necessidades da sociedade se
tornaram cada vez mais imediatos e fatores de suma importância no surgimento da cultura pós-eletrônica que,
segundo Pereira (2008, p. 4), é “resultado de aprimoramentos tecnológicos e já como efeito das inquietações
do homem eletrônico”.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A cultura digital, ou cibercultura, emergiu como uma
forma de satisfazer esta “urgência” tecnológica por novas formas de sociabilidade que desencadearam, de fato,
na década de 1960, para proporcionar “outros rumos ao
desenvolvimento tecnológico, transformando, desviando
e criando relações inusitadas do homem com as tecnologias de comunicação e informação”, como aponta Lemos
(2003, p. 2).
Estes fenômenos de “base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a
informática” (op. cit., p. 1) deu início a uma fase de fusões
e confluências tanto entre estas novas mídias e os tradicionais meios, como com as tecnologias da informática:
“as novas tecnologias são assim, resultado de convergências tecnológicas que transformam as antigas através de
revisões, invenções e fusões” (op. cit., p. 3).
Para os pesquisadores Bolter e Grusin (2001) do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), estes processos de convergências e inter-relações entre os meios
não são novos e o que as mídias estão realizando hoje,
seus antecessores já o faziam no passado – o que equivale a dizer que o que nos parece novo é, na verdade,
um tradicional meio de comunicação “reinterpretado”, ou
seja, com formas renovadas (refashioned). Os autores
acreditam que esta seja uma das principais características
da cultura digital, dado que as ‘novas’ mídias “se apropriam das técnicas, formas e significados sociais de outras
mídias” (op. cit., p.65).
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
Segundo estes autores, esta é a lógica formal em
que as “velhas mídias” (older medium) são representadas
e realçadas pelas novas mídias, recebendo novos usos
(repurpose), propósitos e formas, identificando-a como
remediação. Neste processo, todo meio é capaz de remediar outro, assumindo o status social e econômico da
anterior para logo reinserir-se às redes de tecnologia enfatizando suas melhorias e novidades.
Já em 1964, McLuhan (1964, p. 67-68) observou
estas “inter-relações” entre os meios e afirma: “o cruzamento ou hibridização dos meios libera grande força ou
energia, como por fissão ou por fusão [...]. O fato de que
se inter-relacionem e proliferem em novas progênies tem
sido causa de maravilha através das idades”.
De acordo com Lemos (1997, p. 3) as novas tecnologias não surgiram para “substituir, simplesmente ou
linearmente, as anteriores. Antes, elas vão proporcionar
convergências e fusões”. Porém, vale ressaltar que acreditamos que nada seria da nossa atual cultura digital não
fossem os estudos relacionados às linguagens de representação, ou interface, que foram realizados a partir dos
anos ’40, de forma que surgisse, comercialmente, qualquer dispositivo digital que conhecemos hoje.
Em outras palavras, foi graças ao surgimento e desenvolvimento das interfaces gráficas que meios massivos de comunicação, tal como o cartaz publicitário, foram
“digitalizados” ou, como apontam Bolter e Grusin (2001),
remediados.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Segundo Santaella (2003), as interfaces surgiram
para cumprir o papel de pivô nas relações que se estabelecem entre homem e máquina, ou seja, são elas as zonas
fronteiriças na qual se estabelecem as negociações entre o
homem e a máquina. Para Johnson (2001), a interface atua
como um intérprete, intervindo entre as duas partes, tornando-as sensíveis uma com a outra e criando uma relação
semântica, ou seja, estabelecida por meio de significados e
expressões e não pela força física. Segundo o autor, “para
que a mágica da revolução digital ocorra, um computador
deve também representar-se a si mesmo, ao usuário, numa
linguagem que este compreenda” (op. cit., p. 17).
O cartaz hoje, graças a múltiplos fatores, tais como o
desenvolvimento das interfaces, ao processo de remediação e digitalização dos meios tradicionais de comunicação
e à necessidade de novas e interativas formas publicitárias, assume atributos e peculiaridades digitais e interativos, passando pelo processo tecnológico que transforma
antigas mídias por meio de “revisões, invenções ou junções” (LEMOS, 1997, p. 3).
Possuindo lugar cativo na história dos meios de comunicação e tidos como os “barômetros dos acontecimentos social, econômico, político e cultural, como também
os espelhos da nossa vida cotidiana”48 (MÜLLER-BROCKMANN, 2004, p. 12), os primeiros cartazes que se têm registro eram pequenas e rudimentares peças manuscritas,
Tradução livre de “Posters are barometers of social, economic, political and cultural events, as well as mirrors o four everyday life” (MÜLLER-BROCKMANN, 2004, p. 12).
48
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- Marcos Nicolau
Sumário
que não passavam de 25 centímetros e inicialmente continham apenas texto, cujo principal objetivo era a venda ou
troca de produtos. Seu tamanho era tão minúsculo e sua
confecção tão artesanal e desorganizada que era impossível a sua leitura e identificação no espaço público. Hoje,
como mídia digital interativa, descendem das tecnologias
sensíveis ao toque, comumente vistas em aparelhos celulares, tablets, etc.
Com isto, observamos que este mantém algumas
de suas principais características e praticamente continua
sendo o mesmo meio de comunicação que conhecemos
não fossem os novos atributos que o diferenciam do seu
antecessor impresso, deixando claro que o desenvolvimento e principal objetivo do cartaz digital interativo é
ir além do tradicional modelo de papel. Com novos usos,
aplicações e suportes, o cartaz hoje é capaz de provocar
inúmeros estímulos que buscam levar o individuo à participar e usufruir de seus mais variados recursos:
Novas experiências e estudos repetidamente questionaram a
eficácia do cartaz, porém, este renova-se constantemente com
a descoberta de novas formas de expressão e afirmação [...].
Na verdade, hoje, o cartaz é um dos mais importantes meios
de comunicação entre produtor e consumidor, organizador e
participante. Ele cumpre um objetivo económico, cultural, político e social49 (MÜLLER-BROCKMANN, 2004, p. 12).
Tradução livre de “New experience and knowledge repeatedly question the efficacy of the poster but it constantly renews
itself with the discovery of new forms of expression and assertion […]. Indeed, today, the poster is one of the most important
49
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Além de conter uma tela sensível ao toque, o cartaz
hoje é capaz de responder aos estímulos externos como
o movimento do corpo do indivíduo, emitir e captar som,
bem como ter conexão wi-fi ou bluetooth, etc.
Encontramos no cartaz desenvolvido para a série
The Big Love um claro exemplo de como o cartaz publicitário pode passar por este processo de digitalização,
remediação e reconfiguração do fazer publicitário de tal
forma que além de persuadir, principal função deste meio
desde suas origens na Antiguidade, transmite seu conteúdo de forma inusitada, ao ponto de atrair o individuo a
participar do mesmo. No entanto, enquanto o cartaz se
apresenta reformulado dentro de sua própria história e se
compreende como suporte para reverberar tais alterações
em todo um sistema comunicativo de produção de conteúdo, também na série The Big Love, entre outros, percebemos que mesmo com a interatividade reativa, suas
novidades não interferem no conteúdo.
Estas novas capacidades sensoriais do cartaz provocam a “hiperestimulação dos sentidos” através de uma
linguagem de alta definição tátil e audiovisual o que, segundo Pereira (2008), provoca a imersão do indivíduo.
De acordo com o autor, podemos estar a um passo “em
direção à constituição do que chamaremos de mídias propioceptivas, ou seja, mídias que sejam operadas e que
respondam a partir de um conjunto de informações que
means of communication between producer and consumer, organizer and participant. It fulfills an economic, cultural, political
and social purpose” (MÜLLER-BROCKMANN, 2004, p.12).
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115
- Marcos Nicolau
Sumário
se relacionam aos movimentos dos corpos dos usuários e
das mídias em questão” (op.cit. p. 13).
3 Transmídia
Um pensamento que descreve bem a noção de
transmídia é quando Clay Shirky (2011) relembra a ultrajante necessidade de precisarmos de uma nomenclatura
para classificar algo como “participativo”, quando a participação seria algo inerente ao ser humano, não precisando de tanto destaque por ser algo tão orgânico.
Naturalmente que não podemos culpar a mídia por
levar tanto tempo a entender esta necessidade humana e
só agora desenvolver conteúdo pensando em interação,
em um público que apesar de estar fisicamente distante,
se encontra para celebrar o capítulo 100 de Avenida Brasil no Twitter e ainda comenta sobre a novela nas ruas.
Questões de centro e margem são aqui acionadas por
uma hegemonia da mídia e do conteúdo, mas que perpassa sistemas políticos ancestrais. É, no entanto, conquista
de um ativismo narrativo, onde se tentava alterar o final
de uma novela que se diz largamente como “obra aberta”,
com uma abertura que só infere mudanças na trama caso
a emissora perceba que a audiência caiu.
A lógica do conceito de transmídia proposto originalmente por Henry Jenkins ainda no início dos anos
2000, parte desta necessidade de pertencer à narrativa, de mudá-la, de estar inserido em um universo fictício
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
como quando a Alice do País das Maravilhas atravessa
seu espelho para descobrir o que há na casa do espelho,
em “Através do Espelho e o que Alice encontrou por lá”.
É esta curiosidade e necessidade de imersão, que move a
Alice de Lewis Carroll a entrar pelo espelho e conhecer um
universo imaginário, a qual Janet Murray (2003) se refere quando fala sobre a necessidade nata do homem de
pertencer à história que lhe é contada. Há, naturalmente,
níveis de imersão nestas histórias, indo do mais aguardado uso da holografia a uma imersão através de ações
performáticas dos textos, seja em ambiente virtual, na internet e especificamente nas redes sociais, ou quando os
personagens ganham as ruas e contam “ao vivo” trechos
inéditos da história que era vista de forma episódica na
televisão, como é o caso da série Alice, da HBO América
latina, quando a personagem homônima usa a rede Four
Square para encontrar seus seguidores e narrar-se nas
ruas de São Paulo em 2010.
Com a série The Big Love não temos personagens
encarnados nas ruas em forma física, eles estão no cartaz, como o universo fictício de Alice estava contido no espelho. Há, então, um convite lúdico à participação orquestrado pela série, seus cartazes na rua e principalmente o
input disponíveis ao fone de ouvido.
Este fenômeno parece constituir o que Henry Jenkins
(2005, 2008) chama de narrativa transmidiática, quando
textos são dispersos através das mídias ao passo que se
preocupa em criar um universo fictício, que chamamos de
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117
- Marcos Nicolau
Sumário
micromundo. Toda a estrutura deste universo possui tocas
de coelho (rabbit holes), como em Alice no País das Maravilhas, que reacionam as adormecidas entradas de participação. Em sua definição mais clássica, “Uma história
transmidiática
se
desenrola
através
de
múltiplos
suportes
midiáticos,
com
cada
novo
texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o
todo” (JENKINS, 2008, p. 135).
A noção de transmídia começa a ser tratada por
Jenkins ainda no início dos anos 2000 com a série Pokémon quando houve a primeira fase da popularização dos
computadores com internet ao final da década de 1990:
Consumidores mais jovens têm se tornado caçadores e filtros
de informações, pelo prazer de descobrir mais informações
sobre os personagens e em fazer conexões entre diferentes
textos numa mesma franquia. Em adição, todas as evidências sugerem que computadores não anulam outras mídias;
ao contrário, donos de computadores consomem em média
significantemente mais televisão, filmes, CDs, e afins do que a
população geral (JENKINS, 2003, p.1).
Jenkins respondia a uma inquietação da virada do
milênio com as novas formas de consumo de entretenimento, ao passo que Arlindo Machado (2012) destaca que
novas mídias não anulam as anteriores, mas as tornam
mais nobres. Foi assim com o teatro e com o cinema, depois com a televisão. Agora, a internet é responsável por
emprestar suas funções para a televisão e torná-la o que
Frank Rose (2011) chama de deep media, sendo então
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
uma mídia com profundidade para imersão e participação, o que nos permite dizer que ela fagocita as funções
pós-massivas da internet enquanto ainda permanece um
meio predominantemente com funções massivas.
Diante disto, é necessário delimitar mais a narrativa
transmidiática, para não corrermos o risco de contribuir
com a promiscuidade inserida no conceito pelas lógicas da
indústria e até alguns acadêmicos. É necessário pontuar
que, ao contrário do que descreve Jenkins (2008), uma
narrativa transmidiática em alguns casos, como o apresentado neste trabalho, não possui cada nova extensão
com certa independência do produto central, como quando ele explica que cada nova adição pode ser consumida
isoladamente, como um game que pode ser jogado sem
a necessidade de ter visto o filme. No caso do cartaz de
The Big Love, a produção de sentido sensorial através do
conteúdo se perde se não houver um consumo anterior ou
posterior da série e então retornamos ao status de mais
um cartaz de divulgação, sem desdobramentos.
Esta contradição do transmídia é apontada por Christy Dena (2006) ao propor o termo transficção. “Por transficção eu me refiro a histórias que são distribuídas por mais
de um texto, uma mídia. Cada texto, cada história em cada
dispositivo ou cada site não é autônomo, ao contrário da
narrativa transmíática do Henry Jenkins”50 (DENA, 2006).
Tradução livre de: “By transfiction I refer to stories thar are
distributed over more than one text, one medium. Each text,
each story on each device or website is not autonomous, inlike
Henry Jenkins’ transmedia storytelling.”
50
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- Marcos Nicolau
Sumário
Cabe-nos também entender que um produto que se
transmidia, ainda mantém suas características do meio
central. Se temos uma série como The Big Love esta permanecerá sendo série televisiva, mas contando ainda com
as funções dos cartazes e imersão proporcionada pelo
fone de ouvido, que atua enquanto entrada literal para a
transmidiação e o micromundo.
Diante de tantas imbricações quase que indissociáveis entre plataformas e entre tecnologia e humanos na
criação de uma Alice transcendente de mídias, não seria
estranho percebermos esta mistura como um híbrido.
Bruno Latour (1994, 2005) demonstra uma ligação
entre humanos e não-humanos que não têm possibilidades
de pureza em sua classificação, ou seja, temos uma inseparabilidade entre sujeito e objeto. Há então um híbrido,
que para Lucia Santaella (2008, p. 20), pode se referir a
“formações sociais, às misturas culturais, à convergência
das mídias, à combinação eclética de linguagens e signos
e até mesmo à constituição da mente humana”. O termo
sincronização é inerente ao hibridismo, que devido ao seu
próprio significado gramatical traduz “miscigenação” ou
certa “aglutição”, resultando em um elemento novo. Ora,
se vivemos num momento latente da qualidade do remix,
como afirma Lev Manovich (2006), teremos sempre um elemento novo por aglutinação diante da convergência. Estas
“reorganizações” que Santaella também usa para exemplificar o termo é algo tão ubíquo que não define tanto nosso
objeto, igualmente ubíquo, mas ainda assim pontual.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Se não temos um híbrido, podemos ter, no entanto, uma remixabilidade profunda (deep remixability) ao
voltarmos nosso olhar para as imbricações entre diferentes gêneros, suas imbricações estéticas, narrativas,
etc., aglutinando ferramentas de produção diferentes,
tal como formas de fruição. Manovich explica através do
exemplo de certa colagem visual entre efeitos animados
com seres humanos:
Minha tese é que essa nova linguagem pode ser entendida
com a ajudada do conceito de remixabilidade – se usarmos o
conceito de uma forma nova. Vamos chamá-lo de “remixabilidade profunda”. O que é remixado não é apenas o conteúdo de
diferentes meios, mas suas técnicas fundamentais, métodos
de trabalho e formas de representação e expressão. (MANOVICH, 2006, p.1)
Sendo assim, percebemos não um produto novo,
mas certo remix entre os pontos citados. Isto naturalmente reconfigura as instancias de produção e fruição, além
do produto em si, como vimos, mas não apenas. Vemos
novos momentos no contrato midiático, na aglutição de
gêneros, etc.. Não temos um produto híbrido, ou seja, a
união da série, cartaz e demais extensões transmidiáticas
não criam um produto novo, apenas reforçam um gênero,
o transmídia, e uma situação de midiatização.
Para José Luiz Braga, “A midiatização da sociedade corresponde a viabilizar acesso posterior e a ampliar
o escopo e a abrangência das mensagens, tornando-as
Capa
121
- Marcos Nicolau
Sumário
diferidas e difusas.” (BRAGA, 2006, p. 22), ou seja, atua
exatamente na ubiquidade de informações despeças em
mídias distintas, com a possibilidade de arquivamento e
consumo em diferentes tempos.
Estes pensamentos dos personagens disponíveis
em áudio são orquestrados pelo autor procedimental, ou
seja, pela emissora/produtora da série e sua equipe responsável e caso fosse um trabalho feito por fãs (fanmade), estaria respondendo à estética da convergência de
mídias e conteúdo, mas não seria suficiente para, sozinha, definir um produto enquanto transmídia. Aqui, cabe
ressaltar que o autor não se dissolveu. Por mais que fãs
sejam convidados a entrar no universo, há passos a serem orquestrados.
4 The big love’s poster
O interior de Utah guarda a cidade Sandy, que dá
lugar a um bairro que abriga três famílias, as quais compartilham o mesmo homem, Bill Henrickson (interpretado
por Bill Paxton), um mórmon fundamentalista. Ele vive
com suas três esposas em três casas vizinhas no subúrbio, onde cria seus sete filhos em um quintal que conecta
as casas com uma enorme piscina. Ironicamente com estas três casas para cuidar, Bill abre a rede de lojas Henrickson Home Plus, especializada em artigos para casa e
ameaçada pelo seu segredo, já que a poligamia é proibida
entre os mórmons há mais de um século, além de ir con-
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
tra as leis dos Estados Unidos, onde moram.
O mistério ronda este drama familiar que conta com
onze membros, os quais precisam disfarçar a poligamia
ou ainda se adequar a ela, o que não é problema para o
personagem Bill, que cresceu em uma comunidade rural
fechada onde vivem famílias poligâmicas. Diante deste
emaranhado de fatos, é natural que haja possibilidade de
densos enlaces no roteiro, os quais podem acionar uma
narrativa expandida. Neste aspecto há o blog da terceira
esposa, Margene (Ginnifer Goodwin), http://www.margenes-blog.com, onde ela escreve e posta vídeos sobre
como é cuidar de uma família não convencional durante
as temporadas da série. O blog traz informações exclusivas, o que se caracteriza como uma transmidiação narrativa da série.
O que nos chama atenção aqui, no entanto, e cabe
como objeto de exposição das reflexões deste trabalho,
é a divulgação da terceira temporada da série em 2009
quando a narrativa é contada também através de cartazes
que possibilitam ouvir os pensamentos mais escondidos
de pessoas em seu cotidiano, fazendo uma ligação clara
com a rede de segredos proposta pelo roteiro da série,
mas mesmo com um cartaz interativo, com inputs para
fones de ouvido e certa “camuflagem” do cotidiano, já que
apresenta pessoas normais em paisagem que simulam a
rua (ver imagem 1).
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Sumário
Imagem 1 – HBO Áudio Mural Installations
Fonte: http://creativity-online.com/work/hbo-big-love-headphone-jacks/14957
Os cartazes que emitem e captam sons são alguns
dos modelos de cartazes digitais interativos identificados
por Poshar (2012), que demonstra a capacidade que estes
têm para transmitir e reproduzir aúdio através de um sistema de plugs, microfones especiais e micro-dispositivos
sensíveis, permitindo assim a ação do cartaz.
Por trabalharem com um sistema de alta definição,
estes dispositivos são programados para emitirem e/ou
captarem o áudio apenas sobre determinados comandos.
Para a captação do som, por exemplo, sua tecnologia é
voltada especificamente para o reconhecimento de voz: o
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
sistema só é ativado e capaz de emitir uma resposta ao
captar a voz do indivíduo ou, ao “escutar” determinadas
palavras previamente programadas. Este sistema possui
um sistema de microfones e captação especiais para que
o programa não grave todos os ruídos do entorno e crie
uma lentidão ou pane em seu sistema.
Para a emissão de áudio, o cartaz possui duas formas de resposta: ou através de sensores que captam
os movimentos do indivíduo e respondem com o áudio,
ou através de plugs, os quais, ao detectarem a entrada
do headphone do espectador, têm seu sistema acionado
dando início à emissão de determinado som – seja uma
locução, uma música, jingle, ruídos ou pensamentos de
personagens, como identificamos no cartaz da série The
Big Love (imagem 1).
Com isto, percebemos de fato, que o cartaz ainda cumpre, predominantemente, com suas funções de
um cartaz “antigo”, ou seja, a de divulgar um produto,
e não avança na possibilidade que as conexões do ciberespaço trazem de reconfiguração em duas mãos, tanto
a do cartaz enquanto interativo, algo que já temos, mas
também do cartaz reinterpretando os outros meios dessa
arquitetura de campanha publicitária, que no caso seria
a televisão (série) e a internet (blog). Uma das formas
que percebemos de reinterpretação aqui seria através
do mesmo movimento transmidiático do blog, propondo
então uma situação transmídia especificamente para o
conteúdo do cartaz.
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- Marcos Nicolau
Sumário
Estas dinâmicas, que passam a incorporar vários
outros atributos aos anúncios publicitários, refletem claramente as tendências da publicidade contemporânea, que
tem sua estrutura reconfigurada a partir das tecnologias,
práticas e usos, com base no processo das tecnomediações humanas. Sendo assim, alguns aspectos já mencionados são facilmente observados no estudo em questão.
A convergência, imersão e participação são algumas das
características apresentadas que correspondem às atuais
formatações da publicidade atual, e que são assim possíveis devido aos processos midiatizados.
A publicidade, então, encontra no transmídia uma
estratégia capaz de enriquecer e potencializar a participação e interação com o público consumidor. Não basta induzir ao consumo. A própria peça em si se apresenta com
uma valoração bem mais expressiva do que anteriormente, já que há um visível crescimento das possibilidades.
Dessa maneira, as oportunidades ofertadas através dos
dispositivos nas mídias digitais, somadas aos usos dos
meios, constituem práticas publicitárias diferenciadas,
nas quais a utilização do texto narrativo transmidiático,
passando por diferentes suportes, proporciona desdobramentos importantes que antes não eram possíveis.
Uma das principais potencialidades do transmídia é
uma narrativa (conteúdo) que acione uma reinterpretação
dos meios, ou seja, que eles emprestem funções um para o
outro, potencializando principalmente a imersão e a participação dentro de um produto cultural que pode ser massi-
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
127
- Marcos Nicolau
vo, a exemplo de uma novela de televisão. Quando falamos
de um canal fechado norte-americano, estamos tratando
de algo menos massivo que uma novela da Rede Globo,
mas que ainda assim lida com as predominantes funções
de enquadramento da televisão (horários na grade, números de audiência e uma comunicação unilateral).
Não seria difícil, no entanto, trazer um conteúdo trabalhado com a narrativa da série para os cartazes, dando
a eles o duplo sentido de divulgar (função anterior), e
atuar enquanto extensão narrativa. Para tanto, bastaria o
contrário: ao invés de os cartazes tentarem se “camuflar”
nas ruas da cidade, poderiam atuar como portas de entrada narrativa, funcionando como o espelho de Alice do
País das Maravilhas do livro Through the Looking-Glass,
and What Alice Found There de 1871, como quando ela
usa o espelho para atravessar para um novo mundo. A
imersão aqui seria na série, através do cartaz. Ele não
seria um meio transparente na rua, mas agenciaria uma
transparência entre o público e a narrativa da série, já que
poderia trazer personagens em suas imagens, no lugar de
pessoas aleatórias, e revelar segredos deles que só saberiam os fãs que houvessem participado da ação nas ruas,
plugando o fone de ouvido. Uma ação em nível global poderia ser feita com um simulador (como o Google streetview) para fãs de outras localidades ou ainda contar com
o spoiler51 dos que ouviram as informações exclusivas. O
áudio do cartaz também poderia ser baixado para o MP3
player do participante da ação, que poderia compartilhar
nas redes sociais o arquivo. Tzvetan Todorov, ainda na
década de 1960, já relembrava a importância do conteúdo narrativo, que nos fazemos uso aqui de outra forma,
dentro do cartaz:
Mieke Bal, na década de 1980, se posicionava ligando narrativa a relato de narração, sendo um texto narrativo, um que converta história em signos linguísticos: “Un
texto narrativo será aquel en que un agente relate una
narración” (1990, p. 13), ou seja, que relata a história.
A autora trata texto como “un todo finito y estructurado
que se compone de signos lingüísticos” (1990, p. 13). Optamos, no entanto, por tratar o texto narrativo transmidiático num sentindo amplo, que pode ser representado
por uma imagem, por exemplo, não necessariamente pela
oralidade ou pela escrita, devido ao caráter multimídia tão
enaltecido na transmidiação. Consideramos então como o
texto de uma narrativa transmidiática toda sua conjuntu-
Spoiler é uma derivado de “To Spoil”, do inglês “estragar”,
designado para alguém que através de um meio público (site,
blog) ou fechado (conversa) adianta alguma informação ainda
inédita do que vai acontecer em uma narrativa, estragando a
surpresa.
E se antes da primeira narrativa há “contou-se”, depois da
última haverá “contar-se-á”: para que a história pare, devem
dizer-nos que o califa maravilhado ordena que a inscrevam em
letras de ouro nos anais do reino; ou ainda que “essa história... se espalhou e foi contada em toda parte em seus mínimos detalhes” (TODOROV, 2006, p. 133).
51
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
ra audiovisual, impressa ou sensorial que contribuam de
forma coerente e relevante com a complementação da
história contada.
A potencialidade do conteúdo em uma transmidiação
é algo que demarca a carga narrativa do conceito de Henry
Jenkins e que nos interessa exatamente por percebemos
que sem esta vertente narrativa, o cartaz, mesmo interativo, não contribui de forma nova para a série. Não dizemos
aqui que os meios antigos precisam ter novas funções, mas
lembrar da potencialidade que eles têm em uma estrutura
publicitária digital, por exemplo, podendo até dar novos espaços às transmidiações, não só nos cartazes interativos,
mas em cartazes em 3D ou em cartazes em movimento
que ganham a internet neste ano de 2012 para divulgar
filmes, onde os elementos se movem até chegar à foto
original dos cartazes impressos, ou exibem um trecho da
cena em movimento da qual haveria sido tirada a fotografia
usada também nos cartazes em papel nos cinemas.
Considerações finais
Publicidade reconfigurada, cartaz digital interativo e
conteúdo transmidiático – três elementos que juntos possibilitam a compreensão do fenômeno comunicacional que
temos observado e que é exemplificado na abordagem da
série The Big Love.
Para entender de que maneira as novas configurações da publicidade se apresentam em diferentes supor-
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Sumário
tes, inclusive nos cartazes digitais, utilizando-se de uma
comunicação mais imersiva e participativa, como é o caso
da transmídia, percebemos a importância do suporte da
midiatização. Isto porque, é em decorrência dela que delineamos as mudanças nas ambiências e nos processos,
que fazem com que as interações sejam crescentes e os
indivíduos possam, de fato, se aproximar do centro dos
processos produtivos das mídias.
The Big Love elucida bem o cartaz como estrutura
constituinte de uma campanha, que apresenta a fusão, e
não a substituição, de elementos das chamadas mídias
tradicionais com aspectos das novas mídias. Visualizamos, portanto, o resultado dessa convivência e verificamos com ele que o cartaz digital interativo potencializa as
peças publicitárias e relembramos a intensidade do conteúdo narrativo na particularidade estrutural e conceitual
do transmídia. Apesar da limitação da interação reativa no
caso contemplado, já é nítida a presença de uma experiência afetiva maior, sobretudo devido ao apelo sensorial,
a partir do qual a audição é utilizada como um mecanismo importante na composição da narrativa. Sendo assim,
estímulos são gerados e os indivíduos se veem diante de
recursos anteriormente não existentes, fomentando a sua
participação e imersão.
O universo fictício tem um espaço importante dentro
da produção publicitária. Não é de hoje que isso acontece,
entretanto, o cartaz digital e as narrativas transmidiáticas
favorecem as interativas formas publicitárias hibridizando
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ainda mais a narrativa e a estrutura de promoção. Enquanto na prática percebemos o uso do cartaz, mesmo
interativo, com a função publicitária de sempre, destacamos que ele aciona pela sua própria estrutura – um pôster em uma parede da cidade – a função de janela para
a narrativa de produto que pode atuar como um caminho
imersivo para o produto cultural, não só para sua divulgação, como vemos usualmente.
Observamos, portanto, que várias possibilidades foram adotas à ação e refletem uma tendência atual, entretanto, muitas outras poderiam ser incorporadas, tendo
em vista as ambiências e aspectos propiciados pela midiatização. É uma situação de midiatização no cotidiano de
fãs e consumidores em potencial no qual sintomas massivos e pós-massivos se intercalam a cada nova conexão
de um fone de ouvido em produtos tão clássicos, como a
televisão e o cartaz e todas as suas funções não tão modernas assim.
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
A resenha cinematográfica online
em tempos de midiatização:
o caso Omelete
Introdução
João Batista FIRMINO JÚNIOR52
Resumo
O artigo trata de como a resenha cinematográfica presente no site Omelete vem sendo parte de um processo
de midiatização, do transbordamento das relações sociais
para um meio que vem se tornando cada vez mais um espaço. Esse espaço, ainda em aprimoramento, envolve um
fluxo de comentários e de outras ações conjuntas (como
programação de salas de cinema e participação em promoções). O site, dessa forma, mais que um meio de informações, vem se constituindo como um ambiente, parte desse processo de midiatização, e cujas características
serão tratadas no nosso texto.
Palavras-chave:
cinematográfica.
Midiatização.
Omelete.
Resenha
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: firminojunior83@
gmail.com.
52
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135
- Marcos Nicolau
Sumário
Diante de uma sociedade cada vez mais dependente
da informação como meio de troca e de consumo, regida pela centralidade das mídias nos processos sociais e
comunicacionais, lidamos com uma totalidade que certamente transcende o que os meios de comunicação massivos faziam isoladamente antes da Web.
Por meios “massivos”, referimo-nos ao que nos diz
André Lemos e Pierre Lévy (2010, p. 26), envolvendo mídias de massa que “surgem a partir do século XVI com a
formação da opinião, do público, primeiro pela imprensa
e, mais tarde, pelos meios audiovisuais como o rádio e a
televisão”.
Quanto à noção de “pós-massivo”, essa surge com
a possibilidade de conversação e compartilhamento de
forma ampla e visível através da Web. De uma lógica
um-todos, passamos a ter uma lógica todos-todos. Papéis se confundem, em alguns casos, como o de emissor
e o de receptor. Meios se tornam espaços. Tempo e espaço se comprimem no instante em que se publica uma
opinião ou se envia um arquivo, através de uma rede
de computadores online, em que parte de suas ações
se tornam visíveis através da lógica hipermidiática, em
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
que imagem, som, vídeo, animação e infográficos se
reúnem em uma só tela.
Essa realidade vem se tornando mais presente para
muitas pessoas e instituições, e altera velhas práticas
como a da resenha cinematográfica. Neste artigo, a partir
das origens desse tipo de resenha no Brasil, buscaremos
mapear, até certo ponto, o meio (ou espaço) em que essas
resenhas estão inseridas no site Omelete - um endereço
eletrônico que se volta ao entretenimento, com notícias,
críticas (basicamente, as resenhas a que nos referimos) e
artigos, bem como entrevistas, promoções, indicação de
salas de cinema e horários, contato com sites de redes
sociais, fotos, vídeos etc., sobre produtos culturais como
cinema (nosso foco), jogos eletrônicos, revistas em quadrinhos e outros produtos culturais.
A partir do Omelete, teremos por base um caso, o
dos comentários do filme “Poder Paranormal” como uma
amostra das possibilidades de interações humanas ao redor do que enxergamos como fator primordial de mutação
das resenhas: a possibilidade de resposta e interação do
público sob uma lógica midiatizada.
Essa lógica parte do conceito de midiatização que
Muniz Sodré (2012, p. 21) nos traz, em que midiatização é
a tendência à “virtualização” ou telerrealização das relações
humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento
institucional e de determinadas pautas individuais de conduta
com as tecnologias da comunicação.
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137
- Marcos Nicolau
Sumário
Essa tendência à virtualização ou telerrealização
das relações humanas será demonstrada como algo fundamental para o site que estudamos, como parte da deliberação coletiva sobre os produtos culturais (filmes) e
suas resenhas críticas.
Por fim, tentaremos descobrir, com base no que
mapeamos, do que se trata essa “resenha midiatizada”,
tentando encontrar um elo com o conceito de Muniz Sodré que citamos, e na ideia geral de que processos sociais agora estão sendo realizados não só através de plataformas midiáticas, mas também sendo transbordadas
para elas, que surgem como espaços próprios das relações humanas.
1 Resenha cinematográfica no Brasil:
de suas origens ao Omelete
Para termos uma imagem mais clara do que a resenha cinematográfica vem se tornando no Omelete, temos
que, antes, entender primeiro o que ela é e, em seguida,
como surgiu.
Segundo José Marques de Melo (1994, p. 125), a
resenha “corresponde a uma apreciação das obras-de-arte ou dos produtos culturas, com a finalidade de orientar
a ação dos fruidores ou dos consumidores”. Ou seja, temos uma forma de fazer jornalismo opinativo que, hoje,
exerce a função de criticar uma variedade de filmes, sobretudo visando o consumo. Esse formato serve para a
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
exposição de uma análise detida de um filme, podendo
ser praticada pela Web através de amadores, jornalistas
ou cineastas. Essa análise envolve produtos perecíveis e
tem por função vender a imagem de um produto a ser
consumido, separando-se da noção de “crítica acadêmica”
da seguinte forma:
Os grandes intelectuais que continuaram a realizar exercícios
críticos estruturados segundo os padrões da análise acadêmica refugiaram-se nos periódicos especializados ou nos veículos restritos ao segmento universitário da sociedade brasileira. E se autodenominaram críticos, em contraposição àqueles
que permanecem nos meios de comunicação coletiva, ou que
se agregaram ao trabalho de apreciar os novos lançamentos
artísticos, cujos textos passaram a se chamar resenhas, traduzindo a expressão review utilizada pelo jornalismo norte-americano (1994, p. 126).
Claro que essa separação não deve ser entendida
como algo absoluto. Ao menos no que diz respeito ao
nome utilizado para o formato resenha no Omelete (referimo-nos ao nome “crítica”). Até porque, de fato, é feita
uma crítica através de um determinado formato textual
(ou, em alguns casos, audiovisual).
Quanto às suas origens, conforme nos traz Arthur
Autran (2003, p. 108), remontam aos críticos “cujos referenciais estavam no cinema silencioso, tais como Pedro
Lima - que nos anos 1950 ainda atuava nos Diários Associados - ou Octávio de Faria - então escrevendo de cinema
de forma esparsa”. Em seguida, vieram críticos como Alex
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139
- Marcos Nicolau
Sumário
Viany, Almeida Salles e Moniz Viana.
Mais recentemente, temos exemplos como Isabela
Boscov, da “Veja”, e Ivan Cláudio, da “Istoé”. Além do
Rubens Ewald Filho e seu blog53. Mas, também, no caso
do Omelete, temos Marcelo Forlani, Érico Borgo e Marcelo
Hessel. Em comum, todos estão na Web, com a possibilidade de serem possíveis comentários do público, e o
acesso a redes sociais, a partir de um material composto por uma convergência de mídias (basicamente, texto,
imagem e audiovisual, dependendo do site).
Finalmente, hoje em dia, temos as resenhas críticas do Omelete, um site que surgiu em 2000, na época
ligado ao provedor iG54, e que se especializa em um tipo
de entretenimento que surge através de uma variedade
de notícias, artigos e críticas (expostas através do formato “resenha” – apesar desse nome – ou “resenhas
críticas”). Essas três formas de se apresentar os produtos culturais, abrangem seções relativas a filmes, jogos
eletrônicos, histórias em quadrinhos, músicas, séries de
TV e vídeos. O Omelete é editado por Érico Borgo e Marcelo Forlani.
O Omelete, como parte do provedor Uol55, segue o
que diz seu slogan “Entretenimento levado a sério”, demonstrando ser um território permeado por diferentes
ideias dos produtos culturais apresentados, construindo
sua credibilidade através, sobretudo, da possibilidade de
53
54
55
http://noticias.r7.com/blogs/rubens-ewald-filho/
http://www.ig.com.br/
http://www.uol.com.br/
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
resposta do público, com inúmeros comentários. Ao menos até 2012 é um dos websites mais completos em sua
área que encontramos no Brasil, explorando bem as funcionalidades da Web e continuamente se atualizando tanto em termos de conteúdo quanto em termos de formato.
O objetivo do Omelete é abordar entretenimento
de forma a expor textual, audiovisual e imageticamente
detalhes sobre os mais diversos lançamentos culturais;
sendo o seu ponto forte o largo espaço para comentários do público, com sua interligação a redes sociais,
e a seção relativa à cinema, capaz de explorar tanto a
resenha textual como, na subseção “Trailers Comentados” (da seção “Vídeo”), o que chamamos de resenhas
audiovisuais.
Ou seja, daquela velha forma mais associada à
imagem do crítico, do cineasta, do especialista “distante”, temos, primeiro, uma popularização da leitura de
uma crítica, que se torna mais reconhecível sob o formato “resenha”, até, através da Web, surgir uma verdadeira autonomia do público, que se torna “interagente”,
publicando seus próprios comentários abaixo da resenha
ou de forma difusa através da conexão com redes sociais
– no caso do Omelete, o site é bem presente no Twitter,
com suas novidades.
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- Marcos Nicolau
Sumário
Figura 1 - Tela inicial do site Omelete
Fonte: Omelete (2012)
2 A questão da resposta dos interagentes
Analisando o site Omelete, à primeira vista observamos três camadas que tornam mais complexas a mera
noção de “emissor-mensagem-receptor”: o produto cultural (determinado filme), a resenha crítica (que não deixa
de ser uma primeira resposta ao produto cultural) e os
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
comentários dos interagentes (além desses comentários,
participação em promoções, possibilidade de programação de salas de cinema e compras).
Quer dizer, o que seria um produto do emissor (a
resenha), já corresponde a uma resposta - não do público
que interage, mas do site. No entanto, uma resposta costumeiramente mais afinada à disposição em expor, difundir a imagem de um produto cultural para o consumo.
A verdadeira “resposta”, evidentemente, ocorre
com os comentários, que, em alguns casos, podem se
tornar diálogos. E isso nos remete ao que José Luiz Braga (2006, p. 27) chamaria de interação social sobre a
mídia, em que “Os sentidos midiaticamente produzidos
chegam à sociedade e passam a circular nesta, entre
pessoas, grupos e instituições, impregnando e parcialmente direcionando a cultura”. Isso vai se tornando evidente no conteúdo dos comentários, como uma amostragem, ainda que pequena, de como as pessoas estão
se apropriando de uma resenha do Omelete, de outros
comentários e, quando é o caso, do filme que assistiram
- concordando, discordando ou complementando o que o
Omelete interpreta.
Existe, então, a recepção e o que ocorre “após”
essa recepção: os comentários e as eventuais conversas sobre o que foi recebido. Esse retorno, que se torna
outra forma de produção de outro tipo de mensagem,
torna-se visível no próprio suporte midiático em que se
lê resenha. Veremos, adiante, um caso empírico, em que
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- Marcos Nicolau
Sumário
não temos propriamente uma “retroalimentação”, algo
que mude a resenha que é publicada no site ou que envolva uma interação direta com o autor do texto, mas,
certamente, um processo que se destaca da mera “produção-mensagem-recepção”.
2.1 Ação do público na resenha de “Poder Paranormal”
Para entendermos o que implica a atual forma tomada pelas resenhas através da Web, precisamos considerar uma noção de conjunto, no site Omelete, entre
meio, mensagem e retorno do público. Uma noção que
implica no conhecimento do poder da midiatização, demonstrando que determinados processos sociais são realizados também pela internet.
Esses processos sociais envolvem uma cultura nativa da Web que vem se tornando representativa de uma
identidade móvel, flexível e praticizada. Um exemplo disso está demonstrado nos comentários do público sobre
determinadas resenhas e filmes. Trazemos um dos casos
para uma rápida análise dos comentários sobre a resenha
do filme “Poder Paranormal”, a seguir:
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Observamos o surgimento de uma conversa, entre
o “Comentarista” e “Fernando”, curta, mas que demonstra certo grau de socialização emblemática desse meio.
Vemos, nesse caso, pelo menos três características do
mundo midiatizado que envolve o Omelete: identidade
flutuante baseada numa total imaterialidade, contexto em
uma “cultura do entretenimento” e autonomia relativa.
A maior parte dos casos que verificamos cotidianamente no Omelete, todavia, não envolvem uma sincronia
dos contatos, mas meros comentários condenatórios, confirmatórios, ou complementação de informações. A identidade flutuante é, certamente, uma constante que faz parte de um sujeito pós-moderno que, segundo Stuart Hall
(2011, p. 13), “assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor
de um ‘eu’ coerente”; além dele, temos o posicionamento
de André Lemos (2010, p. 107), em que “O próprio sujeito
individualista, filho da modernidade, torna-se um espectro,
porque desaparece para vagar em uma ordem simbólica
que se tornou transparente”. Temos, então, o que chamaríamos de “identidade” construída na prática de um interesse específico e quase sempre anônima ou indeterminada.
No caso que analisamos brevemente, podemos perceber que o dono do perfil “Comentarista” pode ter criado essa identidade falsa apenas para perguntar a outros
que leram a resenha, se o autor, Marcelo Hessel, revelou
demais sobre o filme. Não podemos dizer, também, claramente, se a identidade “Fernando”, que responde, não
Figura 2 - Pequeno diálogo extraído
dos comentários do filme “Poder Paranormal”
Fonte: Omelete (2012)
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- Marcos Nicolau
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
poderia ser a mesma pessoa numa conversa consigo mesma. Só podemos confiar no que diz a nossa observação:
que, aparentemente, há duas pessoas diferentes numa
conversa curta.
Essas identidades, geralmente fantasiosas, seguem
em comentários encadeados interminavelmente, no contexto de uma “cultura do entretenimento”, que faz parte
de um universo histórico que envolve a importância de
uma indústria cinematográfica norte-americana. Segundo
Sérgio Luiz Gadini (2009, p. 273): “É a partir do término da Segunda Guerra (1945) que a chamada indústria
hollywoodiana do cinema registra maior e mais acelerado desenvolvimento, com grande penetração nos mais
diversos países do mundo” - uma penetração que também envolve o Brasil e traz uma relevância ao site que
analisamos. Com base nisso é que temos uma Web onde
as pessoas se apropriam, enquanto fãs ou curiosas, de
informações sobre filmes para suas discussões públicas e
visíveis em sites que permitem redes sociais, ainda que
limitadamente, como é o caso do próprio Omelete.
Mesmo assim, no material que analisamos há uma
limitação das possibilidades de conversação, numa imaterialidade que não nos deixa claro duas questões: uma, que
já citamos, envolve se essas conversas são reais ou fictícias
(não temos como saber com certeza), e outra, se diálogos
como esse que mostramos não foram editados pelo Omelete. Enfim, temos uma curta conversação, baseada em
identidades flutuantes, cuja temática envolve um produto
Capa
147
- Marcos Nicolau
Sumário
da “indústria do entretenimento” norte-americana.
Tem-se, então, que não bastam as características
da Web que envolvem imediatismo, espaços interativos,
confusão entre emissão e recepção, diálogos síncronos ou
assíncronos, mas considerar que há o fortalecimento da
temática em um universo onde tudo se confunde - plateia
e atores. Ou seja, ao menos o tema tem que ser mantido
(o filme, a resenha, o trailer ao lado da resenha), e isso
depende do contexto maior que citamos, que é a indústria
do entretenimento.
Evidentemente, esses comentários não são originários de uma autonomia absoluta. Todo comentarista precisa necessariamente se cadastrar e seguir certas regras,
como podemos ver no aviso a seguir:
Figura 3 - Aviso do Omelete sobre comentários
e discussões em seu espaço
Fonte - Omelete (2012)
Temos aqui, mais uma vez, uma ênfase menos na
identidade e mais no conteúdo do que é postado. Não interessa quem, mas o quê; se segue as regras do termo de
uso e responsabilidade ou não; e se é um comentário útil,
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
que contribui ou apenas um texto vago que ninguém dará
valor, mas que estará disponível para ser lido.
Não podemos mensurar até que ponto os textos são
editados, mas podemos ver que o espaço para interatividade é semelhante à estética da “Carta do Leitor” da
imprensa. Mesmo assim, diferente da “Carta do Leitor”,
observamos mais espontaneidade nos comentários (na
imprensa, não vemos opiniões dos leitores que envolvam
um riso, por exemplo), possibilidade (limitada) de conversação, um quase imediatismo, identidades flutuantes e as
interconexões com sites de redes sociais.
Ou seja, processos sociais que antes eram limitados a uma mera circularidade proporcionada pela “Carta
do Leitor”, transbordam-se para a imaterialidade da Web,
onde podemos ver como as pessoas interagem, comentam, demonstram conhecimentos extras sobre determinado filme, diretor, ator etc., ou não. Esse mesmo transbordamento não envolve apenas comentários, mas também
participação em promoções e programação de salas de
cinema, como podemos ver nas seguintes imagens:
3 A resenha midiatizada
Através do exemplo do capítulo anterior temos uma
resenha que deve ser entendida não como o velho texto
impresso apenas sendo transmitido agora numa tela de
computador, tablet ou celular, as como um contexto deliberativo em que temos o texto da resenha apenas como
ponto de partida para comentários, discussões possíveis
em sites de redes sociais conexos, diferentes plataformas
midiáticas em um mesmo meio, auxiliando na ilustração
de uma resenha.
O contexto maior deve considerar o tipo de jornalismo cultural que é feito no Omelete como algo que responde aos anseios mais originais desse tipo de jornalismo:
promover a circulação de diferentes opiniões, levando a
futuras deliberações ou apenas a comentários isolados.
Capa
Sumário
Figura 4 - Tela de consulta de salas de cinema por Estado e Cidade
Fonte: Omelete (2012)
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Temos, assim, diversas ações que ocorrem a partir
do Omelete, tornando muito mais complexa a mera “leitura” de um texto ou de um vídeo. As pessoas se programam a partir do site (ou podem fazer isso caso prefiram),
participam de promoções, comentam, entram em contato
com sites de redes sociais, tudo numa identidade praticizada, anônima e flutuante.
Outro ponto interessante é que esse mesmo processo midiatizador depende, necessariamente, no Omelete,
de um contexto cultural ocidental, consumista, perecível.
Algo que ponha todos num patamar equivalente a conhecimentos gerais sobre aspectos de um tipo de filme para
o consumo rápido. Além disso, há uma noção, também,
de cibercultura, que segundo Rovilson Robbi Britto (2009,
p. 172), sua definição “não seria somente de uma cultura especificamente produzida em termos do ciberespaço,
mas de uma dimensão da cultura contemporânea que encontra no ciberespaço seu lugar de manifestação”56. Quer
dizer, temos dois contextos culturais: o do cinema norte-americano e o da cibercultura, regimentando conteúdos;
enquanto a “forma” é flutuante, variável que confunde
emissão do autor da resenha com a emissão do “receptor”
- que, hoje, está mais para um interagente.
Retomando o conceito de midiatização de Muniz
Sodré, que citamos no início do texto, essa telerrealização das relações humanas ocorre plenamente no OmeleFigura 5 - Tela com lista de promoções do Omelete
Fonte: Omelete (2012)
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Já o ciberespaço é entendido aqui como um conjunto de redes de computadores, como sendo a própria internet.
56
Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
te, não como novidade, mas como parte de um processo
maior e ainda em configuração. E, acima de tudo, essa telerrealização é parte do que pensamos ser a consequência
natural da resenha: possibilitar o encontro de ideias, informações e opiniões diferentes da forma mais dinâmica,
visível e democrática possível. Isso traz certos ganhos,
como o da liberdade de ter publicada com mais facilidade
uma opinião, mas, ao mesmo tempo, riscos que são comuns ao anonimato (o que afeta a credibilidade do que é
exposto como comentário).
A resenha, enfim, vem se tornando não apenas online, mas, aos poucos, um ponto de encontro de identidades anônimas, ideias e textos. E é essa característica
de ser um “ponto de encontro” de diferentes plataformas
midiáticas (audiovisual, imagem e texto) e de diferentes
ideias que traz uma noção de “web-resenha”, muito mais
apropriada ao que vem se tornando as resenhas na Web.
Considerações Finais
Após uma rápida análise do que vem se tornando
a resenha no site Omelete no contexto de midiatização,
pudemos observar certas características desse tipo de
resenha que vem sendo configurada e reconfigurada no
Omelete, que envolve mais que a mera exposição na Web
de textos de resenhas críticas sobre determinados filmes,
mas um ponto onde convergem públicos e interagentes além de vídeos, imagens e textos.
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153
- Marcos Nicolau
Sumário
Essa convergência pode ser entendida como um fenômeno que envolve um “fluxo de conteúdos através de
múltiplas plataformas de mídia”, bem como a uma “cooperação entre múltiplos mercados midiáticos” e “ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação” (JENKINS, 2009, p. 29). Ela depende, também, de
algo que percebemos ainda em andamento nos comentários do Omelete e que ainda não surgiu completamente:
uma verdadeira conversação em rede. Essa conversação
é que irá interligar melhor – ao tornar mais visível – a
participação do público não apenas em opiniões, mas em
programação de filmes, de salas de cinema, promoções,
compras etc.
O problema dessas conversações é que elas ainda
são relativamente raras no Omelete. Temos uma interação muito limitada e movediça. As pessoas não sabem
exatamente com quem estão falando, caso apertem “responder” a cada comentário; por outro lado, podem ir medindo isso pelo conteúdo do que é falado, se há solidez no
argumento ou apenas ideias soltas.
O que realmente nos importa em nosso objeto de
estudo, finalmente, está em seu processo de constante
mudança, de acordo com uma lógica midiatizadora, que
demonstra o quanto a sociedade dita “material” vem se
transbordando, em suas diversas ações, para o mundo
imaterial da Web, e como isso vem alterando a forma
de ter contato com resenhas e de pensar seu conteúdo
coletivamente.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
155
- Marcos Nicolau
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A Midiatização e a Multiconversação
nas Redes sociais
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GADINI, Sérgio Luiz. Interesses cruzados: a produção da
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Ana Maria de Sousa PEREIRA57
Patrícia Medeiros de LIMA58
Resumo
OMELETE. Disponível em: <http://www.omelete.com.br/>.
Acesso em: out. 2012.
Vivemos em constantes reconfigurações tecnológicas que
alteram nossas formas de interagir e estabelecer conexões. Tais transformações caracterizam nossos costumes
que hoje, são marcados por relações virtualizadas e tecnomediadas pelo processo da midiatização. Com o crescente uso das redes sociais, as formas de comunicação
ou conversações também são modificadas e reelaboradas no contexto digital. O presente artigo busca analisar
a construção das multiconversações nas redes sociais, a
partir do uso que fazemos das ferramentas tecnológicas.
Apoiadas nos estudos da midiatização e da comunicação
mediada por computador faremos esta análise, inseridas
nas redes sociais, em busca de entender os processos da
conversação e interação.
SODRÉ, Muniz. Antropológica do espelho: uma teoria da comunicação linear e em rede. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012.
Palavras-Chave: Midiatização. Comunicação mediada.
Multiconversação. Redes sociais.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.
11 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2 ed. São Paulo:
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MARQUES DE MELO, José. A opinião no jornalismo brasileiro. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1994.
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: anasousajornalista@
hotmail.com
58
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens
Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]
57
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Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Introdução
Num mundo em que as relações humanas estão se
tornando cada vez mais relações virtualizadas, a vida coletiva vem sendo tecnomediada pelas tecnologias. Mas
não é só isso, com a possibilidade de acesso às ferramentas como sites de redes sociais através dos mais variados
dispositivos, a comunicação vem sofrendo modificações.
Hoje é possível perceber as mudanças que as formas de
comunicação passam a ter através do uso da internet,
o que constitui em uma escrita oralizada e mediada por
computador.
O processo da midiatização permite a rapidez desta
nova sociedade online que utiliza diariamente a tecnologia para executar as mais diferentes atividades seja para
retirar dinheiro de um caixa eletrônico, escanear fotos antigas através do computador ou conversar com diferentes
pessoas através da internet. Dentre estas, destacamos
neste trabalho a multiconversação nas redes sociais como
facebook, twitter, entre outros.
Ao analisarmos as redes sociais como estruturas de
agrupamento humano, constituídas de interações e conexões mediadas pelo computador, buscaremos identificar
como se dá a conversação através dos suportes digitais.
Em busca de estabelecer laços sociais e construir
o capital social em rede, as pessoas utilizam a internet,
Capa
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- Marcos Nicolau
Sumário
em especial, as redes sociais para estabelecer diferentes
conversações, simultâneas ou não, que dão sentido, apropriação e reconstrução nas interações existentes nesse
ambiente de midiatização.
No entanto, fundamentamos nossos estudos em autores como Sodré (2009), Recuero (2012), Primo (2009),
Shirky (2011), entre outros, que nos permitem identificar
e observar as características dessas multiconversações
em ambiente online e entender de que forma se dão as
trocas, construções de interações e manutenção de informações na rede. Além de compreender os efeitos, mutações e impactos dessa conversação em rede.
Com destaque para o conceito de remediation, analisaremos de forma participativa, ou seja, inseridas nas
redes sociais para verificar a utilização destas como espaços de construção de um indivíduo que hoje conversa
de forma multimídia, diversos assuntos em um mesmo
ambiente, impulsionados pela atual cultura participativa.
1 O processo da midiatização
O processo da midiatização manifesta-se de forma heterogênea na vivência social e se configura pelos
avanços tecnológicos, onde a natureza da organização em
sociedade não é linear, mas descontínua. Sodré (2009)
postula que a midiatização se caracteriza como uma nova
forma de vida, chamada pelo autor de bios.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Implica a midiatização, por conseguinte, uma qualificação particular da vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou, pensando-se na classificação aristotélica das formas de
vida, um bios específico. Logo nas primeiras páginas de sua
Ética a Nicônamo, Aristóteles distingue, a exemplo do que já
fizera Platão no Filebo, três gêneros de existência (bios) na Pólis: bios theoretikos (vida contemplativa), bios politikos (vida
política) e bio apolaustikos (vida prazerosa, vida do corpo).
(SODRÉ, 2009, p. 24).
O novo bios, ou bios virtual, seria ainda dentro do
pensamento do autor uma terceira natureza, onde a mídia
representa uma nova forma de vida.
O advento da tecnologia e o surgimento da internet
transformaram a existência dos indivíduos principalmente
na lógica sociocultural. A Internet neste contexto pode configurar-se como um meio que proporciona outras possibilidades e parâmetros para a construção da identidade dos
sujeitos. Esta forma midiática permite hibridizações com
potencial de transformação da realidade social. Na lógica
deste âmbito, a Internet é um meio de comunicação, de interação e de organização social abrangente e que nos coloca
diante da emergência de uma nova sociedade online.
Segundo Sodré (2009), a sociedade contemporânea
é regida pela midiatização, na qual as interações e relações entre os indivíduos tornam-se cada vez mais virtualizadas. É nesta realidade midiatizada que a mídia alcança
espaço central na ordem social e acaba também se tornando referência na vivência social, cultural e comunicacional das pessoas.
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Neste sentido, Fausto Neto (2008), enfatiza que a
midiatização está ligada as operações e lógicas da mídia.
Ainda seguindo este pensamento, Braga (2006) postula
que ocorreram reformulações sociais diante dos processos midiáticos devido à midiatização da sociedade. Houve
assim uma reconfiguração das formas e maneiras de viver
em sociedade, uma nova ambiência sociocultural surge
centrando nos atos, interações e relações nas lógicas dos
meios pós-massivos.
Contextualizando esta realidade, é possível perceber que a sociedade moderna não está isenta das operações digitais, característica do fenômeno da midiatização.
E não há como transitar pela sociedade moderna, sem que
se isente de qualquer operação digital: nosso dinheiro, cada
vez mais circula pelas maquininhas das lojas; nossos cartões
de felicitações já são digitalizados através de e-mails; nossas
reclamações e críticas a produtos e serviços, nossas compras
e reservas são tecnomediadas; produções, ideias e opiniões,
mobilizações e participações em fóruns, cursos e eventos; namoros e casamentos... o que mais nos falta participar via internet? E mesmo aqueles que acreditam estarem livres ou a
parte dessa rede de interação midiática, não percebe que toda
a vida a sua volta se articula com as redes invisíveis do ciberespaço, uma vez que está inserido em um novo bios, desta
feita, instaurado sob o processo social da midiatização. (NICOLAU, 2012, p. 3)
Diante desses estudos, consideramos que tanto os
meios como os indivíduos estão imersos nesta vida midiatizada, em que a atmosfera informativa é notadamente
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
rápida e efêmera devido ao avanço das tecnologias da
comunicação e informação.
McLuhan (1964) já afirmava que as tecnologias afetariam a sociedade criando tipos de lazer e trabalho novos
e que o globo já representava uma vila. Com a convergência do computador e das telecomunicações, os indivíduos
desenvolveram habilidades surpreendentes para guardar
e ao mesmo tempo recuperar informações, tornando-as
rapidamente disponíveis em vários formatos para quaisquer lugares. O elo entre computador e redes tornou este
aparato em mídia e também em um sistema amplo que
dá aos usuários a capacidade de criar e distribuir informações. Sendo assim, a sociedade contemporânea está
imersa em um espaço midiatizado regido pelas novas tecnologias e moldado pelo virtual que altera a conversação,
que discutiremos no decorrer deste artigo.
2 Comunicação e conversação
mediada pelo computador
O processo da comunicação e da interação mediada pelo computador ou não há muito tempo vem sendo
pensado e estudado por vários teóricos da comunicação,
como McLuhan (1969), Thompson (1998) e outros. Com
o advento dos meios digitais, novas formas de comunicação surgiram e vêm reconfigurando cada vez mais as
maneiras de interação entre os indivíduos, como também
dos meios de comunicação tradicionais. As tecnologias de
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armazenamento, distribuição e recuperação das informações fizeram surgir novos paradigmas de pensamento sobre a interação na sociedade contemporânea.
Neste âmbito, entende-se que a comunicação mediada pelo computador (CMC) é contextualizada como a
comunicação que ocorre entre as pessoas por meio da
mediação da tecnologia. Recuero (2012) observa que o
conceito da comunicação mediada pelo computador não
somente se refere aos aspectos técnicos, mas também
à pluralidade de elementos socioculturais. Sendo assim,
quando nos referimos à CMC, devemos perpassar as fronteiras apenas do contexto tecnicista, como por exemplo,
potencial informático, velocidade da máquina, mas também enfatizar o processo das relações sociais que neste
ambiente ocorrem. A estrutura multimídia disponibilizada
para os usuários interconectados vai além da simples conexão de máquinas.
Esse tipo de interação social que ocorre na CMC
se diferencia dos demais tipos de comunicação, como o
anonimato, distanciamento físico, surgimento de novas
formas de linguagens, ambientes etc. Quando nos referimos à interação, Primo (2008) citando o pensamento
e análise de Thompson sobre este campo nos apresenta, desde o caráter dialógico das interações face a face
que implicam ida e volta de informações, as interações
mediadas, como conversas telefônicas e cartas, até a interação quase mediada, que está exatamente centrada
e se refere aos meios de comunicação de massa: jornal,
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
televisão, rádio, livro e outros, em que o fluxo de informação é de sentido único. Ainda de acordo com o autor,
estas interações não disponibilizam ou não possibilitam
reciprocidade. A CMC está exatamente constituída na
nova forma de interação que surge com o advento das
novas tecnologias e do ciberespaço, que diferentemente do espaço off-line não privilegia a comunicação face
a face, mas se compõem de maneira especial de texto,
imagens, sons e vídeos.
Diante desta realidade que se configura no cotidiano
dos indivíduos, Primo (2008) ainda aborda questões sobre interatividade e cognição, dando destaque ao campo
de estudo da comunicação, retifica que as relações socioculturais embutidas na interação mediada especialmente pelo computador fazem parte da nossa vida diária e
tornam-se cada vez mais realidade para toda a sociedade
contemporânea.
No âmbito dos estudos da comunicação mediada pelo computador outro fator preponderante está nas
práticas da conversação, perspectiva de estudos que
foca na mediação digital, ou conversação por meio de
suportes digitais. Ao refletirmos sobre as práticas da
conversação, podemos observá-la como processo social
organizado.
A conversação é, portanto, um processo organizado, negociado pelos atores, que segue determinados rituais culturais e
que faz parte dos processos de interação social. Não se trata
apenas daqueles diálogos orais diretos, mas de inúmeros fe-
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nômenos que compreendem os elementos propostos e constituem as trocas sociais e que são construídos pela negociação,
através da linguagem, de contextos comuns de interpretação
pelos atores socais. (RECUERO, 2012, p. 31)
Sendo assim, a conversação mediada pelo computador é construída por meio de trocas informativas
entre as pessoas imersas no ciberespaço e vai muito
além da simples troca informacional por meio da máquina, mas é, antes de tudo, um processo organizado que
está diretamente ligado aos preceitos sociais e culturais
dos atores e faz parte da interação social em todo seu
âmbito.
O que podemos observar é que estamos imersos em
um processo social, cultural e comunicacional diferente
do que tínhamos vivenciado até então. O surgimento do
computador que muito rapidamente se tornou ferramenta
indispensável na interação dos indivíduos, passando de
uma simples máquina de processar dados, para uma ferramenta social, fez crescer o ciberespaço ambiente caracterizado pela cibercultura e que fez gerar a nova ambiência dos processos da midiatização.
A sociedade rege-se por esta realidade, em que as
interações e conversações estão notadamente ocorrendo
pela mediação das máquinas, em especial do computador,
gerando assim, outros aspectos sociais e culturais na troca de informações.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
3 A multiconversação nas redes sociais
Considerada elemento de prática cotidiana e que
permite a interação humana, a conversação é reelaborada no contexto digital. Ao ser mediada pelo computador
e presente em sites de redes sociais, corpus do nosso estudo, a conversação digital se diferencia da conversação
“real” que existe fora do ambiente tecnológico, em função
dos usos que fazemos das ferramentas computacionais.
São conversações diferentes, pois são capazes de
emergir de espaços coletivos para publicações divididas
por vários indivíduos e se espalhar em espaços online,
como comunidades de Orkut59, debates no facebook 60 ou
até mesmo em um espaço formado por uma hashtag.61
Essas conversações diferenciam-se das demais conversações
no espaço digital porque, constituídas dentro das redes sociais
online, são capazes de “navegar” pelas conexões dessas redes,
espalhando-se por outros grupos sociais e por outros espaços.
São conversações que permeiam diversas redes sociais, recebendo interferências e participações de indivíduos que, muitas
vezes, não estão sequer conectados aos participantes iniciais
do diálogo. São conversações públicas que migram dentro
Site de rede social que pode ser acessado através do endereço WWW.orkut.com
60
Site de rede social que pode ser acessado através do endereço WWW.facebook.com
61
Representadas pelo Símbolo # determina qual o assunto da
postagem. Várias pessoas podem falar do mesmo assunto iniciando a palavra com este símbolo para se juntar aos demais
comentários.
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das diversas redes e que, deste modo, interferem nas redes
sociais que utilizam as ferramentas. Assim, uma conversação
em rede nasce de conversações entre pequenos grupos que
vão sendo amplificadas pelas conexões dos atores, adquirindo
novos contornos e, por vezes, novos contextos. (RECUERO,
2012, p.123)
Através da conexão, os atores sociais estabelecem
conversações com outros atores que são capazes de gerar
mobilizações, fenômenos musicais, influenciar em opiniões, e republicar para diversos outros grupos que ganham
acesso à informação. A partir do momento em que ampliam suas conexões, ocorre uma espécie de migração de
redes sociais aumentando a circulação de informações,
que caracterizam a conversação em rede.
Dessa forma, acontecem a migração e multimodalidade das conversações em várias plataformas, de forma simultânea ou não entre vários indivíduos. Recuero
(2012) afirma que uma mesma conversação que tem início em um determinado espaço pode acontecer simultaneamente em diversos espaços onde a rede social do ator
pode ser encontrada.
A multimodalidade permite que alguém use o e-mail
para ter contato apenas com a família, o facebook para
conversar com os amigos ou o Messenger (MSN) para resolver problemas do trabalho etc. As conversações são
multimodais e espalhadas por diferentes sites de redes
sociais, de forma que as interações podem ser recuperadas na rede escolhida, conforme observamos abaixo:
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Twitter A : “Oi amiga, tenho um babado pra ter contar!”
Twitter B : “Não acredito. vamos conversar no Face!”
Neste exemplo, podemos ver que o primeiro ator
direciona a conversa para outra rede. Porém, é possível
que os dois permaneçam comentando ao mesmo tempo
nas duas ou em outras redes.
Interconectados, os atores conversam em rede,
em uma conversação que é capaz de migrar e se tornar coletiva. Nesse contexto, elas podem ocorrer de forma imediata, caracterizada como conversação síncrona, onde Recuero (2012), através de estudos em Reid
(1991) afirma que esta é definida pelo compartilhamento
do contexto temporal e midiático, entre dois atores ou
mais. Já a conversação assíncrona se estende no tempo,
a expectativa de resposta não é imediata, a exemplo do
e-mail e weblogs. No entanto, tais características podem
decorrer do uso da ferramenta. De forma que, apesar do
e-mail ter característica assíncrona, este pode ser utilizado de forma síncrona quando a resposta é imediata.
Ou o MSN, que tem característica síncrona, mas que no
momento que o usuário está off-line e mesmo assim recebe mensagens, este passa a ser assíncrono, pela resposta não imediata.
Com a multimodalidade, a conversação é constituída de multiconversações que amplificam a participação, na
qual a informação não é restrita a um grupo, ela extrapola
o caminho, tendo seu alcance em várias redes sociais.
A multiconversação acontece quando um único ator mantém
diversas conversações simultâneas, em contextos diferentes,
com atores diferentes. É um fenômeno interessante, na medida em que a multiconversação não necessariamente precisa
acontecer no mesmo espaço ou ser inteiramente síncrona. É
o caso, por exemplo, de um ator que mantém várias janelas
de conversação no Gtalk com vários amigos enquanto escreve
um e-mail a outro e informa a rede de outro fato no Facebook.
Graças às ferramentas de CMC e aos sites de rede social, a
multiconversação é cada vez mais frequente, exigindo de seus
participantes um foco difuso e a capacidade de lidar com diversos contextos ao mesmo tempo. (RECUERO, 2012, p.158)
As redes sociais acabam atuando como espaços
conversacionais e o uso que as pessoas fazem deste espaço é o que constitui a conversação digital. Tudo isto esta
relacionado à midiatização. Como exemplo, temos o site
de rede social facebook, na qual podemos publicar fotos,
conversar através do bate papo com os nossos amigos,
enviar mensagens em grupos, postar vídeos, entre outros. Algumas dessas funções são características e apropriações de outras redes sociais, como exemplos, o messenger (MSN), rede em que conversamos com os amigos
que adicionamos, e o Flickr, rede de publicação de fotos.
Porém, vale salientar que com o surgimento de uma
mídia, a “antiga” deixa de ser tão acessada, como no caso
do Orkut, criado em 2004, mas que após o surgimento
do facebook sua visibilidade foi caindo e em 2012 contou
com 34,4 milhões de usuários62 no Brasil. Enquanto isso,
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Dados disponíveis no site www.secundados.com.br
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
o facebook já alcançou a marca de 800 milhões63 de usuários em todo mundo e 48 milhões64 deles são do Brasil.
Já o Twitter alcançou a marca de 200 milhões65 em 2011.
Por que isso acontece?
Acreditamos que as pessoas frequentam a rede
mais “famosa” do momento, aquela em que é possível
fazer todas as atividades em um lugar só, as mesmas que
antes só podiam ser feitas em mídias separadas. As novas
mídias trazem elementos das mídias já existentes. Assim
como afirma Poshar (2011), o que nos parece novo, de
fato, são formas renovadas de “velhas mídias” (old mídia). Nenhuma mídia, hoje, é uma mídia isolada da outra.
Partindo desse pressuposto, podemos destacar aqui
o conceito de remediação (remediation)
definida como a lógica formal na qual uma mídia renova (refashion) as formas de uma mídia anterior ou, como o processo
em que as “velhas mídias” são representadas e, até mesmo,
realçadas pelas novas mídias, recebendo um novo propósito,
uma nova forma e um novo tipo de acesso ou uso (repurpose).
(BOLTER; GRUSIN, 2000 apud POSHAR, 2011, p.3)
Bases do processo de remediação, as mídias podem
ser caracterizadas pela imediação e hipermediação. A priRECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação
mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto
Alegre: Sulina, 2012.p.15.
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Dados disponíveis no site www.secundados.com.br
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RECUERO, Raquel. A conversação em rede: comunicação
mediada pelo computador e redes sociais na internet. Porto
Alegre: Sulina, 2012.p.15.
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meira se refere ao contato direto que o observador tem
com o objeto, como exemplo, as imagens de realidade
virtual ou 3D. Já, a hipermediação é o conhecimento do
observador adquirido mediado por algum meio.
Acredita-se que o uso que fazemos de cada mídia
define uma identidade cultural e pessoal. Segundo Rosa
e Islas (2009) com estudos de Paul Levinson (1997), o
termo “meio remedial” serve para descrever como nossas
sociedades utilizam um meio para reformar ou melhorar o
outro. Em termos darwinianos, ele sugere que a seleção
do ambiente mediático se dá nas mãos das pessoas, as
quais contribuem com sua preferência para a evolução de
um meio determinado.
Ou seja, a evolução dos meios nada mais é do que as
necessidades ou desejo que nós criamos para nos manter
conectados e estabelecer diferentes conversações. Assim,
conforme afirma Poshar (2011), o próprio indivíduo chamado de “eu virtual” está ligado a hipermediação expressa em um ambiente virtual, porém multimídia. Ela acrescenta que o “eu virtual” é constituído em uma rede que
está constantemente se alterando. O observador pode
estar em um bate papo, fazendo conferência, dentro de
um único ambiente: o ciberespaço.
Essa possibilidade de exercer diferentes atividades
em um único espaço origina o aparecimento de multiconversações que amplificam as participações e migrações
em redes sociais.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
4 O capital social nas multiconversações
Seja para trocar ideias ou conectar-se, milhares
de pessoas passam parte do dia a dia usando seus dispositivos incorporados no cotidiano de suas práticas de
comunicação. Elemento característico das redes sociais
na Internet, o capital social representa o valor construído
através das trocas de intimidade e proximidade dos atores
nas conversações.
O que é diferencial nos sites de redes sociais é que eles são
capazes de construir e facilitar a emergência de tipos de capital
social que não são facilmente acessíveis aos atores sociais no
espaço off-line. Por exemplo, no Orkut um determinado ator
pode ter rapidamente 300 ou 400 amigos. Essa quantidade de
conexões, que dificilmente o ator terá na vida off-line influencia
várias coisas. Pode, assim, torná-lo mais visível na rede social,
pode tornar as informações mais acessíveis a esse ator. Pode,
inclusive, auxiliar a construir impressões de popularidade que
transpassem ao espaço off-line. (RECUERO, 209, p.107)
Ao proporcionar espaços conversacionais, as redes sociais, seja facebook, twitter, MSN, passam a funcionar como
espaços de interação, onde os indivíduos efetuam práticas
semelhantes à conversação diária. A busca pela manutenção desta conversa estabelece o que podemos chamar de
laços sociais constituídos de laços fortes e laços fracos.
Os laços fracos seriam constituídos pelas interações mais
pontuais e superficiais, enquanto os fortes, pelas relações de
amizade e intimidade. Granovetter mostrou também que pes-
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soas que compartilhavam laços fortes (de amigos próximos,
por exemplo) em geral participavam de um mesmo círculo social (de um mesmo grupo que seria altamente conectado). Já
aquelas pessoas com quem se tinha um laço mais fraco, ou
seja, conhecidos ou amigos distantes, eram justamente importantes porque conectariam vários grupos sociais. (GRANOVETTER, 1973 apud RECUERO, 2009, p.62)
Atentos a esse destaque na rede, os indivíduos ou
atores sociais constroem e mantêm conexões amplificadas no ciberespaço. A visibilidade, reputação e popularidade na rede são valores construídos através do capital
social, que pode ser alcançado, por exemplo, através do
um famoso “tweet”66 ou comentário que rendeu várias
postagens ou replicações, ou do fato de ter um número
maior de amigos ou seguidores, de forma que o ator tenha destaque ou “fama” na rede.
Enquanto interativos, fazemos parte constantemente da cultura participativa criando perfis de redes
sociais e compartilhando conteúdos em busca de obter
um valor social na rede, mas também contribuindo com
as informações nesse meio. Assim como afirma Shirky
(2011), quando usamos uma rede a maior vantagem que
temos é acessar uns aos outros, e o uso da mídia social
ativa essa vontade.
Essas formas de capital social influenciam a conversação no momento em que as interações são construídas
na rede. Segundo Recuero (2012), quanto mais citado
66
Nome dado para postagem feita na rede social Twitter.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
é alguém, quanto mais referências à sua participação na
conversação, maior visibilidade. Quanto mais indivíduos
têm acesso ao que diz e concordam com esse ator, mais
elementos de reputação este soma. E assim, temos grupos e indivíduos espalhando e trocando informações que
trazem valores aos participantes.
5 Redes sociais como espaço de interação
e de multiconversação
A liberdade de criar, expor pensamentos e se relacionar com diferentes pessoas através da telinha do computador ou qualquer outro dispositivo são alguns dos fatores que permitem a proliferação das multiconversações
nas redes sociais.
As pesquisadoras deste trabalho, por exemplo, no
momento em que escrevem este artigo, estão, também,
respondendo e-mails com assuntos de trabalho, conversando com amigos através do chat do Facebook, respondendo tweetes e ainda conversando com familiares através dos comentários de uma postagem no facebook. Tudo
isso é possível através da estrutura dos sites de redes
sociais que nos permitem executar várias atividades ao
mesmo tempo.
No entanto, a conversação não é constituída apenas
da estrutura das mensagens, e sim do sentido construído entre os atores que contribuem na compreensão do
significado e conteúdo das mensagens. Recuero (2009)
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afirma que as conversações podem ser pontuadas em aspectos semânticos e estruturais:
Esses aspectos são formados pelo:
1) conteúdo e sequenciamento das interações, na
qual é preciso compreender o que está sendo dito
e para quem, além de ver qual turno vem antes ou
depois através do horário, data e links da conversa,
como podemos observar na figura abaixo com data
e horários de uma conversa:
Figura 1 – Comentários de usuários feitos na página
de um blog e compartilhado no Facebook
Fonte: http://minhavidacrista.com/relacionamentos/antissociais-por-fernanda-paiva/
2) A identificação e estrutura dos pares conversacionais, onde são identificadas quais mensagens que
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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estão relacionadas a quais outras e qual mensagem
corresponde a qual fator. Essas interações são muito comuns em conversações assíncronas, por exemplo, podem migrar de um weblog para outro ou outro espaço de comentários. A figura acima também
serve para explicar essa estrutura na qual os atores
comentam sobre um post feito em um blog e compartilham no facebook.
3) Já a negociação e organização dos turnos de fala
podem ocorrer pelo próprio sistema ou pela apropriação do mesmo usuário, fundamental para que
as interações possam ser seguidas. Como exemplo,
o uso do “@” como forma de identificação do usuário no twitter no momento em que ele conversa,
conforme vemos na figura abaixo:
5) E por fim, multiplexidade e migração, onde pode
ocorrer a migração da conversação de um meio para
o outro e a quantidade destas interações que ocorrem
em várias ferramentas formam laços entre os atores.
Figura 2 – Postagem retwittada ou “replicada”
por um usuário no site de Rede Social Twitter
Fonte: http://twitter.com/Rene_Silva_RJ
4) A reciprocidade e a persistência avaliam a quantidade de mensagens que parte de uma conversação entre um par de atores e suas inter-relações
para determinar os tipos de conexões que as trocas
constituem. Além disso, é possível observar reciprocidade ao fato relatado com o uso de emoticons entre os atores:
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Figura 3 – Registro de uma conversa estabelecida
através do chat do Facebook
Fonte: https://www.facebook.com/anasousax
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Figura 4 – Postagem feita por um usuário do Twitter
Fonte: http://twitter.com/araujojcesar
É raro vermos um usuário de rede social com uma
pequena quantidade de amigos, a maioria deles tem mais
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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que 150 pessoas, algumas destas fazem parte do seu mundo real e outras são amigos virtuais. Em uma reportagem
publicada na revista Época em setembro de 2012, a antropóloga italiana Stefana Broadbent, da Universidade College
London, na Inglaterra ao analisar trabalhos do psicólogo
britânico Robin Dunbar concluiu que o usuário de uma rede
social pode ter centenas de amigos, mas conversa de forma regular com um grupo que varia de quatro a seis pessoas – número semelhante ás amizades mais complexas
que as pessoas mantêm na vida real.
Porém, embora não ofereça amizades verdadeiras a
qualquer um que se aproxime, a Internet pode ajudar a
construí-las. A Internet cria a sensação de familiaridade,
como se vivêssemos com a pessoa há anos e a manutenção destes laços se dá através da conversação, que muitas
vezes, traz à tona assuntos que não seriam revelados em
conversas face a face.
Através das multiconversações, os indivíduos se sentem a vontade para postar o que desejam, e interagir com
diferentes atores sociais em diversas redes.
A figura acima mostra uma postagem feita no Facebook, onde uma internauta comenta sobre um debate que
está acontecendo em outro meio, mas que ela não precisa
ver, pois todas as pessoas já estão comentando na rede.
Enquanto, um segundo ator ri abaixo, pois deve também
saber da conversação anteriormente iniciada. Além disso, o
Facebook ao mostrar a mensagem “escreva um comentário”
nos impulsiona a fazer parte da conversação iniciada.
Figura 6 – Postagem feita por usuária no sue perfil do Facebook
Fonte: https://www.facebook.com/Jessica.Lourencoo?fref=ts
Como exemplo, também a imagem acima que retrata uma postagem feita no Facebook, na qual a internauta fala no momento em que aconteceu um apagão
na madrugada do dia 26 de outubro de 2012, na região
Figura 5 – Postagem feita por usuária no Facebook
em seu próprio perfil
Fonte: https://www.facebook.com/janaina.souza.9809?fref=ts
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Nordeste, onde a Paraíba ficou três horas sem energia. A
usuária usou seu dispositivo móvel para estabelecer uma
conversação com outros atores de sua rede em busca de
mais informações.
Uma pesquisa divulgada em outubro de 2012, intitulada “etiqueta móvel” feita pela empresa de tecnologia Intel67, mostra que a proteção invisível permitida pela tela do
computador ou de outro dispositivo faz com que 44% dos
adultos se sintam confortáveis de compartilhar detalhes de
sua vida pessoal mais online do que pessoalmente.
Como participantes e observadoras da atuação dos
indivíduos na construção das multiconversações nas redes sociais, podemos ver que estes têm se tornado o principal meio de informação dos usuários, não só para acompanhar notícias, mas também para estabelecer e manter
interações com diferentes grupos.
Considerações finais
A rapidez e características das ferramentas tecnológicas permitem a veiculação e compartilhamento de
qualquer conteúdo. Através do processo de midiatização,
nossas relações humanas têm se tornado relações virtualizadas. O crescimento e fácil acesso à Internet impulsionaram estas frequentes interações mediadas.
Protegidos por uma tela de computador ou dispositivos móveis como iphones, tablets, notebooks, os in67
Disponível em http://migre.me/btFRT
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divíduos acabam fazendo tudo através desta única rede.
Conectados a Internet, é possível construir diferentes
conversações em sites de redes sociais, o que chamamos
de multiconversação.
Essas conversações acabam se diferenciando das
“reais”, existentes fora do ambiente midiático devido ao
uso que nós fazemos. Sentimos a necessidade de participar dessa cultura participativa estabelecendo interações
com diversas pessoas de forma imediata ou não.
Passando de usuários para atores sociais, somos seres multimídia e navegamos por diversas redes sociais
ao mesmo tempo. Como autoras e observadoras da pesquisa, consideramos que é difícil identificar um usuário
utilizando apenas uma ferramenta social para conversar.
A vida tecnomediada faz com que tudo seja resolvido de
forma online e de qualquer lugar, seja assuntos de trabalho, familiares, de estudos etc.
De fato, após o crescimento e as plataformas existentes nas redes sociais, a exemplo do facebook, é possível identificar uma preferência dos atores por esta rede
provada pela quantidade de pessoas conectadas e que
ficam online comparada ao chat do MSN, por exemplo,
pouco utilizado ultimamente. Embora esta última rede tenha incorporado elementos de outras, como integrar amigos online do facebook.
As pessoas tendem a migrar para rede que proporciona uma maior quantidade de atividades, mesmo
assim, permanecem com diferentes e-mails abertos e
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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chats online que promovem a conversação de diferentes
ambientes. Mais do que um ambiente para divulgar e
compartilhar informações, as redes sociais acompanham
a rapidez da vida midiatizada, em que é possível verificar
conversas simultâneas, muitas delas abreviadas, mas
que dão sentido às conexões entre vários indivíduos que
constituem seus laços sociais. Depende de cada um de
nós se adequar a essas transformações que dão sentido
às multiconversações.
Referências
BRAGA, José Luiz. A sociedade enfrenta sua mídia: dispositivos sociais de crítica midiática. São Paulo: Paulus, 2006.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem.
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Interações religiosas tecno-mediadas:
ressignificação da religião no ciberespaço
Odlinari Ramon Nascimento da SILVA68
Resumo
O presente artigo traz uma análise a respeito das mudanças
ocorridas no campo religioso a partir do desenvolvimento
das novas tecnologias da informação e comunicação. Em
um momento marcado por uma sociedade midiatizada,
busca-se compreender a religião midiática e as diferenças
entre as práticas tradicionais do templo feito de pedra e
tijolo e as práticas ressignificadas de uma igreja que só
existe no ambiente virtual, cujo endereço é o www.miid.
net.br. A intenção é fazer entender, através de um estudo
de caso do Ministério Interdenominacional Intervasos de
Deus, como o campo social religioso - marcado pela tradição - reordena seus elementos simbólicos para continuar a
fazer parte da vida dos indivíduos na atualidade. Um olhar
mais do que técnico, analisa a mídia como um campo de
operações que liga o homem a Deus.
Palavras-chave:
religião.
Midiatização.
Ciberespaço.
Ciber-
Aluno Especial do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Integrante do Projeto de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]
68
Capa
183
- Marcos Nicolau
Sumário
Introdução
Com o desenvolvimento das novas tecnologias da
informação e comunicação, a sociedade do século XX e
XXI começou a viver de acordo com as lógicas da cultura
midiática. A Idade Mídia, parodiando a maior Era que a
humanidade já viveu, interfere em todos os campos sociais que estruturam a sociedade.
A mídia mudou a forma de nos comunicarmos uns
com os outros. Nosso relacionamento social, hoje, é midiatizado. Já há quem diga que não exista um acontecimento qualquer no mundo, que não seja midiatizado. E se
ainda houver, sua existência estará posta em xeque.
No caso da religião – campo social marcado pela
tradição –, esta abriu as portas para as implicações do
fenômeno da midiatização. O homem contemporâneo não
só vai à igreja, como também a encontra em toda parte.
Em décadas passadas, o templo era “estático” – sempre
no mesmo lugar – o fiel era quem ia à sua procura. Hoje,
há uma inversão de sentidos. A igreja é quem vai à procura do fiel em toda parte, rompendo com qualquer fronteira
particular. E em qualquer tempo.
O culto não só existe dentro das quatro paredes
do templo, ditas “sagradas”, agora o profano torna-se
palco de realização de culto. Seja ele no quarto de uma
casa, na sala, no escritório, dentro do carro, no meio
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
da rua, numa caminhada utilizando algum dispositivo
tecnológico e etc.
A exploração dos novos recursos tecnológicos-informacionais, por parte da ciber-religião, faz com que seja
criado um novo ambiente que move as práticas sociais
dos fiéis às práticas midiáticas por conta dos processos de
midiatização hoje.
A tradição religiosa começa a ser reformulada, ou
melhor, ressignificada pelas implicações do processo midiático das práticas sociais, que por sua vez, passa a sacralizar-se diante da presença dos elementos simbólicos
da religião. O espaço midiático interfere no religioso e o
religioso apropria-se do midiático para garantir visibilidade e manutenção dos fiéis, que estão inseridos numa sociedade regida pela mídia.
Vivemos hoje sob os ditames da cultura midiática.
Uma nova cultura que surge com o desenvolvimento dos
novos meios de comunicação, a qual Pierre Lévy (1999) a
denomina de Cibercultura.
Esse artigo é resultado de um desafio que o Grupo
de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas (Gmid),
do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal da Paraíba, estabeleceu como requisito
para uma análise teórica, o estudo de algo que está tão
presente na sociedade contemporânea: a Midiatização.
Nosso objetivo é fazer um estudo de caso a respeito do fenômeno religioso inserido no ciberespaço, ou
melhor, tentar fazer uma análise das práticas religiosas
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185
- Marcos Nicolau
Sumário
que surgem com a nova forma de fazer religião, que aqui
denominamos de ciber-religião, a partir de uma igreja
que só existe no âmbito virtual: o Ministério Interdenominacional Intervasos de Deus, conhecido como MIID.
Não partirmos de um ponto de vista do uso institucional-dispositivo, tratando a mídia como suporte, mas observamos as alterações sociais (práticas) causadas devido
ao uso midiático.
A mídia é uma configuração sociotécnica culturalmente ampla,
que abarca parte da vida social. As tecnologias comunicacionais são artefatos culturais, produtos de nossas intenções e
propósitos. A relação entre tecnologia e vida social produz um
efeito ambivalente: se por um lado a tecnologia determina a
sociedade, por outro, os modos como nos apropriamos delas
e o uso que fazemos reinventam as características da vida social. Assim, não estamos interessados em saber apenas como
a mídia funciona, mas que sentidos ela traz e acrescenta ao
mundo (MIKLOS, 2012, p. 13)
Qual o impacto que as novas tecnologias trazem ao
modo de vida religioso das pessoas comuns? / Que alterações as experiências religiosas sofrem quando se deslocam para o ambiente virtual do ciberespaço? / Em tempos
de interferências das novas tecnologias midiáticas, como
se dá a interação do fenômeno religioso no âmbito da midiatização? – Perguntas como essas, serviram para nortear essa pesquisa que trata de uma relação intrínseca
entre a religião e a mídia.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Midiatização
Temos a consciência de que definir o processo de midiatização da sociedade a partir de um ponto de vista comunicacional é analisá-lo de forma periférica, porque segundo
Bourdieu69 o funcionamento da sociedade, como um todo,
se dá através da estrutura dos campos sociais – midiático,
político, científico, religioso, moral e etc. Mesmo sabendo
que o campo social dito midiático ocupa uma posição estratégica e privilegiada no centro da estrutura social.
Um campo social é resultado da racionalização e autonomização de um determinado domínio da experiência e se consolida
na medida em que estabelece suas próprias condições de existência, tanto constitutivas como normativas, que o regulam
(GASPARETTO, 2011, p. 31)
Existe uma noção de midiatização, segundo Gasparetto (2011), a qual é entendida como fenômeno técnico-social-discursivo pelo qual as mídias se relacionam com
outros campos sociais, afetando-os e por eles sendo afetados, segundo se entende as mídias não apenas como
foco, mas como campo de operações e, ao mesmo tempo,
constituídos por dispositivos que tratam de organizar e
reger, segundo certas competências, as interações entre
os campos sociais.
BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Trad. de Jeni
Vaitsman. Rio de Janeiro. Marco Zero, 1983.
69
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- Marcos Nicolau
Sumário
Para reforçar esse entendimento do autor, Borelli
(2010) afirma que a midiatização constitui-se num complexo e amplo processo em que os dispositivos midiáticos
agem sobre práticas sociais dos outros campos, como da
religião, estruturando-as e engendrando-as por meio de
operações tecnossimbólicas.
A reflexão geral da midiatização leva necessariamente o pesquisador a percorrer sobre os conceitos de indivíduo, sujeito, ator, agente, sociedade, instituição, interações,
mercados, valores, condutas, subjetividade, cognição, inconsciente, consciência, ideologia, estrutura, linguagem e
etc. É uma gama teórica tão vasta quanto é complexa sua
análise, segundo nos adverte Ferreira (2007).
Acreditamos que a melhor definição, por enquanto, é
o diálogo entre os pesquisadores deste fenômeno. Agora,
vale salientar que todos eles apresentam uma semelhança
ao afirmar que estamos vivendo um novo modo de ser no
mundo, representado pela midiatização da sociedade.
As mídias se converteram numa realidade mais complexa em
torno da qual se constituiria uma nova ambiência, novas formas de vida, e interações sociais atravessadas por novas modalidades do ‘trabalho de sentido’ (FAUSTO NETO, 2007, p. 62)
Trazendo aqui a contribuição de Martino (2012) em
linhas gerais, a midiatização pode ser entendida como o
conjunto das transformações ocorridas na sociedade contemporânea, relacionadas ao desenvolvimento dos meios
eletrônicos e virtuais de comunicação.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Nesse sentido, Muniz Sodré (2006) pensa a midiatização como uma tendência à virtualização das relações
humanas, presente na articulação do múltiplo funcionamento institucional e de determinadas pautas individuais
de conduta com as tecnologias da comunicação.
Na visão de Gomes (2006), o processo de midiatização é um fenômeno social que, transcende o universo do
midiático, articulando com a problemática das mediações.
Para Braga (apud FLORES; BARICHELLO, 2009) a
midiatização é entendida como processo de interação que
caminha para o lugar de referência na sociedade, porém
não sendo ainda um processo estabelecido ou terminado,
mas em implantação. Esse conceito se aproxima do que
dizem alguns teóricos do campo comunicacional, baseados na filosofia do pré-socrático Heráclito de Éfeso, ao tratar a comunicação como processo social, nunca estático.
Berge (2007) nos lembra que a mídia deixa de ser
“instrumental” e torna-se “constitutiva” da estrutura social, na medida em que articula um novo modo de pensar,
uma nova forma de estruturação das práticas sociais. A
mídia deixou de ser apenas um mero instrumento técnico
de registro da realidade. Ela passa a ser um dispositivo
de produção de certo tipo de realidade espetacularizada
produzida pela excitação dos sentidos.
Ao construir a realidade, essas maneiras de interação atravessadas pelas lógicas midiáticas vão acarretar
a organização de um ambiente igualmente midiatizado,
um novo bios ou uma nova ambiência, defendida por
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- Marcos Nicolau
Sumário
Sodré (2002). Logo, com a midiatização da sociedade,
foi implantado um novo modo de pensar e estruturar a
sociedade através da tecno-interação – tecnologia – “um
novo bios”.
Portanto, dar-nos a entender que a midiatização interfere de maneira reflexiva na compreensão que os indivíduos têm da realidade.
Recorrendo mais uma vez a Sodré (2006), as instâncias de uma sociedade midiatizada estão “culturalmente afinadas com uma forma ou um código semiótico
específico”. No caso das instituições religiosas, a adoção
desse “código semiótico” significa estar em sintonia com
as percepções dos fiéis, estar atento às sensibilidades, às
formas de percepção e compreensão dos adeptos.
É importante ressaltar que a midiatização da religião trouxe alterações não apenas para as dinâmicas do
campo religioso, mas introduziu novos fatores nas dinâmicas internas do campo da comunicação. O espaço de
ação do religioso na cultura midiática não se separa das
formas tradicionais de vivência religiosa, mas adapta-o
para as necessidades e demandas do cotidiano em várias
instâncias.
Em suma, a midiatização da religião traduz-se não apenas
como um momento de alteração das práticas das instituições
religiosas, mas também como uma aparente reestruturação,
mais ampla, dos significados do que é “sagrado”, “religioso” e
da “experiência religiosa” em uma sociedade em midiatização
(MARTINO, 2012, p. 237)
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
As igrejas midiáticas
As relações entre as instituições religiosas e os fiéis, no mesmo
sentido, tornam-se mediadas, entre outros fatores, pelo instrumental tecnológico responsável por oferecer uma opção de
vivência do religioso que, longe de se chocar com os padrões,
fluxos e referenciais do contemporâneo, a eles se adapta, diluindo possíveis contradições entre a mensagem religiosa e
as demandas da sociedade atual em novos horizontes e perspectivas para se viver uma religiosidade midiática (MARTINO,
2012, p. 238)
Sabendo que esse processo da midiatização se articula com o universo das mediações, para Martín-Barbero
(1995), na religião, a mídia não é apenas um elemento técnico, mas torna-se um elemento fundamental do
contato religioso, da celebração religiosa, da experiência
religiosa.
Quanto às novas religiosidades, Fiegenbaum (2006)
diz que são produtos gerados por essa nova ambiência
midiática, ou seja, elas já são um produto midiático, no
sentido em que se apresentam como religiosidades que
emergem da mídia.
Cada igreja possui seus determinados dispositivos
midiáticos para atrair cada vez mais seus fiéis de acordo com sua específica necessidade de manutenção. Mas
existe uma lógica no uso dos meios de comunicação por
parte do campo religioso, de que essa utilização midiática se faz necessária por motivos de expansão e facilidades em pregar o Evangelho de Cristo de forma masCapa
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- Marcos Nicolau
Sumário
sificada. No nosso caso, o Pr. Radamés Gonzaga criou o
MIID, como pretexto de que a internet é campo propício
para a pornografia on line. E agora com o surgimento
das novas mídias, a igreja não só as utiliza para pregar
a Palavra como também para manter fiel às instituições,
àqueles que têm simpatia em relação aos ideais de uma
igreja evangélica.
Do ponto de vista histórico, existem distinções entre igrejas
tradicionais e igrejas emergentes, o que também estabelece
referenciais diferentes de prática e culto. As primeiras, representadas pelo catolicismo e protestantismo, sempre fizeram
uso dos meios de comunicação de massa como instrumentos
condutores de suas mensagens; já as novas igrejas, nascem
geneticamente produzidas pela mídia. O que significa que estas correspondem ao bios midiático, enquanto que as primeiras precisam assimilar esta tendência para sobreviverem num
contexto de competição e de constante inovação tecnológica.
Ou seja, a relevância religiosa supõe o domínio da lógica midiática. (OLIVEIRA, 2009, p. 42)
Quanto às pessoas, Muniz Sodré (2002) afirma que
esses não se instituem mais como meros espectadores, e
sim como membros participantes de uma ambiência que
deixa de funcionar na escala tradicional do corpo humano para adequar-se afetivamente pela imersão na mídia.
Uma nova forma de vida feita de fluxos de imagens que
reinterpretam continuamente com novos suportes tecnológicos as representações tradicionais do real.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Muito mais do que técnica
Borelli (2010) suscita a questão ao dizer que os dispositivos, no nosso caso, o computador e a internet, são
os principais mecanismos de geração e de criação de símbolos para a religião.
A religião sempre foi mediada, lembra Hoover70 mas,
cada vez mais, ela depende da mídia. Não se trata de uma
questão puramente técnica – já que a mídia possibilita
que a igreja contate seus fiéis sem a necessidade da presença nos templos -, pois a partir do momento em que o
campo religioso reestrutura a sua prática e o seu discurso,
são gerados distintos sentidos. Portanto, estamos diante
de uma ressignificação da religião, que carrega lógicas da
cultura midiática.
As formas tradicionais de comunicação estruturadas
estritamente nos próprios rituais religiosos dão lugar as
estratégias midiáticas concretas – via midiatização.
Os antigos púlpitos estão cedendo lugar aos novos
espaços midiáticos. Espaços esses de geração de sentidos
e de produção simbólica religiosa e midiática.
Os pastores pregavam mensagens bíblicas olhando
para o público que estava à sua frente, hoje eles anunciam Jesus diante de um dispositivo técnico, ou melhor,
tecnossimbólico, que, dentre várias funcionalidades, enHOOVER, Stewart. Media, Religion and Culture: Future Directions. Conferência proferida pelo autor no dia 09 de julho
de 2006 na Stora Salen do Sigtuna Stiftelsen, na cidade de
Sigtuna, Suécia.
via a mensagem para milhões de receptores espalhados
no mundo inteiro. Para o pastor, é um público desconhecido, porém sua certeza é única: a existência do mesmo.
Hoje, um culto realizado num templo pode ser visto em
qualquer lugar do planeta, em tempo real.
O uso do termo tecnossimbólico remete-se ao conceito de dispositivo que é compreendido para além de sua
função técnica, já que ele abrange linguagens específicas
que remetem a uma construção discursiva que se realiza
num determinado contexto sociocultural.
Lévy (1999) afirma que uma técnica é produzida
dentro de uma cultura, e uma sociedade encontra-se condicionada, não determinada, por suas técnicas. Deste
modo, as tecnologias são produtos de uma sociedade e
de uma cultura.
E ainda de acordo com Lévy, surge aí um novo modelo social: a cibercultura.
Conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas,
de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço – o
novo meio de comunicação que surge a partir da interconexão
mundial de computadores (LÉVY, 1999, p.17)
Felinto71 é mais direto. Para ele, cibercultura é uma
cultura na qual as novas tecnologias de informação e co-
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Sumário
FELINTO, Erick. A religião das máquinas: Ensaios sobre o
imaginário da cibercultura. Porto Alegre: Sulina, 2005.
71
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
municação desempenham papel central. Estamos imersos
na cultura Ciber.
É por esta razão de imersão da nossa vida social,
que Miklos (2012) apresenta o conceito de ciber-religião
como aquele que destina-se ao conjunto de experiências
religiosas que utilizam as tecnologias comunicacionais e
que se dão no espaço da rede.
Para Lévy, da mesma forma que tratamos o cinema
e a música como elementos culturais e estéticos, mesmo
tendo noção de que se tratam de elementos da indústria,
devemos tratar também a internet sobre o ponto de vista
cultural.
No contexto da sociedade midiatizada, a técnica se
associa a mecanismos de produção discursiva e permite
que sejam construídas distintas formas de “estar juntos”.
É por meio dessa questão que Gasparetto (2011) formula
a ideia de comunidade de pertencimento.
Entende-se, assim, que a comunidade de pertencimento é um
efeito de operações de comunicação apropriadas pelo campo
religioso, que, ao fazer uso dessas novas tecnologias, acaba
instituindo novas formas de viver a religião, convertendo os
fiéis em atores de suas práticas. (GASPARETTO, 2011, p. 58)
Dispositivos como a televisão, o celular, o computador... geram uma forma de sociabilidade, como acabamos
de descrever, uma comunidade de pertencimento.
Borelli reafirma o trabalho do dispositivo partindo
do ponto de que o mesmo gera novas modalidades de
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195
- Marcos Nicolau
Sumário
contato e de interação, em que as normas e os modos
de operar anteriores são revistos e reformulados a partir
de outras operações de sentidos. Pois são os dispositivos
midiáticos que garantem a continuidade do contato entre
a igreja e o fiel. Antes as pessoas iam à igreja, hoje as
igrejas vêm pelas redes.
As novas práticas religiosas
Esse contato com o fiel no ciberespaço é diferenciado em igrejas que utilizam outros dispositivos. Podemos
fazer aqui um paralelo entre as estratégias de resgate na
TV e na internet, por parte das chamadas igrejas “neopentecostais” - ramificação do pentecostalismo brasileiro
que surge a partir da década de 70, com o surgimento da
‘igreja eletrônica’ – como é o caso da igreja Universal do
Reino de Deus (IURD), fundada pelo bispo Edir Macedo,
em 1977, no Rio de Janeiro.
Corten, Oro e Dozon72 observam que a IURD adota
uma estratégia singular em relação às igrejas que estão
presentes na mídia televisiva: contata seus fiéis e/ou candidatos a fiéis através da mídia, “chamando-os” para participarem da igreja mais próxima de suas casas. Logo, a
mídia é fator central nessa cadeia produtiva.
Já as estratégias da ‘igreja virtual’ apresentam outras formas de manutenção do fiel. Por existir apenas no
CORTEN, A.; ORO, A. P.; DOZON, J. (org.). Igreja Universal
do Reino de Deus: os novos conquistadores da fé. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2006.
72
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
campo midiático, como é o caso do MIID – recorte empírico dessa pesquisa – as estratégias para resgatar um
fiel ficam por conta da divulgação nas redes sociais e nos
convites que cada membro do MIID faz aos seus amigos
do Facebook e Twitter, para juntos, participarem de uma
vigília de oração.
Existe alteração simbólica até na nomenclatura das
“igrejas virtuais”. Vasos de Deus é uma expressão bíblica
que faz referência àqueles que se deixam ser “usados”, ou
melhor, aqueles que cumprem a vontade de Deus ou que
estão à sua disposição. Um missionário, por exemplo, é um
vaso de Deus, segundo a própria Bíblia Sagrada. No caso
do MIID, os internautas que participam das reuniões on-line da igreja são chamados de intervasos de Deus, pois eles
estão dispostos a cumprir a vontade do Senhor na internet.
Em horários programados, o pastor da igreja dialoga, por meio de seus discursos religiosos midiatizados e
reconfigurados, com os fieis (seguidores) que estão conectados na plataforma do MIID, podendo esses mesmos
internautas frequentar, presencialmente, outras denominações, pois neste caso, o que interessa é o seu pertencimento à comunidade virtual.
Deus e o sagrado precisam ser codificados, ressignificados, reapresentados, moldados em uma processualidade informático-computacional-comunicativa.
Com uma experiência religiosa mediada pelo computador, o indivíduo espera encontrar ali a mesma experiência que ele encontra no templo tradicional (igreja).
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- Marcos Nicolau
Sumário
Figura 1 – Home do site do Ministério Interdenominacional
Intervasos de Deus - MIID
Fonte: http://www.miid.net.br
Na plataforma do MIID, percebe-se um novo local
de realização de culto, proporcionado pela ciber-religião.
Com interações mediadas, um discurso modificado pelo
uso do dispositivo e um novo modo de cultuar a Deus, o
MIID é palco de ação de um novo jeito de ser religioso.
A conversação mediada por computador possibilita que os membros conversem durante uma pregação,
comportamento esse proibido em igrejas presenciais, pois
causam barulho no templo. Agora, enquanto nesse último
exemplo de interação entre os membros é impossível que
o pastor escute a conversa de duas pessoas; no primeiro
caso, ocorre justamente o contrário: o pastor monitora a
conversa de todos os membros, sabe suas preferências religiosas e suas indagações extraídas num diálogo por chat.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Vale observar a característica atípica das reuniões
dos Intervasos de Deus na internet. Sabemos que o ciberespaço proporciona um novo modo religioso em que o
fiel não está condicionado ao espaço/tempo. Em qualquer
lugar e em qualquer hora, o fiel pode navegar nessa nova
experiência religiosa virtual. Porém, as reuniões do MIID
não proporcionam, segundo Sbardelotto (2010), a “estocagem virtual do sagrado”, pois as reuniões são fixas e
não acontecem fora de horário pré-determinado.
membro, durante o culto, enviar e-mail pra alguém; visualizar as postagens dos seus amigos no Facebook; ler
uma notícia num determinado site e etc.
Quando trata-se de ciber-religião, faz necessário
saber que novas práticas estão em jogo, a começar pela
ausência de dois fatores importantíssimos e tradicionais,
tanto para a religião quanto para a comunicação: a abolição do corpo físico e a anulação do espaço material.
Qualquer membro, portanto, pode discursar. Basta
pedir autorização ao moderador da conta do chat e ter um
microfone para ministrar uma Palavra bíblica, assim como
ocorre nas igrejas protestantes.
Considerações finais
Figura 2 – Plataforma da sala de adoração dos membros do MIID
Fonte: http://login.hotconference.net.br/conference,intersala
Na plataforma de interação do MIID observamos que
existe um chat em que os membros interagem na hora do
culto. Enquanto o pastor, por exemplo, está discursando,
os membros estão interagindo com a fala do pastor e com
outros membros que estão conectados. Além de estarem
conectados em outros sites e redes sociais. É possível ao
Capa
Sumário
Se a internet já traz consigo novas formas de ser,
agir e comunicar-se, a ciber-religião também traz. O campo religioso, tradicionalmente como o conhecemos, também se modifica.
As pessoas passam a encontrar uma experiência religiosa não apenas nas igrejas feitas de pedra e tijolo, mas
também existente na rede.
A rede mundial de computadores tornou-se uma
ferramenta comunicacional fundamental de existência e
manutenção das atividades religiosas da sociedade atual.
Hoje, a Palavra de Deus não é transmitida pelos
profetas, mas construída pelas redes no sentido de compartilhamento; e a boa nova é sempre tecnológica.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
O que nos dá a entender é que essa busca a uma
nova comunidade de pertencimento, ou melhor, de estar
ligado ao outro, torna o ciberespaço o melhor espaço para
resgatar os valores do religare73. A mídia é pretexto para
difundir esse novo comportamento.
No ciberespaço, o fiel tem vez e voz. Quando o pastor ou qualquer pessoa está fazendo uso da Palavra, por
exemplo, ela fica à vontade para interagir e até discordar de algo que foi proferido. Quanto ao discurso, esse
fica flexível às intervenções de seus atores para enfim,
adequar-se ao novo ambiente provocado por essa midiatização que a sociedade contemporânea vive.
Mesmo com tanto avanço tecnológico, comunicacional e científico o homem continua sendo um agente religioso. No entanto, vale salientar que, na Idade Média o
homem se adaptava aos rituais e a tradição das práticas
religiosas. Hoje, na chamada Idade Mídia, a religião se
adapta ao homem, que busca encontrar nos dispositivos
eletrônicos e tecnológicos as práticas que o caracterizam
como ser religioso, porém, dessa vez, novas práticas, ou
melhor, práticas ressignificadas.
A palavra religare é formada pelo prefixo re (outra vez, de
novo) e o verbo ligare (ligar, unir, vincular). O religare, nesse
sentido, é a forma primeira de vínculo, concebida não só como
vínculo entre os homens e seus deuses, mas especialmente entre os próprios homens. Vale salientar que o termo religare não
é exclusivo do campo religioso, ele também é antropológico, já
que é “matéria-prima” do elemento básico de constituição da
comunidade. Nas sociedades pré-modernas esse sentimento
era bem notável.
73
Capa
201
- Marcos Nicolau
Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
203
- Marcos Nicolau
351ff7220101009062343.pdf
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Capa
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
205
- Marcos Nicolau
levado outros consumidores insatisfeitos a acreditarem na
tal receita, o que não pode ser tido como verdade. Para
tanto, aqui se apresenta o resultado do estudo de caso da
Fan Page da empresa de telefonia móvel TIM.
Uso dos sites de redes sociais
como serviço de atendimento
ao consumidor na sociedade midiatizada:
estudo de caso da Fan Page TIM Brasil
Palavras-chave: Comunicação organizacional. Sites de
redes sociais. SAC. Midiatização.
Gustavo David Araújo FREIRE74
Introdução
Resumo
O descaso enfrentado pelos consumidores junto aos tradicionais serviços de atendimento ao consumidor das empresas tem levado-os a adotar um novo comportamento
na atual conjuntura da cibercultura. Fazendo uso das Tecnologias da Informação e Comunicação, os consumidores
enxergam no ciberespaço, e mais especificamente nos sites de redes sociais - estes ancorados pela lógica da Web
2.0 -, uma forma de compartilhar sua insatisfação na rede.
A midiatização, que tem por base os fatores humanológico e tecnológico, é determinante para o desencadeamento de acontecimentos que culminam na geração de um
novo bios. Nessa perspectiva, a midiatização de alguns
casos de rápida resolubilidade por parte da empresa tem
Aluno Especial do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]
74
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Sumário
A convergência da informática com as telecomunicações na segunda metade do século XX proporcionou
uma nova dinâmica social ao que se refere, sobretudo, às
novas formas de se comunicar e relacionar. Estas, cada
vez mais processadas por intermédio da tecnologia configurou e continua configurando novos hábitos no dia a dia
das pessoas, formando assim, uma conjuntura de várias
ordens que culminou no surgimento da cibercultura.
Progressivamente, passamos para além da mídia de
massa, caracterizada por centralizar as informações sob
seu poder e controlar a sua emissão, para as mídias digitais interativas, onde qualquer pessoa pode produzir informação e difundi-la no ambiente preferível, no formato
que achar adequado.
Os interlocutores a partir da comunicação mediada
pelo computador e dos dispositivos móveis conectados, se
organizam no ciberespaço em redes de troca e colaboração,
onde ações interativas são uma constante e o processo de
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
comunicação se constitui numa estrutura comunicativa de
livre circulação de mensagens, o que caracteriza o modelo comunicacional todos-todos discutido por Lévy (1999).
Nesse sentido, a internet sob a lógica da web 2.0 ditou novas formas de interação, publicação, compartilhamento e
organização de informações (PRIMO, 2007).
Adjacente a isso, um novo comportamento por parte dos consumidores emergiu exigindo das organizações
um novo posicionamento ao considerar o forte poder de
influência dos interlocutores que pode ser desencadeado
na rede. Devendo a organização se ater também, ao monitoramento dos espaços do qual o público consumidor se
apodera para compartilhar suas experiências de compras
e de relacionamento, podendo estas, serem de ordem positiva ou negativa.
A lógica de o consumidor constituir elogio, sugestão
e principalmente uma reclamação nos sites de redes sociais, seja no seu próprio perfil ou no perfil da organização, se deve entre tudo, as inúmeras falhas registradas no
processo dos diversos canais de Serviço de Atendimento
ao Consumidor (SAC) instituído pelas empresas, cujo propósito central é dar resolubilidade aos problemas enfrentados pelos consumidores.
O que leva o consumidor a constituir sua insatisfação
nas redes sociais na internet expondo-a a outros? Quais
são as motivações para tal feito? O que se busca? Muitos
são os questionamentos a serem levantados na busca de se
compreender o comportamento do consumidor no tocante
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207
- Marcos Nicolau
Sumário
ao relacionamento com a empresa. No entanto, algumas
respostas que interessam a discussão aqui apresentada,
podem ser evidenciadas a partir da perspectiva da midiatização. Afinal, como bem disse Gomes (2006, p. 121), “se
um aspecto ou fato não é midiatizado, parece não existir”.
Ao acessar as redes75 sociais na internet é cada vez
mais perceptível o uso destas pelos consumidores como
forma de expor o seu sentimento com dada marca, ora de
satisfação, ora de insatisfação. Nesse sentido, buscamos
aferir a partir da observação como tal processo se constrói
numa dada realidade. Para tanto, a pesquisa se concretizou a partir do estudo de caso da empresa operadora de
telefonia móvel TIM que possui uma Fan Page no Facebook.
Comunicação organizacional
em tempos de cibercultura
A interação entre empresa e consumidor na perspectiva de construir um relacionamento de aproximação
como estratégia mercadológica, nunca foi tão pensada e
buscada como atualmente pelas organizações. Não obstante e sabíveis que para a sua sobrevivência o sistema
organizacional tem que responder aos estímulos e se posicionar de forma coerente aos anseios da sociedade, as
organizações fazem uso das Tecnologias da Informação e
Comunicação (TIC’s) na busca de captar e compreender
as mudanças ocorridas no macroambiente.
75
Sobre sites de redes sociais consultar Recuero (2009).
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Impulsionado, sobretudo pela inovação tecnológica,
o universo organizacional vem sofrendo mudanças muito
rapidamente neste novo século. A competitividade cada vez
mais acirrada e as novas tendências de mercado exigem
muito mais das organizações que não apenas desejam sobreviver, mas se tornarem/manterem líderes de mercado.
As TIC’s possibilitam à organização variados meios
para que possam estabelecer sua comunicação e manter um relacionamento mais próximo dos públicos. Para
Kunsch (2003, p. 69), “o sistema organizacional se viabiliza graças ao sistema de comunicação nele existente, que
permitirá sua realimentação e sua sobrevivência.” Assim,
percebemos o papel importante a ser desempenhado pela
comunicação na organização, dada a sua relação com o
aperfeiçoamento e vitalidade.
A comunicação organizacional não é composta apenas pelas vias formais, aquela que é pensada, planejada
e executada pela organização, mas também constituída
pelos meios informais, brotada entre aqueles que se relacionam direta ou indiretamente com a empresa. Nesse
sentido, Baldissera (2009) fundamentado nos três princípios básicos da complexidade76 - o dialógico, o recursivo
O princípio dialógico compreende “a associação complexa [complementar, concorrente e antagônica] de
instâncias necessárias ‘junto’ à existência, ao funcionamento e ao desenvolvimento de um fenômeno
organizado.” (MORIN, 2000a, p. 201 apud BALDISSERA,
2009, p. 117). O princípio recursivo consiste em “processo em
que os produtos e os efeitos são ao mesmo tempo causas e
produtores daquilo que os produziu.” (MORIN, 2001, p. 108
76
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209
- Marcos Nicolau
Sumário
e o hologramático - propostos por Edgar Morin, redimensiona a noção de Comunicação Organizacional de duas
formas: organização comunicada, correspondendo à fala
oficial e planejada; e, organização comunicante, referente
a toda forma de comunicação estabelecida pelos sujeitos
(públicos) com a organização.
Existem variadas formas e maneiras da “organização comunicante” se concretizar, tanto no ambiente offline
como no online. Oportunamente citamos um exemplo que
é um dos pontos de discussão deste trabalho, que são as
referências/menções à organização nas redes sociais na
internet promovidas pelos consumidores. Devendo assim,
a organização estar atenta, sobretudo à comunicação que
não é produzida por ela e foge ao seu controle.
Com as TIC’s e as mudanças ocorridas na internet
é notável o aumento potencial da presença das organizações e usuários no ciberespaço, como também a rede
informal de comunicação que neste ambiente se configura. Sendo até mais verificável que nos ambientes offline,
pois mais facilmente é realizada a captação do conteúdo
gerado devido ao registro daquilo que é postado, uma
lógica que é própria de algumas plataformas na internet.
Assim, a mensuração se torna muito mais prática a partir
dos sistemas de busca.
apud BALDISSERA, 2009, p. 117). O princípio hologramático
contempla a ideia de que “a parte não somente está no todo;
o próprio todo está, de certa maneira, presente na parte que
se encontra nele.” (MORIN, 2002, p. 101 apud BALDISSERA,
2009, p. 117).
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
“A abertura de canais e a prática da ‘comunicação
simétrica’ requerem uma nova filosofia organizacional e a
adoção de perspectivas mais críticas, capazes de incorporar
atitudes inovadoras e coerentes com os anseios da sociedade moderna.” (KUNSCH, 2003, p. 73). Nesse sentido, pensar a comunicação organizacional não envolve apenas refletir as estratégias com vista na comunicação oficial, como
também buscar tomar conhecimento do que é construído
e produzido sobre si por aqueles que compõem o hall dos
públicos, tanto no ambiente offline como no online.
“O ciberespaço, identificado a um espaço feito unicamente de redes, se caracteriza pela interconexão sem
fim. De fato, esse território não tem topografia, mas exclusivamente topologia.” (MORAES, 2006, p. 195). Ainda
conforme este autor, no ciberespaço o território não existe, subsiste apenas um espaço liso, fluido, de circulação.
Por isso que as trocas informacionais, de conteúdo e outros, são muito vislumbrados em tal ambiente.
Monitorar, verificar e acompanhar o que é dito sobre
sua marca já não é uma opção para muitas organizações,
e sim um dever, pois estas devem estar preparadas para
situações das mais adversas. Dessa maneira, a organização poderá posicionar-se mais adequadamente e melhor
gerir os fluxos informacionais.
Fluxos formais e informais compõem o contexto da comunicação organizacional, o gerenciamento dos conflitos internos e
externos, dá dinamismo à sua administração e, a soma destes,
com a gestão integrada das ferramentas comunicacionais, for-
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211
- Marcos Nicolau
Sumário
ma a imagem da instituição frente aos públicos com os quais
ela se relaciona. (ALMEIDA, 2004, p. 2-3).
Tal imagem é algo que a organização deve estar
constantemente avaliando na busca de verificar a consonância e/ou dissonância com o seu conceito, isto é, aquilo
que ela é no seu cerne. Assim, levam-se em consideração
dentre outros aspectos que caracterizam a cultura organizacional, os valores e princípios.
Para tanto, o olhar clínico sobre os fenômenos e mudanças na sociedade deve ser uma constante na busca de
responder aos estímulos. E quando falamos em mudanças, nos referimos principalmente àquelas desencadeadas
pelos aparatos tecnológicos da informação e comunicação que impulsionam um novo comportamento social que
possa vir a refletir nos negócios.
Os sites de redes sociais
usados pelos consumidores como SAC
Como já foi dito, as formas e os canais para se estabelecer/manter um relacionamento vêm mudando e atualizando muito rapidamente na última década. Nesse sentido, como estratégia mercadológica as organizações foram
se apoderando de alguns meios para compor o leque de
comunicação junto aos públicos. Uma das preocupações
se refere à constituição de elogio, sugestão, reclamação
e/ou insatisfação em relação a um produto ou serviço feito pelo consumidor.
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
No Brasil, notoriamente um posicionamento que
se iniciou com o Serviço de Atendimento ao Consumidor
(SAC). A implantação do SAC pelas empresas foi acentuada após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor77 (CDC) no início da década de 90. O CDC foi criado na
perspectiva de preencher uma lacuna existente que o direito civil, o direito comercial e algumas leis esparsas não
satisfaziam os direitos do consumidor em sua plenitude.
Assim, o CDC estabeleceu normas de proteção e defesa ao consumidor, isto é, um consumidor lesado que
ao adquirir um produto/serviço de determinada empresa
estará respaldado pela Lei de Nº 8.078, poderá recorrer
aos órgãos de defesa do consumidor com o objetivo de
solucionar o problema e fazer valer seus direitos.
Segundo Zülzke (1997), os SACs tornam-se setores
essenciais para evitar que as insatisfações e problemas
transformem-se em custosas e desgastantes pendências
judiciais em termos de imagem e recursos financeiros.
Além de pretensiosamente tentar restringir os problemas
Como direito novo, o Direito do Consumidor busca inspiração no Direito Civil, Comercial, Penal, Processual, Financeiro e
Administrativo, para de uma forma coerente atingir seus objetivos sem ofender os demais princípios e regras existentes.
Dessa união de sistemas e legislações surgiu em 1990 o Código
de Defesa do Consumidor, lei nº 8078/90, que foi criado para
regulamentar as relações de consumo, entendidas essas como
sendo o vinculo estabelecido entre fornecedor e consumidor,
ligados por um objeto que será, necessariamente, um serviço
ou um produto. RIBEIRO, F. Direito do consumidor. Serviços.
[S.l.]: online, 2011. Disponível em: <http://bit.ly/tgkDE2>.
Acesso em: 15 jun. 2012.
77
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213
- Marcos Nicolau
Sumário
apenas à empresa, evitando a evasão de informações que
possam causar maiores danos à sua imagem.
No entanto, com as vertiginosas mudanças ocorridas nos últimos anos proporcionadas pelas TIC’s, as empresas no contexto da cibercultura não estão livres da
exposição de suas marcas no ciberespaço por meio de
conteúdos sob a forma de texto, imagem, áudio e/ou vídeo, produzidos por consumidores ou prosumers satisfeitos e insatisfeitos.
O termo prosumer vem da junção das palavras em
inglês, producer e consumer, isto é, produtor e consumidor. Também chamado de prosumidores por alguns brasileiros que fazem a tradução e junção das palavras no português, estes são indivíduos produtores e consumidores
de informação que fazem uso dos sites de redes sociais
para publicar e compartilhar o que pensam. Muitas vezes,
questionam as empresas publicamente e, por conseguinte
prejudicam a imagem organizacional.
O que muitas vezes impulsiona o consumidor a publicar em seu perfil ou no perfil da empresa sua insatisfação com esta são as diversas falhas ocorridas no serviço
de atendimento ao consumidor. Muitos são os casos de
consumidores que não tiveram seus problemas resolvidos por meio do SAC causando uma insatisfação ainda
maior e fazendo com que postassem nos sites de redes
sociais sua indignação e mensagem de alerta. Alguns casos, como o da Renault, tomaram uma repercussão tão
grande que o dano de imagem causado foi maior do que
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
215
- Marcos Nicolau
se tivesse ficado apenas na aplicação de ônus pelos órgãos competentes.
Esclarecendo o caso da empresa acima citada, a
consumidora Daniely Argenton, perto de completar quatro
anos tentando resolver o problema do seu carro, um Renault Megane, junto à empresa e sem obter uma solução
satisfatória, resolveu criar em 2011 o site <www.meucarrofalha.com.br>, além de perfis no Facebook78, Twitter79,
recortes, Albuquerque, Pereira e Bellini (2010, p. 3) nos
explicam que:
Orkut e postar dois vídeos no YouTube com o intuito de
compartilhar sua insatisfação com a dada marca.
De acordo com o site “meu carro falha” (2011),
Daniely conseguiu o apoio de milhares de consumidores
de diversas partes do País, que demonstraram seu apoio
através dos comentários e e-mails recebidos. Em termos
quantitativos, em menos de um mês o site teve mais de
700.000 acessos, o Twitter alcançou a margem de pouco
mais de 2.000 seguidores e aproximadamente 500 amigos no Facebook. Isso, sem contar o Buzz gerado no ciberespaço e a repercussão na mídia tradicional.
O ato de recorrer ao ciberespaço como forma de
propagar sua insatisfação com o posicionamento da empresa frente a um problema não solucionado, configurou
uma ação de retaliação e vingança. Num conjunto de
te um tipo de comportamento agressivo, físico ou verbal, do
80
Endereço do perfil: <http://www.facebook.com/people/Meu-Carro-Falha/100002066918736?sk=info>.
79
Endereço do perfil: <www.twitter.com/meucarrofalha>.
80
Apesar dos vídeos terem sido deletados por determinação
justiça por uma ação promovida pela Renault, pode-se assistir
a um vídeo no canal de outro usuário: Disponível em: <http://
www.youtube.com/watch?v=45Fd7W3wNIc>.
78
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Sumário
O fenômeno da retaliação representa comportamento de resposta e reação à insatisfação de consumidores em suas experiências e relações de consumo [HUEFNER e HUNT, 2000;
HARRIS e REYNOLDS, 2003]. Retaliar significa revidar com
dano igual ao dano sofrido, exercendo represália, desagravo
ou desforra [FERREIRA, 1988]. Retaliação no consumo consisconsumidor com a legítima intenção de ferir, infligir dano, estabelecer equidade psicológica [HUEFNER e HUNT, 2000], dar
o troco, punir [AQUINO et al., 2001] e reparar o dano sofrido
[SKARLICKI e FOLGER, 1997] sempre em resposta a experiências insatisfatórias [HUEFNER e HUNT, 2000; HARRIS e REYNOLDS, 2003] e injustiças percebidas [SKARLICKI e FOLGER,
1997; AQUINO et al., 2001] por parte de marcas, corporações,
produtos ou serviços.
Tal comportamento levou a empresa a entrar com
processo judicial contra a consumidora para que esta retirasse da web todo o conteúdo promovido por ela contra
a montadora. Como resultado, a justiça determinou a retirada de tal conteúdo sob a pena de multa diária. Como
encerramento do caso, a Renault após uma desgastante briga de interesses resolveu solucionar o problema da
consumidora e dar a situação por encerrada.
Em síntese, um caso inusitado que rendeu grande
repercussão nacional e forte prejuízo de imagem para a
empresa, ilustrando assim, o alcance e engajamento que
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
determinado fato pode ter no cenário comunicacional que
nos encontramos hoje.
O consumidor e a midiatização de sua insatisfação
O feitio dos diversos consumidores na atual conjuntura da cibercultura proporcionado, sobretudo pela
tecnomediação, caracterizou um processo que pode
melhor ser analisado a partir da ótica da midiatização.
A conceituação desta segundo Sodré (2006) está intimamente ligada à sociedade contemporânea, na qual
se rege pela tendência à virtualização das relações humanas, presente entre tudo, em determinadas pautas
individuais de conduta fundamentadas nas tecnologias
da comunicação.
“A transformação da ‘sociedade dos meios’ na ‘sociedade midiatizada’ é uma consequência da interrupção
do ‘contato direto’ (LUHMMANN, 2005) entre os indivíduos pela presença das mídias.” (SANCHOTENE, 2009, p.
250). Isso é facilmente perceptível quando se pensa na
forma da comunicação mediada pelo computador ou pelos
dispositivos móveis conectados cada vez mais presentes
no cotidiano das pessoas.
A midiatização implica, assim, uma qualificação particular da
vida, um novo modo de presença do sujeito no mundo ou,
pensando-se na classificação aristotélica das formas de vida,
um bios específico. Em sua Ética da Nicônamo, Aristóteles
concebe três formas de existência humana (bios) na Pólis:
Capa
217
- Marcos Nicolau
Sumário
bios theoretikos (vida contemplativa), bios politikos (vida política) e bio apolaustikos (vida prazerosa). A midiatização pode
ser pensada como um novo bios, uma espécie de quarta esfera existencial, com uma qualificação cultural própria (uma
“tecnocultura”), historicamente justificada pelo imperativo de
redefinição do espaço público burgês. (SODRÉ, 2006, p. 22).
Nesse sentido, a internet como artefato cultural cria
uma ambiência com sua própria lógica de funcionamento na
qual, entre tantos aspectos, a velocidade de surgimento dos
fatos, “apagamento” destes e a visibilidade são regidos e
contornados por ela mesma. Assim, sob o processo social da
midiatização, os interlocutores/usuários estão inseridos em
um novo bios com novas possibilidades de interpretação.
De acordo com Fausto Neto (2008), na dita “sociedade da midiatização” a instalação de uma nova ambiência interacional, cujas práticas sociais são atravessadas
por fluxos, operações e relações técnico-discursivas constituídas por fundamentos midiáticos são resultados da intensificação e da generalização das operações midiáticas
de construção de práticas de sentidos.
Nessa perspectiva, a ação de retaliação e vingança
no ciberespaço por parte de diversos consumidores como
forma de provocar dano, alertar outros consumidores sobre o descaso da empresa consigo, entre outros motivos,
é capaz de gerar um buzz no ciberespaço provocado pela
adesão de outros atores na propagação e repercussão do
fato, a exemplo do caso “Meu carro falha”. Dessa maneira, a midiatização do fato faz o caso existir não somente
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
para si, mas para uma coletividade que compartilha de
uma prática midiática capaz de incomodar a empresa e
até mesmo podendo fazê-la solucionar o caso.
Na busca de compreender e definir o comportamento dos consumidores, recorremos ao fator humanológico81
descrito por Nicolau (2012, p. 2), o qual diz ter:
[...] um peso significativo, porque envolve mais especificamente aspectos subjetivos da psique humana, responsável
pela situação do ser no ambiente que o rodeia, pela maneira
como este vai reagir aos estímulos que instigam seu complexo
sistema nervoso e se configuram em mediações simbólicas de
âmbito coletivo.
Dessa maneira, percebemos que a realidade em
questão foi circunscrita por sua lógica na esfera da circulação substanciada inicialmente por aspectos subjetivos
dos consumidores. Além disso, outro fator a ser levado
em consideração é o tecnológico, que é quem proporciona
o aparato para que o processo possa ser desencadeado.
Voltando ao princípio de que o fator humanológico tem como
base as vontades humanas mais intrínsecas de usar os aparatos tecnológicos para relacionamento, participação, opinião,
compartilhamento é de se compreender que este se articula
com o fator tecnológico. (NICOLAU, 2012, p. 5).
Em vista disso, é verificável que a midiatização de
Em seu citado artigo, Nicolau explica que a midiatização tem
base em três fatores: humanológico, tecnológico e mercadológico.
81
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- Marcos Nicolau
Sumário
determinado caso pode ser o ponto crucial para que o
mesmo possa ser solucionado pela empresa como forma
de interromper os fluxos discursivos de ordem negativa,
agora não mais de um consumidor, e sim, de uma coletividade inserida em uma nova esfera existencial regida sob
sua própria lógica de funcionamento. Todavia, pode não
surtir efeito substancial capaz de sensibilizar a empresa
em empregar os seus esforços na solução do caso. Isso
é uma questão que envolve entre tudo o posicionamento
organizacional da empresa na sociedade no que se referem à sua filosofia, princípios e valores cultuados.
Metodologia
De natureza quantitativa e qualitativa e sob a abordagem inicialmente exploratória, a análise do objeto investigado se constituiu na forma de estudo de caso. Ao
observar o ambiente da Fan Page da TIM, verificou-se
que mesmo havendo um espaço específico fechado (local
onde o conteúdo fica restrito à empresa) para atendimento dos consumidores, estes registravam o conteúdo tipicamente de reclamação, elogio e sugestão nas postagens
feitas pela empresa. Espaço este aberto para visualização
de todos que são cadastrados na plataforma, o que veio
agregar para a escolha da referida empresa como estudo
de caso em questão.
O locus de observação ocorreu na identificação dos
sites de redes sociais onde a empresa possuía perfil e
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
se relacionava com o público consumidor e/ou usuários.
O guia para a possível identificação foi o próprio site da
organização que oferecia tal informação indicando os
sites de redes sociais que a empresa estava presente,
sendo eles:
1.
2.
3.
4.
Twitter <http://twitter.com/timtimportimtim>;
Twitter <https://twitter.com/tim_ajuda>;
YouTube <http://www.youtube.com/tim>;
Facebook <http://www.facebook.com/timbrasil>.
Como forma de delimitação, o presente estudo se
ateve a análise do conteúdo produzido pelos consumidores na Fan Page da empresa TIM no Facebook. De acordo
com o seu teor, o conteúdo gerado foi enquadrado numa
das seguintes categorias: reclamação, sugestão, informação, elogio, outros.
Além da delimitação espacial, conforme Gil (2002,
p. 162) é indispensável à delimitação temporal, isto é,
o período em que o fenômeno a ser estudado será circunscrito. No caso em questão, o período correspondeu a
14 dias de observação, especificamente de 08/10/2012 à
21/10/2012.
O universo da pesquisa constituiu os usuários que
possuem perfil no Facebook, pois para que seja feita alguma postagem é necessário que se esteja cadastrado na
plataforma.
O tipo de amostragem utilizada foi a probabilística,
que segundo Lakatos e Marconi (1991) baseia-se na escoCapa
221
- Marcos Nicolau
Sumário
lha aleatória dos pesquisados, de forma que cada membro
da população tem a mesma probabilidade de ser escolhido. Assim, todos os conteúdos produzidos pelos consumidores/usuários que entraram em contato com a empresa
de acordo com o corte temporal tiveram a mesma chance
de ser analisado. Desse modo, preferiu-se fazer a leitura
e análise de todo o material coletado no corte temporal já
mencionado.
Para a coleta do conteúdo, utilizou-se a ferramenta
“MW Snap 3.0”. Ferramenta esta que faz o print screen (recorte) da área selecionada de uma determinada imagem.
Estudo de Caso – TIM Brasil
A descrição do Perfil da TIM Brasil na Fan Page evidencia o uso de tal ambiente como espaço de trocas entre
empresa e consumidor/usuário conforme mostrado abaixo.
Um lugar para potencializar e compartilhar novas ideias.
Fique conectado com as últimas novidades e mova-se com
nossas ações. Participe, comente, curta, compartilhe. Para
não ter dúvidas sobre como usar nossa página consulte os
termos de uso. http://ow.ly/cgjZH
No último dia de observação, 25.892 (vinte e cinco
mil, oitocentos e noventa e dois) usuários haviam curtido
a Fan Page da empresa.
O conteúdo produzido pelo consumidor que seja de
competência do Serviço de Atendimento ao Consumidor
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
223
- Marcos Nicolau
como reclamação, sugestão ou solicitação de informação
era indicado ser postado no espaço “Atendimento” (aba)
da Fan Page, de acordo com a empresa.
a empresa de acordo com as finalidades do SAC, far-se-ão através do atendimento por telefone, pelo autoatendimento no site da empresa e por meio do perfil
@tim_ajuda no Twitter. Com exceção deste último, o
conteúdo constituído em todos os outros canais fica a
conhecimento apenas da empresa. Uma lógica própria
do SAC e que resguarda a empresa de que problemas
individuais ganhe força externa ocasionando uma possível repercussão do fato.
No período de observação, a empresa realizou sete
postagens cujos detalhes se encontram no quadro a seguir:
Quadro 1 – Dados das Postagens da Fan Page TIM Brasil
Mês/Outubro
08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21
Nº de Postagens 01 01 01 01
01 01
- 01 Compartilhamentos
59 89 29 60 - - - 141 29 - 39 - Curtir
247 381 285 470 - - 530 121 - 94 - Comentários
59 164 70 109 - - - - 119 61 - 68 - -
Fonte: Pesquisador, 2012.
Imagem 1 – Aba de Atendimento da Fan Page TIM Brasil
Fonte: URL: < http://www.facebook.com/timbrasil/
app_320126858027239>. Acesso em: 21 out. 2012.
Conforme percebido na imagem acima, os canais
pelos quais o consumidor pode entrar em contato com
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Sumário
Do dia 08 ao dia 21 de outubro, o perfil TIM Brasil
em suas postagens recebeu 446 (quatro centos e quarenta
e seis) compartilhamentos, 2.128 (dois mil cento e vinte e
oito) usuários curtiram as postagens e obteve 615 (seiscentos e quinze) comentários até o último dia em que foi realizada a coleta de dados. É válido ressaltar que não foram
contabilizados os comentários repetidos que se subseguiam,
pois além do conteúdo de ter sido o mesmo, muitas vezes a
repetição é ocasionada por falhas no próprio site.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
As postagens em geral versavam sobre os serviços
oferecidos, assuntos de entretenimento e no tocante a
divulgação de evento patrocinado pela empresa.
Ao observar os comentários dos consumidores/usuários percebeu-se que uma parcela considerável não tinha
ligação alguma com o conteúdo do post. Com isso, categorizamos os conteúdos de acordo com o seu teor cujo
objetivo inicial foi de quantificar para que pudéssemos em
seguida tecer uma análise.
guma ligação com o conteúdo da postagem ou não se enquadra em nenhum dos outros tipos. 4,5% (quatro e meio
porcento) dos comentários referem-se a elogios por parte
dos consumidores. E o restante, isto é, 63,5% (sessenta e
três e meio porcento) dos comentários se referem à soma
dos seguintes tipos de conteúdo: reclamação, sugestão e
solicitação de informação. Comentários cujo teor deveria
ser constituído num daqueles canais já citados de acordo
com a própria empresa.
É válido salientar que muitos dos comentários cujo
teor era tipicamente de reclamação, também tinham um
tom de xingamento com a intenção de causar dano. Isso
devido ao alto nível de insatisfação com os serviços prestados e a não resolubilidade dos casos. Um comportamento que será perceptível com a exemplificação de alguns comentários utilizados como exemplo mais adiante.
Alguns consumidores que postaram comentários do
tipo reclamação relataram que tais comentários haviam
sido apagados pelo administrador da Fan Page conforme
demonstra as ilustrações abaixo.
Gráfico 1 – Categorização do Conteúdo
Gerado pelos Consumidores/Usuários
Fonte: Pesquisador, 2012.
Conforme o resultado apresentado pelo gráfico,
32% (trinta e dois porcento) dos comentários possui al-
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Sumário
Imagem 2 – Consumidor relata que
comentário está sendo apagado
Fonte: Pesquisador, 2012.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Imagem 3 – Consumidora relata que
comentário está sendo apagado
Fonte: Pesquisador, 2012.
Imagem 5 – Reclamação constituída na Fan page
Fonte: Pesquisador, 2012.
Imagem 4 – Consumidor relata que
comentário está sendo apagado
Fonte: Pesquisador, 2012.
Tal comportamento da empresa, talvez se deva ao
fato de que ela disponibiliza canais específicos para que
o conteúdo possa ser registrado. E ainda, possivelmente
tal prática deve ser uma medida tomada na tentativa de
evitar que outros consumidores e usuários tomem conhecimento do caso. Não podemos inferir que todos os consumidores tenham conhecimento da aba “Atendimento” e
lançam os seus comentários abertamente como forma de
provocar retaliação e ofensa à empresa. Mas, alguns consumidores têm conhecimento daquele espaço, e que além
de registrar o seu problema junto ao SAC prefere também
expô-lo na Fan Page.
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Sumário
Imagem 6 – Comentário otimista de uma consumidora
Fonte: Pesquisador, 2012.
Conforme o comentário do consumidor Antonio Jordão, várias foram as tentativas de solucionar o seu problema junto à empresa pelos canais oficiais do SAC, mas que
não obteve o resultado esperado. A insatisfação gerada pelas diversas falhas no serviço levou o consumidor a prestar
sua reclamação na Fan Page para que outros consumidores e usuários tomassem conhecimento da situação. Numa
perspectiva colaborativa, a consumidora Roziley Batista que
também estava com um problema junto à empresa, acredita
que por meio da rede social é possível buscar a solução dos
casos de maneira conjunta a partir da exposição dos fatos.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
No entanto, existem aqueles usuários a exemplo do
Bruno Gangi Jr. que devido a sua insatisfação, faz uso
da Fan Page para alertar outros possíveis consumidores
quanto aos problemas enfrentados a fim de que não passem pela mesma situação.
Imagem 7 – Comentário de alerta
a outros possíveis consumidores
Fonte: Pesquisador, 2012.
Outro perfil de consumidor identificado se refere
aquele que não acredita na resolubilidade do caso ao
postar o problema na rede social, pois o posicionamento da empresa perante os consumidores evidencia tal
percepção, além do quê não há interação por parte da
empresa em responder os consumidores e usuários. Tal
posicionamento é visto no comentário do consumidor
Jean Lima.
Imagem 8 – Comentário de um consumidor
desacreditado na empresa.
Fonte: Pesquisador, 2012.
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- Marcos Nicolau
Sumário
Conforme com o que foi exposto até aqui, percebemos que um espaço que deveria ser explorado na perspectiva de trocas interacionais entre empresa e consumidor e vice-versa, termina por ser quase que na sua
totalidade um depósito de reclamações e insatisfações
dos consumidores. Isso, devido entre tudo às inúmeras
falhas ocorridas nos canais oficiais do Serviço de Atendimento ao Consumidor de acordo com os vários comentários observados.
Além disso, muitas são as formas do consumidor
agir e enxergar o ambiente da Fan Page. Alguns com o
comportamento mais otimista e outros descrentes tendo
em vista o posicionamento da empresa. Posicionamento
este em não dar uma resolubilidade para os diversos casos expostos, e não dar feedback aos anseios dos consumidores e usuários.
É verificável que muitos usuários compartilhavam
suas insatisfações com o intuito de alertar outros a não
fazerem uso dos serviços prestados pela empresa. A explicitação dos diversos casos pelos próprios consumidores cujos objetivos e motivações são dos mais variados
possuem um ponto em comum, o tornar visível a sua insatisfação diante de uma rede composta por um elevado
número de pessoas. Isto é, a midiatização do fato para
que este possa parecer existir não somente para si e para
a empresa, mas também para uma coletividade que daquele ambiente faz parte.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Considerações finais
Diante das mudanças comportamentais do consumidor proporcionadas pelas TIC’s, as empresas têm que
se adequar ao novo cenário que se estabelece ao mesmo
tempo em que se modifica cotidianamente. No caso de
algumas organizações, estas não somente podem como
devem acompanhar o que é dito sobre suas marcas no
ciberespaço, assim se antecipará a determinados fatos,
e poderá ter um posicionamento com tempo de reflexão
para uma melhor solução.
É notório que muitos consumidores vejam os perfis
das empresas nos sites de redes sociais como mais um
canal de serviço de atendimento ao consumidor, e que
muitas vezes não é o sentido que a organização quer que
os consumidores tenham. Pois estrategicamente podem
ter outras funcionalidades a exemplo de ser um canal com
o objetivo de estabelecer/manter um relacionamento mais
próximo dos públicos.
Segundo Simon (2011) do portal Exame, o site ‘Reclame Aqui’82 que atua como um canal online direto de
comunicação entre consumidor insatisfeito e marca, registrou em 2010, uma média de 4 milhões de visitas por
mês, número quatro vezes maior do que o alcançado em
2009, e também superior à contagem de atendimentos
realizados pelo Procon – Procuradoria de Defesa do Consumidor – neste ano, fechada em 630 mil. Isso aponta
82
para uma mudança no comportamento dos consumidores, pois é crescente o número destes que enxergam o
ciberespaço como meio de registrar e compartilhar sua
experiência com dada marca.
São casos como o da Renault que nos fazem acreditar que ao midiatizar um fato, este estará sujeito a rápida resolubilidade. Um pensamento que não pode ser tido
como verdade, pois existem casos e mais casos compartilhados na rede em que a empresa faz “vista grossa” e
não apresenta alguma perspectiva de mudança aparente,
a exemplo do caso aqui analisado – TIM Brasil.
Se dada organização não quer que os seus perfis
nos sites de redes sociais sejam compreendidos como um
SAC, cabe a ela verificar dentre tantos pontos, se os canais oficiais do SAC estão cumprindo com o seu propósito
de existência. Além do que, nos sites de redes sociais, os
casos relatados ficam expostos na rede podendo gerar
problemas maiores e até mesmo configurar crises.
Referências
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- Marcos Nicolau
Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
Sumário
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eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Anonimato e violência no
discurso midiatizado:
Desafios ao Marco Civil da Internet
Giovanna ABREU83
Resumo
Este estudo, que foi organizado em torno de questões sobre a midiatização, o Marco Civil da Internet, os crimes
digitais e a questão do anonimato on line, visa contribuir
com a temática, apesar do contexto dinâmico e constantemente mutável no qual está inserido. A partir de uma
pesquisa exploratória e bibliográfica, cujos principais autores utilizados foram Wolton (1999), Sodré (2002), Braga (2006) e Lemos (2010), buscou-se situar tais discursos
de forma que se pudesse compreender o sujeito contemporâneo, o ambiente no qual ele está inserido e como as
suas relações sociais se estruturam, inclusive no tocante
às normas de conduta e às leis vigentes. Considerando,
especificamente, a questão do anonimato digital e como
o iminente Marco Civil da Internet abordará o tema, diante de uma época de amplas possibilidades comunicativas
Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Comunicação. Integrante do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas – Gmid (PPGC/UFPB).
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- Marcos Nicolau
Sumário
e de uma notável pluralidade das fontes de informação,
percebe-se que o processo de midiatização tem causado
profundas alterações nas dinâmicas sócio-comunicacionais. O artigo introduz, também, uma discussão sobre a
ausência de leis brasileiras específicas para o universo on
line, além de ratificar a necessidade da elaboração de um
Marco Civil e, posteriormente, de um Marco de Lei da Internet eficazes que modificariam os discursos, as relações
e as práticas na rede.
Palavras-Chave: Midiatização. Marco civil da internet.
Anonimato
Introdução
Motivado pela necessidade de compreender como
se dá a atuação do sujeito contemporâneo, mais especificamente, dos indivíduos que compõem, constroem e
comunicam-se nesta atual fase de convergência tecnológica, radicalizada pelo processo de midiatização, este
trabalho propõe-se a discutir as relações entre a Internet,
as formas de conversação advindas desse universo on line
e os crimes digitais.
O alcance global e a conveniência do conteúdo compartilhado transformaram as principais formas de comunicação e cultura vigentes. Da música ao cinema, passando
pela economia, política, televisão, literatura, as relações
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
pessoais, de trabalho, tudo se adaptou às peculiaridades
da rede mundial de computadores. Partindo dessa premissa, buscou-se, então, depreender e identificar algumas características, anseios e necessidades do indivíduo
contemporâneo, bem como a forma como ele expõe-se,
interage e, até, transgride as normas ou, ironicamente, é
impelido a adequar-se à ausência delas.
Conscientes de que a partir da chegada da Internet, esse sujeito tem a seu dispor um amplo leque de
possibilidades de utilização da tecnologia para pesquisar,
aprender, se apresentar aos seus pares, se divulgar e,
até mesmo, simular ser quem não é, reputa-se como objetivo geral realizar um estudo sobre os impactos dessa
avalanche de conteúdos disponíveis que são absorvidos
e utilizados, em face da reconfiguração dos diálogos estabelecidos e ambientados, principalmente, nos blogs,
redes sociais digitais e sites pessoais. Se considerarmos,
ainda, o fenômeno da globalização, cujo conceito aponta, como o próprio nome sugere, para uma visão global
da Terra, através da interconexão de culturas, crenças,
ideias e, principalmente, economias geradoras da expansão do capital, faz-se notória a transformação poderosa
e irreversível a que estamos sujeitos. Assim, tomando
como base esse espaço fecundo de dispositivos, analisamos e buscamos entender mais criteriosamente como
o fenômeno da midiatização cooperou para a difusão de
práticas antiéticas, amorais e, em muitos casos, seriamente destrutivas.
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237
- Marcos Nicolau
Sumário
É inegável que a quantidade de informação disponível tem propiciado aos usuários da rede um valioso
processo pedagógico. Afinal, abriu-se uma perspectiva
inédita sobre o mundo que aumenta o poder de argumentação, modifica os juízos de valor, transformando,
inclusive, os relacionamentos interpessoais. A facilidade
do acesso a todo esse conteúdo parece, em um primeiro
momento, algo justo, democrático e saudável. Entretanto, como sequela desse pródigo acesso informocomunicacional, suscita a questão da prática de crimes digitais,
potencializada, em especial, pela frágil constatação da
veracidade da autoria dos atos e, notoriamente, da veloz difusão das informações publicadas na rede. Portanto, é parte integrante dos objetivos específicos desse
estudo inferir de que maneira o mundo digital é capaz
de atuar no terreno das relações sociais, a exemplo do
crescente uso das redes sociais digitais, como meio de
fomentar calúnias, discriminações, situações constrangedoras e vexatórias que, não raro, ultrapassam as barreiras do universo on line.
Notoriamente, os impactos provocados por essas
tecnologias integradoras ocorrem nas mais variadas esferas pessoais, carreados pela passagem do “antigo mundo” para a contemporaneidade e, de modo mais pontual,
no que tange aos padrões comportamentais, são fortemente marcados pelo individualismo e pelo consumo
(BAUMAN, 2007). A mudança aparente que a Internet
trouxe, então, foi apenas a ponta do iceberg: o mundo
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
parece menor, eliminaram-se as fronteiras, além de o
ordenamento artificial do mundo e suas resultantes, em
acesso à informação ocorrer mais fácil e rapidamente.
termos de poder, identidade, conduta e mentalidade,
Barreiras geopolíticas, sociais e financeiras foram der-
que entendem, agora, a comunicação como um proces-
rubadas, espargindo conhecimento a despeito de credo,
so informacional tecnomediado (SODRÉ, 2002). Diante
cor, classe social e dos mais variados propósitos. A priva-
das múltiplas plataformas de mídia, das características
cidade é, portanto, cada vez mais relativizada. Preferên-
dos sites de relacionamento e da permanência das inte-
cias e gostos pessoais seguem expostos publicamente,
rações, as conversações são ampliadas, resultando em
sendo utilizados, muitas vezes, como base para boatos,
redes mais participativas e abrangentes. Não se sabe, a
repressões, golpes e crimes diversos que, na rede, têm
partir de então, quem são os receptores, uma vez que a
seus alcances ampliados exponencialmente. Embora
mensagem veiculada pode ser republicada, comentada
passíveis das atuais implicações jurídicas, as dificuldades
e, com isso, migrar para pontos distantes da rede. Cria-
e demoras para obter providências contra tais abusos
-se, assim, um solo fértil para discussões acaloradas,
são notórias. Tornou-se lugar comum o ato de repassar
que acabam tencionando as interações e provocando,
uma informação sem que haja um mínimo de visão críti-
em muitos casos, desavenças ainda assaz difíceis de
ca, visto que divulgar um crime na rede gera ainda mais
serem dirimidas. Analisar a postura desse ator social
publicidade ao fato e visibilidade ao infrator, acredita-
em relação aos diálogos potencializados pela Internet
-se e julga-se sumariamente, quando não se condena
é, com efeito, mais um objetivo específico desse estu-
à rechaça física ou moral, praticando, paradoxalmente,
do, usando, como exemplos, diversos casos de conflitos
mais violência em resposta. Sendo assim, outro ponto
comunicacionais ocorridos nessa sociedade mediatizada
considerado como objetivo específico desse conjunto de
que não é adequadamente legislada.
pesquisas é construir uma visão panorâmica da aplica-
Algumas produções científicas que abordam as tec-
ção das leis nesse vasto universo on line, destacando a
nologias de informação e de comunicação, além das leis
controversa questão do anonimato quando associada ao
vigentes, foram cuidadosamente analisadas, a exemplo
iminente Marco Civil da Internet.
das obras de autores como Lemos (2010) que trouxe
As formas atuais de comunicação libertam o ho-
conceitos, elucidações e características do fenômeno da
mem das condicionantes ancestrais do tempo e do
cibercultura e sua onipresença na vida contemporânea.
espaço, permitindo-lhe ver, falar e estabelecer inter-
Wolton (1999) trata das redefinições de tempo e espaço
câmbios globais e permanentes. Trata-se de um novo
que estão afetando e reajustando os processos comuni-
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Sumário
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
cacionais, enquanto Sodré (2002) traz a ideia de que a
1 O bios midiatizado
mídia implica uma nova qualificação da vida, cunhada por
ele “bios virtual ou midiatizado”. Outro aporte importante é feito por Bauman (2008) ao explicitar e analisar um
traço marcante da época atual: a transformação dos indivíduos em mercadorias, fato que reflete uma mudança
fundamental na forma como as pessoas pensam seus relacionamentos e expõem suas vidas.
Todos esses conceitos foram, lógica e meticulosamente, organizados em cinco capítulos e seus subitens.
O primeiro capítulo, por exemplo, intitulado O bios midiatizado, trata de assuntos como globalização, convergência tecnológica e midiatização. No capítulo seguinte,
A questão do anonimato dentro e fora da rede, traz, em
linhas gerais, um breve apanhado sobre as divergências e
concordâncias da obrigatoriedade da identificação no universo on line e no off line. O terceiro capítulo, Internet,
“terra de ninguém”?, aborda o tema da clandestinidade
na Internet, dos discursos de violência em blogs, redes
sociais digitais e sites pessoais, além de apresentar alguns cases para reflexão. Os esclarecimentos sobre as
leis existentes e o iminente Marco Civil da Internet constam no capítulo quatro, As leis e a Internet, e, finalizando,
o quinto capítulo apresenta um paralelo analítico entre a
nossa atual sociedade midiatizada e a ausência de leis específicas para a web.
Capa
Sumário
A globalização, concomitantemente à maturação e à
convergência tecnológica, tem redimensionado a atuação
dos meios de comunicação e afetado intensamente as relações entre os atores sociais contemporâneos.
É nesse contexto que se desenvolve o processo no
qual as tecnologias, formas e linguagens das mídias passam a fazer parte das dinâmicas dos mais variados ambientes sociais. Trata-se de estratégias cognitivas que promovem não a explicação das relações comunicacionais,
mas a compreensão sensível do complexo mecanismo
entre códigos e nexos semióticos, emissores e receptores, sujeito e objeto do conhecimento, forma e conteúdo
expandidos pelo contexto analógico-digital. É o fenômeno
de passagem da “sociedade dos meios” para a “sociedade
midiatizada” (SODRÉ, 2002). A aceleração temporal, por
intervenção tecnológica nas coordenadas do tempo e espaço, altera modos de percepção e práticas correntes na
mídia tradicional, modificando, inclusive, comportamentos, atitudes e crenças. O jornalista e professor Antônio
Fausto Neto expõe um pensamento bastante elucidativo
sobre esse modo atual de instalação do corpo humano na
rede social, agora, “tecnologizada”:
A Midiatização pode ser conceituada como a emergência e o
desenvolvimento de fenômenos técnicos transformados em
meios, que se instauram intensa e aceleradamente na sociedade, alterando os atuais processos socio-técnico-discursivos
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
de produção, circulação e de recepção de mensagens... Ela
produz mutações na própria ambiência, nos processos, produtos e interações entre os indivíduos, na organização e nas instituições sociais... Trata-se da ascendência de uma determina
realidade que se expande e se interioriza sobre a própria experiência humana, tendo como referência a existência da cultura e da lógica midiáticas. (FAUSTO NETO apud WOLFART)84
Os processos de midiatização são potencializados,
principalmente, com a difusão das tecnologias digitais, ligadas à Internet, transformando a comunicação centralizada, unidirecional e vertical em descentralizada, multidirecional e horizontal. A ambiência proporcionada pelas
redes digitais metamorfoseou as práticas e relações sociais que, agora, passam a ser mediadas por protocolos
apoiados nas lógicas midiáticas e mercadológicas. A comunicação ganhou novos matizes que, por meio dos fluxos, se depreende infinitos significados e sentidos configurados sob o tripé tecnologia, indivíduo e estratégia.
O espaço midiatizado caracteriza a hibridização das
formas discursivas que acelera o processo de circulação
de informações, manifestadas em um cenário de heterogeneidades trazidas, em sua maioria, pelos avanços tecnológicos. Nesse sentido, a Internet configura-se como
um meio que proporciona possibilidades e parâmetros
nunca antes imaginados para a construção da identidaEntrevista concedida por Antonio Fausto Neto à repórter
Gabriela Wolfart para a revista do Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em: http://www.ihuonline.unisinos.br/index.
php?option=com_content&view=article&id=2479&secao=289
84
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Sumário
de dos sujeitos. Não se trata apenas de uma mídia de
convergência técnica e possibilidades interativas, mas de
uma ambiência que transforma as informações em experiências: a fluidez dos diálogos e a interatividade presentes redimensionaram os processos comunicacionais.
O grande número de informações disponíveis contribuiu
para consideráveis mudanças sociais, acarretando, inclusive, em uma reordenação das culturas, que dispõem suas
práticas e seus discursos, agora, completamente imersos
em um mundo globalizado.
A significação cultural da Internet parece ser mais importante do que a batalha econômica e industrial, pois essas redes
condensam todas as aspirações da sociedade individualista de
massa: indivíduo, números, igualdade, liberdade, rapidez, ausência de obrigações... Uma espécie de nova figura do universal que se liberta dos territórios, autorizando as comunidades
a reforçar suas identidades e seus laços por meio das redes
extraterritorializadas. (WOLTON, 1999, p.243)
A vida cotidiana é permeada pela diversidade de regras e condutas de uma determinada sociedade. Nesse
processo de regramento, cada vez mais a midiatização dá
perspectivas de uma ética atravessada pelas demandas
tecnológicas e mercadológicas. A mídia apresenta, então,
uma moralidade diversa e objetiva, com poder simultâneo, global e instantâneo, potencializada pela Internet
que, mais do que encenação, fomenta uma verdadeira
“virtualização” do mundo, com possibilidades de caos e
acaso (SODRÉ, 2002).
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Na rede, cada receptor torna-se, também, um emissor, produtor e distribuidor de informações. A ausência de
um pólo centralizador da emissão pulveriza as formas de
agendamento e de enquadramento, contribuindo para que
a mensagem circule rapidamente por diversos mediadores.
A mídia criou um novo bios, uma forma de vida diferente,
que vêm se juntar ou, talvez, se sobrepor aos três outros
apontados por Aristóteles: o bios do conhecimento, do prazer e da política. Atualmente, a mídia pode ser vista como o
quarto bios, o bios midiático, “virtual” (SODRÉ, 2002). Há
o encolhimento do espaço público e sua substituição pela
tela, aliado ao fenômeno da estocagem de dados e à sua
rápida transmissão, acelerando, em grau inédito, aquilo
que se tem revelado como uma das grandes características
da Modernidade: a mobilidade da informação.
A mídia (“meios” e “hipermeios”) implica em uma nova qualificação da vida, um bios virtual. Sua especificidade, em face
das formas de vida tradicionais, consiste na criação de uma
eticidade (costume, conduta, cognição, sensorialismo) estetizante e vicária, uma espécie de “terceira natureza”.... A virada
do século coincide com a passagem da comunicação centralizada, vertical e unidirecional, com as possibilidades trazidas
pelo avanço técnico das telecomunicações, relativas à interatividade e ao multimidialismo. Há quem a elas se refira como
tecnologias “pós-midiáticas”. (SODRÉ, 2002, p.11)
A mídia tem o poder de iluminar fatos, permear os
discursos sociais e influenciar as decisões dos indivíduos. O
discurso constrói um real próprio do campo midiático, que
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se traduz, também, no atual modelo de presença do sujeito no mundo. Há uma ética, advinda dos movimentos sociais, ecológicos, das lutas pelos direitos dos negros, das
mulheres, dos desfavorecidos e injustiçados que infunde
força, coesão e validade aos discursos midiáticos. Se isso
é verdade no campo da circulação de informação por empresas jornalísticas ou pessoas comuns, o mesmo acontece
com a dimensão política dos movimentos sociais que usam
as ferramentas da Internet. Não há líderes, nem partidos
políticos, mas há constituição de multidões engajadas que
usam as novas tecnologias para fazer circular informações e
ideias, como em uma ampla conversação. Nesse processo,
novas vozes surgem e se agregam, disseminando ideias,
sentimentos, protestos, reivindicações e, não raro, difamações, injúrias, notícias falsas e injustiças, também. Não se
sabe exatamente de onde ou como as mensagens surgem,
garante-se, apenas, a circulação rápida, de forma viral.
Fato é que a sociedade em rede proporcionou ao
indivíduo maior exposição, mais força e poder dos discursos, mas possibilitou, também, que novos ilícitos fossem
praticados, causando, por vezes, prejuízos incalculáveis,
visto que a extensão do dano pode ser muito maior quando praticada na Internet.
2 A questão do anonimato dentro e fora da rede
O advento da Internet dinamizou e expandiu o conceito de trabalho em conjunto, favoreceu o compartilha-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
mento de dados, informações e documentos, proporcionando um crescimento meteórico da rede.
A falta de uma administração central assim como a
natureza aberta dos protocolos catalisou o acesso a um
grande número de informações. Pessoas, ideias, culturas
e intenções diversas misturam-se nesse grande caldeirão cunhado Internet. O fato é que essa miscelânea pode
acarretar tanto em uma melhora dos juízos de valor e das
posturas da sociedade como em um declínio, a depender
do uso que se faz das informações disponibilizadas. Vivemos uma era de grande mobilidade tecnológica, o que
significa dizer que cada passo dado dentro e fora da rede
deixa rastros tanto na “vida digital” quanto na trajetória
off line das pessoas.
Alguns sites oferecem ao internauta a opção de
fazer observações e comentários acerca dos conteúdos
publicados. Há casos em que é possível registrar dados
pessoais como nome, sobrenome, foto e e-mail para um
possível contato futuro ou, simplesmente, para uma identificação dos leitores. Esse procedimento, que deveria ser
seguido por todos aqueles que fazem uso da Internet, é
frequentemente descartado, visto que, muitas vezes, não
se trata de uma ação obrigatória. Sendo assim, não raro,
os autores são surpreendidos por comentários, repressivos, maldosos, ofensivos e, até, ameaçadores advindos
dos usuários que discordam do conteúdo disposto. É bem
verdade que os casos mais extremos estão tipificados no
Código Penal Brasileiro, caracterizando crimes assaz co-
Capa
247
- Marcos Nicolau
Sumário
nhecidos como Calúnia, Difamação ou Injúria. Todavia, o
ideal seria que as pessoas tivessem a consciência de que
a Constituição Federal traz entre os seus dispositivos mais
importantes um inciso que trata dos direitos e deveres
individuais e coletivos, preceituando a livre manifestação
do pensamento, mas vedando o anonimato. Ou seja, todo
cidadão tem o direito de expressar o seu pensamento,
manifestar o seu ideal publicamente, porém, constitucionalmente, não deveria fazê-lo de forma anônima.
Ao ler o inciso, é simples perceber a preocupação
do legislador, ainda nos idos de 1988, ano em que a Carta
Magna foi promulgada: era necessário criar uma forma
de coibir os meios de comunicação, que à época se resumiam, principalmente, aos jornais impressos, televisão e
rádio, de divulgar informações levianas ou inverídicas sobre determinadas pessoas, empresas, políticos ou órgãos
públicos, minimizando, assim, constrangimentos, prejuízos à imagem e outras consequências que, do contrário,
seriam maximizadas pelo fato de a vítima não conseguir
identificar o autor das manifestações. O anonimato, anteviu o legislador, seria um desastre para as relações pessoais e econômicas, pois sem a identificação do autor, não
haveria a possibilidade de defesa, nem de responsabilização pelos danos causados.
Atualmente, se existem processos no judiciário com
lides sobre os crimes contra a honra, calúnia, difamação
e injúria, é porque existe um autor identificado para responder pelos seus atos. Tomando como base a vedação
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
do anonimato, torna-se mais fácil apontar um “suspeito”,
ainda que seja um “provável autor”, sem a devida comprovação legal.
3 Internet, “terra de ninguém”?
Quando o ambiente é a Internet, evitar o anonimato não é algo tão simples. Afinal, embora alguns sites preocupem-se com o assunto e exijam as informações
pessoais do usuário, nada garante a veracidade dos dados
fornecidos.
Contudo, incentivar a clandestinidade na Internet
pode significar torná-la um mundo em que ninguém tem
obrigações, nem responsabilidades. Não seria exagero dizer que, on line, todo tipo de anonimato é possível. Ataques pessoais, por exemplo, surgem comum e diuturnamente. Uma das maneiras mais corriqueiras de ataques
anônimos na rede são os comentários ofensivos em blogs e fotologs. Através de alguns mecanismos, é possível
enganar os servidores, fazer com que um determinado
dispositivo seja identificado como outro completamente diferente, acessar perfis em redes sociais sem senhas
ou autorizações, recuperar conversas em sites de bate-papo e muitos outros “pequenos delitos”. Tal como para
os crimes menores, esses mecanismos são usados, também, por crakers85 para ações como invasão de contas em
Indivíduo que invade computadores e sistemas de segurança
de forma antiética ou criminosa.
85
Capa
249
- Marcos Nicolau
Sumário
bancos e transferência ilegal de dinheiro. É claro que, na
maioria das vezes, o rastreamento torna possível a identificação do criminoso. Porém, isso dificilmente ocorre em
casos menores.
O anonimato invade, ainda, a privacidade de cada
um. As redes sociais são ótimos exemplos de territórios
nos quais a honra das pessoas pode ser facilmente maculada. Criando perfis falsos, comunidades e tópicos, anônimos criticam, denigrem e difamam livremente qualquer
um que os contrariar. O problema é que, apesar de ser
possível excluir os comentários e até denunciar a pessoa
ou o perfil ao site responsável, em muitos casos, não há
meios legais de repreensão do agressor, e os entraves podem ser tantos que as vítimas acabam desistindo no meio
do processo.
3.1 Blogs, redes sociais digitais e sites pessoais como
ferramentas de propagação dos discursos de violência
A regulamentação dos discursos on line de protesto
ou das manifestações pessoais de opinião, sem que para
tanto seja necessário infringir o direito, há muito estabelecido, da liberdade de expressão, é uma das mais polêmicas questões contemporâneas.
Encontrar uma linha limítrofe entre a censura e o
direito de opinar na Internet, principalmente em blogs,
páginas e sites pessoais, tem sido o cerne de discussões
dentro e fora da rede. Ocorre que devido à característica
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
descentralizada, pulverizada e dinâmica da comunicação
mediatizada, os processos sociais “da mídia” passam a
incluir e abranger os demais, que não desaparecem, mas
se ajustam (BRAGA, 2006). Os indivíduos, grupos e setores que constroem a realidade social por meio de processos interacionais, utilizam, agora, dispositivos como
computadores, tablets e celulares, redes e mídias sociais da Internet como SMS, Facebook, Orkut, Twitter,
YouTube e blogs para que os discursos ocorram e ganhem força. Entremeadas pelos aparatos tecnológicos,
as informações e ideias circulam como em uma ampla
conversação. As pessoas, nessa atual conjuntura, fazem
valer suas opiniões, protestam e maximizam seu poder
de influência. Trata-se de um processo incitador de novas vozes que se agregam e corroboram o discurso prévio ou chacoteiam-no. Não se sabe exatamente de onde
ou como esses comentários surgem, mas eles circulam
rapidamente, de forma viral86.
A força dos processos midiáticos está, justamente,
nesse compartilhamento de conteúdos descentralizado,
sem líderes, com uma capacidade exponencial de processamento e velocidade de circulação sem precedentes
na história da comunicação. Os mais diversos dispositivos impulsionam esses diálogos ocasionando uma aceleração temporal advinda de uma intervenção tecnológica
No dado ao artigo, idéia, vídeo, imagem, conteúdo ou informação que se tornou rapidamente conhecido e compartilhado
na Internet. Por vezes, sendo discutido e comentado, inclusive,
nos meios de comunicação off line e na Academia.
86
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251
- Marcos Nicolau
Sumário
nas coordenadas de espaço e tempo. Alteram-se, assim,
modos de percepção, comportamentos, práticas e atitudes. Afinal, os mecanismos de disseminação de conteúdos
e de formação de opiniões e crenças sociais são, agora,
atravessados pelas tecnologias de interação e contato. É
bem verdade que o binômio Internet e tecnologia são os
propulsores de uma revolução no campo comunicacional.
Contudo, todas essas facilidades têm gerado, também,
novas oportunidades para as condutas ilícitas ou mal intencionadas, mais especificamente, para os casos de anonimato na web.
A natureza sem fronteiras e a máscara do anonimato que a Internet outorga a seus usuários podem, de fato,
ser uma excelente oportunidade para a expansão ilimitada dos discursos depreciativos. Os casos de pessoas que
usam e-mail, sites, blogs e outras formas de comunicação
digital para ser rude, rancoroso, intimidar e, até, perseguir seus desafetos pululam na rede. Os discursos que
fomentam o ódio, embora sejam inconsistentes quando
confrontados com os valores fundamentais da democracia
liberal, geram preconceito e marcam suas vítimas como
inferiores, em razão, muitas vezes, de motivos assaz banais: a cor da pele, descendência, religião, profissão ou,
apenas, idéias defendias podem ser pretextos suficientes
para deflagrar um verdadeiro massacre on line.
A autonomia que a mídia e nós mesmos gozamos para nos
mover, visando construir nossas inteligibilidades faz com que
reduzamos a compreensão do mundo às nossas próprias auto-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
-referências. Significa a perda da “pugna com a diferença”, é a
emergência da sociedade da desatenção. (FAUSTO NETO apud
WOLFART)
Não há dúvidas de que estamos diante de um fenômeno em curso, um tema ainda considerado emergente,
mas que a partir de demandas muito particulares, cujos
portadores serão os atores que estão vivendo a midiatização na própria pele, encontrará formas de regulamentação, de definir as orientações de como usar esse espaço
público, tanto quanto se faz necessário ser socialmente
responsável no mundo off line.
3.2 Escondidos pela capa do anonimato
Com base nessa realidade digital, agora, indissoluvelmente imersa em nosso cotidiano, a 30ª Vara Cível de
São Paulo determinou que a Google Brasil, dona de um
site que abriga contas de e-mail informe os dados de um
leitor responsável por deixar comentários injuriosos em
diversas reportagens de um portal de notícias. A empresa
que teve a imagem arranhada resolveu ir à Justiça depois
de o leitor deixar incansáveis comentários com o objetivo
de minorar a credibilidade das notícias, usando nome falso, CPF de outra pessoa e endereço inexistente. O portal
alegou que, como responsável por suas publicações, por
dever de oficio, convicção e filosofia, deve tomar todas as
providências necessárias para colocar um basta na atitude
Capa
253
- Marcos Nicolau
Sumário
do acusado que tem como finalidade denegrir a qualidade
de seus trabalhos.
Um caso, também, polêmico, é a situação de Xuxa
ao tentar restringir a busca por conteúdos que façam referência ao início de sua carreira como atriz. A apresentadora entrou com uma ação contra a Google Brasil por
referências à pedofilia que aparecem no site quando o
nome “Xuxa Meneghel” é digitado. Entretanto, o Superior
Tribunal de Justiça entendeu que o provedor de Internet
serve apenas como intermediário e, como não produziu
nem exerceu fiscalização sobre o conteúdo transmitido,
não pode ser responsabilizado por eventuais excessos.
Dessa forma, a decisão que impedia a empresa de exibir, em seu mecanismo de pesquisa, imagens relativas à
busca por “Xuxa pedófila” ou por qualquer expressão que
associasse o nome artístico de Maria da Graça Meneguel a
alguma prática criminosa foi cassada.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
255
- Marcos Nicolau
site Blogspot, mantido pela empresa, obteve a tutela antecipada determinando a remoção das mensagens, mas a
ordem não foi cumprida. Houve, então, a condenação no
Fig.1 Resultados para a busca do termo “Xuxa pedófila” no Google
Fonte: Disponível em: https://www.google.com/search?hl=en&safe
=off&output=search&sclient=psyab&q=xuxa+ped%C3%B3fila
Outro exemplo muito divulgado que envolveu a
questão do anonimato na rede foi o caso da condenação da
Google Brasil. O Superior Tribunal de Justiça impôs à empresa a pena de pagamento de indenização por danos morais quando se comprovou a não retirada de oito páginas
com conteúdos ofensivos publicados em um blog contra o
diretor de uma faculdade em Minas Gerais. A Terceira Turma do STJ entendeu que não se pode responsabilizar direta
e objetivamente o fornecedor do serviço pelas ofensas de
terceiros, mas sua omissão pode ser penalizada.
O diretor da escola, que acionou a Google depois de
encontrar conteúdo difamatório produzido por alunos no
Capa
Sumário
valor de vinte mil reais. A empresa recorreu alegando que
não poderia ser responsabilizada pelo conteúdo criado por
seus usuários, mas a desembargadora do caso confirmou
a sentença esclarecendo que se uma empresa provedora de conteúdo disponibiliza na Internet um serviço sem
dispositivos de segurança e controles mínimos, permitindo, com isso, a publicação de conteúdo livre, sem sequer
identificar o usuário, deve responsabilizar-se pelo risco.
A verdade é que a obrigatoriedade da identificação
no universo on line ainda é uma questão polêmica. Assim
como os exemplos supracitados, muitos outros poderiam
ser usados para atestar que a proibição ao anonimato
deve ser ampla, abrangendo todos os meios de comunicação, inclusive as mensagens da Internet. Em tese, o que
se pretende é minimizar os danos causados por conteúdos
injuriosos, difamatórios ou caluniosos, buscando, para
tanto, atribuir a cada manifestação uma autoria certa e
determinada. A Constituição Federal, então, veda o anonimato, justamente, para evitar a publicização de opiniões
fúteis, infundadas, inverídicas que tenham como propósito o desrespeito à vida privada, à intimidade e à honra.
Todavia, a necessidade de um código próprio é latente
quando consideramos, exclusivamente, os ambientes digitais. Atualmente, a ideia que se tem é que a Internet é
um campo propício para salvaguardar crackers, pedófilos,
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
terroristas e pessoas mal intencionadas, capazes de provocar danos irreparáveis aos seus alvos de ataque.
Por outro lado, há casos em que a garantia do anonimato é essencial. Pensando nos grupos classificados
como “minorias”, nas denúncias e nos sites que divulgam
informações de interesse público, percebe-se que a integridade dos diálogos produzidos só é possível devido à
preservação da fonte. Questões como a Primavera Árabe,
o grupo hacker87 Anonymous, o site Wikileaks e outras
revoluções que não possuem um rosto definido, apenas
corroboram a tese de que o anonimato é a causa motriz
das grandes mudanças iniciadas na Internet, que muitas
vezes saltam das telas dos monitores e dispositivos móveis para o mundo off line.
pessoais, como as que incorrem em danos morais, também podem ser adaptadas, mas jamais poderiam ser consideradas como “leis digitais”. Talvez, a criação de uma
legislação adequada inibisse ações como roubos de contas
e invasões de privacidade.
O fato é que vivemos uma época de comunicação
em rede, de movimentos multitudinários e interligados.
Vivemos uma situação revolucionária e, sob muitos aspectos, ainda desconhecida. Esse conflito entre ação, diálogo, produção, comunicação e compartilhamento, em
rede e transversal, quem sabe, ainda possa ser percebido
como um “período de adaptação”.
As adversidades indissociáveis da tutela das inovações criadas
pela era digital dão origem a situações cuja solução pode causar certa perplexidade... Há de se ter em mente, no entanto,
que a internet é reflexo da sociedade e de seus constantes
avanços. (ANDRIGHI88 apud BEREZIN)
4 As leis e a Internet
No Brasil, a Internet não dispõe de leis muito concretas, nem normas de conduta obrigatórias. Há, apenas,
algumas mínimas adaptações das leis correntes.
As lojas on line, por exemplo, são regidas pela mesma legislação aplicada às lojas físicas, no que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor, não havendo,
portanto, um tratamento apropriado para as demandas
criadas pelo comércio eletrônico. As leis contra ataques
Especialista em quebrar códigos de sites, desbloquear celulares
e invadir sistemas digitais. Não é, necessariamente, um criminoso. Pode usar suas habilidades para desenvolver programas,
achar soluções de segurança ou estudar o mundo digital.
87
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257
- Marcos Nicolau
Sumário
Acenar com a ideia de novidade, contudo, não quer
dizer render-se ao discurso do comodismo. É importante
pensar que exatamente nesse espaço determinado pelas
rupturas, pelas inovações e revoluções, nesse universo
híbrido convergente e hipermidiático, no qual se dá, primordialmente, a conexão do conhecimento e do compartilhamento de informações, é justamente aí que se abre,
Nancy Andrighi é ministra do Superior Tribunal de Justiça e
do Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jun-28/google-nao-responsavel-fotos-xuxaexibi-las-stj
88
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
também, a possibilidade de conquistas imanentes que
respeitem e preservem os direitos individuais de cada cidadão, até no mundo digital.
4.1 Entendendo o Marco Civil da Internet (PL2126/2011)
A internet não é um espaço sem regras ou imune
às normas que regem o país. Racismo e falsificação de
dados, por exemplo, são crimes, e isto independente do
meio onde foram cometidos.
Mesmo assim, a ausência de algumas leis específicas para a rede provoca um vazio jurídico que deixa brecha para interpretações e decisões inconsistentes. Um dos
exemplos mais famosos, que ratifica a atual insegurança
jurídica a que estamos sujeitos, foi o caso de Daniela Cicarelli: Após processar o site de vídeos YouTube, pelo fato
de usuários terem postado um vídeo íntimo da modelo,
um juiz determinou o bloqueio do site no país.
Na tentativa de dirimir essas lacunas e impor alguns
direitos e deveres para uso da Internet, um projeto de lei,
intitulado Marco Civil da Internet, vem sendo aperfeiçoado.
O objetivo é preservar o usuário e garantir que a Internet
continue sendo elemento de inovação e espaço de criação de
novas tecnologias e ferramentas, que não poderão ser monitoradas ou filtradas... A ideia é que ninguém fique com medo
de publicar opiniões e comentários. Mas há exceções: casos
de pedofilia deverão ser retirados do ar imediatamente. (MOLON89 apud POLATO)
89
Alessandro Lucciola Molon é Advogado, Professor Universi-
Capa
259
- Marcos Nicolau
Sumário
Para entender o princípio do Marco Civil da Internet,
é preciso retroceder às primeiras leis que queriam controlar e monitorar a web. Temendo que as propostas restringissem a liberdade dos usuários, o Ministério da Justiça
e a Fundação Getúlio Vargas propuseram, em 2009, algo
semelhante a uma “Constituição” online. O texto passou
por uma consulta pública, sofreu modificações, foi para a
Casa Civil e, em 2012, finalmente, chegou à Câmara. Sem
previsão, contudo, de um desfecho próximo. O assunto
é polêmico. Muitos entraves ainda precisam ser dissolvidos. Recentemente, o projeto de lei recebeu diversas
sugestões para melhoria nas regras e normas de utilização da Internet. Os avanços ocorreram, principalmente,
em quatro pontos: A proteção dos dados dos usuários e
a privacidade, a neutralidade, a liberdade de expressão,
objetivando evitar qualquer forma de censura, e, por fim,
a transparência, corroborando que os termos de uso da
Internet devem ser públicos.
Apesar do progresso em tantos assuntos relevantes,
a questão do anonimato merecia maior destaque. O projeto
de lei estabelece que o internauta tenha direito parcial ao
anonimato, visto que os logs90 deverão ser armazenados
tário e Deputado Federal pelo PT/RJ. Atualmente, é relator do
Marco Civil da Internet e membro titular da comissão especial da Câmara criada para analisá-la. Disponível em: http://
revistaepoca.globo.com/Brasil/noticia/2012/06/marco-civilda-internet-vai-reforcar-o-direito-privacidade-do-usuario-eimpedir-limitacoes-navegacao.html.
90
Também conhecido como log de dados, refere-se a uma expressão utilizada para descrever o processo de registro de ativ-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
pelos provedores por um período de até seis meses. O
impasse reside justamente nessa preservação das informações do usuário. Alguns acreditam que a “parcialidade” pode representar uma ameaça velada à liberdade de
expressão, mesmo sabendo que o acesso aos dados das
pessoas dependerá de uma autorização prévia da Justiça.
É bem verdade que vestígios de acesso são encontrados
quando ocorre a identificação do endereço IP 91, registrado ao se comentar um artigo em um portal de notícias,
por exemplo. Em muitos casos, o log do servidor de Internet vinculado ao endereço IP rastreado ajuda no processo de identificação do responsável pela manifestação do
pensamento ofensivo.
Ocorre que todas essas questões podem até encontrar respaldo no Marco Civil proposto, mas ainda não há
conseqüências legais para os internautas que cometem
os delitos. A ausência de um Marco de Lei e da “tentadora”, e não rara presença da impunidade incita a prática
dos cibercrimes. Algo também perturbador é a ideia de
que nem sempre as sentenças são proferidas por pessoas
que, de fato, compreendem a natureza da rede. O caso
torna-se ainda mais preocupante quando nos deparamos
com as inúmeras redes sem fio, desprovidas de qualquer
idades em um sistema computacional. Através do log, há a
possibilidade de identificar a autoria de ações na Internet. Os
logs também podem ser entendidos como provas digitais.
91
Sigla para Internet Protocol ou Protocolo da Internet. Trata-se do endereço único pertencente a cada dispositivo que se
conecta à uma rede local ou à rede mundial de computadores,
Internet.
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- Marcos Nicolau
Sumário
tipo de criptografia de conexão, permitindo, assim, que
pessoas, com os mais diversos propósitos, se conectem à
Internet resguardados pela certeza de que a sua identidade não será revelada.
Talvez, devido ao traumatizante período da ditadura, o brasileiro fique tão receoso com qualquer possível menção à censura. O ideal seria que a imposição de
regras à condição de anônimo na rede fosse valorada e
sopesada, não em detrimento da liberdade de expressão,
mas tanto quanto se deseja fazer valer qualquer outro
princípio legal.
5 Os conflitos comunicacionais de uma
sociedade que não é propriamente legislada
Quando analisados através da ótica que considera os
processos de midiatização, os valores que identificam uma
sociedade ganham dimensões e territórios mais amplos.
Em um mundo cada vez mais conectado, o conhecimento se torna comum a distintos grupos sociais. Além
disso, o avanço tecnológico que ocorre paralelo às transformações naturais do comportamento de cada ator social
implica em uma aderência quase que inconsciente desses
aparatos digitais ao cotidiano. A partir dessa concepção,
podemos afirmar que, sem perceber, imergimos em um
universo dominado pela computação pervasiva: pessoas,
máquinas e ambientes se comunicando através do mesmo código, compartilhando informações, diuturnamente.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Vivemos em um ambiente progressivamente interdiscurso. Agora, a rede é o computador e o computador é um
dispositivo de conexão (LEMOS, 2003). A Internet transformou-se em uma gigantesca máquina de contato e troca de conteúdo. O compartilhamento de dados é a atual
forma de conhecimento. Isso, porque o intercâmbio de
informações é um dos pontos nevrálgicos da sociedade
contemporânea.
À medida que a enunciação parece não ter mais origem e fim, mas desdobra-se em camadas de falas, discursos e pareceres, dissolvendo competências de campos,
perguntar-se-ia não só como se pronuncia a ciência, mas
a sociedade e a jurisprudência brasileiras, visto que os
movimentos feitos no mundo midiatizado, hoje, podem
produzir efeitos contrários à lógica, à coerência e à consistência das leis vigentes. Em meio às ordens de discursos
que roubam, dentre outras coisas, a autoridade, maculam
o conceito de hierarquia e de respeito, trazendo danos
à imagem e à reputação, ocasionando o vazamento de
informações pessoais e sigilosas, praticando crimes contra a honra, também conhecidos como ofensa digital, ou
difamando pessoas, entidades e empresas, torna-se até
intuitiva a ideia de que uma sociedade estruturada, com
um sistema político estabelecido e regida por regras é um
contraponto a essa realidade digital: um espaço autoregulado, onde as ações praticadas, em sua maioria, fogem
de um controle externo ao indivíduo, promovendo certo
nível de autonomia para os integrantes do ciberespaço.
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Sumário
Para o enfrentamento dos perfis falsos, por exemplo, inexiste na legislação brasileira, atualmente, tipo penal que defina que a criação de perfil falso na internet seja
punível. Apesar de este ato em si violar as regra dos Termos de Serviço dos sites de relacionamento, que obriga o
criador do perfil a zelar pela integridade dos dados cadastrais, a punição será apreciada e aplicada pelo provedor,
podendo este culminar, ou não, com a retirada do perfil.
Com efeito, o imbróglio da criação de uma lei para crimes
cibernéticos estende-se, entre outras razões, porque parte das autoridades envolvidas empunha a bandeira de que
é preciso resguardar a privacidade de todos os internautas, enquanto outros acreditam que a Polícia Federal deve
estar autorizada a investigar os cibercrimes, quebrando,
sim, o sigilo dos usuários. Fenômenos assim tão complexos e distantes de um senso comum, apenas, ratificam a
ideia de insegurança na rede, afinal registros e soluções
truncadas são, em muitas situações, apenas incipientes.
Um caso que ilustra bem a defasagem da justiça
brasileira é o da jornalista Rose Leonel, moradora de Maringá, Paraná. Em 2006, ao terminar um namoro de três
anos, ela viu o caos instalar-se: seu companheiro, anonimamente, difamou-a na internet. Fotos feitas na intimidade do relacionamento foram transformadas em montagens. O nome, o endereço, o telefone e o rosto de Rose
surgiram aplicados sobre imagens veiculadas em sites de
pornografia. Cerca de quinze mil e-mails foram enviados.
Imprensa, chefes, clientes, amigos e conhecidos da jor-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
nalista tiveram acesso ao conteúdo. Repentinamente, havia perfis de Rose em sites de pornografia na Holanda,
na Rússia, em Portugal e na Alemanha. O telefone não
parava, assim como os convites para programas vindos
das mais diversas partes do país. A vingança arquitetada
pelo namorado abandonado ocorreu, sistematicamente,
por três anos com consequências imediatas, não apenas
para Rose Leonel, que, à época, era colunista social, como
para toda a família. O filho de Rose decidiu deixar o Brasil,
por não suportar a pressão. A jornalista, que foi demitida
e permaneceu desemprega por muitos anos, julgou-se vítima de um processo de exclusão social com perdas emocionais e psicológicas.
Na tentativa de impedir que os e-mails fossem espalhados Rose procurou a Justiça: “Havia uma dificuldade
imensa para se trabalhar com cibercrime em Maringá, por
ser uma área nova do Direito. Perdi a causa e ele saiu revigorado, difamando-me ainda mais. Foi quando peritos
digitais se ofereceram para atuar no meu caso, porque
eu, desempregada e sem dinheiro, não via mais saída.
Entramos na Justiça, novamente. Houve busca e apreensão dos equipamentos dele. Só, então, foi constatada a
presença do material nas máquinas, os horários, o que ele
fazia, enfim, a autoria do crime”. A jornalista levou cinco
anos para conseguir que a Justiça aceitasse a culpa do
ex-namorado. Todavia, ele foi condenado. Criminalmente, foram quase dois anos de detenção, convertidos em
trabalho comunitário mais multa de mil e duzentos reais
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Sumário
mensais, durante o período estipulado. Civilmente, Rose
recebeu trinta mil reais de indenização.
Embora a legislação brasileira não seja tão detalhista e contextualizada quanto a norte-americana ou a européia, por exemplo, não seria correto afirmar que exista
uma total impunidade para os desvios de conduta praticados na internet. O caso de Rose Leonel mostra que
os cibercriminosos podem ser encontrados e condenados,
também, no Brasil. Não tardará, e ajustes na legislação
serão feitos, invariavelmente. Além da previsão específica
de crimes cibernéticos, a comissão de juristas que discute
a reforma do Código Penal Brasileiro no Senado sugere
que algumas condutas típicas do universo on line, como
é o caso da criação de perfil falso para cometimento de
ilícitos, aumente a pena de crimes previstos no código.
É bem verdade que as autoridades brasileiras ainda
estão distantes de um consenso, e que as conseqüências desses posicionamentos tão divergentes, certamente
refletirão nas futuras discussões sobre o tema, abrindo
margem para infinitas esteiras de raciocínio, mas a simples ponderação sobre o assunto pode, de certo modo, ser
considerado um avanço.
Considerações finais
Desde a década de 80, com a popularização da Internet e, posteriormente, com o radical desenvolvimento
da computação sem fio, pervasiva e senciente, que a so-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
ciedade atravessa um processo complexo e irrevogável de
transformação na vivência do espaço urbano, nas práticas
sociais, na forma de produzir e consumir informação.
Quase todas as antigas formas de consumo e produção midiática estão evoluindo. Há uma multiplicidade
de mudanças em curso que requerem níveis mais profundos de participação dos sujeitos para que sejam formados
laços mais fortes com os conteúdos. É certo que se, por
um lado, a midiatização, imprescindível no processo de
formação de ambientes digitalmente imersivos e permanentemente conectados, tem influenciado e modificado
positivamente a ordem social, por outro, tem facilitado a
prática e a disseminação de ilícitos. Considerando, ainda,
a velocidade e o caráter interativo do processo, leis apropriadas para o ambiente digital precisam ser rapidamente
elaboradas com o intuito de proteger o direito das partes
integrantes desse regime tecnointerativo.
Talvez, a regulamentação ocorra pela demanda intrínseca de manter a ordem social, inclusive no universo
on line, determinando, assim, características próprias para
os conceitos de público e privado. O fato é que tutelar a liberdade de expressão e limitar seus efeitos sempre foram
um desejo dos déspotas e uma necessidade das vítimas.
Na busca do equilíbrio, muitos embates ocorrem: governos usam maneiras sorrateiras para violar a privacidade
dos cidadãos e convencer a população de que a atitude
é correta. Autoridades usam o argumento da segurança
como uma desculpa para impor limites à liberdade da in-
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Sumário
formação. Por outro lado, a incidência de perfis falsos
em redes sociais digitais ou de blogs difamatórios, por
exemplo, cresce exponencialmente. O uso não autorizado
da imagem de terceiros, ataques à reputação e à honra,
exposição a situações constrangedoras e, até, perigosas
não são fatos isolados. Pedófilos, nazistas, homofóbicos,
sujeitos que, por outros meios, não encontrariam seus pares facilmente, agora, fazem seguidores com o esforço de
um clique. Quando há um episódio qualquer de violência
no mundo real, os agressores são reconhecidos e confrontados, pois os envolvidos são pessoas físicas identificáveis. Já no caso da “perturbação online”, a situação é mais
complexa. A identificação dos agressores é difícil, pois o
autor pode criar um perfil falso, fazendo da sua captura
um processo assaz árduo, e das agressões, momentos
dramaticamente perturbadores. Para tornar o tema ainda
mais controverso, há casos em que o anonimato é vital
para a lisura do depoimento, garantindo a segurança da
testemunha. A questão é bastante densa, certamente.
A evolução tecnológica impõe novos desafios, ordena imperiosamente a instituição de novas fronteiras para
garantir uma proteção adequada dos dados no ambiente
digital. A fusão dos mundos conectado e desconectado
trouxe uma realidade híbrida que faz reverberar, tanto
no ciberespaço aspectos dos âmbitos profissional, social,
familiar e pessoal, como os acontecimentos do on line
pautam as interações do off line. A ética do ciberespaço,
também, acaba assemelhando-se à deontologia configu-
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
rada no mundo desconectado. Com as novas tecnologias,
a Internet vem rompendo as barreiras entre o privado e
o público, deixando, muitas vezes, uma linha tênue entre
os dois ideários.
Se o crime é um problema endêmico das sociedades, na Internet não poderia ser diferente. Redes sociais,
cloud computing, motores de pesquisa com algoritmos
mais sofisticados e sistemas de localização geográfica são
apenas alguns exemplos do quanto essas tecnologias podem afetar a privacidade dos usuários, escancarando a
necessidade urgente de uma proteção ampla e eficaz. Talvez seja justamente em um estudo mais acurado desta
interface entre o Direito e a Comunicação, entre a liberdade e o abuso de poder, que resida uma nova história a ser
construída. O primeiro passo já foi dado. Caso aprovado,
o Marco Civil será o primeiro projeto a tentar definir os
princípios básicos da Internet, no Brasil. Embora necessite
de ajustes por deixar de fora pontos importantes como a
tipificação de crimes cibernéticos, o projeto de lei é um
texto importante para a ratificação do conceito de democracia no país.
É fundamental, então, que a cidadania digital se
manifeste, exercendo devidamente o seu papel, para que
o Marco Civil cumpra aquilo a que se propõe: ser base
para um Marco de Lei que proscreverá, também, a impunidade on line e resguardará os interesses da população.
Entretanto, para que esse projeto de lei saia do papel,
uma longa estrada ainda precisa ser percorrida. Alguns
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- Marcos Nicolau
Sumário
dos que se posicionam contra o projeto dependuram-se
no mastro da censura, esgrimindo que a liberdade de
expressão não pode ser ameaçada, sob hipótese alguma,
nem mesmo pela imposição de regras à condição de anônimo na rede. Contudo, não é propriamente a liberdade
de expressão que está sendo solapada, erodida, mas a
sua soberania, sua prerrogativa de estabelecer o limite
entre os direitos e deveres de cada integrante dessa sociedade dita midiatizada.
Levando-se em conta que o Direito tem como função primordial acompanhar a evolução da sociedade, a
conclusão a que se chega é que as mudanças sócio-culturais contemporâneas necessitam de uma redefinição tal
da jurisprudência de forma que a torne capaz de abarcar a
revolução informacional em curso, utilizando todo o aparato hipermídia, com o propósito de moldar democrática e
eticamente os atores sociais para essa realidade midiatizada, já tão acelerada.
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eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
271
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UMA QUESTÃO COMPLICADA: O ANONIMATO NA INTERNET.
Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/link/uma-ques-
Sumário
28
WOLFART, Gabriela. A midiatização produz mais incompletudes
do que as completudes pretendidas, e é bom que seja assim.
In: Revista do Instituto Humanitas Unisinos. Disponível em:
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_co
ntent&view=article&id=2479&secao=289. Acesso em: 30
jul.2012
GOOGLE NÃO É RESPONSÁVEL POR FOTOS DE XUXA, DIZ STJ.
Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-jun-28/google-nao-responsavel-fotos-xuxa-exibi-las-stj. Acesso em: 28
jul. 2012.
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em:
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
O livro digital e a interdependência dos
fatores da midiatização
Introdução
Rennam VIRGINIO92
Resumo
Mediante a relevância do processo de midiatização na sociedade e os fatores que compõem esse processo, nosso
objetivo é apresentar o livro digital como um exemplo da
relação de interdependência entre estes fatores. As interações e recursos possíveis com o livro digital traz aos
leitores uma nova ferramenta de leitura, capaz de permitir uma rede de compartilhamento e troca de informações
e conteúdos, característicos da midiatização. A partir dos
fatores mercadológicos, humanológicos e tecnológicos da
midiatização, faremos uma análise de suas atuações e influências no mercado do livro digital, também conhecido
como eBook.
Palavras-chave: Livro digital. Midiatização. Fatores da
midiatização. Mercado editorial.
Graduando do Curso de Comunicação em Mídias Digitais – DEMID/UFPB. Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC),
Cnpq. Integrante do Grupo de Pesquisas em Processos e Linguagens Midiáticas - GMID/PPGC/UFPB. E-mail: virginiorennam@
gmail.com
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- Marcos Nicolau
Sumário
Séculos se passaram desde o surgimento do livro
impresso como conhecemos hoje. Até chegar ao modelo atual, o livro se apresentou em formato de rolo e foi
publicado em papiro e pergaminho. Entretanto, não foram apenas as mídias que sofreram transformações e alteraram os materiais e modelos mercadológicos de certos
produtos.
Com as novas tecnologias da área comunicacional,
os comportamentos e as relações sociais também sofreram mudanças significativas e que hoje caracteriza a “sociedade midiatizada”. De acordo com Fausto Neto (apud
SGORLA, 2009, p.63), essa “sociedade” apresenta:
sua estrutura e dinâmica calcada na compressão espacial e
temporal, que não somente institui, como faz funcionar um
novo tipo de real, cuja base das interações sociais não mais
se tecem e se estabelecem através de laços sociais, mas de
ligações sociotécnicas.
Sgorla (2009) resume midiatização como múltiplos
entrecruzamentos entre as tecnologias midiáticas, campos e atores sociais, e meios de comunicação social tradicionais e a sociedade. A partir de tal afirmação, podemos incluir o livro digital – também conhecido eBook -,
segundo Horie (2011, p.15) “uma versão digital de um
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos
portáteis”, como um exemplo de produto integrante do
processo de midiatização.
O livro digital têm gerado discussões sob as mais
diversas perspectivas ideológicas, culturais e mercadológicas, o que aumenta a relevância do produto como um
objeto de estudo. As vantagens apresentadas pelo livro
em formato eletrônico são várias, como a facilidade de
portabilidade e a dispensa do uso do papel para impressão, o que consequentemente torna o livro digital mais
barato que o livro impresso.
Entretanto, diversos fatores contribuem para que o
crescimento do livro digital não seja tão grande quanto o esperado pelos apostadores desta tecnologia, como
as artimanhas praticadas pelas editoras e vendedoras de
eBooks numa tentativa de impedir a pirataria e manter
seus lucros. Todo esse processo, que vai desde a produção dos livros digitais para atender a demanda dos leitores até os entraves mercadológicos, constitui o processo
de midiatização, pois altera relações sociais e cria novas
situações e modelos de negócios, protagonizado pelo jogo
de interesses dos vendedores de eBooks, o que acaba
gerando uma situação de heteronomia aos compradores,
tornando-os “reféns’ das vontades do mercado, com a impossibilidade de compartilharem seus livros e conteúdos.
Diante da relevância desses dois objetos aqui apresentados – midiatização e livro digital -, neste artigo,
iremos analisar e exemplificar três dos principais fatores
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Sumário
que compõem a midiatização, a partir do estudo de Nicolau (2012): fator mercadológico, humanológico e tecnológico, demonstrando a relação de interdependência de
tais fatores.
1 O livro digital: panorama atual
de um mercado em crescimento
Percebemos hoje no meio dos livros digitais uma
crescente aceitação por parte dos novos leitores desta
mídia. Consequentemente, o mercado tem acompanhado este crescimento, sobretudo nos Estados Unidos e no
Oeste Europeu, onde estão localizados os países mais ricos deste continente. Nos EUA, a Amazon já vende – desde o ano passado -, mais eBooks do que livros impressos.
Vale salientar que esse sucesso deve-se principalmente ao fato de que a Amazon oferece aos leitores um
eReader (Kindle) de baixo custo e uma grande variedade de
títulos a venda com preços em torno de dez dólares. Deste
modo, os usuários tem o “suporte” necessário para comprarem eBooks e continuarem usando essa tecnologia.
O mercado é dominado por poucas empresas que
detém a maior fatia do mercado, como a norte-americana Amazon – maior vendedora de eBookse e Readers do
mundo – e a Kobo, empresa canadense que ganhou espaço nos último anos e já ameaça a Amazon. É importante
ressaltar que a Kobo já se instalou no Brasil e iniciou as
vendas de seu leitor, enquanto que a Amazon deve iniciar
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
suas atividades no início de 2013. Ambas já adiantaram
acordos com editoras brasileiras.
Inevitavelmente, a chegada dessas empresas cria
uma forte expectativa quanto ao impacto mercadológico
que podem causar. Amazon e Kobo encontrarão no Brasil
um mercado de livros digitais, ainda pequeno, com poucos títulos e adeptos a esta tecnologia, reservada a um
pequeno nicho de consumidores.
A aposta destas empresas está no potencial econômico do Brasil e na própria cultura de sua população, movida pelos anseios de compartilhar e interagir com novas
tecnologias. Esses anseios são apenas um dos elementos
que movem o fator humanológico da midiatização presente no contexto dos livros digitais.
Uma nova tendência que vem ganhando espaço e
investimentos no mercado dos livros digitais é a “auto-publicação”, que funciona da seguinte maneira: o autor
envia seu livro em arquivo PDF ou DOC para uma empresa que oferece este serviço. A empresa contratada fará a
editoração digital e a intermediação com as livrarias para
que o autor – caso deseje vender -, ganhe a sua porcentagem relativa às vendas do livro digital.
No Brasil, a Simplíssimo é a empresa que tem investido neste serviço, firmando parcerias com importantes
livrarias, como a Saraiva, Cultura e a iBookstore (Apple).
Assim, a empresa consegue atrair clientes, pois garante
a venda legalizada do livro digital (em formato ePub) em
uma grande livraria.
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Sumário
Para os autores independentes, esse serviço surge
como uma interessante opção para aqueles que querem
publicar suas obras. Os livros digitais permitem um alcance maior da obra, pois a reprodução é ilimitada, além de
não haver gastos com impressão e transporte, o que reduz os custos de produção e, consequentemente, amplia
os lucros gerados pelas vendas.
2 Os fatores da midiatização
Os livros digitais representam, sem dúvida, um produto decorrente do processo de midiatização, definida por
Sodré (2006) como uma ordem de mediações socialmente realizadas, configurando um tipo particular de interação, que podemos chamá-la de tecnomediações. Estas,
por sua vez, ainda segundo o autor, são caracterizadas
por uma espécie de prótese tecnológica e mercadológica
da realidade sensível.
O conceito de mediação também é definido por Sodré (2006) a fim de diferenciá-lo do termo midiatização.
Segundo o autor, mediação é a ação de fazer ponte ou
fazer comunicarem-se duas partes, através de diferentes
tipos de interação.
Também é importante explicitar o processo e o contexto histórico no qual se dá a midiatização. De acordo
com Fausto Neto (2006, p. 2-3),
A midiatização situa-se em processos e contextos históricos e
em percursos de desenvolvimento de alta complexificação que
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
impõem a necessidade de considerar mecanismos de explicação que são atualizados no movimento destes próprios processos históricos e nos quais se passa o desenvolvimento das
técnicas, dos processos e das práticas de comunicação. Nestes
termos, a sociedade na qual se engendra e se desenvolve a
midiatização é constituída por uma nova natureza sócio-organizacional na medida em que passamos de estágios de linearidades para aqueles de descontinuidades, onde noções de
comunicação, associadas a totalidades homogêneas, dão lugar
às noções de fragmentos e às noções de heterogeneidades.
A partir da afirmação de Fausto Neto (apud GARCIA, 2011) de que a midiatização manifesta-se no momento em que surgem novas formas de fazer, de perceber
e de apropriar-se dos produtos midiáticos, isto é, quando
as práticas sociais são afetadas pela lógica midiática, podemos afirmar que os livros digitais estão incluídos no
processo de midiatização, pois os livros digitais trazem
uma nova experiência para a leitura e o livro em si, baseada não só nas inovações tecnológicas - aqui representadas pelos eReaders e outros dispositivos eletrônicos
compatíveis, além dos formatos de publicação que vem
ganhando novos recursos e encriptações -, como também
nas questões mercadológicas, quem impõem barreiras visando combater a pirataria e aumentar seus lucros.
O cenário de conflito provocado pela tecnologia e
o mercado, ocorre ao mesmo tempo em que os usuários
– aqui entra o fator humanológico -, querem compartilhar seus conteúdos, mas se veem presos as “artimanhas”
provenientes do conflito tecnologia x mercado.
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- Marcos Nicolau
Sumário
O eBook traz ao campo social um situação nova,
que contradiz o papel histórico do livro, até então “livre”
de barreiras mercadológicas. As tecnologias atuais são
capazes de proporcionar aos adeptos dos livros digitais
uma experiência de compartilhamento e interação ampla, baseadas nos recursos de hipertexto que, segundo
Levy (1997, p.33), é “um conjunto de nós ligados por
conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequencias sonoras, documentos complexos que podem ser eles mesmos hipertextos.”
O alcance e as possibilidades do hipertexto podem
ir além da imaginação humana: “Navegar em um hipertexto significa, portanto desenhar um percurso em uma
rede que pode ser tão complicada quanto possível. Porque cada nó pode, por sua vez, conter uma rede inteira.”
(LEVY, 1997, p.33).
Entretanto, essas possibilidades esbarram no atual modelo de negócio utilizado pelas editoras e livrarias
que exploram a venda de livros digitais, conseqüente das
ações anti-pirataria impostas pelo mercado. Aqui encontramos uma situação de incongruência protagonizada pelos fatores mercadológicos e tecnológicos da midiatização, que por fim acaba prejudicando os usuários, atores
que movem o fator humanológico.
Por se tratar de um processo complexo, a midiatização apresenta-se, portanto, alimentada por “agentes”,
aqui denominadas como “fatores”:
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Existem inúmeros fatores atuantes na cibercultura, capazes
de provocar fenômenos comunicacionais os mais diversos
e que vêm sendo apontados por muitos autores, como responsáveis por novas ordens sociais que deflagram a midiatização. Flores e Barrichello (2009) afirmam que, além da
tecnologia, outro fator decisivo para que a ordem social e o
modelo cultural contemporâneo alcancem a feitura atual diz
respeito à localização da mídia no centro da sociedade, bem
como à expansão de suas lógicas para outros campos sociais.
Para essas autoras, também baseadas nos estudos de Sodré
(2006) e Fausto Neto (2006), a midiatização é um processo
relacional resultante de fatores que interferem nas realidades
de origem, sendo configurados de acordo com as lógicas das
mídias. (NICOLAU, 2012, p.2)
Existem diversos fatores que influenciam na midiatização, entretanto, tomaremos aqui os três fatores apresentados por Nicolau (2012) – Humanológico, Tecnológico
e Mercadológico – e suas respectivas ações, influências e
consequências no contexto do mercado editorial digital.
2.1 Fatores humanológicos
Segundo Nicolau (2012), o fator humanológico se
baseia no desejo latente de participação cultural a partir
do compartilhamento de ideias e opiniões através das tecnomediações, além de sustentar-se em Sodré (2006) ao
afirmar que a virtualização das relações humanas presente em determinadas pautas individuais de conduta baseadas nas tecnologias da comunicação, é um dos aspectos
que confirma a hipótese de que a sociedade contemporâ-
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Sumário
nea rege-se pela midiatização, processo muito diferente
da mediação por este ter um caráter meramente relacional, embora consolidado socialmente.
Além dos anseios de compartilhar suas idéias e opiniões fazendo uso das tecnomediações, também podemos
destacar como um dos componentes do fator humanológico da midiatização - no que tange a questão dos livros
digitais - , a necessidade de portabilidade, pois um único
dispositivo eletrônico pode armazenar milhares de livros.
Também podemos destacar o interesse dos usuários
de acompanharem as tendências tecnológicas e podemos
citar como exemplo os produtos da Apple, que viraram
uma tendência e hoje atrai uma legião de fiéis usuários
que cresce a cada dia.
A questão já abordada anteriormente da “auto-publicação” também pode ser considerada: agora os autores
não precisam mais de gráficas ou assinar contratos com
editoras para terem seus livros produzidos, publicados e
vendidos, e isso sem dúvida representa uma alteração
no modelo de produção e comércio de livros, que agora
pode ser feito totalmente online. “A nossa necessidade
premente de participar desta esfera existencial de compartilhamentos, baseada nos aparatos tecnológicos e movida pelos impulsos mercadológicos, reforçam a grande
influência do fator humanológico no processo social da
midiatização.” (NICOLAU, 2012, p. 4)
No que tange a experiência de ler livros em dispositivos eletrônicos e quais seriam as motivações que
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
estruturam o fator humanológico, podemos considerar a
seguinte afirmação de Levy (1996, p.40): “A digitalização
e as novas formas de apresentação do texto só nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de ler e de
compreender”
Temos, portanto, uma relevante quantidade fatores
humanológicos, constituído de interesses e transformações sociais que hoje movimentam e participam do processo de midiatização.
2.2 Fatores tecnológicos
Destacamos o fator tecnológico por este exercer
uma função de destaque no processo de midiatização,
atuando em constante relação com os fatores humanológicos e mercadológicos – que serão conceituados e exemplificados na sequência do presente artigo -, embora essa
relação não se configure de forma harmônica.
A indústria é quem movimenta este fator, produzindo os aparatos tecnológicos necessários para a realização
das tecnomediações. Entretanto, esta mesma indústria
produz softwares e hardwares que acabam possibilitando ações danosas, como a pirataria, que gera incalculáveis prejuízos ao mercado. Percebe-se então a forte relação, tanto positiva quanto negativa, do fator tecnológico
e como as funções pensadas a priori para os produtos
tecnológicos podem ganhar outros usos, atrapalhando a
própria indústria e o mercado.
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- Marcos Nicolau
Sumário
Os aparatos tecnológicos produzidos pela indústria, disponibilizados aos milhões e com alcance global, chegam às mãos das
pessoas e ganham vida própria. São transformados, manipulados, adaptados para que possam cumprir funções, muitas vezes, diferentes para as quais foram criados. No âmbito do cenário mundial de tecnologia, instaura-se a computação pervasiva
que permeia toda a vida social do planeta em suas distintas
sociedades; instaura-se a ubiquidade da comunicação, sem
fronteiras de idiomas, raças ou crenças. (NICOLAU, 2012, p.5)
O fator tecnológico apresenta, portanto, uma contraditória relação do fator tecnológico com os outros fatores do processo de midiatização aqui destacados e que
serão discutidos detalhadamente mais adiante.
2.3 Fatores mercadológicos
Este fator apresenta importante participação no
processo de midiatização no contexto dos livros digitais,
uma vez que, as movimentações do fator tecnológico são
decorrentes das demandas do fator mercadológico.
A partir disto, podemos afirmar que o fator tecnológico é uma consequência do fator mercadológico, e que
este, por sua vez, atende aos anseios explicitados no fator
humanológico. Temos agora, uma nítida demonstração de
que os fatores da midiatização atuam em uma relação de
constante interdependência, a qual iremos aprofundar no
decorrer deste artigo.
As afirmações de Nicolau (2012, p.5) reforçam esta
ideia, além de chamar atenção para questão dos direitos
eLivre
midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
285
- Marcos Nicolau
autorais, presentes em todos os ramos do mercado das
mídias digitais, inclusive dos eBooks:
3 Os fatores da midiatização no mercado dos eBooks:
uma relação de interdependência
O fator mercadológico é determinante para que sejam desenvolvidas as bases inovadoras das tecnologias da informação
e da comunicação, proporcionando a produção dos aparatos
técnicos capazes de atender as necessidades comunicacionais.
Mas é também no cerne deste fator que tem havido os mais
acirrados embates entre os que defendem o controle sobre os
direitos autorais e os que pregam a pirataria como uma prática
natural na internet, por exemplo.
Após apresentar os três fatores da midiatização escolhidos para serem abordados neste artigo, podemos
agora aprofundar no objetivo principal, que é expor a relação de interdependência existente entre estes fatores,
elencando um fator ao outro.
Essa relação interdependente apresenta-se como
uma espécie de “ciclo” contínuo, onde as ações de um fator acabam por influenciar nas ações praticadas e sofridas
pelos outros fatores. Podemos elencar diversas situações
onde os fatores atuam de forma harmônica ou contraditória, porém, para o presente estudo, exemplificaremos
apenas alguns casos.
Tomando por base o já mencionado desejo dos
usuários de estarem sempre compartilhando informações, opiniões, ideias e conteúdos – caracterizando,
portanto, o fator humanológico -, temos por consequência a ação do fator mercadológico, representado
pelo interesse das empresas de venderem produtos que
atendam a essa demanda, buscando obter o maior lucro
possível. Nesse momento, a indústria produz os aparatos tecnológicos necessários para que o mercado atenda às necessidades humanas.
Até então, podemos visualizar uma relação de interdependência entre os fatores da midiatização, mas que
ocorre sem conflitos entre as partes. Entretanto, a partir
No mercado dos livros digitais, os fatores mercadológicos tem se apresentado como o maior empecilho para
o crescimento deste produto, sobretudo no Brasil, onde
as editoras ainda se mostram inseguras neste mercado,
lançando poucos livros em formato eletrônico e aplicando
preços semelhantes aos praticados nos livros impressos.
O fator mercadológico se apresenta, portanto, como
um fator decisivo para a midiatização, pois não só age
na busca de atender aos anseios do fator humanológico, como também entra em conflito com este mesmo fator e com o fator tecnológico a partir do momento em
que começa a impor barreiras e dificuldades comerciais.
Tais ações, caso ocorram de modo brusco e duradouro,
pode gerar consequências graves, como o desinteresse
dos usuários (fator humanológico) em seguir usando tal
tecnologia, o que afetaria a indústria (fator tecnológico) e
o próprio mercado (fator mercadológico).
Capa
Sumário
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
do momento em que o fator humanológico desperte interesses que busquem maior autonomia no uso dos produtos, como o compartilhamento livre de conteúdos, o
que ameaça os lucros do mercado e gera os primeiros
conflitos e contradições dos fatores da midiatização. Vale
ressaltar, que os produtos tecnológicos quase sempre permitem brechas – intencionais ou não -, para a pirataria e
o livre compartilhamento, que prejudicam o mercado e a
própria indústria.
Quando os anseios dos fatores humanológicos não
são atendidos, não temos apenas um conflito mercadológico x tecnológico, mas também humanológico x mercadológico, conforme afirma Nicolau (2012, p.5):
Voltando ao princípio de que o fator humanológico tem como
base as vontades humanas mais intrínsecas de usar os aparatos tecnológicos para relacionamento, participação, opinião,
compartilhamento é de se compreender que este se articula
com o fator tecnológico e entra em conflito com o fator mercadológico, estabelecendo uma negociação constante.
A figura a seguir exemplificará as relações expostas no presente artigo para uma melhor compreensão
do estudo.
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O ciclo contínuo da relação interdependente
entre os fatores da midiatização
Necessidade de
compartilhar
informações, opiniões
e conteúdos
através das
tecnomediações
Produz os aparatos
tecnológicos
necessários para a
realização das
tecnomediações
Fator
Humanológico
Fator
Tecnológico
Midiatização
Fator
Mercadológico
Gera as condições
que atenderão as
demandas do fator
humanológico
Fig.1 – O ciclo contínuo da relação interdependente
entre os fatores da midiatização
Fonte: o autor
No contexto do mercado dos livros digitais, temos
como principal entrave para o crescimento deste produto,
protagonizado pelo fator mercadológico, motivado pela
questão dos Direitos Autorais.
Os leitores de livros digitais não têm a mesma “liberdade” que um leitor de livro impresso, capaz de emprestar ou
tirar cópias sempre que quiser, ou seja, o adepto dos eBooks
parece não ter a mesma autonomia sobre sua propriedade
se comparado a um leitor de livros impressos, gerando um
descontentamento e uma pressão sobre as empresas, que,
por sua vez, impõem táticas para impedir o livre compartilhamento e pirataria, a fim de evitar prejuízos.
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
Esse caso reforça a ideia de que as relações de interdependência dos fatores da midiatização se constroem
tanto de formas positivas e complementativas quanto de
formas negativas e conflituosas.
Certamente, existem outros tantos casos que podem ser explorados nesta perspectiva, mas que serão
tratados neste artigo. Algumas poucas transformações e
novidades vêm acontecendo no mercado de livros digitais, principalmente no Brasil, e que merecem atenção,
pois podem significar o surgimento de novas formas de
relacionamento entre os fatores da midiatização e que deverão ser estudadas futuramente.
Considerações finais
O processo de midiatização alterou de várias formas
as relações não apenas sociais, mas também mercadológicas, e tal processo é decorrente da influência dos fatores da midiatização apresentados neste artigo.
O livro digital apresenta-se como um produto de
forte potencial mercadológico, bem como cultural e educativo, pois permite um alcance inestimável após ser lançado na rede mundial de computadores. Esse alcance, que
pode representar a difusão de conhecimento é o mesmo
alcance que preocupa as editoras, ameaçadas pela pirataria, cuja prática reduz seus lucros.
Nos EUA e em alguns países europeus, o eBook já
atinge bons números de vendas e aceitação, enquanto
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- Marcos Nicolau
Sumário
que, no mercado brasileiro, o livro digital ainda dá seus
primeiros passos e as razões para esse “atraso” são várias, como a resistência das editoras em apostar neste
mercado, a falta de mão-de-obra especializada na produção de eBooks em formato ePub, a oferta de e-Readers
com preço acessível e indisponibilidade de títulos em português a preço competitivo.
Os fatores da midiatização atuam de forma conjunta e interdependente: tanto pode se apresentar de forma harmônica, em que se complementam e beneficiam
umas as outras, como também em situações de conflito,
quando os interesses de um ou mais fatores são contrariados por outro.
De acordo com Garcia (2011), temos a interatividade como principal ferramenta da comunicação no processo
midiatizado, isto é, existe a efervescência desse modelo
comunicacional participativo, colaborativo e convidativo.
O livro digital apresenta essas características, pois é capaz de permitir aos leitores uma troca de conteúdos e, inclusive, de opiniões a partir de softwares e aplicativos que
dispõem de recursos como: inserir comentários e marcações no texto, para ser compartilhado e alterado de forma
cooperativa entre vários usuários.
Nitidamente, existe um impasse, no qual, tanto o total controle dos livros digitais por parte das editoras, quanto à liberação exacerbada desses conteúdos para os leitores, são atitudes extremas e que sugerem a necessidade
de se encontrar um meio-termo que atenda ao interesse
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midiatização e cotidiano: reflexões sobre as interações tecnomediadas
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- Marcos Nicolau
de todas as partes, gerando assim um modelo de negócio
atraente do ponto de vista econômico, mas também garantindo a autonomia dos leitores de livros digitais.
Portanto, temos no livro digital um exemplo de como
os fatores da midiatização se relacionam de forma interdependente, expondo os anseios dos usuários e os conflitos
gerados pelas divergências de interesses entre estes fatores - e é isso que contribui para uma situação de constante
negociação que pode vir a beneficiar toda a sociedade.
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