EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA POTENCIALIZANDO DIFERENTES SUJEITOS E CONHECIMENTOS
Rosa Malena Carvalho ( Comunicação coordenadora/Coordenadora)
Cintia de Assis
Maria Cristina Silva Torres
Buscamos dialogar atributos do humano, geralmente condicionados à determinadas
faixas etárias (como o brincar, o jogar, a alegria), com os sentidos predominantes
desenvolvidos pela Educação Física Escolar na Educação de Jovens e Adultos (EJA).
Através da pesquisa com/nos cotidianos escolares, parte-se da hipótese de que a EJA
favorece esta discussão, pois a diversidade de situações, experiências e sujeitos
encontrados possibilitam tensionar as noções predominantes de conhecimento, de corpo
e das práticas corporais desenvolvidas nestes cotidianos escolares. Falar em EJA é
afirmar a educação como direito e devir, diferenciando-a dos sentidos de carência e
suplência, abordando o valor e os significados das práticas pedagógicas para os jovens,
adultos e idosos. E, neste fluxo, interroga-se o que é considerado “básico” na educação.
Discussão que integra o curso de especialização em educação física escolar, oferecido
pelo Instituto de Educação Física (IEF) da UFF. Aqui, aproximadas pela disciplina
“corporeidades e processos escolares” deste curso de especialização, através de nossas
pesquisas, objetivamos potencializar as práticas corporais, lúdicas e de lazer, como
linguagem e patrimônio sócio-cultural e, portanto, disposições coletivas de criação e
enunciação. A corporeidade, neste movimento, pode constituir-se em uma das
possibilidades de pensar os sentidos que damos à condição humana e os processos
educacionais como lugares de encontros, com diferentes e potentes práticas pedagógicas
– incluindo a educação física escolar.
Palavras-chave: educação física escolar, corporeidades, EJA, conhecimento, cotidiano
escolar.
EDUCAÇÃO FÍSICA NA EJA - LUGAR DE CORPOS POSSÍVEIS
Profª Cintia de Assis (CESAE / [email protected])
O presente trabalho ensaia uma análise sobre os corpos no cotidiano escolar,
especialmente na Educação de Jovens e Adultos (EJA). Dialogar com a atuação de
professores de Educação Física e as reais possibilidades de intervenção nas aulas.
Também traz à tona a necessidade de ampliação do olhar, de todos os docentes, das
diferentes áreas, sobre a voz e vez dos alunos neste território (EJA), considerando o
corpo como construção social. Construção cultural essa que perpassa por suas
experiências anteriores, em seus grupos sociais, em suas aulas de Educação Física no
decorrer de sua história de vida. A Educação Física chega a esse corpo como uma das
tantas possibilidades de tirá-lo de sua zona de conforto, desafiando-o e trazendo-o à
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atividade. A questão é: como intervir, se muitos de nós professores desconhecemos ou
nos recusamos a dialogar com os símbolos apresentados pelos alunos? Em princípio é
preciso estudo, espaço de diálogo para que possamos decifrar o que está à frente de
nossos olhos e olhares. É interesse a ênfase na função social da escola e especialmente
da Educação Física no contexto da EJA. É imperioso ressaltar que não há conhecimento
que possa tomar lugar da relação. Não tem como estar em um espaço de aprendizagem,
onde a corporeidade é a grande vedete e não nos lançarmos ao outro, não nos
disponibilizarmos para a troca. Desta forma, através de inúmeras provocações,
trabalharemos com uma das maiores qualidades do ser humano - se não a maior - que é
a incompletude forjada no corpo de aluno da EJA. Neste movimento, contamos com a
colaboração de Paulo Freire, Silvio Gallo, Denise Najmanovich, Azoilda Trindade e
Jocimar Daolio.
Palavras-chave: cotidiano escolar; corpo; cultura; educação física.
Introdução
O diálogo com o cotidiano nas aulas de educação física na Educação de Jovens e
Adultos traz à tona a necessidade de um olhar diferenciado das lentes convencionais.
Esse modo de ver desejado por nós destaca a importância da corporeidade de todos
(alunos, professores) compreendendo que estes corpos se formam através das
experiências vividas, demonstrando que foram, são e serão forjados na cultura.
O cotidiano nos torna mais capacitados para compreender e intervir de forma
responsável nestes corpos, através de vivências de práticas corporais, conhecimento dos
alunos, enfim da dinâmica da vida escolar na EJA, tão cheia de possibilidades. Esta
intervenção tem como aporte a cultura corporal.
O texto dialoga com vivências pessoais, leituras e debates enriquecedores
realizadas no curso de Especialização em Educação Física Escolar, principalmente nas
aulas da disciplina Corporeidade, onde conceitos acerca de cultura, educação, educação
física escolar e com o foco da discussão, que é o trabalho com educação física na EJA
foram levados em consideração.
As problematizações foram pinçadas neste cotidiano, com intuito de ampliar o
conhecimento e favorecer um diálogo a partir do olhar da cultura, evidenciando, ainda
que nos choque, que como disse certa vez a professora Rosa Malena “há vida além de
nós na escola, é preciso descobrir que vida é essa.”
Um olhar sobre o cotidiano nas aulas de Educação Física Escolar
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É importante ressaltar que são muitas situações de observação, que por serem
parte do cotidiano acabam passando-se por corriqueiras, porém com um olhar mais
apurado podemos dizer que são importantes e indispensáveis ao conjunto de ações que
formam a nossa prática enquanto educadores.
Um tema que tem sido motivo de reflexões é o “torpor” demonstrado por parte
de muitos alunos e alunas do turno da noite, no que diz respeito às propostas de
atividades. Destaco esse comportamento nas aulas de Educação Física, mas ouvi
depoimentos parecidos por parte de outros professores, das variadas disciplinas. Ao
refletir e buscar respostas, encontro primeiramente o cansaço por um dia de trabalho de
grande parte dos alunos; a dificuldade das acomodações do espaço físico da escola (não
tem um banheiro, um vestiário em condições decentes de uso) - o que tem gerado
reclamações sobre voltar para a sala suados e sujos, após a aula de educação física;
percebo também, que a questão relacionada à nutrição é bastante relevante, pois alguns
relatam que ficam muito tempo sem se alimentar, o que é inadequado para o bom
funcionamento do organismo. Observo a falta de motivação no que diz respeito à novas
experiências corporais, parecendo que estão acomodados em permanecer parados, sem
contato com o que está ocorrendo; deixo para última análise o fato de que muitos não
tiveram acesso à diferentes vivências corporais, ao menos no que se refere à Educação
Física Escolar, pois nas avaliações diagnósticas sempre se reportam ao esporte,
relatando que não gostam de X esporte, meninas dizem que não conseguem jogar com
meninos, por isso preferem ficar fora da atividade, muitos relatam que nos anos
escolares anteriores fizeram muitas atividades iguais ou parecidas, e que não gostaram
ou não pretendem repetir o que já conhecem.
Que corpo é esse? Eu quero saber!
No início das reflexões tentei localizar na vida - linha de tempo - de cada aluno
onde se deu o nó, se é que se deu algum nó, onde a coisa emperrou e fez com que
deixassem a curiosidade, o desejo e o desafio de lado. É sabido que experiências mal
fadadas podem traduzir-se, mais tarde em bloqueios nas diversas áreas da vida, porém o
objetivo maior não pode ser uma volta ao passado na procura por algo que não “deu
certo”, por algum dispositivo que tenha gerado o “torpor”, mas sim uma viagem de cada
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um a si mesmo, em tempos diferentes para rever e caso desejem, fazer diferente nas
situações atuais.
Azoilda Trindade (2002) adverte sobre os corpos no cotidiano escolar
“movimentos de corpos vivos, relações corporais que implicam embates, conversas,
entendimentos e desentendimentos, encontros, desencontros, vida, muita vida.”
Analisando a partir deste olhar, fica difícil nos colocar como docentes, como
interventores deste/neste corpo se não nos dispormos a compreender esse corpo em toda
sua trajetória. Nós temos deixado que o aluno fale? Que conte sua trajetória? Ele tem
chance, através de das intervenções, de dialogar consigo mesmo?
E nessa trajetória, onde e como esse aluno está localizado agora, neste período?
A EJA vem trazer questões interessantes para a discussão. Qual é o papel, ou melhor,
papéis da escola? A pergunta é complicada, pois nos remete a uma análise do que se
têm em relação às diferentes concepções que estão na dinâmica escolar, tais como:
concepções de sujeito, aprendizagem, sociedade, cultura, etc.
Podemos arriscar que esta recusa em participar das aulas pode dever-se, em parte
às experiências corporais diversas que deixaram de ter e que poderiam ser constituintes
de sua corporeidade.
Segundo Daólio (1995), é possível discutir o corpo como uma construção
cultural...Tornar-se humano é tornar-se individual, individualidade esta que se
concretiza no e por meio do corpo. Pode-se dizer que o torpor não pode ser somente por
parte do aluno enquanto individualidade, mas é um evento cultural que tem constituído
uma marca nesse aluno. Essa construção cultural perpassa por suas experiências
anteriores, em seus grupos, em suas aulas de educação física no decorrer de sua história
de vida.
Considerando a importância da educação física, vale lembrar que Daólio diz que
“atuar no corpo implica atuar sobre a sociedade na qual esse corpo está inserido”
(Daólio, 1995, p.42), logo vale a insistência em repensar a nossa prática, legitimando
essa pessoa, esse aluno como um sujeito da vida social.
É importante também ressaltar que no destaque que estamos analisando, as
técnicas corporais podem ser aparentemente ausentes, já que os alunos que não querem
realizar as atividades demonstram uma paralisia. Mas é o contrário, acaba sendo uma
utilização da técnica corporal de afastar o professor e manter-se confortável, parado,
sem desafios.
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Esta técnica corporal, como tantas outras pode ser atribuída ao desejo, à opção
do aluno em expressar-se desta forma, mas, muitas vezes a escola, a sociedade na qual
está inserida dita, direta ou indiretamente, a forma como ela deve se comportar diante
das inúmeras situações da vida. No que se refere à escola, sabemos que há muitos
“nãos”, “não pode” e “ não é assim que se faz” no percurso/trajetória escolar dos
estudantes. São mantras que se levados ao pé da letra podem naturalizar-se e impedir
novas tentativas, criando assim posturas “encaixotadas”, prontas para serem usadas
diante de variados momentos da vida. Em se tratando da Educação Física Escolar, e na
EJA, percebe-se que em muitas aulas práticas, onde todos estão expostos, pelo menos
aparentemente, não é necessário o mantra já citado, basta algum olhar, alguma situação
onde a falta de cuidado do professor se faça presente, para que se desqualifique este
“corpo” e a ousadia que nos torna seres humanos capazes de enfrentar situações
adversas passe a ficar trancafiada, e a capacidade de adaptar-nos aos ambientes
diferentes passe a ser mais utilizada, fazendo com que nos acostumemos a ficar de lado,
a não tentar porque já sabemos que erraremos, ou pelo menos acreditamos nisso.
Desistimos assim de nos jogar, de arriscar e até de participar de ações simples, que
temos certeza que sabemos.
A forma indireta - mas evidente - de ditar os comportamentos e ações das
pessoas, neste caso os alunos da EJA, é a ideologia dominante, diante de tantas
contradições , que preconiza que a vida é assim, que as aulas de educação física são
assim mesmo, que devem ser para quem gosta e sabe, internalizando que o esporte e
outros conteúdos mais voltados para competição e utilização de habilidades/valências
físicas específicas não servem para todos.
Educação Física Escolar e EJA- caminho de possibilidades no território da cultura
A Educação Física chega à esse corpo como uma das tantas possibilidades de
tirá-lo de sua zona de conforto, desafiando-o e trazendo-o à atividade. Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs),
Entende-se que a Educação Física escolar como uma
disciplina que introduz e integra o aluno na cultura corporal
de movimento, formando o cidadão que vai produzi-la,
reproduzi-la e transformá-la, instrumentalizando-o para
usufruir de jogos, esportes, danças, lutas e das ginásticas em
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benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da
qualidade de vida. (vol.7, p.225)
Desta forma entendemos que as intervenções nas aulas de educação física na
EJA devam ter a preocupação de considerar que os jovens e adultos que ali estão tem
direito e possibilidades de acesso a múltiplas atividades que lhes façam sentido. Neste
aspecto é importante ressaltar que a oferta de vivências corporais deve aproximar-se de
seu interesse e oportunizar a curiosidade e experimentação.
Temos então alguns temas que podem ser propostos para as aulas na EJA:
capoeira, jogos e brincadeiras populares, ginásticas, danças que fazem parte de suas
vidas, jogos cooperativos, entre outros.
Corremos o risco de os alunos não quererem arriscar-se, mostrar-se, expor-se,
porém isso não é impedimento para a tentativa de desenvolver um trabalho coerente.
Podemos considerar também que muitos denotam dificuldades em participar das
atividades. Principalmente aquelas já citadas que tem como foco, evidente ou não, a
comparação, a competição.
Voltamos a pensar no fato de que os atores da escola (alunos, professores,
funcionários), a escola, a rua da escola, o bairro, a cidade, o estado, são elementos de
uma sociedade que ainda é composta/influenciada por um sistema binário, onde
vigoram algumas ideologias e padrões de tratamento, por exemplo, brincadeira é coisa
de criança, ginástica é coisa de mulher, futebol é para homens e escola é lugar para
ensinar. Este sistema muitas vezes difunde a idéia de que as alunas e os alunos da EJA
estão alocados fora do “tempo escolar”, como se este tipo /modalidade de ensino fosse
um arremedo da dita educação formal e que estes educandos devessem ser cuidados.
Nosso olhar nos permite saber que o trabalho com a EJA se propõem
diferenciado assim como qualquer outro no que se refere ao seu currículo, suas
estratégias, porém a “pessoa”, o ser humano que ali está é que vai nortear o trabalho,
afinal, vivemos tempos interessantes, em que buscamos enquanto educadores, não mais
fazer aquele planejamento anual, a ser entregue no início do ano letivo, com os
conteúdos já distribuídos em números de aulas, e sim convocamos os alunos para uma
construção coletiva de um planejamento executável e vivo.
Mais uma vez nos reportamos a Paulo freire, que diz que “ninguém educa
ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si mediatizados pelo
mundo‟.
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Fica difícil, quase impossível conceber um programa/planejamento de educação
física onde não se ouse ouvir a voz dos alunos, seus conhecimentos, suas necessidades,
seus interesses. Principalmente quando se trata de alunos jovens e adultos, onde as
experiências/marcas são o grande diferencial.
Acreditamos na incompletude de todo ser humano, que nos permite pensar que
não há uma “falta”, uma “ausência” de algo que estabelece uma dificuldade, e sim a
dinâmica humana em constante construção, em processo contínuo, onde cada um tem
sua bagagem, suas experiências.
Entre nós, mulheres e homens, a inconclusão se sabe como
tal. Mais ainda, a inconclusão que se reconhece a si mesma,
implica necessariamente a inserção do sujeito inacabado
num permanente processo social de busca. Histórico-sócioculturais, mulheres e homens nos tornamos seres em quem a
curiosidade, ultrapassando os limites que lhe são peculiares
no domínio vital, se torna fundante da produção do
conhecimento. Mais ainda, a curiosidade é já conhecimento.
Como a linguagem que anima a curiosidade e com ela se
anima, é também conhecimento e não só expressão dele
(FREIRE, 1996, p.55).
Aí entra uma Educação Física que se faça capaz de intervir sem com isso ditar o
trâmite do processo (tempo, conteúdos, abordagem) de forma a encaixotar/uniformizar
todos sem a maravilhosa distinção que nos faz únicos. Como intervir se muitos de nós
professores desconhecemos ou nos recusamos a dialogar com os símbolos apresentados
pelos alunos? Em princípio é preciso estudo, espaço de diálogo para que possamos abrir
a mente e decifrar o que está à nossa frente. Uma outra análise acerca da
indisponibilidade dos alunos fazerem a aula de educação física nos remete ao que essa
aula oferece.
Apresenta-se então uma questão bastante delicada para nós educadores. De onde
se fala? Para quem se fala? O que se fala? Como se fala? Por que e para que se fala?
Se o professor busca, em seu planejamento, considerar as concepções de
homem, de sociedade e educação que legitimam o aluno como sujeito histórico, como
ator do processo, já há certa distância percorrida para um trabalho de qualidade, pois as
ações não poderão ser estáticas, prontas, planejadas de forma irreversível. Pelo
contrário, é uma dinâmica evolutiva, experimentando, acertando, se equivocando,
refazendo. O fim do processo é importante, mas a caminhada vale muito, é ela que
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permite que apareça o que somos, o que vamos construindo. E o processo de
aprendizagem da educação física baseado na Cultura Corporal deve ser contextualizado.
Quando falamos em contextualização estamos considerando que os conteúdos
(conhecimentos científicos) da área de educação física devem estar bem próximos da
vida dos alunos, suas experiências, o mundo na qual ele habita. Mundo este com sua
cultura própria. Estamos tratando a os conteúdos da cultura corporal como patrimônio
da humanidade.
Se há então preocupação com esta questão pode-se dizer que acontece a
oportunidade de o aluno encontrar significado nas experiências vividas nas aulas de
educação física, de maneira que possa aplicar em seu cotidiano. E a educação física,
com suas infinitas/múltiplas possibilidades, deve trabalhar em prol de oferecer o
máximo de vivências corporais para os alunos, para que haja escolhas e desafios que
possam resultar em acréscimo para todos.
Essa oferta de vivências deve fazer parte de um conjunto de conhecimentos
trazidos por todos os envolvidos no processo, principalmente pelos educandos. É
imperioso ressaltar que não há conhecimento que possa tomar lugar da relação. Não tem
como estar em um espaço de aprendizagem, onde o corpo é a grande vedete e não nos
lançarmos ao outro, não nos disponibilizarmos para a troca.
Neste sentido, dialogando com Denise Najmanovich (2001, p.99), quando esta
diz que a perspectiva vincular traz à tona a necessidade de nos percebermos como seres
“forjados na história humana”, onde estamos sempre “profundamente entrelaçados”.
Estas afirmações são muito sérias! Elas nos colocam em evidência perante nós mesmos
e os outros, no caso os alunos, nos obrigando, ou melhor, nos oportunizando ampliar a
visão do que é viver, do que é ser um corpo com possibilidades de manifestação no
Planeta Terra e, em particular, nas aulas de educação física da EJA.
Esse panorama pode causar certo desconforto, por abalar nossas estruturas tão
“seguras”. Por outro lado permite abrir as porteiras da corporeidade de cada um de nós,
sem medo de ser exposto, sem medo dos erros, afinal o que vale é saber que somos (nós
e nossos alunos) seres possíveis, corpos possíveis.
Sendo assim, é preciso relatar que as observações sobre os alunos tem agora
novas possibilidades, diria libertadoras.
Como diz Denise Najmanovich “O corpo não é somente o território próprio, mas
o lugar de encontro” (op. cit., p.103). Entendi que não tem como estar só. É preciso
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estar junto, é assim que aprendemos, criamos, nos despojamos de nossas amarras do
egoísmo, da ignorância, do orgulho. Somente com o outro é que podemos ser quem
realmente somos, e isso é muito bom. Melhor ainda é ratificarmos que somos todos
seres incompletos. Isso nos proporciona uma perspectiva quanto aos nossos alunos da
EJA. Há possibilidades. Mesmo sendo eles adultos em sua maioria, podem ampliar seus
esquemas motores, seus desejos e vivências.
Tais reflexões nos deixam em situação bastante crítica. Onde? Como? Quando?
Podemos e devemos intervir de forma justa, coerente com nossa prática pedagógica de
forma que não atrapalhemos, não impeçamos o pleno aprendizado de nossos alunos?
Até que ponto as nossas construções equivocadas, às vezes irresponsáveis podem
prejudicar as construções do outro (aluno)?
Encontrei algumas considerações que me ajudaram muito a começar a responder
tais questões.
(...) tudo isso clama profundamente por uma nova
perspectiva para pensar tanto a corporalidade quanto a
subjetividade, o pessoal e o social, o ético e o estético,
reclama que sejamos capazes de nos repensar, de encontrar
novos sentidos, que só poderão nascer a partir de novas
formas relacionais, de procuras que estimulem as práticas da
liberdade e o entrelaçado dos afetos, que sigam o caminho
das “paixões alegres” e assim nos afastem das sombrias
trevas dos campos. (NAJMANOVIC, 2001, p.107)
Outro aspecto que merece destaque é a forma que enxergamos os alunos, sua
corporeidade. Ainda está na moda o termo tolerância, mas, após algumas análises e
leituras, fica claro que muitas vezes não nos dispomos ver, compreender e trazer para o
debate as diferentes formas, ou melhor, corporeidades dos outros, principalmente dos
alunos. Reforçamos que deve haver mais respeito às diferenças, mais paciência com
alunos, tendo em mente que eles têm muitas dificuldades, que estão defasados. Mas será
que desejamos e sabemos como trabalhar tais questões?
Gallo (2006) afirma que “Uma atitude de tolerância não significa o respeito à
liberdade do outro, mais justamente seu afrontamento, na medida em que escolho, por
mim e por ele, viver em um mundo “tolerante”” (op. cit., p.11).
Colocando essa percepção no cotidiano da escola, temos alunos que não querem
participar da aula porque, segundo o que relatam e evidenciam, são obesos, magros
demais, tímidos, preguiçosos, gays, religiosos, idosos, não habilidosos, entre outros.
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Nós professores também nos colocamos em posição de defesa em muitas situações.
Afirmamos que trabalhamos com x ou y tema porque não dominamos, não levamos
jeito, ou não gostamos. Aí está nossa dificuldade, que jogamos para debaixo do tapete.
Escondemos e não ficamos expostos, já os nossos alunos...
E nós vamos trabalhando, os dias vão passando - o que fazemos?
Temos então a responsabilidade, enquanto professores, de aceitarmos o convite a
uma “pedagogia da potência” (TRINDADE, 2002), de fazermos, através de nosso
trabalho, intervenções que fortaleçam, que oportunizem o pleno desenvolvimento
integral de nossos alunos.
Como diz Azoilda Loretto da Trindade, “Uma tal educação deseja que a vida
seja forte, que o corpo e o pensamento aumentem suas potências de agir e pensar e
aprendam o quanto antes a conviver com os perigos e desejar o desconhecido” (op. cit.,
p.86).
É isso! As primeiras reflexões foram feitas e registradas. Cabe agora a ação em
si. A mudança de muitos olhares, a revisitação de outros e a certeza de que é possível
desenvolver um trabalho de qualidade. Afinal estamos todos no mesmo barco
(educação), logo navegar é preciso e ao mesmo tempo impreciso. Precisamos de
coragem e compromisso.
Referências
DAÓLIO, Jocimar. Da Cultura do Corpo. Campinas: Papirus, 1995.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia, Saberes necessários à prática
pedagógica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra .
___________. Pedagogia do Oprimido, 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
GALLO, Silvio. Corpo ativo e a filosofia. In MOREIRA, Wagner (ORG.). Século XXIa era do corpo ativo. São Paulo: Papirus, 2006, p.9-30.
NAJMANOVICH, Denise. O Sujeito Encarnado – questões para pesquisa n/do
cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
TRINDADE, Azoilda loretto. Do corpo da carência ao corpo da potência: desafios
da docência. In: GARCIA, Regina Leite (org). O corpo que fala dentro e fora da
escola. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
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http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/propostacurricular - acesso em 25/09
/2010
EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR NA EJA: UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA
BASEADA NA PEDAGOGIA CRÍTICO-EMANCIPATÓRIA
Profª Esp. Maria Cristina Silva Torres (CIEP Brizolão 390 – [email protected])
O aprendizado está relacionado com os eventos que acontecem no mundo e influenciam
direta e indiretamente nossas vidas. Aprendemos na interação com os outros, na
comunicação com o corpo, com as palavras, com gestos, expressões etc. Os saberes da
Educação Física Escolar são construídos historicamente, devem ser usufruídos e
ressignificados, onde podem contribuir para o desenvolvimento humano, num contexto
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político, social, cultural, econômico, filosófico, entre outros. No contexto educacional, a
Educação Física pode trazer grandes contribuições aos jovens e adultos, através de seus
conteúdos, fazendo com que os alunos pensem criticamente, sejam conscientes de seus
atos, criativos, participativos e que reivindiquem uma sociedade justa e igualitária. A
prática pedagógica da educação física desenvolvida na EJA pode contribuir para
desmistificar o que está inserido na sociedade, pelo senso-comum, que utilizam os
conhecimentos acríticos que nascem das experiências do cotidiano. Esses
conhecimentos fazem com que muitas pessoas afirmem que os conteúdos da Educação
Física são os esportes, visto que, por muitos anos somente estes conteúdos foram
transmitidos nas aulas, sendo o professor alguém que buscava talentos e aprimorava
técnicas dos alunos mais habilidosos. Essa relação com o saber deve acontecer de modo
que o professor seja o mediador e o facilitador deste processo, levando seus alunos a
transgredirem do senso-comum à consciência filosófica. De outra forma, o professor
estaria ensinando e os alunos aprendendo uma prática pedagógica sem objetivos,
ensinando por ensinar, fazendo por fazer, sem questionar o porquê dos conteúdos que
estão sendo desenvolvidos nas aulas. Sabe-se que essa mudança é difícil, pois ir contra
uma ideologia que domina e impera, acarreta muito desgaste e incessante luta, mas é
possível uma prática pedagógica voltada para a formação de jovens e adultos
autônomos, críticos e conscientes de seus atos.
Palavras-chave: conscientização, criticidade, EJA, educação física.
Introdução
A motivação deste trabalho foi propiciada pela observação de raros estudos na
Educação Física Escolar sobre a prática pedagógica desta disciplina na Educação de
Jovens e Adultos (EJA). Ao iniciar um trabalho com a EJA no Centro Integrado de
Educação Pública – CIEP Brizolão 390 – Chão de Estrelas, localizado no Município de
Nova Iguaçu – RJ, foi observado o quanto é desafiador lecionar aos jovens e adultos
que têm suas características pessoais, sociais, profissionais e culturais. O senso-comum
estava fortemente presente na minha prática de ensino e quanto ao que os alunos
imaginavam ser o conteúdo da educação física, ou seja, definiam como sendo os
esportes de quadra. Muitos diziam que não gostavam da disciplina porque não
praticavam esportes ou não gostavam de bola, futebol ou ter que correr.
O trabalho, no entanto, começou justificando o ensino da educação física no
ensino noturno e, conseqüentemente, na EJA. Aulas expositivas, debates e mostra de
alguns dos conteúdos a serem ensinados e dialogados foram acontecendo e mudanças de
opiniões e comportamentos foram surgindo. Porém, não se via relação entre a teoria e a
prática nas aulas. O conteúdo teórico estava pautado em questões de saúde e qualidade
de vida e a aulas práticas eram voltadas para o divertimento com jogos cooperativos.
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Os estudos no Curso de Especialização em Educação Física Escolar na UFF
ampliaram as minhas concepções de ensino, provocando mudanças significativas no
trabalho realizado no CIEP 390. O diálogo e as reflexões sobre os conteúdos passaram a
ser fundamentais, juntamente com a abertura à participação efetiva dos alunos.
Motivar os alunos a participarem de maneira crítica e autônoma nas aulas
também pode ser um dos objetivos dos professores, uma vez que esses jovens e adultos
não tiveram acesso ou continuidade dos estudos em idade equivalente. Muitos são os
motivos pelos quais não estudaram ou desistem de estudar, tais como, econômico,
familiar, cultural, entre outros.
O motivo econômico é justificado porque quase todos precisam trabalhar, visto
que são da classe desfavorecida, onde em alguns casos, não podem conciliar horários de
trabalho e estudo. Outro motivo é o familiar, porque alguns, principalmente as
mulheres, têm a dupla jornada, a de trabalhar fora e dentro de casa, cuidando da família.
Ainda têm os motivos de ordem cultural e social, uma vez que, os mais velhos sentemse receosos em “voltar” a estudar, achando que serão discriminados pelos mais jovens
ou pensam não ter mais condições mentais para acompanhar o ensino das disciplinas.
Esta atuação profissional deseja contribuir com a formação de jovens e adultos
emancipados, uma vez que os saberes são contextualizados na realidade dos alunos,
levando-os a refletirem e a questionarem a utilidade deles para suas vidas. Com isso,
pretende-se formar cidadãos críticos, autônomos, conscientes de seus atos numa
sociedade que contempla desigualdades e injustiças sociais para a transformação dessa
realidade.
O aprendizado está relacionado com os eventos que acontecem no mundo e
influenciam direta e indiretamente nossas vidas. Aprendemos na interação com os
outros, na comunicação com o corpo, com as palavras, com gestos, expressões etc.
Os saberes da educação física escolar são construídos historicamente, devem ser
usufruídos e ressignificados, onde podem contribuir para o desenvolvimento humano,
num contexto político, social, cultural, econômico, filosófico, entre outros. Segundo
Charlot (2000, p. 60) “adquirir saber permite assegurar-se um certo domínio do mundo
no qual se vive, comunicar-se com os outros seres e partilhar o mundo com eles, viver
certas experiências e, assim, tornar-se maior, mais seguro de si, mais independente”.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA), de acordo com a Lei de Diretrizes e
Bases da Educação (BRASIL, 96), é destinada àqueles que não tiveram acesso ou
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continuidade de estudos no ensino fundamental e médio na idade equivalente. Algumas
razões de caráter social, econômico e cultural podem ter influenciado esse contexto,
onde Cupolillo (2001, p.184) descreve que “O retrato da realidade atual revela que as
políticas educacional, social e econômica, sob a égide do neoliberalismo hegemônico,
estimulam e confirmam a exclusão dos indivíduos que, pretensamente, deveriam
favorecer”.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos
(BRASIL, 2000) descrevem que o objetivo do ensino nessa modalidade da educação é
formar e incentivar o leitor de livros e as múltiplas linguagens visuais juntamente com
as dimensões do trabalho e da cidadania.
No contexto educacional qual seria o papel da educação física na formação
social, profissional e humana dos alunos da EJA? É possível o ensino de uma Educação
Física que possa contribuir com a formação de alunos emancipados, autônomos,
críticos, reflexivos, conscientes, participativos e atuantes numa sociedade marcada pela
desigualdade?
Nos estudos de Kunz (2006) ele revela o quanto o homem é alienado nas
sociedades atuais, com o avanço da tecnologia e o crescimento da indústria cultural.
Podemos observar que esse processo de alienação acontece também na escola e
especificamente nos conteúdos lecionados, mas com o esclarecimento e a análise crítica
desses saberes essa realidade pode ser modificada.
A educação física escolar pode trazer grandes contribuições aos jovens e adultos,
através de seus conteúdos, fazendo com que os alunos pensem criticamente, sejam
autônomos, criativos, participativos e que reivindiquem uma sociedade justa e
igualitária. Nesse sentido, Barbosa (2004, p.21) relata que “o principal papel da
Educação Física Escolar, incluída num contexto mais amplo, que é a Educação, é de
formar cidadãos críticos, autônomos e conscientes de seus atos, visando a uma
transformação social”.
Segundo Freire (2001) o educador deve contribuir para que o saber anterior dos
alunos, influenciado pelo senso-comum, seja superado por um saber mais crítico e
menos ingênuo em sua atuação no mundo. O currículo da educação física possui temas
amplos e diversificados, portanto, podemos levar os alunos a refletirem, a questionarem
a utilidade desses conhecimentos, para que eles transcendam os livros, a sala de aula, a
15
quadra de aula, entre outros espaços para construção de saberes, os quais visam uma
preparação profissional e humana.
A Educação Física Escolar e os Desafios da Prática Pedagógica
Os estudos na área da educação física escolar têm evoluído significativamente, e
isso, deve-se em grande parte à contribuição da Filosofia, da Sociologia, da
Antropologia, da Psicologia, entre outras áreas que estudam o homem e suas relações no
mundo. Mas, infelizmente, muitas universidades oferecem a graduação em Educação
Física dando maior ênfase e destaque às disciplinas que ensinam os esportes, o
treinamento desportivo ou ainda, aquelas que dissociam corpo e mente.
Barbosa (2005, p. 52) descreve que “nos cursos há uma ênfase no aspecto
técnico da formação profissional, priorizando as disciplinas ditas „específicas‟ ou
profissionalizantes, em detrimento das disciplinas que fazem parte do campo das
Ciências Humanas”, que segundo Chauí (apud BARBOSA, 2005), referem-se àquelas
ciências que tem o próprio ser humano como objeto.
É importante em nossa prática diária, como educadores e profissionais, termos
consciência de que os saberes da educação física que transmitimos são necessários ao
processo de ensino-aprendizagem. Esse processo pode contribuir para desmistificar o
que está inserido na sociedade, pelo senso-comum, que utilizam os conhecimentos
acríticos que nascem das experiências do cotidiano.
Esses conhecimentos fazem com que muitas pessoas afirmem que os conteúdos
da educação física são os esportes, visto que, por muitos anos somente estes conteúdos
foram transmitidos nas aulas, sendo o professor alguém que buscava talentos e
aprimorava técnicas dos alunos mais habilidosos.
Não se pretende afirmar que os referidos esportes não façam parte dos saberes
culturalmente e historicamente transmitidos pelo homem e que devam ser abolidos das
aulas na EJA, mas levanta-se a possibilidade de se dialogar e de se construir
coletivamente saberes significativos para os educandos, com consciência de sua
importância, assumindo uma postura crítica e reflexiva do que acontece nas aulas.
Essa relação com o saber deve acontecer de modo que o professor seja o
mediador e o facilitador deste processo, levando seus alunos a transgredirem do sensocomum à consciência filosófica.
16
De outra forma, o professor estaria ensinando e os alunos aprendendo uma
prática pedagógica sem objetivos, ensinando por ensinar, fazendo por fazer, sem
questionar o porquê dos conteúdos que estão sendo desenvolvidos nas aulas, ou seja,
dançando conforme a música tocada pelas elites dominantes. Nesse contexto Luckesi
(1990, p.98) relata que “se não buscarmos o sentido e o significado crítico, consciente e
explícito da ação docente, seguimos o sentido e significado dominante desse
entendimento que se tornou senso-comum”.
Sabe-se que essa mudança é difícil, pois ir contra uma ideologia que domina e
impera, acarreta muito desgaste e incessante luta, mas é possível uma prática
pedagógica voltada para a formação de jovens e adultos autônomos, críticos e
conscientes de seus atos.
A Educação Física Escolar na EJA sob a Concepção Crítico-Emancipatória
A escola acaba sendo um dos espaços propícios à imposição de uma
determinada cultura, de certos saberes alienados, daquilo que é permitido fazer, segundo
uma classe social, como afirmam Nogueira e Nogueira (2004, p.83), com bases em
estudos de Bourdieu, “ela é concebida como uma instituição a serviço da reprodução e
da legitimação da dominação exercida pelas classes dominantes”.
Analisamos com os estudos de Cotrim (apud BARBOSA 2004, p.18) que há
uma saída para usufruirmos os conhecimentos da elite, pois “ao receber o saber
dominante, ainda que contaminado pela ideologia oficial, as classes dominadas terão a
chance de reelaborar criticamente este saber, contrastando-o com a realidade concreta
de suas vidas”.
Com base nesses esclarecimentos, procuramos justificar a prática pedagógica da
disciplina educação física na EJA, através da Pedagogia Crítico-Emancipatória, do autor
Elenor Kunz, onde revela que o trabalho desta pedagogia “precisa, na prática, estar
acompanhada de uma didática comunicativa, pois ela deverá fundamentar a função do
esclarecimento e da prevalência racional de todo agir educacional” (KUNZ, 2006, p.31).
Nesse contexto, onde o aluno é o sujeito do processo de ensino, as aulas devem preparar
e capacitar os jovens e adultos para se expressarem, refletindo criticamente e
problematizando os eventos inerentes à sociedade.
17
Para Adorno (1995), um dos autores que influenciaram os estudos de Kunz
(2006) emancipação significa o mesmo que conscientização e racionalidade de uma
realidade em questão, e assim, com o ensino da educação física escolar pretende-se
colaborar com os jovens e adultos, utilizando práticas educativas que os façam agir com
autonomia em seus contextos sociais. Também pode contribuir para uma
conscientização das boas e más influências sociais, para uma leitura crítica da realidade
e do contexto histórico, social, político e cultural.
É importante que os estudantes conheçam os vínculos sociais de dominação e
alienação que acontecem nos esportes, na política, nos sistemas de ensino, nas
empresas, entre outros ramos. Sobre essa questão, Kunz (2006) descreve:
O aluno enquanto sujeito do processo de ensino deve ser
capacitado para sua participação na vida social, cultural e
esportiva, o que significa não somente a aquisição de uma
capacidade de ação funcional, mas a capacidade de
conhecer, reconhecer e problematizar sentidos e significados
nesta vida, através da reflexão crítica. (op. cit., p. 31)
Habermas (apud KUNZ, 2006) contribui com seus estudos relatando que,
através do esclarecimento, a classe desfavorecida poderá reconhecer a origem e os
determinantes da dominação e da alienação imposta pela elite dominante. O mesmo
autor analisa a importância do trabalho coletivo de forma responsável, da interação
entre todos os envolvidos no processo educacional e das ações comunicativas, que
abrangem os diversos meios de comunicação, como, a linguagem dos movimentos, a
linguagem verbal, a linguagem gestual, linguagem por imitação etc.
Neste trabalho não se pretende um aprofundamento nos estudos de Kunz, mas a
concepção crítico-emancipatória possibilita grandes avanços no processo ensino e
aprendizagem, ou seja, o aluno tem mais espaços e oportunidades em dialogar e de se
posicionar nas aulas. Assim, para o referido autor essa pedagogia busca alcançar com as
atividades corporais de movimentos, o desenvolvimento da autonomia, da competência
social, através da interação e da competência objetiva, sendo essa, os conteúdos
específicos da disciplina, ou seja, os saberes culturais e historicamente acumulados, que
são apresentados aos alunos e analisados criticamente.
18
As atividades corporais de movimentos na EJA podem ser integradas à proposta
de ensino dos conteúdos da cultura corporal, em seu sentido mais amplo. Barbosa
(2004) explica sobre a importância das aulas de Educação Física e seus conteúdos nas
escolas:
(...) aulas de Educação Física de qualidade são as que através
dos conteúdos específicos da disciplina, trabalham
reforçando a solidariedade, o trabalho em equipe, a
resolução de problemas que surjam nas atividades... Dessa
forma, poderemos dizer que a escola em geral, e a Educação
Física especificamente, estão preparando os alunos para a
vida, para o exercício de uma real cidadania (op. cit., p.91).
Nas aulas de educação física na EJA observa-se alunos de diversas faixas etárias,
onde quase todos passam em média oito horas de serviço por dia, alguns se deparam
com viagens exaustivas de ida e volta para o trabalho, outros, na maioria as mulheres,
ainda têm os afazeres domésticos e família para cuidar, tornando-se um grande desafio
permanecer na escola.
A prática pedagógica da educação física escolar na EJA deve contribuir na
formação desses jovens e adultos, entendendo suas características (idade, sexo,
profissão, família, saúde e etc.) e seus anseios. É importante colaborar para a
construção, junto com os alunos, de um ambiente favorável ao aprendizado dos saberes
significativos, que façam sentido para suas vidas, que os façam criar, elaborar,
modificar, avaliar, experimentar, sentir, pensar, agir, entre outras ações.
Conteúdos envolvendo questões observadas no dia-a-dia dos alunos são de
extrema importância para contribuir com algumas mudanças de hábitos, de
pensamentos, de atitudes e de qualidade em suas vidas. É necessário (re) construir, (re)
elaborar, (re) criar e (re) significar saberes que darão bases para uma formação cada vez
mais humana, cada vez mais integrada com o não conformismo social.
Os saberes construídos nas aulas podem contemplar além dos esportes, das
danças, das lutas e das ginásticas, conhecimentos sobre corpo humano, saúde, qualidade
de vida, nutrição, políticas públicas de lazer, primeiros socorros, questões de gênero e
sexualidade, entre inúmeros outros.
Juntamente a esses conteúdos, os professores da área de educação física também
podem transmitir saberes que estudam o homem e seus determinantes sociais, assim
19
estarão contribuindo para o estudo dos conhecimentos da Educação Física com um
olhar mais crítico e mais consciente.
Veja a seguir algumas propostas de conteúdos desenvolvidas no primeiro
semestre do Primeiro Ano do Ensino Médio – EJA, no ano de 2009, no CIEP Brisolão
390 – Chão de Estrelas:
EIXOS
TEMÁTICOS
OBJETIVOS
CONTEÚDOS
ESTRATÉGIAS
PERCEPÇÃO
CORPORAL
Conhecer os tipos de
estresses existentes,
os agentes causadores
e como cuidar desse
problema.
Estresses de natureza
bioquímica,
física,
mental
e
social.
Benefícios
dos
exercícios
de
alongamento
e
relaxamento para o
corpo.
Aulas
expositivas
com
prática
de
exercícios
de
alongamento
e
relaxamento corporal.
Diálogos e reflexões
sobre o tema.
POSTURA
CORPORAL
Analisar a posição
postural em diversos
ambientes, conhecer
os riscos decorrentes
de
posturas
inadequadas
e
experimentar alguns
métodos
de
prevenção
de
problemas posturais.
Conhecendo as
Lesões por Esforços
Repetitivos(L.E. R) e
o Distúrbio
Osteomuscular
Relacionado ao
Trabalho (D.O.R. T).
Os métodos de
prevenção. A
importância dos
exercícios físicos
para a postura
corporal.
Aulas expositivas e
mostra de reportagem
em video sobre o
tema. Trabalho em
grupo. Aulas práticas
com exercícios de
alongamento,
ginástica
muscular
localizada
e
relaxamento corporal.
SAÚDE E
QUALIDADE DE
VIDA
Investigar
e
identificar os males
causados
pelo
sedentarismo.
Conhecer
a
importância
de
realizar
exercícios
físicos regularmente.
Sedentarismo e suas
conseqüências para a
saúde. Os benefícios
para
o
corpo
proporcionados pela
prática regular de
exercícios
físicos,
como por exemplo, a
danças circulares.
Aulas
expositivas.
Conversas e debates
com a turma sobre
nossos
hábitos
diários.
Aulas
práticas com danças
circulares propostas
pelo professor e pelos
alunos.
(PARTE I)
20
A seguir, uma proposta de conteúdos desenvolvida no segundo semestre de
2009, na turma do Segundo Ano do Ensino Médio - EJA do CIEP Brizolão 390 – Chão
de Estrelas:
OBJETIVOS
CONTEÚDOS
ESTRATÉGIAS
SAÚDE E
QUALIDADE DE
VIDA (PARTE II)
Conhecer os perigos
da obesidade e da
hipertensão arterial.
Investigar
como
medi-las e como
preveni-las.
Obesidade e seus
riscos à saúde; meios
de prevenção; cálculo
do Índice de Massa
Corporal e medição
da
circunferência
abdominal.
Hipertensão arterial e
seus riscos à saúde;
meios de prevenção e
aferição da pressão
arterial.
Aulas expositivas e
mostra de reportagem
sobre a obesidade e
hipertensão arterial.
Aulas práticas de
medição
da
circunferência
abdominal e aferição
da pressão arterial.
CORPOREIDADE
E JOGOS
COOPERATIVOS
Conhecer questões da
corporeidade;
compreender
diferenças entre
competição e
cooperação e
conhecer os objetivos
dos jogos
cooperativos.
Corporeidade e Jogos
Cooperativos no
contexto social,
histórico e cultural.
Aulas expositivas,
debates sobre o tema
e aulas práticas com
jogos cooperativos.
EIXOS
TEMÁTICOS
Segundo Freire (2001) os conteúdos a serem ensinados aos jovens e adultos não
podem ser totalmente estranhos a eles, como também, não há prática educativa sem os
conteúdos e que através do ensino desses, os educadores podem e devem levar os alunos
a pensar criticamente. A educação física tem um currículo diversificado, rico, aberto,
flexível, com temas e saberes transmitidos social, cultural e historicamente que podem
colaborar no desenvolvimento social, cognitivo, profissional, psicológico e afetivo dos
alunos.
Para que isso aconteça na Educação de Jovens e Adultos, é necessário construir
um currículo objetivando a formação de alunos capacitados para atuarem na sociedade
atual, que não nega ser injusta, competitiva e individualista, contribuindo para o
21
desenvolvimento de pessoas conscientes, que reivindicam direitos, melhores condições
de vida, sistema educacional de qualidade, igualdade social e humana.
Considerações Finais
O Curso de Especialização em Educação Física Escolar na Universidade Federal
Fluminense fez grandes contribuições ao trabalho que desenvolvo nas escolas públicas.
Trabalho com crianças, adolescentes, jovens e adultos, porém na EJA essa prática
pedagógica é diferenciada e desafiadora. Observo que poucos trabalhos são
direcionados a essa modalidade de ensino, especificamente na Educação Física Escolar,
sendo difícil buscar fontes que possam orientar e contribuir com minha ação docente.
Os estudos, debates e reflexões que surgiram nas aulas do curso de
especialização foram de grande valia para que o senso-comum, outrora muito presente
em minhas concepções de trabalho, fosse esclarecido, cedendo lugar ao pensamento
mais crítico e observador de questões sociais e humanas. Em algumas aulas por mim
ministradas não existiam relações entre teoria e prática, simplesmente as aulas práticas
eram propostas objetivando o lazer e o movimento, conforme uma Educação Física
alienada.
Pretendo colaborar com os alunos da EJA, levando-os à reflexão de uma
educação física para além da escola, do movimento corporal e dos conteúdos. Dessa
maneira poderei contribuir para a formação de alunos livres, autônomos, conscientes e
esclarecidos e que busquem não só a capacitação para o mundo do trabalho, mas
também para a vida. Entendo que esse deve ser nosso objetivo enquanto educadores.
Referências
ADORNO, Theodor W. Educação e Emancipação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1995.
BARBOSA, Cláudio Luís de Alvarenga. Educação Física Escolar: as representações
sociais. Rio de janeiro: Shape, 2001.
_______. Educação Física Escolar: da alienação à libertação. 4. ed., Petrópolis:
Vozes, 2004.
_______. Educação Física e Filosofia: a relação necessária. Petrópolis: Vozes, 2005.
BRASIL. Parecer CNE/CEB 11/2000. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação de Jovens e Adultos.
22
_______. Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9394/96.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto
Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
CUPOLILLO, A. V.; SOARES, A. M. D.; OLIVEIRA, L. M. T.; PAULA, L. A. L. &
CHIQUIERI, A. M. C. Educação de Jovens e Adultos: a experiência da UFRRJ com
o Programa Alfabetização Solidária. In: Rev. Univ. Rural, Sér. Ciênc. Humanas. Vol.
23(2): 183-188, jul./dez. 2001.
FREIRE, Paulo. Política e educação: ensaios. São Paulo: Cortez, 2001.
KUNZ, Eleonor. Transformação didático-pedagógica do esporte. 7. ed., Ijuí: Unijuí,
2006.
LUCKESI, Cipriano Carlos. Filosofia da Educação. 1ª ed. São Paulo: Cortez, 1990.
NOGUEIRA, Maria Alice e NOGUEIRA, Cláudio M. M. Bourdieu e a Educação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E CORPOREIDADES
Profª Dr Rosa Malena Carvalho (UFF / [email protected])
Considerando que produzimos, coletivamente, diferentes sentidos para o que dizemos
ser “corpo”, os movimentos, os esportes, as lutas, as danças, enfim, as diversas
experiências corporais e lúdicas, nos processos de escolarização, podem ser entendidas
como direito e como produção sócio-cultural. O que significa falar em corporeidades, a
qual indica os corpos como conhecimentos, linguagens e patrimônio cultural, inseridos
em contextos que constroem maneiras específicas de (re)conhecê-los. Com a
colaboração de Michel de Certeau, Boaventura Santos, Humberto Maturana, Jorge
Larrosa e Gilles Deleuze, problematizo as concepções predominantes sobre o corpo, as
quais são frutos de ideário linear e cartesiano que naturalizam as condições sóciohistóricas formadas e formadoras de nosso contexto, inclusive na idéia que hierarquiza
23
os seres humanos - de acordo com a etnia, o gênero, a opção sexual, o tônus muscular, a
idade, etc. Ao questionar estas concepções, no diálogo com os diferentes saberes e
sujeitos que compõem a Educação de Jovens e Adultos (EJA), busco fortalecer o
entendimento da educação como direito, em processo que é permanente e, o qual pode
favorecer formas societárias solidárias e heterogêneas, com diferentes sujeitos, saberes,
tempos e espaços, em um conjunto de múltiplas oportunidades educativas que ampliem
as maneiras de encaminhar todas as dimensões da vida, inclusive nas escolas. Neste
movimento, a educação física escolar traz algumas contribuições.
Palavras-chave: corporeidades, EJA, multiplicidade, cotidianos escolares.
Conhecimento e escolarização “corporificados”
(...) Muita coisa a gente faz
Seguindo o caminho que o mundo traçou
Seguindo a cartilha que alguém ensinou
Seguindo a receita da vida normal
Mas o que é vida afinal?
Será que é fazer o que o mestre mandou?
É comer o pão que o diabo amassou
Perdendo da vida o que tem de melhor (...)
(“Verdade Chinesa” música de Carlos Colla e Gilson,
cantada por Emílio Santiago)
As músicas, filmes, poesias, histórias - produções ricas em imagens visuais,
auditivas e verbais, possibilitam perceber e imaginar outras culturas, com diferentes
formas de falar, andar, enfim, interagir com o mundo. Vejo, ouço o filme, a poesia, a
música, as histórias, imaginando aquelas situações e pessoas, em um processo de
associação e reconhecimento da realidade em que vivo...
Porém, como relacionamos as experiências, suas associações e reconhecimentos
com a atitude de conhecer, aprender? Libâneo (1995) ao pensar a aprendizagem como
uma relação entre o sujeito e o conhecimento, defende que o conjunto de habilidades,
hábitos, modos valorativos e atitudinais organizados pelas escolas, poderiam ter como
objetivo principal levar os alunos a colocá-los em interação com suas práticas
cotidianas.
Nos processos predominantes de escolarização, quais perspectivas de sociedade,
ser humano e conhecimento são privilegiados na organização dos tempos, espaços e
24
saberes presentes no interior das instituições escolares? Como estas idéias e valores
sobre corpo, movimento, ludicidade e lazer foram sócio-culturalmente constituídos?
Quando olhamos para o interior da escola, encontramos a Educação Física como
área do conhecimento “responsável” por tratar e educar o corpo, seus hábitos e
movimentos. Por sua vez, a forma como seleciona os conteúdos específicos, os
desenvolve, a relação que estabelece com as demais áreas do conhecimento acabam
valorizando um determinado tipo de técnica (em particular, a excelência dos gestos de
alguns
esportes,
em
sua forma competitiva), negando outras
experiências,
principalmente dos que fazem parte dos grupos e camadas socialmente desfavorecidas auxiliando, assim, a excluir as histórias e a memória corporal daqueles que têm suas
histórias e memórias normalmente despotencializadas, apagadas. Neste movimento
curricular, o corpo ideal de aluno ainda é o imóvel, em silêncio, jovem, saudável, limpo,
disciplinadamente trabalhando as atividades propostas...
Ao mesmo tempo, olhando com curiosidade e estranhamento para o nosso dia-adia, encontraremos cenas, situações, acontecimentos que materializam a não
subordinação dos sujeitos ao silêncio e à imobilidade. Podendo, assim, compreender
como exemplos de criatividade e não conformismo o que anteriormente só entendíamos
como apatia, desinteresse, carência e não aprendizagem. Certeau (2002) refere-se a essa
interferência dos sujeitos sobre as regras através da idéias de uso – ou seja, as
imprevisíveis e diferentes maneiras, criadas pelos sujeitos, diferentes do previsto pelo
poder instituído...
Na concepção ainda predominante de conhecimento, as diversas experiências
dos sujeitos constituem-se ora em obstáculo daquilo selecionado para ensinar e aprender
na escola, ora percebidas em sentido utilitarista, ou seja, como algo menor, que serve
apenas de meio para o que de importante a escola selecionou como conhecimento
válido. Por isso, muitos ainda percebem as brincadeiras, por exemplo, dissociadas de
aprendizagem, de atividade culturalmente produzida ou, como meio de aprender o que é
“mais importante”, como Matemática, Português, ...
Talvez nós, professores, aprendemos a valorizar pouco às nossas experiências
cotidianas... Quase um
(...) sujeito incapaz de experiência, aquele a quem nada
acontece, seria um sujeito firme, forte, impávido, inatingível,
erguido, anestesiado, apático, autodeterminado, definido por
seu saber, por seu poder e por sua vontade. (LARROSA,
2004, p. 163)
25
Uma das experiências pouco valorizadas é o movimento e a expressão corporal,
principalmente o que realizamos em nosso tempo livre – pela conjuntura perversa em
que vive a grande maioria da população brasileira: trabalhando para sobreviver... pela
lógica capitalista / mercantilista que diz que “tempo é dinheiro”... Assim, o
divertimento, a alegria, o espontâneo ainda está localizado na criança, permitindo-lhe
brincar e jogar. Na medida em que os alunos avançam na idade e na escolarização, esta
discussão vai perdendo espaço, pois a seriedade impera em uma sociedade em que
“muito riso é sinal de pouco siso”...
E os alunos e alunas da EJA, com quais experiências corporais circulam nas
escolas? Valorizadas? Negadas?
A experiência é o que nos passa, ou o que nos acontece, ou o
que nos toca. Não o que passa ou o que acontece, ou o que
toca, mas o que nos passa, o que nos acontece ou o que nos
toca. A cada dia passam muitas coisas, porém, ao mesmo
tempo, quase nada nos passa. Dir-se-ia que tudo o que passa
está organizado para que nada nos passe. (LARROSA, op.
cit., p. 154)
Seguindo estas pistas de Larrosa, podemos dizer que experiência é tudo que nos
afeta – corporal, emocional e cognitivamente... Ao aproximarmos estas idéias com os
processos de escolarização, os quais priorizam o “pensamento”, entendido como
capacidade exclusiva do cérebro, concordamos com Lovisolo (1989), quando este diz
que pensar é abstrair, mas a partir das semelhanças e diferenças existentes, a partir de
uma realidade e tradição que registram seletivamente o vivido. O que inclui tudo que
tocamos, cheiramos, vemos, fazemos - explorando sentidos, entendendo-os como
conhecimentos... Por que, então, deixar o corpo, suas expressões e significados “de
fora” do projeto pedagógico que construímos?
O corpo compreendido isoladamente da natureza e da sociedade é abstrato,
distante da realidade em que se faz. Ao situá-lo em sua realidade histórica, cultural e,
portanto, social, percebemos que as formas de conhecer o corpo estão inseridas nas
relações e sentidos sociais (produto coletivo da vida humana). Ao pensar assim, falamos
em corporeidade, a qual
26
(...) pretende expressar um conceito pós-dualista do
organismo vivo. Tenta superar as polarizações semânticas
contrapostas (corpo/alma; matéria/espírito; cérebro/mente)
(...) constitui a instância básica de critérios para qualquer
discurso pertinente sobre o sujeito e a consciência histórica.
(ASSMANN, 2001, p. 150.)
O corpo que era visto como um dado (“natural”, “divino”), é colocado como
construção/processo pela corporeidade - nos permitindo questionar paradigmas pautados
no dualismo, na linearidade, nas hierarquias, nas formas cartesianas de habitar e
compartilhar o mundo. Afirmar a diversidade de corporeidades pode significar, como
diz Bruhns (1999), fortalecer um corpo-sujeito, superando o conceito de corpo-objeto
que constitui as sociedades capitalistas, como a nossa (cujas principais características
deste sistema estão associadas ao rendimento; às normas de comparação, idealizando o
princípio de sobrepujar; à regulamentação rígida; à racionalização dos meios e técnicas
– mantendo e reproduzindo desigualdades e hierarquias sociais). Em outra perspectiva,
valorizar múltiplas formas de expressões corporais - incluindo as habitualmente
excluídas e negadas - pode auxiliar a organizar e dar sentido emancipador à escola.
Na materialização de projetos educacionais, quando consideramos a necessidade
de “partir do aluno, conhecer e socializar suas experiências de vida, para adequar os
novos conhecimentos que serão ensinados aos interesses e ao seu nível de compreensão,
garantindo desta forma que ele avance (...)” (FARIA, 1986, p. 84), expressamos um
determinado sentido social para nosso trabalho na escola pública. Assim, poderemos
contribuir para a superação da exploração e da exclusão em que vive a maior parte da
população. O que significa necessidade e desejo por diferentes formas de ser e existir.
Neste processo, a corporeidade pode constituir-se em uma possibilidade de
pensarmos o humano e os sentidos que damos à condição humana - assim, corpo
individual e corpo coletivo articulam-se, formando-se dialeticamente. Maturana e
Varela (1997) afirmam que os sistemas vivos se auto-organizam por processos que
envolvem todas as partes, de formas altamente complexas e capazes de manterem e
reproduzirem a vida, conservando sua capacidade autopoiética - ou seja, sua condição
de auto-organização. O que convida a pensar o quanto nosso corpo é múltiplo – pela
autopoiese, pelas potências, virtualidades e limites, o que inclui o diálogo, as
adaptações, as mudanças, as rupturas..
27
Assim, os sentidos coletivos, comuns, partilhados, gerais, tradicionais (por
„marcarem‟ uma história comum) se entrelaçam com os sentidos tecidos por cada
indivíduo, de forma particular, singular – o que nos faz pensar nas inúmeras
experiências que jovens e adultos têm a compartilhar nos processos de escolarização.
A ludicidade como uma das marcas da corporeidade na Educação de Jovens e
Adultos (EJA)
Neste país de pouca renda
senhoras costurando
pela injustiça vão rezando
da Bahia ao Espírito Santo
Brasília tem suas estradas
mas eu navego é noutras águas
E como começo de caminho
quero a unimultiplicidade
onde cada homem é sozinho
a casa da humanidade
(Brasil Corrupção (Unimultiplicidade).
Música de Ana Carolina e Tom Zé.)
Nossa Constituição estabelece que "a educação é direito de todos e dever do
Estado e da família..." e ainda, que o Ensino Fundamental é obrigatório e gratuito, sendo
sua oferta garantida para todos os que a ele não tiveram acesso na idade própria. Mas, o
que significa garantir o direito à educação? Aprender precocemente os conteúdos
escolares? Sendo jovem e adulto, considerá-lo uma obrigação imposta pela lei, pois o
“tempo de aprender passou”? Como fica o direito ao lúdico, ao lazer, à expressão livre e
criadora, à curiosidade, ao desejo de aprender mais, cada vez mais?
Observando os anos iniciais do Ensino Fundamental, encontramos o predomínio
do tratamento disciplinar dos conteúdos escolares, com a presença do jogo e da
brincadeira como meio de extravasar as tensões diárias... Ou, outro lado da mesma
moeda, impera-se a perspectiva propedêutica - como a psicomotricidade, que ganha
espaço em função de objetivar preparar as crianças para o processo de alfabetização ou,
com a perspectiva de corrigir possíveis distúrbios motores (os quais também poderiam
comprometer a aprendizagem da leitura e da escrita).
28
Dentro deste quadro, também existem experiências que procuram refletir sobre o
corpo em movimento: sem nos fragmentar; sem negar as possibilidades da beleza, da
criação, do desejo como parte dos processos ensino-aprendizagens desenvolvidos pelas
instituições escolares; questionando o ideal de aluno ser aquele que não fala, não sai do
lugar que lhe foi designado como seu... Principalmente se o prazer e o divertimento
forem motivadores do “agito”!
Quem pode ser educado na interação trabalho, recreação e lazer? Exercitando a
capacidade crítica, acreditamos que esse é um dos momentos em que o trabalho
coletivo, desenvolvido nos cotidianos escolares, poderá ser potencializado pela
contribuição da ludicidade nos processos de socialização e de aprendizagem. Ao
buscarmos identificar aproximações da temática com o trabalho realizado pelos diversos
professores e profissionais que constituem as escolas, também questionamos os quatro
preconceitos sobre o lúdico, apontados por Camargo (1998): diversão é preocupação de
ricos; trabalho é mais importante do que o lúdico; a diversão atrapalha o trabalho, o
dever; trabalhar é difícil, divertir-se é fácil.
Compreendendo a ludicidade enquanto manifestação cultural, possuindo os
significados do contexto sócio-histórico em que se constitui e, ao mesmo tempo, auxilia
a constituir, surgem algumas indagações: como é codificada a realidade conhecida - seja
através de palavras, práticas costumeiras e rituais, sua arte, religião, esportes e jogos,
tecnologia, ciência, política, formas de brincar e lazer, etc? Ao querer entender o lúdico
em sua realidade histórica, cultural e, portanto, social, percebemos o quanto não é
tratado da mesma forma por todas as pessoas, grupos sociais? Como os conteúdos a
serem trabalhados na escola podem ter associação com o fenômeno lúdico? Na tentativa
de construir possíveis respostas para estas perguntas, as atividades lúdicas deixam de ter
um caráter apenas de simples “passatempo” e passam a ter um caráter histórico e social.
Neste processo, os professores/as podem vir a reelaborar o conceito predominante, na
sociedade e na escola, sobre a ludicidade.
Associando estas idéias com o mundo da cultura, as diversas formas de
ludicidade tornam-se expressões, criações de realidades vividas, historicamente criadas
e socialmente desenvolvidas - possíveis, portanto, de habitar o interior das escolas,
como elementos constituintes do projeto pedagógico desenvolvido.
Considerando a ludicidade e os momentos de lazer como possibilidade de
aprendizagem, questionamos a forma de organização escolar e a visão de mundo
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hegemônica, pois começamos a associá-los com as formas instituídas de criação e
manutenção das relações sociais - identificamos estas noções quando avaliamos como
“nossos espaços arquitetônicos e urbanos são organizados na perspectiva da sociedade
de consumo.” (SENAC, 1998, p. 29).
O que nos parece “perda de tempo”, é, muitas vezes, vida correndo com outros
princípios... O que acontece no cotidiano vivido, porém, muitas vezes não é valorizado.
Nesse sentido, as práticas pedagógicas podem ser pensadas como espaços de potência,
de interação e produção de sentidos diferentes da „pedagogia do desastre‟, do „dever
ser‟, assim definida por Lins (2005):
A pedagogia do desastre: falar pelo outro, pensar para o
outro, fabricar a criança, o aluno insere-se na tentação
conservadora, mais próxima do estudo dos monstros que da
pedagogia. (op. cit., p. 1236)
Os processos educacionais podem ser, a partir daí, entendidos como lugares de
encontros, com diferenças antes não vistas, entre tudo aquilo que cada um traz de suas
experiências, em vontade permanente de desejar. O que vai ao encontro de uma política
de educação de jovens e adultos que privilegie não só aumento de escolaridade, mas
educação permanente e inclusão no mundo do trabalho.
Em uma perspectiva de educação emancipadora, em que a complexidade, a
contradição e o conflito estão presentes, o brincar, o divertimento e o prazer tornam-se
imprescindíveis quando queremos entender, em plenitude, o processo de formação do
ser humano. As experiências estão relacionadas com o processo de humanização – na
medida em que se tornar humano significa estabelecer uma rede de relações com outros
seres humanos, os quais nos auxiliam na constituição de nossa identidade pessoal e, ao
mesmo tempo, social. A tessitura de conhecimentos, em rede, pode ajudar a superar a
lógica da educação “compensatória”, na qual a falta e a defasagem imperam.
Desejando fazer parte desta rede, uma proposta curricular que considere as
corporeidades e experiências dos seus sujeitos (alunos, professores e demais
profissionais que atuam nas escolas, independente da idade) tem como referência,
discute, estuda, explora o que os alunos e alunas trazem para as escolas – o que significa
diálogo entre saberes: práticas pedagógicas e vida fora e dentro da escola... Assim,
práticas sociais como futebol, capoeira, samba, funk, hip-hop, cirandas, etc, ao serem
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consideradas práticas culturais, sinalizam experiências aprendidas e recriadas –
portanto, conhecimento...
Neste movimento, considerando o lúdico como jogo, divertimento, prazer,
alegria, podendo acontecer em qualquer momento do cotidiano – como disse Camargo
(op. cit.) -, a abordagem sobre o lúdico pode inserir-se de forma importante e singular
em uma proposta educativa que busque consolidar a capacidade de ser sujeito presente
em cada um, reconhecendo e respeitando suas especificidades biológicas e fisiológicas,
assim como a história, cultura e necessidades do contexto em que este ser em formação
está inserido. Elementos para pensar as crianças, mas também os adolescentes, jovens e
adultos – pois, além da dimensão lúdica ser um dos componentes formadores de um ser
humano integral, identificamos como os momentos de diversão, lazer e prazer são
negados para uma determinada parcela da população que não tem tempo liberado do
trabalho e das obrigações diárias de sobrevivência.
Neste processo, é de fundamental importância pensarmos sobre a atuação do
educador – na medida em que o desenvolvimento de uma proposta pedagógica requer
comprometimento profissional crítico aliado à competência técnica, à visão de
coletividade, ao respeito mútuo. Construindo, assim, base para uma ação pedagógica
efetiva, a qual pode tornar-se, ao longo do seu desdobramento, uma intervenção política
sócio-cultural. Pensar a corporeidade na formação dos diversos profissionais da
Educação, pode representar um dos espaços em que os educadores refletem sobre o
processo pedagógico, coletivo, que constroem e desenvolvem. E, ao mesmo tempo,
representa um dos momentos de sua formação – permanente - de professor e de adulto.
Muito temos a avançar nesta discussão, mas também percebemos indícios de
aberturas provocadas pela atuação de educadores e educadoras que consideram
educação um direito, seja criança, jovem ou adulto, com necessidade especial ou não.
Mais do que “preparar cidadão”, um exercício de cidadania...
Corporeidade e formação de professores
Ao aproximar esta discussão da formação de professores, afirmamos o desejo
por uma educação permanente, pela criação de uma sociedade solidária e heterogênea,
com diferentes sujeitos, saberes, tempos e espaços, em um conjunto de múltiplas
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oportunidades educativas, integrantes do processo de ampla leitura do mundo. O que
vai ao encontro de uma política de educação que privilegie não só aumento de
escolaridade, mas educação permanente e inclusão no mundo do trabalho.
Em termos de legislação, a LDB, ao tratar das disposições gerais da Educação
Básica, em seu artigo 26 aponta que
Os currículo do ensino fundamental e médio devem ter uma
Base Nacional Comum, a ser complementada, em cada
sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas características regionais e locais
da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
(...) § 3º A Educação Física, integrada à proposta pedagógica
da escola, é componente curricular da Educação Básica,
ajustando-se às faixas etárias e às condições da população
escolar, sendo facultativa nos cursos noturnos
E, no Artigo 27:
Os conteúdos curriculares da Educação Básica observarão,
ainda, as seguintes diretrizes:
(...) IV – Promoção do desporto educacional a apoio às
práticas desportivas não-formais
O que possibilita incluir elementos da cultura corporal, sistematizados pela
educação física, na matriz curricular da EJA – assim, as experiências corporais e lúdicas
no processo de escolarização são entendidas como direito e como produção sóciocultural – o possibilita afirmar a cultura corporal como conhecimento, linguagem e
patrimônio cultural.
O acesso a esse universo de informações, vivências e valores
é compreendido aqui como um direito do cidadão, uma
perspectiva de construção e usufruto de instrumentos para
promover a saúde, utilizar criativamente o tempo de lazer e
expressar afetos e sentimentos em diversos contextos de
convivência. Em síntese, a apropriação dessa cultura, por
meio da Educação Física na escola, pode e deve se constituir
num instrumento de inserção social, de exercício da
cidadania e de melhoria da qualidade de vida. (MEC.
Educação Física. Vol 3, p. 194)
Entendendo a educação como direito, o Curso de Especialização em Educação
Física Escolar, do Instituto de Educação Física da UFF – no qual, no momento, estou
Coordenadora -, vem buscando problematizar a atuação da educação física, realizada
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principalmente nos estabelecimentos públicos de ensino, no âmbito da educação
infantil, ensino fundamental e médio. Com o principal objetivo de que os pósgraduandos, docentes em exercício, tornem-se mais fortalecidos para orientarem suas
praticas pedagógicas com um conjunto de reflexões que consideram a natureza da
educação física escolar em diálogo com o conjunto da escola e da sociedade.
Assumir este compromisso é contribuir para a formação de corporeidades
marcadas pela diferença, em que os diferentes gêneros, sexualidades, etnias, idades, etc
façam parte, constituam os projetos políticos pedagógicos da educação básica e das
formações de professores.
Ao compartilhar estas idéias, colocando-as em discussão, com outros
profissionais da educação, afirmamos desejo por trabalho coletivo, em movimento que
auxilie a potencializar políticas educacionais públicas, fortalecendo a educação como
direito das crianças, jovens e adultos, com necessidades educacionais especiais ou não.
Referências:
ASSMANN, Hugo. Reencantar a Educação – rumo à sociedade aprendente.
Petrópolis: Vozes, 2001, p. 150.
BRUHNS. O Corpo Parceiro e o Corpo Adversário. 2ª ed. Campinas: Papirus, 1999
CAMARGO, Luis. Educação para o lazer. São Paulo: Moderna, 1998
CERTEAU, Michel. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 2002
FARIA, Ana Lúcia – Ideologia no livro didático. 4ª ed. São Paulo: Cortez e Autores
Associados, 1986.
LARROSA, Jorge. Linguagem e Educação depois de Babel. Belo Horizonte:
Autêntica, 2004.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 9ª ed . São Paulo: Cortez, 1995.
LINS, Daniel. Mangue’s School ou por uma pedagogia rizomática. In EDUCAÇÃO
& SOCIEDADE: Revista de Ciência da Educação – Dossiê Deleuze e a educação.
Vol. 26, n. 93, Campinas: CEDES, set/dez 2005, p. 1129-1256.
LOVISOLO Hugo. A Memória e a Formação dos Homens. Rio de Janeiro: FGV,
Revista Estudos Históricos,1989, vol. 2, n. 3, p. 16-28.
MATURANA, Humberto & Varela Garcia, F. De Máquinas e Seres Vivos:
Autopoiese – a organização do vivo. 3ª ed., Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
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SENAC. Lazer e recreação. Rio de Janeiro: SENAC Nacional, 1998.
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educação física na eja - potencializando diferentes sujeitos e