Introdução
A BR-262 atravessa o estado do Mato Grosso do Sul de Leste a Oeste, a partir do
município de Três Lagoas (divisa com estado de São Paulo), passando pela capital,
Campo Grande, até o município de Corumbá (fronteira com a Bolívia).
A implantação da BR-262, entre as cidades de Campo Grande e Corumbá, remonta
à década de 1960, e foi realizada com o intuito de expandir a fronteira agrícola.
Até então, os principais meios de acesso a Corumbá restringiam-se à navegação
através do rio Paraguai e de alguns de seus tributários, bem como à estrada de ferro
Noroeste, cujo trajeto se assemelha ao da atual rodovia.
Porém, no trecho entre as cidades de Miranda e Corumbá, a pavimentação foi
realizada somente na década de 1980, tendo em vista a notória precariedade da
via, agravada constantemente pelas frequentes inundações da planície pantaneira.
Neste trecho de pouco mais de 200 km, houve a necessidade de implantação de
diversos aterros e obras de arte, com destaque para a ponte sobre o rio Paraguai, a
mais extensa, construída apenas em 1998, substituindo a travessia outrora realizada
por balsa. Trata-se, atualmente, do principal eixo viário da região, estabelecendo
ligação entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
BR-262/MS
Programa de Monitoramento
de Atropelamentos de Fauna da BR - 262/MS
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Contudo, a fragmentação de hábitat causada pela construção de estradas
caracteriza-se como um mecanismo de alto impacto, uma vez que remove a
cobertura vegetal original gerando efeito de borda e alterando a estrutura e função
da paisagem (Prado et al., 2005).
Trecho Anastácio a Corumbá, 284,2 Km
Resultados Preliminares
Os impactos negativos das rodovias sobre a fauna nativa manifestam-se desde a
fase de construção até sua operação, com efeitos diretos e indiretos nas populações,
tais como: perda de hábitat, efeito de barreira, dispersão de espécies exóticas,
intensificação da presença humana e mortalidade por atropelamento (Ascensão &
Mira, 2006).
Marcela Barcelos Sobanski
Márcio Luiz Bittencourt
Eduardo Ratton
Assim, os melhoramentos na rodovia BR-262/MS, trecho Anastácio a Corumbá, e o
decorrente aumento de velocidade podem favorecer e aumentar significativamente
os atropelamentos de fauna. Estes incidentes, por outro lado, podem colocar em
risco a segurança dos usuários da rodovia, uma vez que confrontos de veículos
pequenos com animais podem ocasionar a perda de direção ou mesmo freadas
MONITORAMENTO E MITIGAÇÃO DE ATROPELAMENTOS DE FAUNA
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MONITORAMENTO E MITIGAÇÃO DE ATROPELAMENTOS DE FAUNA
bruscas, determinando vários tipos de acidentes rodoviários. Consequentemente, a
redução dos atropelamentos na Rodovia, além de contribuir para a conservação da
fauna local, poderá melhorar a segurança do tráfego na região.
Por estes motivos, a execução do Programa de Monitoramento de Atropelamentos
de Fauna, na BR-262/MS, faz parte das condicionantes da Licença de Instalação nº
733/2010/IBAMA relativa às obras de recuperação e implantação de acostamento
no trecho de Anastácio a Corumbá, com extensão de 284,2 km (Figura 1). O
Programa é executado pela Universidade Federal do Paraná/Instituto Tecnológico
de Transportes e Infraestrutura através do Termo de Cooperação nº 472/2011-00 e
visa identificar os trechos de maior mortalidade através da avaliação da distribuição
espacial e temporal dos atropelamentos para qualificar e adequar o planejamento
de ações de mitigação.
Objetivos
O Monitoramento dos Atropelamentos de Fauna na rodovia BR-262/MS, trecho
Anastácio a Corumbá, tem como objetivos:
• Quantificar o atropelamento de animais, avaliando as proporções em que as espécies
são atingidas;
• Identificar os possíveis fatores que influenciam estes valores;
• Estudar as possíveis variações das taxas de atropelamento ao longo do ano e fatores
associados à sazonalidade;
• Identificar os pontos de maior incidência de atropelamentos avaliando sua distribuição
espacial;
• Gerar um banco de dados sobre as espécies de vertebrados associadas à BR-262/MS;
• Gerar resultados estatísticos sobre as ocorrências de atropelamentos da fauna
silvestre no trecho da rodovia em estudo;
• Implantar medidas mitigadoras e testar a eficiência de alternativas de proteção à fauna.
Metodologia
O período de amostragem compreende doze (12) meses (junho de 2011 a maio de
2012), para contemplar a sazonalidade e obtenção de dados comparáveis a estudos
anteriores às obras de instalação de acostamentos e melhorias no pavimento do
trecho em questão.
As inspeções foram realizadas percorrendo o trecho de Anastácio a Corumbá, uma
vez por semana, a velocidade padrão de 60 km/h, com a presença de um auxiliar
para visualização das carcaças.
Todas as ocorrências foram anotadas em planilha, onde foram tabulados dados
referentes a espécie, posição geográfica, características da vegetação, conservação
da pista nas redondezas e registro fotográfico.
Figura 1 - Área de estudo de monitoramento de atropelamentos de fauna – BR-262/MS,
trecho de Anastácio a Corumbá.
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MONITORAMENTO E MITIGAÇÃO DE ATROPELAMENTOS DE FAUNA
Ademais, todas as carcaças registradas foram removidas da rodovia para evitar a
atração de animais necrófagos, que podiam ser atropelados, além de evitar que
fossem contabilizadas novamente.
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Resultados Parciais e Discussão
De junho a setembro de 2011, foram identificadas 30 espécies, sendo que
81% são mamíferos, 11% répteis e 8% aves, com um total de 192 registros de
atropelamentos (Fig. 2).
Figura 3 - Cachorro-do-mato ou lobinho (C. thous)
Figura 4 - Tamanduá-mirim (T. tetradactyla)
Figura 2 – Percentagem das espécies registradas por Classe
Dos atropelamentos de mamíferos, foram mais comuns: o cachorro-do-mato ou
lobinho (Cerdocyon thous) (Fig. 3) com 43 registros, o tamanduá-mirim (Tamandua
tetradactyla) (Fig. 4) com 27 registros, a capivara (Hydrochaerys hydrochaerys) (Fig.
5) com 17 registros, o mão-pelada (Procyon cancrivorous) (Fig. 6) com 12 registros,
e o tatu-peludo (Euphractus sexcintus) (Fig. 7) com 10 registros. Estas cinco
espécies juntas contabilizaram 56,8% do total dos registros de atropelamentos.
Das espécies raras e/ou ameaçadas de extinção, houve o registro do tamanduábandeira (Myrmecophaga tridactyla) (Fig. 8).
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MONITORAMENTO E MITIGAÇÃO DE ATROPELAMENTOS DE FAUNA
Figura 5 - Capivara (H. hydrochaerys)
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Figura 6 - Mão-pelada (P. cancrivorous)
A Tabela 1 apresenta os registros dos atropelamentos para período de junho a
setembro de 2011.
Figura 7 - Tatu-peludo (E. sexcintus)
Figura 8 - Tamanduá-bandeira (M.tridactyla)
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MONITORAMENTO E MITIGAÇÃO DE ATROPELAMENTOS DE FAUNA
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Considerações Finais
Os registros de atropelamentos até o mês de setembro de 2011 foram,
provavelmente, subestimados. Esta subestimativa ocorreu devido a dois fatores:
baixa detectabilidade e tempo de permanência das carcaças na rodovia, sendo que
a baixa detectabilidade pode estar relacionada ao pequeno tempo de permanência
da carcaça na rodovia.
Segundo Prosser et al. (2008, apud Teixeira, 2011), a detectabilidade da carcaça é
afetada por dois fatores principais: a remoção da carcaça entre o tempo de morte do
animal e inspeção de campo para sua detecção, e a eficiência do pesquisador em
encontrar a carcaça na rodovia, que pode ser influenciada por fatores como clima,
tamanho da carcaça e quantidade de vegetação nas margens da rodovia.
Teixeira (2010) encontrou diferenças significativas na detectabilidade entre
amostragens realizadas a pé e com automóvel, como também no tempo de
permanência das carcaças na rodovia, ambas com relação à abundância de
indivíduos de cada grupo taxonômico. Assim, animais de tamanho corporal menor
foram menos detectados do que animais maiores, e mais rapidamente removidos
da rodovia, gerando uma subestimativa da magnitude de animais atropelados em
alguns grupos taxonômicos.
Referências Bibliográficas
ASCENSÃO, F. & MIRA, A. Impactos das Vias Rodoviárias na Fauna Silvestre. Universidade
de Évora. Portugal. 2006. Disponível em: <http://www.estradasdeportugal.pt/index.php/pt/phocadownload-/category/11-ambiente ?download =205%3 Aimpactes-das-vias-rodovirias-na-faunasilvestre >. Acesso em: 12/08/2011.
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção.
Secretaria de Biodiversidade e Florestas. Departamento de Conservação da Biodiversidade. Brasília. 2008.
HOBDAY, A. J. & MINSTRELL, M.L. Distribution and abundance of roadkill on asmanian highways:
human management options. Wildlife Research, 35, 712–726. 2008.
TEIXEIRA, F.Z. Detectabilidade da fauna atropelada: efeito do método de amostragem e da
remoção de carcaças. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Biociências.
Porto Alegre. 2010.
TEIXEIRA, F.Z. Fauna atropelada: estimativas de mortalidade e identificação de zonas de
agregação. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Biociências. Programa de PósGraduação em Ecologia. Porto Alegre. 2011.
PRADO, T. R.; FERREIRA, A. A.; GUIMARÃES, Z. F. S. Monitoramento de Animais Silvestres
Atropelados em um trecho de Mata Fragmentado pela Br-153/Go-060. VII Congresso de Ecologia do
Brasil. Minas Gerais. 2005. Disponível em: <http: //www.seb-ecologia.org.br/viiceb/ resumos/270a.pdf>.
Acesso em: 12/08/2011.
Quanto à abundância dos registros de algumas espécies, Hobday & Minstrell
(2008) colocam que, embora sejam desagradáveis, os atropelamentos de espécies
abundantes pode não ser fator condicionante para levar a um declínio da população,
a não ser que estas estejam sob estresse de outros fatores, como pressão de caça
ou doenças.
Contudo, das espécies registradas atropeladas, M. tridactyla e L. pardalis estão na
Lista Nacional das Espécies da Fauna Brasileira Ameaçadas de Extinção (BRASIL MMA, 2008) e, novamente, o tamanduá-bandeira (M. tridactyla) e a anta (T. terrestris)
também estão classificados como vulneráveis na Lista Vermelha da IUCN (VERSÃO
2011.2). Assim, estas espécies apresentam interesse de conservação alta.
Como resultados finais deste monitoramento, pretendeu-se, além de estimar taxas
de mortalidade, avaliar espacialmente sua distribuição e identificar trechos de maior
mortalidade para quantificar, dimensionar e localizar as medidas mitigadoras no
trecho em estudo da BR-262/MS.
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Programa de Monitoramento de Atropelamentos de Fauna da