CAPITAL INTELECTUAL SUPERA ATIVOS CONTÁBEIS?
Carlos José Giudice dos Santos1
Vivemos atualmente uma revolução da informação em todos os níveis da sociedade. De
fato, temos pela primeira vez, uma economia baseada em uma matéria-prima não apenas
renovável, mas também auto-geradora (WURMAN, 2003). Em outras palavras, a informação
tornou-se o bem mais valioso de nosso tempo. Entretanto, não basta apenas criar e repassar a
informação; essa apenas passa a ter valor a partir do momento em que é compreendida,
gerando o conhecimento.
O fenômeno da explosão da informação foi previsto desde a década de 60 pelo
canadense McLuhan (1975). Esse assunto foi retomado posteriormente (McLUHAN, 1977,
1979), influenciando diversos outros autores, que representando diferentes vertentes do
conhecimento, também começaram a pesquisar esse fenômeno, sob óticas diversas.
Lévy (1993) inicia suas reflexões sobre esse fenômeno a partir das transformações
técnicas que a sociedade está sofrendo; posteriormente (LÉVY, 1999) ele retoma o assunto
sob o viés de uma revolução cultural, em que afirma que o virtual poderá substituir o real.
Popcorn e Hanft (2002) estudam as tendências futuristas nos mais diversos segmentos,
sugerindo mecanismos de adaptação das pessoas e organizações para poderem sobreviver em
um futuro que muda muito rapidamente. È interessante ressaltar que, apesar da pouca
consistência teórica do texto citado, é fato que muita de suas previsões já se tornaram
realidade. Tendências como o surgimento do neófilo, o renascimento das apócopes e a
popularização da tecnologia Bluetooth estão entre as inúmeras previsões que já se
confirmaram desde o lançamento dessa obra. Se essas tendências continuarem a evoluir,
poderemos confirmar, em um futuro muito próximo, fenômenos como o da ansiedade
comparativa, o efeito iceberg da internet ou a revolução dos haptics.
De acordo com Martins (2001), não faltam denominações para descrever o atual estágio
que nossa sociedade atravessa. Na visão de Toffler (1995), estamos atravessando aquilo que
ele denomina de terceira onda. Drucker (1997) considera que hoje nós representamos a
1
Professor da FAMINAS-BH. Mestre em Comunicação,
sociedade do conhecimento ou sociedade pós-capitalista. Para De Masi (1999), estamos na era
pós-industrial. Castells (1999) identifica o mesmo fenômeno como sociedade em rede ou
sociedade informacional. Talvez façamos parte da sociedade digital (NEGROPONTE, 1997)
ou da sociedade tecnopsicológica (KERCHOVE, 1998).
Não importa a denominação utilizada por esses autores para designar o fenômeno da
explosão da informação que nossa sociedade atravessa atualmente. Todos estes nomes
refletem a importância que a informação possui hoje em nosso mundo, esbarrando numa
mesma questão semântica. Em outras palavras, mudam-se os nomes, mas não se muda o fato:
não se cria conhecimento sem informação.
Ouchi (1996) apontou caminhos para enfrentar a concorrência das empresas japonesas,
lembrando-nos que, na sociedade pré-industrial, tudo o que um artesão precisava saber era
adquirido no aprendizado de seu ofício durante cinco ou seis anos, estando pronto até os 18
anos de idade para o pleno exercício vitalício de sua atividade. Utilizando-se desse
contraponto, ele nos mostra que em nossa sociedade pós-capitalista, os trabalhadores que não
se atualizam constantemente simplesmente saem fora do mercado. Esta necessidade de
atualização atende a uma demanda das organizações, que, para se tornarem cada vez mais
competitivas, necessitam cada vez mais de conhecimento novo, e, conseqüentemente, de
informação. Davenport e Prusak (1998) corroboram esta idéia ao colocar o conhecimento
como a maior vantagem competitiva de uma organização.
Até pouco tempo atrás, no início da década de 80 do século XX, ouvíamos falar da
necessidade de se adquirir know-how (saber como). Hoje este conceito está totalmente
ultrapassado. A organização que se preocupa apenas com o know-how está um passo atrás das
organizações que efetivamente investem em pesquisa e criação de conhecimento novo. Estas
organizações altamente competitivas estão preocupadas antes no know-who (quem sabe),
know-what (sabe o quê) e know-why (sabe o porquê). O know-how é apenas a parte final deste
processo que começa com a informação “quem sabe o quê” e “porque fazer o quê”. Hoje não
basta apenas “saber como” – tem que “saber o porquê”. Quem domina apenas o “como fazer”
está naquela situação de copiar algo que já foi feito antes. Quem domina o “saber porquê”
pode interferir em qualquer etapa do processo, mudando, otimizando ou simplesmente criando
algo novo. Quem cria conhecimento está um passo adiante – e para se criar este conhecimento
organizacional precisamos do know-who. Todo o processo começa com ele.
Os headhunters (caçadores de talentos) são especialistas em descobrir potenciais knowwho disponíveis no mercado de trabalho. Quando um potencial know-who é descoberto por
um headhunter, a organização geralmente investe muito em sua formação, estimulando a sua
criatividade na resolução de problemas empresariais reais no mundo dos negócios. Entretanto,
se uma organização precisa muito de um talento destes por questões urgentes de
competitividade, ela pode prescindir do investimento em um potencial know-who em favor da
“compra do passe” de um mais experiente, aquele “craque” que já atua em outra organização
e tem sucesso reconhecido no mercado. Fatos como esses ilustram o quanto é importante a
questão do conhecimento para as organizações. É a lei da selva. A tribo que sabe como fazer o
fogo suplanta outra que não possui este conhecimento.
Stewart (1998) foi um dos autores que percebeu a mudança do foco do capitalismo da
alienação do trabalho para o foco dos trabalhadores proprietários de seu próprio saber,
abordando essa questão do conhecimento organizacional com o conceito de capital
intelectual. De acordo com esse autor, o valor do capital intelectual (também conhecido como
ativos intangíveis) de uma organização no mercado é freqüentemente maior que o próprio
valor contábil da empresa. Em outras palavras, a organização passa a valer mais quando é
capaz de produzir conhecimento, e torna-se mais eficiente na medida em que este
conhecimento é incorporado em seus setores. Esta capacidade de produzir e incorporar
conhecimento nas organizações pode ser traduzida como um aumento de investimento em
capital intelectual, que pode ser categorizado em três elementos distintos, a saber:
•
Capital Humano: é o conhecimento que não pertence à organização, sendo
adquirido e mantido individualmente pelos seus funcionários. Nesta categoria
enquadram-se as qualificações e habilidades individuais. Apesar de não pertencer à
organização, este capital é importante pelo fato de ser a fonte dos demais
(STEWART, 1998; MARTINS 2001).
•
Capital Estrutural: a melhor definição para este capital é descrita como “o
conhecimento que não vai para casa depois do expediente”2, sendo de propriedade
da organização, e passível de ser reproduzido e distribuído sobre a forma de
informações. Nesta categoria enquadram-se todos os elementos passíveis de
proteção legal por direitos de propriedade intelectual, tais como patentes (de
produtos, formatos, publicações e tecnologias) e outros, não necessariamente
2
Ibidem
codificados e patenteados, tais como serviços, cultura, estruturas, estratégias, rotinas
e procedimentos.
•
Capital de Relacionamentos: designado por Stewart (1998) apenas como “Capital
do Cliente”, é o conhecimento representado pelos relacionamentos entre as pessoas
e a organização, e que possibilita a continuidade (ou sobrevivência) dessa
organização. Era comum se pensar que os clientes fossem os únicos responsáveis
pela probabilidade de continuação dos negócios da organização. Em um conceito
mais amplo, nota-se que a sobrevivência corporativa depende de uma perfeita
interação do trinômio clientes – funcionários – fornecedores, e, em muitos casos, até
da comunidade situada ao redor do local onde a organização está implantada. Esta
razão, de certa forma, autoriza a minha ousadia em propor uma nova denominação
para esta categoria de capital.
Com base nessas definições, poderemos entender a grande importância que o capital
intelectual possui hoje para as organizações. Utilizando-se de conceitos muito básicos3, o
valor contábil (VC) de uma organização corresponde à soma do seu capital físico (CF) com o
capital monetário (CM). O capital físico (CF) corresponde a todos os bens móveis e imóveis
que pertencem à organização, ou seja, toda a infraestrutura da empresa (máquinas,
equipamentos, veículos, utensílios, instalações, prédios, terrenos, etc.). O capital monetário
(CM) pode ser entendido, em uma analogia bem simples, como aquilo que a organização
possui de dinheiro livre de ônus (dinheiro não imobilizado e livre de dívidas). Deste modo,
uma equação simples que nos mostra o valor contábil de uma organização (desconsiderando
suas dívidas) é:
Valor Contábil = Capital Físico + Capital Monetário ou VC = CF + CM .
Entretanto, o Valor de Mercado (VM) de uma organização não corresponde somente
àquilo que pode ser contabilizado. Nesta categoria estão os ativos intangíveis, que, na ótica de
Stewart (1998), ficam mais bem definidos com o conceito de capital intelectual (CI).
Assim, a equação que expressa o real valor de mercado de uma organização é:
3
Ibidem
Valor de Mercado = Valor Contábil + Capital Intelectual ou VM = VC + CI .
Lembremos que CI = CH + CE + CR , onde:
CH é o capital humano;
CE é o capital estrutural e;
CR é o capital de relacionamentos.
O que a prática têm demonstrado é que o capital intelectual (CI) das organizações é
freqüentemente maior que o seu valor contábil (VC). Barroso (1999) nos mostra que o
mercado claramente reconhece este fato. Em seu artigo ele demonstra esse argumento por
meio de um gráfico que apresenta a progressão temporal do índice Dow Jones da bolsa dos
EUA entre 1920 e 1995. Esse gráfico aponta claramente a importância crescente dos ativos
intangíveis nos últimos 15 anos.
Nonaka e Takeuchi (1997) destacam que as organizações geralmente processam
informações a partir de estímulos advindos do ambiente externo, como uma forma de se
adaptar a novas circunstâncias. Contudo, esse modelo que descreve a maneira como essas
organizações funcionam, com claras acepções às teorias comportamentais, não explicam o
surgimento da inovação. Nesse sentido, os autores demonstram que a transformação de uma
organização, por meio da inovação, não representa somente o processamento de informações
de fora para dentro, com o intuito de resolver os problemas existentes e se adaptar ao meio
ambiente em contínuas mudanças. Quando a inovação acontece, significa que a organização
também faz o caminho inverso, criando novas informações e novos conhecimentos, de dentro
para fora, promovendo a redefinição tanto dos problemas quanto das soluções, recriando o seu
próprio meio. Para que a inovação seja uma realidade, é preciso conhecimento. De onde vem
o conhecimento? Já sabemos essa resposta; vem do capital intelectual, cuja origem está nas
pessoas, o capital humano.
Destacada a importância do conhecimento para as organizações, podemos imaginar, por
exemplo, o quanto vale o capital intelectual para grandes organizações que, pelo menos em
uma ocasião, freqüentaram manchetes de jornais com notícias sobre vazamento de
informações sigilosas. Olhando sobre a ótica do capital intelectual, um fato como este pode
significar a perda (ou roubo) de parte do capital estrutural. Em geral, grande parte dos
problemas de segurança nas organizações é interno, ou seja, alguém de dentro da organização,
que possua acesso a informações privilegiadas, um insider malicioso (SCHNEIER, 2001).
A Microsoft é um exemplo de empresa que já freqüentou as manchetes de jornais
devido a problemas de vazamento de informações sigilosas. Entretanto, é também um
exemplo de como saber lidar estrategicamente com esta questão. A maioria de seus
funcionários, em especial, os mais graduados (os know-who), possuem participação nos lucros
da empresa. Quando a empresa cresce e obtém lucros, eles também ganham com isso. Esta é
uma maneira de remunerar, incentivar e manter o capital humano da organização, além de ser
uma fonte de lealdade indiscutível. Esta forma de agir da organização promove a retenção de
talentos.
Não é possível se mensurar com exatidão o valor do capital intelectual de uma
organização, mas com certeza, é fácil perceber que a competitividade e a inovação depende da
retenção de talentos pela organização. Quando as organizações tomarem consciência dessa
necessidade, talvez torne-se realidade e lugar comum, a seguinte cena, que convido o caro
leitor a imaginar: os donos de uma grande organização, altamente competitiva e bem
posicionada em seu nicho de mercado, no portão de saída da sua sede principal, despedindose de seus funcionários (o seu capital humano), com o seguinte diálogo: “Por favor! Voltem
amanhã!”.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Antonio Carlos de Oliveira. Tentando entender a gestão do conhecimento. Rio
de Janeiro: CNEN/DPD, 1999.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
DAVENPORT, Thomas H.; PRUSAK, Laurence. Conhecimento empresarial: como as
organizações gerenciam o seu capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
DE MASI, Domenico. A sociedade pós-industrial. 2. ed. São Paulo: SENAC São Paulo,
1999.
DRUCKER, Peter. Sociedade pós-capitalista. 7. ed. São Paulo: Pioneira, 1997.
KERCHOVE, Derrick de. A pele da cultura. Lisboa: Relógio D’Água, 1997.
LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência. São Paulo: 34, 1993.
LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: 34, 1999.
MARTINS, Hélio Tadeu. Gestão de carreiras na era do conhecimento: abordagem
conceitual & resultados de pesquisas. Rio de Janeiro: QualityMark, 2001.
McLUHAN, Herbert Marshall. A galáxia Gutenberg. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1977.
McLUHAN, Herbert Marshall. Guerra e paz na aldeia global. São Paulo: Cultrix, 1975.
McLUHAN, Herbert Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São
Paulo: Cultrix, 1979.
NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
NONAKA, Ikujiro; TAKEUCHI, Hirotaka. Criação de conhecimento na empresa: como as
empresas japonesas geram a dinâmica da inovação. 4. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
OUCHI, William. Teoria Z: como as empresas podem enfrentar o desafio japonês. 10. ed.
São Paulo: Nobel, 1996.
POPCORN, Faith; HANFT, Adam. O dicionário do futuro: as tendências e expressões que
definirão o nosso comportamento. Rio de Janeiro: Campus, 2002.
SCHNEIER, Bruce. Segurança.com: segredos e mentiras sobre a proteção na vida digital.
Rio de Janeiro: Campus, 2001.
STEWART, Thomas A. Capital intelectual: a nova vantagem competitiva das empresas. 4.
ed. Rio de Janeiro: Campus, 1998.
TOFFLER, Alvin. A terceira onda. 21. ed. São Paulo: Record, 1995.
WURMAN, Richard Saul. Ansiedade de inform@ção: como transformar informação em
compreensão. 5. ed. São Paulo: Cultura, 2003.
Download

CAPITAL INTELECTUAL SUPERA ATIVOS CONTÁBEIS?