Há, realmente, um equívoco interpretativo, para o senso
comum, na questão que, no próximo dia 11 de Fevereiro,
vai ser levada a referendo, sobre a interrupção voluntária
da gravidez.
Está em causa a mera despenalização do aborto
praticado nas primeiras 10 semanas de vida do
embrião
humano
–
como
querem
aparentar
os
defensores do SIM – ou, da vitória do SIM, resulta a sua
liberalização total, desde que verificado dentro do
referido período de tempo?
Das sondagens que têm vindo a público, e das que, cada
um de nós, vai, particularmente, efectuando resulta que a
maioria das pessoas não tem a exacta noção do
alcance que o SIM, à questão que é colocada,
representa.
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Persiste, pois, um equívoco da máxima importância.
Equívoco que, se não for, devida e antecipadamente,
clarificado favorece os que defendem o SIM, como
resposta a dar.
E favorece na medida em que, dizem os mais variados
estudos de opinião, a maioria dos concidadãos aos quais
choca, ainda que sob a forma meramente conceptual - já
que não há memória ou registo de uma qualquer
mulher que tenha sido julgada ou condenada pela
prática de aborto nas primeiras 10 semanas de vida do
embrião humano, ou condenada em qualquer momento
que o tenha praticado –, a penalização da mulher que
voluntariamente aborte, mais chocados ficam com a
possibilidade de liberalização total do aborto, ainda que
verificado
no
mesmo
período
de
tempo,
que,
expressamente, repudiam.
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Ou seja, não será cometer qualquer falta de rigor se
afirmarmos que uma larga maioria das pessoas que se
dispõem a votar SIM, porque não querem a penalização da
mulher, nunca o fariam se tivessem a noção exacta de que
do seu voto resultava muito mais do que isso: a
legitimação do direito ao aborto, despido de qualquer
censura ética, tornando-o numa conduta lícita que, por
exemplo, impede a condenação criminal de quem
incentivar, obrigar ou favorecer a mulher à prática do
mesmo.
Se olharmos para outra chaga social, a droga, é como se –
ao contrário do que acontece hoje, e bem, no meu entender
– em vez de despenalizarmos apenas a conduta do
consumidor, tornássemos lícita a conduta, também, dos
que a traficam. Ninguém duvida que o consumidor precisa
de ajuda, o traficante de veemente censura.
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É, pois, muito oportuno e relevante que se enquadre
correctamente a consequência da resposta – SIM ou Não que se vier a dar à pergunta que vai a referendo.
Do SIM resulta:
- a consagração de um direito absoluto elevado à
condição de direito mais importante que o próprio
direito à vida.
O que fere a menos exigente sensibilidade jurídica.
Com efeito, no nosso quadro de valores, admitimos que o
próprio direito à vida possa ser comprimido, no equilíbrio
de valorizações em que a sociedade, por se constituir em
Estado de Direito Democrático, se revê. É assim quando o
direito à vida é, por exemplo, violado em caso de legítima
defesa ou ocorrendo um estado de necessidade.
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Admitimos, ainda, que outros direitos fundamentais, como o
direito à liberdade ou à livre expressão tenham como
limite a violação de direitos de terceiros.
Com efeito, numa sociedade democrática choca a
existência de direitos que, podendo produzir efeitos
sobre terceiros, se consagrem como absolutos porque
nenhum limite se estabeleça, ao seu titular, para o seu
exercício.
À mulher que deseje abortar nas primeiras 10 semanas de
existência do embrião é conferido o direito absoluto de o
fazer: porque foi violada, porque tem graves motivos
económicos que o justifiquem, porque o feto enferma de
graves deficiências ou porque…é um rapaz e preferia uma
menina, ou porque se esqueceu de usar um contraceptivo
para evitar a gravidez ou porque o pai da criança ou a
família a pressionaram para o efeito ou outro qualquer
motivo que, podendo chocar o mais elementar sentir
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colectivo, não fira a mais desprezível sensibilidade
individual.
Uma
conduta
pode
ser
ilícita
ainda
que
não
criminalmente penalizada em relação a quem a
pratique. Mas, por ser ilícita, merece a censura da
sociedade que não deseja abrir mão de um quadro de
valores em que o direito à vida tem um lugar prioritário
como pressuposto de todos os outros.
Ceder na permissão da livre cessação da gravidez é
aceitar, afinal, que até a avaliação do que fere ou não a
nossa dignidade humana fica apeada do quadro referencial
dos nossos valores comuns, fica na livre disponibilidade de
interesses particulares, desestruturando-se, assim, um
elemento nuclear da nossa sociedade.
Acredito que esse não é o caminho que conduz à
felicidade, individual e colectiva.
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Recuso-me a aceitar que sejamos incapazes, no nosso
auto-governo colectivo, de reduzir a uma taxa marginal a
ausência de condições para que cada um nasça e viva com
a dignidade que é devida a cada ser humano.
Recuso-me a aceitar que sejamos incapazes de educar,
informar e prevenir de modo a que a liberdade e a
responsabilidade na procriação andem, também aí, de
mãos dadas.
Recuso-me a aceitar que recuemos civilizacionalmente,
restabelecendo uma variante da pena de morte, de que nos
orgulhamos de ter sido dos primeiros a abolir.
Se acreditamos na resocialização do homem, ainda que
delinquente grave,
se investimos fartos recursos humanos, financeiros e
logísticos no sentido da sua recuperação – tantas e tantas
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vezes com o sabor amargo da frustração do resultado não
obtido –
mais
facilmente
se
justificará
que
invistamos,
com
acrescido empenho, na criação de condições para que uma
maternidade se desenvolva e ocorra num ambiente
saudável - para a mãe e para a criança –
e uma educação se prossiga, para esta, duma forma
proporcionadora do seu desenvolvimento equilibrado.
Responder NÃO é, assim, acreditar na mulher, no homem,
na criança, enfim, na vida.
É uma posição positiva, optimista e que acredita, ainda,
que depende de nós, sobretudo de nós próprios, sermos
amanhã melhores do que somos hoje.
Como outros fizeram no passado.
José Pedro AGUIAR-BRANCO
Advogado, deputado do PSD, ex-Ministro da Justiça
Porto, 14 de Janeiro de 2007
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as consequências de um grande equívoco