Compulsão alimentar em universitários da UFJF
Gilmara Cristina Jaques Chaves1
Mário Sérgio Ribeiro 1
Luiz Cláudio Ribeiro1
Daniela Carine Ramires de Oliveira2
Arianne Sena 2
1 Introdução
A compulsão alimentar periódica (CAP) é um comportamento específico,
caracterizado por um excesso de consumo alimentar, associado à perda de controle e à
ausência de métodos inapropriados para manutenção do peso corporal, como no caso de
indução de vômitos, uso de laxantes, etc. 1, 2.
De acordo com Vilela e Cruz 3 e Azevedo et al. 4, grande parte dos pacientes com CAP
é obesa e muitos apresentam acentuada história de flutuações de peso 5. O estresse seria um
dos principais fatores ligados ao aumento da compulsão alimentar e, consequentemente, ao
ganho de peso 6. Diversos autores
7, 8
referem que, em geral, os comedores compulsivos
apresentam pior resposta aos tratamentos que objetivam emagrecimento, maior número de
tentativas mal-sucedidas de adesão a dietas, maior dificuldade para perder peso, pior
manutenção do peso desejável e maior taxa de abandono dos tratamentos que os demais
obesos.
Azevedo et al.
4
e Duchesne et al.
9
discutem ainda que, indivíduos compulsivos,
apresentam elevados índices de perfeccionismo, impulsividade, autodesprezo, isolamento
social e pensamentos dicotômicos. Tais indivíduos, conforme evidenciado por Mattos et al. 10
e discutido por Araújo et al.
11
, são mais vulneráveis aos quadros depressivos e ansiosos.
Além disso, abusam mais de psicoativos
12
, possuem pior qualidade de vida
13
, apresentam
extrema preocupação e insatisfação com a forma corporal 10 e maior susceptibilidade a vários
problemas decorrentes da obesidade 14.
Frente à relevância da abordagem das comorbidades relacionadas ao comer
compulsivo e à escassez de estudos desta natureza com estudantes universitários, o objetivo
deste trabalho exploratório foi investigar a prevalência de CAP e sua possível associação a
variáveis estudantis, sócio-demográficas e comportamentais entre universitários avaliados.
1
2
UFJF. e-mail: [email protected]
DEMAT – UFSJ.
1
2 Material e Métodos
2.1 Amostra
Este inquérito transversal realizado no primeiro semestre de 2008 foi aprovado pelo
Comitê de Ética da UFJF (1328.019.2008 FR:176180 CAAE: 0014.0.180.000-08) e cumpriu
todos os requisitos da Resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
Com intuito de avaliar a diferença na prevalência de CAP em universitários que
estavam na fase inicial e final de cada curso, limitou-se avaliar somente os estudantes do
primeiro e sétimo períodos de todos os cursos de graduação da UFJF.
A população foi constituída de 2381 sujeitos; em que 1308 eram universitários do
primeiro período e 1073 do sétimo período. Para o cálculo do tamanho da amostra foram
utilizados os seguintes critérios: nível de significância de 5%; detectando como significativas
odds ratio (OR) superiores a 1,4; poder estatístico de 91,5%; e prevalência estimada em 50%;
resultando em um tamanho amostral mínimo de 1590 sujeitos.
2.2 Definição das variáveis
O instrumento da investigação foi um questionário semiestruturado, autoaplicável,
anônimo, sigiloso, contendo as seguintes variáveis:
 Período do curso, sexo, idade, índice de massa corporal (IMC), horas diárias dedicadas à vida
estudantil, participação em outras atividades estudantis, desempenho escolar, estado civil,
idade da primeira relação sexual, opção sexual.
 Com quem mora, renda pessoal, renda familiar, ter ou não religião, qual religião professa,
frequência de participação em cultos religiosos, quem procura na eventualidade de um
problema pessoal, atividade de lazer a que se dedica mais tempo, sentimento de felicidade.
 Possível dependência alcoólica, uso na vida e idade do primeiro uso de psicoativos lícitos,
ilícitos e habitualmente utilizados sob prescrição médica.
 Finalidade de utilização de anfetamínicos e de benzodiazepínicos, motivo que o levou a
utilizar pela 1ª vez álcool e tabaco ou demais psicoativos, mudança ocorrida em sua vida após
utilizar álcool e/ou tabaco.
 Presença de cirurgia plástica, vontade de realizar cirurgia plástica, parte do corpo de que mais
gosta e de que menos gosta, presença de doença crônica.
 Rastreamento de ansiedade, depressão e insatisfação corporal.
Sobre o cálculo do índice de massa corporal (IMC), cabe ressaltar que, a partir das
informações sobre peso e altura contidos nos questionários avaliados, o “IMC” foi
categorizado em duas classes: “Até 24,99” e “25 ou mais”
2
15
. Os possíveis dependentes de
álcool (CAGE - positivos) foram caracterizados por duas ou mais respostas afirmativas
16
.
1
Para avaliar a CAP, utilizou-se a Escala de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP) com o
ponto de corte de 17. No Inventário de Depressão Beck (BDI)17e Inventário de Ansiedade
Beck (BAI)17, um escore total de 20 pontos foi considerado como indicativo da existência de
depressão e ansiedade clinicamente significativa e no Body Shape Questionnaire (BSQ)18
resultados superiores a 110 pontos, como indicativo da existência de insatisfação corporal.
2.3 Análise dos dados
As análises de dados foram realizadas no software Statistical Package for the Social
Sciences (SPSS) versão 13.0.
Análise de regressão foi realizada visando identificar os fatores associados à CAP.
Para a seleção do melhor modelo foi utilizado o método Backward Stepwise (Wald) do
software SPSS.
3 Resultados
Através da análise de regressão e correlação, foi significativa (com alpha = 5%) a
relação da variável dependente CAP com as seguintes variáveis independentes: período do
curso, sexo, IMC, estado civil, idade da primeira relação sexual, sentimento de felicidade, uso
na vida de substâncias ilícitas, possível dependência alcoólica, motivo que o levou a utilizar
pela primeira vez os demais psicoativos, presença de cirurgia plástica, vontade realizar
cirurgia plástica, parte do corpo de que menos gosta, ansiedade, depressão e insatisfação
corporal. Através do procedimento Backward Stepwise (Wald) do software SPSS, realizou-se
a seleção do modelo de regressão logística. Com isso, o melhor modelo é composto pelas
cinco variáveis independentes: sentimento de felicidade, parte do corpo de que menos gosta,
idade da primeira relação sexual, IMC e insatisfação corporal. O modelo indicou que a chance
de universitários do primeiro e sétimo períodos com CAP é mínima em universitários que
referiram sentir-se sempre ou frequentemente felizes. No entanto, a chance de universitários
com CAP é 23,42 vezes maior dentre os insatisfeitos com sua imagem corporal.
4 Discussões
Diversos autores 2,3,4,7,8,10 discutem que existe nos transtornos alimentares um ciclo de
episódios compulsivos, seguidos de culpa, arrependimento e não aceitação do próprio peso.
Neste mesmo sentido, os resultados desta pesquisa indicaram que o excesso alimentar
representado pela CAP associou-se positivamente ao IMC elevado, à ausência de momentos
felizes e à insatisfação corporal. O ideal de corpo magro exibido pela mídia correlaciona-se
com a insatisfação corporal; e secundariamente ao constrangimento com o próprio corpo,
observa-se as dificuldades para o relacionamento interpessoal e sexual. Nesta perspectiva, foi
3
razoável a relação das variáveis “parte do corpo de que menos gosta” e “idade da primeira
relação sexual” com a presença de CAP.
5 Conclusões
Para a realização deste estudo epidemiológico, foi utilizado um questionário de
autorrelato, com o objetivo de avaliar a prevalência de CAP e suas associações. A natureza
transversal do desenho da pesquisa limita qualquer conclusão sobre temporalidade e direções
subjacentes às associações observadas. Embora, os instrumentos para avaliar CAP, depressão,
ansiedade e insatisfação corporal sejam validados para o idioma português, são somente
instrumentos de rastreamento. Além disso, ainda que o IMC seja um dos marcadores mais
comumente empregados para avaliação do estado nutricional, não descreve a ampla variação
que ocorre na composição corporal de indivíduos e tem baixa especificidade em termos de
associação com risco à saúde. Ainda assim, considera-se que os resultados dizem respeito ao
grupo especificamente estudado e a possibilidade de generalização dos mesmos deve ser
avaliada com cautela.
6 Referências
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