24CIDADES
A GAZETA
DOMINGO, 5 DE JULHO DE 2015
ENTREVISTA
Maria Lygia Faria
“Sei que vou chocar
muita gente com o livro.
Mas o erro é não falar
sobre o sexo em casa”
_Formada em Belas Artes, a escritora carioca lançou, na última
semana e aos 89 anos de idade, o livro “Triunfos do Amor”. A obra
traz 13 contos com abordagem picante e assuntos polêmicos
LEONARDO SOARES
[email protected]
Em casa, em Brasília, a artista plástica
Maria Lygia Rodrigues Faria atende o telefone e se antecipa. “Já até sei qual assunto fez você me ligar”, brinca. Mas não
pensa duas vezes e continua. “Quer me
entrevistar quando? Já podemos falar
agora? Tenho todo tempo disponível. Mas
me chame de ‘você’”. Essa mesma disposição para conversar, ela também tem
para escrever. Maria Lygia, que assina como M. Lygia, é autora de 13 livros, com os
mais diversos temas e estilos literários,
escritos ao longo da vida.
Agora, aos 89 anos de idade - vividos
muito bem, ressalta -, viúva e se recuperando da perda de um filho em janeiro deste ano, se prepara para um
novo desafio, que diz estar pronta para
enfrentar. Sua última obra, lançada na
última semana pela Editora Thesaurus,
ganhou repercussão nacional antes
mesmo de chegar às mãos dos leitores.
“Triunfos do Amor” já sai do forno
chamando a atenção por diversos motivos: traz contos picantes e de paixões
proibidas; aborda temas polêmicos, como a paixão entre pessoas da mesma
família; e foi escrito por uma escritora
de 89 anos, que defende o sexo como um
assunto que não deve ser tabu.
“Vai dar o que falar. Não tenho a menor dúvida disso. O problema é que a
hipocrisia é grande demais. As pessoas
tratam o sexo, e outros assuntos tão
comuns do cotidiano, de forma muito
escondida, como se fosse um pecado
mortal. Eu não penso assim. É um escândalo pensar assim, aos 89 anos de
idade?”, questiona a escritora.
Como surgiu o gosto para as artes?
Eu queria ser artista desde pequena.
Sempre sonhei em fazer Belas Artes, e
contra a vontade do meu pai, pois, antigamente, a mulher não podia fazer
nada. Tudo era muito feio. Belas Artes
era um horror para muita gente, tinha
muito nu, muito pensamento mais aberto. Mas era o meu sonho e fui atrás. Até
deixei de lado por um tempo, me dediquei aos dois filhos e ao marido, mas
voltei aos poucos, com todo tipo de arte
que você imaginar. Estou aí até hoje.
E quando virou escritora?
Não me lembro. Mas faz muito tempo.
Fui incentivada ainda aos oito anos de
idade, ao observar meu pai recitando O
Navio Negreiro, de Castro Alves. Fiquei
encantada. Passei a me interessar na
mesma hora. A partir daí, comecei a ler
qualquer coisa que caía na minha mão,
até dicionário (risos).
Quem lê livros, muitas vezes não conhece bem o autor. Quem é M. Lygia?
Nasci em Niterói, no Rio de Janeiro.
Depois morei 11 anos na cidade do Rio e
me mudei para Brasília há 45 anos. Tenho dois filhos biológicos, mais cinco de
criação, muitos netos e bisnetos. E, há
três anos, tenho uma trineta. Acredite.
Antes do “Triunfos do Amor”, sobre o
que você escreveu antes?
Já escrevi vários livros de poesia. Alguns em parceria com amigas. Também
fui fazendo romances e histórias para
crianças. Foram obras de acordo com as
fases da vida. Os infantis, por exemplo,
eu fiz quando já estava com meus netos.
Também fiz uma biografia minha e do
meu marido.
Seu último livro, lançado semana passada, é o seu mais polêmico. Por quê?
Com certeza, é o mais polêmico. Eu
trato de temas que a sociedade prefere
não comentar: incesto, bebê de proveta,
a ignorância relacionada ao sexo de diversas formas. E problemas que já vêm
do passado. São temas que as pessoas
ainda enfrentam resistência em falar.
A gente tem o direito
de amar aos 15 anos,
aos 40, aos 80. Essa
história de idade
deve ser esquecida. O
amor é um lindo
sentimento. E o sexo
faz parte disso”
Entre os 13 contos presentes no livro,
algum deles é real?
Não. Não há histórias reais. É só a inspiração. São coisas que vêm de dentro
da gente, de uma forma bem natural. As
histórias vão se formando e vou escrevendo, em um processo sem pressa. Eu,
por exemplo, escrevo tudo à mão. Quando vinha a vontade, eu sentava e escrevia. Era espontâneo, natural, como é
com a pintura. Se muito, demorei seis
meses para concluir o livro.
E de onde veio a ideia para entrar nessa temática mais picante no livro?
Naturalmente. Eu sou assim. As coisas
têm que ser muito naturais. O sexo não
tem idade máxima, nem para fazer e
nem para falar sobre ele. Quando a gente tem uma inspiração sobre o que quer
que seja, no caso de um artista, não
importa a idade, nada disso. É a mão
querendo escrever. Não há um discurso
proposital para chocar alguém.
Mas você acha que vai chocar?
Você tem alguma dúvida? Eu não tenho. Vou chocar algumas pessoas, sim.
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“Sei que vou chocar muita gente com o livro. Mas o erro é não falar