PROVA COMENTADA PELOS
PROFESSORES DO CURSO POSITIVO
Vestibular ITA 2016
REDAÇÃO
COMENTÁRIO DA PROVA
Mais uma vez, a questão de Redação no Ita caracteriza-se pela coerência interna no espírito de seu exame e pela
pertinência em relação ao debate levantado, fatores fundamentais para o bom funcionamento de qualquer processo de
seleção.
Mantém-se o conhecido padrão do exame – e nisso há uma virtude, sem surpresas ditas “inventivas” –, e neste
caso os dois maiores textos da prova se articulam com os dados na proposição do tema, inseridos em tabelas, sobre
profissões e remuneração em seis diferentes países.
O texto de Rubem Alves, Diploma não é solução, é direto em sua crítica à ilusão de pais e jovens que acreditam
ser a universidade o passaporte para uma vida estável, com garantia de sucesso econômico e realização profissional.
Alfinetando a proliferação de universidades privadas e a inundação de formados que não encontrarão empregos no
mercado de trabalho, o falecido escritor e professor da Unicamp ainda se permite uma sugestão aos universitários: que
pensassem – como alternativa ao diploma – em um ofício que dispensasse a formação acadêmica.
O trecho extraído de Raízes do Brasil enfoca como se construiu a valorização da atividade dita intelectual ou mental
em contraposição ao valor negativo das ocupações braçais ou práticas – tudo isso herança de um pensamento artificial,
calcado na imagem e na aparência, já que, segundo Sérgio Buarque de Hollanda, aqui “inteligência há de ser ornamento e prenda, não instrumento de conhecimento e de ação”.
Por fim, as tabelas apresentam dados contrastando a remuneração de profissionais com formação universitária
e aqueles das chamadas profissões manuais (no caso, carpinteiro, mecânico de carro e motorista de ônibus). A informação mais óbvia é a de que os maiores ganhos líquidos são os de pessoas com diploma, que na maioria dos casos
trabalham algumas horas a menos por semana e apresentam maior desconto de imposto.
Um fato relevante para a proposta diz respeito aos índices do Brasil: em relação aos outros cinco países, a desigualdade entre os salários dos dois grupos de profissionais é muito maior (um clínico geral aqui, por exemplo, ganha
mais de dez vezes o que recebem os três profissionais sem diploma; nos três países europeus e na China, a diferença
nem chega ao dobro).
Com todas essas informações, e uma vez que se pede a extração do tema a partir da leitura articulada dos textos,
o aluno teria como possibilidades primeiras de depreensão ideias ligadas
– à supervalorização do diploma na sociedade brasileira como sinônimo de estabilidade profissional;
– ao desprezo existente em nossa sociedade por ofícios que demandem o senso prático ou a atividade manual;
– à desigualdade salarial, decorrente da valorização do diploma, entre diferentes grupos profissionais;
– ao aumento do contingente de “formados sem emprego”, muitos deles produtos da mercantilização de ensino
apontada por Rubem Alves, sem que haja vagas para todos eles.
Em um nível de abordagem que vá além da questão universitária, incrementando-a, poderíamos discutir
– a herança de uma cultura de aparência que não reconhece na atividade intelectual um fator de aprendizado e
saber, mas ostentação e instrumento de ascensão;
– as dificuldades que esse tipo de pensamento pode trazer a uma sociedade cada vez mais complexa no quadro
das relações profissionais, visto que o mercado de trabalho se transforma constantemente sem que haja modificação
no modo de entender tais transformações.
Um bom texto, aqui, deveria passar pela questão do conceito desfrutado pelo diploma universitário no Brasil, é
lógico, pois ela é a tônica do primeiro texto e tem seus reflexos apontados nas tabelas dispostas aos candidatos.
Aprofundar a discussão seria algo como tentar investigar os efeitos deletérios à nossa sociedade de uma herança
ideológica que condena profundamente os ofícios braçais – embora todos dependamos deles – ao mesmo tempo em
que artificiosamente usa do intelecto e da atividade mental como trampolim para a perpetuação de benesses acumuladas ao longo da história.
Professor Yeso – Redação do Curso ITA
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