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UM TEMPO FERROVIÁRIO EM JABOATÃO
Gildo Carício Caldas
Os tempos dos ferroviários sempre estiveram em estreita sintonia com os
desenvolvimentos social, cultural e tecnológico, de cidades, regiões e países. Foi
assim e, continua até hoje, sofrendo as modificações e adaptações, impostas pela
celeridade do galopante progresso tecnológico.
Das saudosas locomotivas a vapor queimando carvão mineral e lenha, às possantes
diesel-elétricas e elétricas, o tempo na ferrovia voou, passando de trinta para
quinhentos quilômetros por hora, fazendo, na Europa, com que os trens concorram
com os aviões, para viagens até mil quilômetros de distância.
Num País de dimensões continentais como o Brasil com imensa diversificação de
riquezas por suas várias regiões, é uma pena que tenhamos ficado à reboque do que
mais avançado existe no cenário do desenvolvimento ferroviário do mundo.
À Pernambuco coube a primazia de fazer correr o segundo trem do Brasil, no dia 08
de fevereiro de 1858 (o primeiro foi o da ESTRADA DE FERRO PETRÓPOLIS em
30/04/1854), quando os irmãos ingleses Alfred e Edward De Mornay inauguraram o
primeiro trecho da FERROVIA DO RECIFE AO RIO SÃO FRANCISCO entre Recife e o
Cabo, cujo prolongamento atingiu Garanhuns em 1887. Já em 1884 os ingleses da
Great Western of Brazil Raylway concluíam a ligação Recife (Brum) Limoeiro.
Vê-se, pois, que a ferrovia chegou em nosso município quando os trens já
trafegavam em Pernambuco há 27 anos e a Estrada de Ferro Central de Pernambuco
(EFCP) inaugurava em 25 de março de 1885 a nova estação de Jaboatão.
Por ocasião da elevação de Jaboatão à categoria de cidade, em 27 de junho de 1884,
pela Lei Provincial N°1881, a construção da estação estava em fase de conclusão,
quando, deu-se então, o grande passo para o progresso, iniciando-se o seu rico
TEMPO FERROVIÁRIO.
Com clima ameno, água farta, distando apenas dezesseis quilômetros do Recife, com
acesso fácil a todas as estações do trajeto, com frequência e horários de trens bem
distribuídos, Jaboatão passou a reunir então, as condições para que inúmeras
famílias viessem construir aqui suas novas residências. Algumas delas em estilo
arquitetônico arrojado para a época. E, no faro do progresso vieram os comerciantes
para aqui se estabelecerem, formando uma sociedade coesa e forte.
Tendo várias usinas moentes, duas delas, Colônia e Bulhões, ligadas por desvio a
EFCP (Estrada de Ferro Central de Pernambuco), vários engenhos de açúcar
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safrejando, com uma fábrica de papel se instalando, Jaboatão caminhava célere para
tornar-se uma grande cidade industrial.
A Great Western através do Decreto N° 4111, de 31 de janeiro de 1901, encampou
outros trechos ferroviários na região e passou imediatamente a desenvolver um
programa de redução de custos e melhoria das condições operacionais. Assim
surgiram as ligações Coqueiral/Camaragibe e Areias/Boa Viagem, que permitiram
centralizar os trens de passageiros na Estação Central do Recife e os de carga em
Cinco Pontas. Antes eram três estações com a mesma finalidade. Na mesma ordem
de interesse, foi decidido transferir oficinas menores para mais perto do Recife,
fazendo uma só em Jaboatão.
Corria o ano de 1910, quando começaram a chegar os ferroviários transferidos de
outras oficinas fechadas, principalmente oriundos de Barbalho, no Cabo de Santo
Agostinho, assim como máquinas e equipamentos. As famílias foram alojadas nas
oitenta e três casas que a Great Western construiu na Cascata de Baixo e na Cascata
de Cima.
A falta de habitação foi o principal problema enfrentado na fase de implantação e
início de funcionamento. As oficinas davam empregos a centenas de artífices de
outras cidades, principalmente das usinas de açúcar, que aqui aportavam em busca
de melhores salários oferecidos. Assim, eles se espalhavam por vários lugares da
cidade, onde construíam suas casas.
Paralelamente, aos ferroviários que aqui se instalavam em grande número, uma
outra casta de gente, de melhores posses, se aproveitava da boa oportunidade para
vir estabelecer os seus negócios.
A partir de 1910 a Oficina de Jaboatão iniciou a sua longa e gloriosa jornada de
trabalho em prol do desenvolvimento do transporte ferroviário na região. Com um
quadro composto do que existia de melhor, engenheiros, técnicos de várias
especialidades, ferreiros, carpinteiros, soldadores, caldeireiros, mecânicos,
serralheiros, etc, o seu conceito elevou-se, ao ponto de tornar-se a segunda maior
oficina ferroviária do Brasil, ficando atrás apenas da oficina de Engenho de Dentro
da Central do Brasil, no Rio de Janeiro.
Podemos afirmar, com muito orgulho, que Jaboatão foi uma Oficina Ferroviária
completa, abrangendo todos os setores de reparação e produção industrial.
Quando se fala da Oficina de Jaboatão um registro especial tem de ser feito ao
lendário engenheiro inglês Mr. Lee, que durante muitos anos a chefiou. Por ocasião
da passagem da Greet Western para o Governo Federal, Mr. Lee passou a ser
funcionário do governo federal, voltando algum tempo depois, para ao seu País
(Inglaterra) onde foi viver recebendo sua aposentadoria brasileira.
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Quando em quatro de fevereiro de 1912, um sacerdote de grande valor chamado
CHROMÁCIO LEÃO TEIXEIRA DA SILVA, assumiu a sua paróquia, conhecia os graves e
urgentes problemas a resolver, e assinalava que o seu primeiro cuidado seria com a
oficina.
Nos trinta e nove anos do seu paroquiado, “teve uma ótima oportunidade de
conviver com os operários, sentir suas necessidades, perscrutar os seus sentimentos,
sondar suas aspirações e ver, em cada um deles, a simplicidade do Cristo-Operário,
ao lado do pai adotivo, ganhando o pão com o suor do seu rosto. E veio criar entre
eles, que eram muitos, e nos outros que depois conheceu, um exército de amigos.”
Em honra de seu magnífico trabalho, a Rede Ferroviária Federal – RFFSA, lhe
concedeu pós-morte, em 1987, a sua maior condecoração – a MEDALHA DO MÉRITO
FERROVIÁRIO.
O comércio de Jaboatão beneficiou-se durante muitos anos do poder aquisitivo dos
ferroviários. Havia a fábrica de papel e as usinas, mas o peso pesado era dos
ferroviários. Um mil e duzentos empregados, um universo fantástico que ainda era
acrescido dos que trabalhavam em outras repartições da Rede no Recife e Edgar
Werneck.
Nas áreas cultural, esportiva e educacional, a ferrovia despontou sempre como a
grande patrocinadora e incentivadora. Festa de Natal e Ano Novo com pastoril,
fandango e quadrilha, com ensaios na Sementeira, clube local situado na Cascata de
Baixo e apresentações em coretos e palanques da cidade e até na circunvizinhança.
A festa de Santo Amaro era outra tradição fantástica e a noite por excelência a dos
ferroviários, sempre no último sábado do novenário, era abrilhantada pelas bandas
do Padre Chromácio, e a dos Ferroviários, com instrumental afinado e repertório
primoroso.
No campo esportivo o Locomoção, time da oficina, se destacava nos clássicos
jaboatonenses, juntamente com o Portela (da Fábrica de Papel) o Bulhões, (da Usina
Bulhôes) e o Cristal, (da Usina Jaboatão), competindo também com clubes visitantes
e de outras cidades.
O Centro Social dos Ferroviários reunia não só os ferroviários, mas toda a sociedade,
em excelente edificação.
Na área educacional destacavam-se a Escola Pinto Reis, na Cascata de Cima, a Escola
Souza Brandão na antiga residência do chefe da oficina e a antiga Escola Profissional
Ferroviária Benevenuto Lubambo que, mais tarde, veio a se chamar Centro de
Formação Profissional, um primor de escola, um dos melhores centros de formação
da Rede no Brasil, enquanto funcionou.
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Jaboatão respirava ferrovia. A vida das pessoas era, praticamente, controlada pelos
apitos da oficina e das locomotivas e pelo grande relógio da torre do escritório.
O primeiro trem partia às 05:00 h, levando as pessoas que trabalhavam na indústria,
no comércio e os estudantes que estudavam nos colégios do Recife, no turno da
manhã. Os que viajavam no turno da tarde, deixavam Jaboatão às 12:05 h.
O trem foi um grande veículo de se fazer amizades. Viajávamos, conversávamos,
éramos todos amigos. Sem sombra de dúvida, um veículo de aproximação com total
interação daqueles que lutavam pela vida e outros que se preparavam para
enfrentá-la. Era uma grande família viajando. Ressalte-se que tendo passado boa
parte da minha vida viajando de trem, nunca me recordo de ter presenciado um fato
que diga respeito à violência de qualquer natureza.
A importância de Jaboatão como oficina central, foi uma decorrência do
desenvolvimento da tecnologia ferroviária. Com a introdução da tração diesel, com
locomotivas modernas e versáteis, de grande capacidade de tração e de menor custo
de manutenção, houve uma grande revolução no sistema operacional das ferrovias.
O número de locomotivas caiu pela metade. Tudo que era voltado para a reparação e
produção de sobressalentes para as locomotivas a vapor foi desativado. Sumiram
todos os postos de abastecimento d`água e fuel-oil, e oficinas de manutenção
espalhadas por toda a região.
Quando, em 1985, tornei-me Superintendente Regional Nordeste da RFFSA, cujas
linhas abrangiam toda região nordestina de Monte Azul (Minas Gerais) a São Luiz
(Maranhão), procurei estimular o quanto pude o Projeto FERROVIDA, cuja principal
finalidade era preservar a memória ferroviária.
Convoquei um conterrâneo amigo, grande poeta escritor e sociólogo, Alberto da
Cunha Melo, para uma missão: registrar a rica história ferroviária de Jaboatão no
período que mediou entre a inauguração da estação de Jaboatão em 1885, até o
encerramento das atividades da oficina um século depois. Estas memórias estão
contidas no livro UM TEMPO FERROVIÁRIO EM JABOATÃO, que não chegou a ser
publicado e cujos originais se encontram com os familiares do autor.
Até agora, da Jaboatão ferroviária, no período enfocado, ficaram as lembranças da
sua histórica oficina, dos seus apitos e do seu relógio, dos seus trens suburbanos, das
suas festas e das suas instituições esportivas e culturais.
Convenhamos que seja muito pouco para tanta grandeza histórica.
GILDO CARÍCIO CALDAS, Engenheiro, Jaboatonense,
ex-Superintendente Regional Nordeste da RFFSA
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