QUARTA REGIÃO
QUARTA REGIÃO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p. 1-304, 2010
Ficha Técnica
Direção:
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Assessoria:
Isabel Cristina Lima Selau
Direção da Divisão de Publicações:
Arlete Hartmann
Análise e Indexação:
Giovana Torresan Vieira
Marta Freitas Heemann
Revisão e Formatação:
Camila Thomaz Telles
Carla Roberta Leon Abrão
Leonardo Schneider
Os textos publicados nesta revista são revisados pela Escola da Magistratura
do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. – Vol. 1, n. 1
(jan./mar. 1990). – Porto Alegre: O Tribunal, 1990 – v. – Trimestral.
ISSN 0103-6599
1. Direito – Periódicos. 2. Direito – Jurisprudência. 1. Brasil.
Tribunal Regional Federal 4ª Região.
CDU 34(051)
34(094.9)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL
4ª Região
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300
CEP 90.010-395 – Porto Alegre – RS
PABX: 0 XX 51-3213-3000
e-mail: [email protected]
Tiragem: 850 exemplares
QUARTA REGIÃO
TADAAQUI HIROSE
Des. Federal Diretor da Escola da Magistratura
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO
JURISDIÇÃO
Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná
COMPOSIÇÃO
Em 7 de maio de 2010
Des. Federal Vilson Darós – 09.12.1994 – Presidente
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – 09.12.1994 – Vice-Presidente
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – 17.09.1999 – Corregedor Regional
Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb – 09.12.1994
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – 09.12.1994
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria – 09.12.1994
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère – 05.02.1997
Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior – 15.06.1998
Des. Federal Tadaaqui Hirose – 08.11.1999 – Diretor da EMAGIS
Des. Federal Dirceu de Almeida Soares – 28.06.2001
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz – 28.06.2001
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – 28.06.2001 – ViceCorregedor Regional
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – 28.06.2001
Des. Federal Néfi Cordeiro – 13.05.2002
Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – 03.02.2003 – Conselheiro da EMAGIS
Des. Federal João Batista Pinto Silveira – 06.02.2004 – Conselheiro da EMAGIS
Des. Federal Celso Kipper – 29.03.2004
Des. Federal Otávio Roberto Pamplona – 02.07.2004
Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – 02.07.2004
Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle – 27.04.2005
Des. Federal Joel Ilan Paciornik – 14.08.2006
Des. Federal Rômulo Pizzolatti – 09.10.2006
Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira – 11.12.2006
Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – 26.11.2007
Des. Federal Fernando Quadros da Silva – 23.11.2009
Des. Federal Márcio Antônio Rocha – 26.04.2010
Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)
Juíza Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha (convocada)
Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)
Juiz Federal Sérgio Renato Tejada Garcia (convocado)
CORTE ESPECIAL
Em 7 de maio de 2010
Des. Federal Vilson Darós – Presidente
Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Vice-Presidente
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon – Corregedor Regional
Des. Federal Tadaaqui Hirose – Diretor da EMAGIS
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Vice-Corregedor Regional
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Des. Federal Néfi Cordeiro
Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus – Conselheiro da EMAGIS
(1º Suplente Quinto Constitucional/MPF)
Des. Federal João Batista Pinto Silveira – Conselheiro da EMAGIS
(1º Suplente Quinto Constitucional/OAB)
Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle
(2º Suplente Quinto Constitucional/MPF)
PRIMEIRA SEÇÃO
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Otávio Roberto Pamplona
Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira
Des. Federal Joel Ilan Paciornik
Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch
Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)
SEGUNDA SEÇÃO
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente
Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Des. Federal Fernando Quadros da Silva
Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)
TERCEIRA SEÇÃO
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente
Des. Federal João Batista Pinto Silveira
Des. Federal Celso Kipper
Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle
Des. Federal Rômulo Pizzolatti
Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)
QUARTA SEÇÃO
Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro – Presidente
Des. Federal Tadaaqui Hirose
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Des. Federal Néfi Cordeiro
Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus
Des. Federal Márcio Antônio Rocha
PRIMEIRA TURMA
Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira – Presidente
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère
Des. Federal Joel Ilan Paciornik
SEGUNDA TURMA
Desa. Federal Luciane Amaral Corrêa Münch – Presidente
Des. Federal Otávio Roberto Pamplona
Juíza Federal Vânia Hack de Almeida (convocada)
TERCEIRA TURMA
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz – Presidente
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Des. Federal Fernando Quadros da Silva
QUARTA TURMA
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler – Presidente
Desa. Federal Silvia Maria Gonçalves Goraieb
Juiz Federal Jorge Antônio Maurique (convocado)
QUINTA TURMA
Des. Federal Rômulo Pizzolatti – Presidente
Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira
Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior (convocado)
SEXTA TURMA
Des. Federal João Batista Pinto Silveira – Presidente
Des. Federal Celso Kipper
Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle
SÉTIMA TURMA
Des. Federal Tadaaqui Hirose – Presidente
Des. Federal Néfi Cordeiro
Des. Federal Márcio Antônio Rocha
OITAVA TURMA
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado – Presidente
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus
SUMÁRIO
DOUTRINA ........................................................................................15
A pensão previdenciária por morte e o Direito Civil
Rômulo Pizzolatti......................................................................17
DISCURSOS ......................................................................................21
Fernando Quadros da Silva......................................................23
Márcio Antônio Rocha..............................................................29
Élcio Pinheiro de Castro..........................................................35
Fernando Ribeiro Pacheco.......................................................39
ACÓRDÃOS.......................................................................................41
Direito Administrativo e Direito Civil......................................43.
Direito Penal e Direito Processual Penal..................................83.
Direito Previdenciário.............................................................145
Direito Processual Civil..........................................................195
Direito Tributário....................................................................227
SÚMULAS........................................................................................269
RESUMO...........................................................................................279
ÍNDICE NUMÉRICO........................................................................283
ÍNDICE ANALÍTICO.......................................................................287
ÍNDICE LEGISLATIVO...................................................................299
DOUTRINA
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.15-20, 2010
A pensão previdenciária por morte e o Direito Civil
Rômulo Pizzolatti*
Uma rápida pesquisa dos julgamentos dos tribunais em matéria de
pensão previdenciária por morte realizados nos últimos anos deixará o
pesquisador perplexo pelo elevado volume de orientações diferentes.
Uma boa hipótese de explicação parece estar no fato de que o Direito
Civil não vem sendo considerado quanto devia, como se os institutos
do Direito Previdenciário fossem isolados e refratários aos conceitos de
outras disciplinas, especialmente o Direito Civil, que é a base de tudo.
Em vez de se aproveitarem as conquistas do Direito Civil, mais amplo,
porque a todos diz respeito, e por isso mesmo mais aderente à realidade
social, com o que chegaríamos a soluções rápidas, seguras e uniformes,
os que defendem o isolamento do Direito Previdenciário acalentam o
projeto de fazer inovadora “construção jurisprudencial”, justificando-a
com uma simples frase – o “caráter social das normas de Direito Previdenciário”, da qual tiram, como que de uma cartola, o mágico efeito de
convencimento.
Feita essa reflexão introdutória, examinemos algumas situações importantes, indicativas de que o instituto da pensão previdenciária por
morte está ligado como que por um cordão umbilical ao Direito Civil,
de cujos institutos e normas não pode prescindir.
*
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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Até o Supremo Tribunal Federal (STF) assentar, recentemente (RE
nº 397.762, DJe de 12.09.2008), com base na Constituição e no Direito
Civil, que a concubina não tem direito a cota de pensão por morte em
prejuízo da esposa, com quem o segurado nunca deixou de conviver,
sob pena de dar-se chancela jurídica à bigamia, a jurisprudência vinha
desconsiderando a distinção entre concubina e esposa e fazia rateio da
pensão entre as duas. Os julgadores certamente incorriam em autoengano, decorrente da ilusão de que, com essa partilha à moda de Salomão,
estariam fazendo obra de “justiça”, quando em geral o que resultava
era o oposto, por isso que a esposa quase sempre superava a concubina,
em anos de convivência e em filhos criados. Entre vários semelhantes,
certo caso houve em que o colegiado, pretextando o “caráter social das
normas de direito previdenciário”, retirou metade da pensão da viúva,
uma velhinha “do lar”, que criara oito filhos do segurado, para dá-la à
concubina, pessoa mais jovem e com economia própria, que nenhum
filho teve com o segurado... Este é o grande perigo do bem-intencionado
julgador que “quer fazer o bem” acima de tudo, minimizando os critérios
normativos: acaba, o mais das vezes, incorrendo no “paradoxo de São
Paulo” (“Não faço o bem que quero, e sim o mal que não quero” – Epístola aos Romanos, 7, 19). Felizmente, nesse ponto o velho mas sempre
atual Direito Civil volta a prevalecer, desde que o STF lhe restaurou o
prestígio.
Tampouco é profícuo tentar, dentro do Direito Previdenciário, estabelecer, por exemplo, quem é “filho”. A filiação é categoria do Direito
Civil, que distingue, conforme a exposição do prof. Fábio Ulhoa Coelho,
várias espécies: a) filiação biológica, que ocorre quando o filho porta
a herança genética de quem consta como pai e mãe de seu registro de
nascimento; b) filiação não biológica, que ocorre mediante a perfilhação,
ou seja, os pais declaram, expressa ou implicitamente, a vontade de ter
certa pessoa como filho(a); b.1) filiação por substituição, que provém do
emprego de técnica de reprodução assistida heteróloga, em que os pais,
cujos nomes constam do registro de nascimento, contratam o serviço
de médicos para concepção in vitro, sem pelo menos um deles fornecer
o gameta, podendo ainda ocorrer a geração do filho em útero de outra
mulher que não a mãe; b.2) filiação socioafetiva, que provém da relação
de afeto paternal ou maternal nascida da convivência duradoura de um
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adulto e uma criança, sem que haja vínculo biológico entre eles; b.3)
filiação adotiva, que é a estabelecida pela adoção, resultante de processo
judicial em que um adulto (ou dois adultos casados) aceita outra pessoa,
geralmente criança ou adolescente, como seu filho (COELHO, Fábio
Ulhoa. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2006. v. 5, p. 146148). Recentemente, a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, adotando a linha de orientação do Direito Civil, concedeu pensão
previdenciária por morte à filha socioafetiva do segurado, prescindindo
de fazer “construção jurisprudencial” ou de apoiar-se em “precedentes”
(AC nº 2008.71.99.001769-5/RS, julgada em 09.12.2008, in Revista
do TRF da 4ª Região, n. 74, p. 273-275). Parece, pois, ser de escassa
utilidade fazer pesquisas à cata de “precedentes” sobre quem deve ser
considerado filho, pois o máximo conseguível será alguma orientação
já superada pela ampla renovação experimentada pelo Direito Civil nos
últimos anos.
É ainda no Direito Civil que se deve buscar a compreensão do que
seja “dependência econômica”, quando esta não é presumida, como é o
caso (I) dos pais do segurado, ou (II) da(o) irmã(o) não emancipada(o),
menor de 21 anos ou inválida(o), ou (III) da(o) ex-esposa(o) ou excompanheira(o) em união estável que, por ocasião da ruptura da convivência, havia dispensado ou deixado de reclamar alimentos, mas prova
que sobreveio necessidade de tais alimentos (e, pois, direito a eles), conforme a Súmula 336 do Superior Tribunal de Justiça, tudo, evidentemente,
à época do óbito do segurado. Novamente aqui a pesquisa jurisprudencial
aponta a tendência de os julgadores fazerem “construção jurisprudencial”, minimizando o Direito Civil. Tem-se comumente entendido que
há “dependência econômica” quando a ajuda em dinheiro ou bens dada
pelo segurado vai “fazer falta” ao postulante à pensão por morte. O
julgador apieda-se então do suplicante e, por equidade, lhe concede a
pensão, a fim de que possa manter seu padrão de vida. Na prática, acabará elevando o padrão de vida do suplicante, porque o valor da pensão
por morte (normalmente a totalidade do salário de benefício) é sempre
bem superior ao auxílio que era dado pelo segurado (um morto não tem
despesas). A solução por equidade parece estar aqui interditada, visto que
há critério normativo para o caso, dado pelo Direito Civil. O artigo 1.694
do Código Civil de 2002, com efeito, estabelece: “Podem os parentes,
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os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,
inclusive para atender às necessidades de sua educação”. Está claro,
pois, que alimentos e pensão por morte não têm a finalidade de manter
“padrão de vida”, mas sim a finalidade de propiciar vida “compatível com
a condição social” do alimentando. Daí se segue que se o alimentando,
seja ele pai, mãe, irmã(o), ex-esposa(o) ou ex-companheira(o), mora,
por exemplo, em casa própria e possui parcos rendimentos que, em tal
contexto, lhe garantem vida compatível com sua modesta condição social,
não tem direito à pensão por morte, ainda que sofra alguma diminuição
em seu “padrão de vida”, que se elevara temporariamente pelo auxílio
em dinheiro ou em bens dado pelo falecido segurado. Não é do Direito
dar a alguém aquilo que não é seu, à custa do esforço alheio, individual
ou social. Justamente nesse sentido foi a decisão unânime de 10.12.2009,
da Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao apreciar a Apelação Cível nº 2006.72.08.003408-9/SC (“É indevida pensão
por morte à ex-companheira do segurado, de quem ele estava separado
de fato à época do óbito, quando ela tinha renda suficiente, consistente
em aposentadoria por idade e pensão por morte do marido, para manter
padrão de vida compatível com sua modesta condição social”).
Em conclusão, o instituto da pensão previdenciária por morte está
como que por um cordão umbilical ligado ao Direito Civil, que lhe
subministra conceitos, critérios e compreensões, e de cuja maturidade
e constante evolução se beneficia, o que vale também para os demais
institutos do Direito Previdenciário. Por isso mesmo, parecem ilusórias
as já mencionadas “construções jurisprudenciais”, que, fundadas somente
no mágico “caráter social das normas previdenciárias”, acabam por levar
o Direito Previdenciário a isolar-se do sistema jurídico.
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DISCURSOS
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Discurso*
Fernando Quadros da Silva**
Sr. Presidente, Desembargador Vilson Darós, Sra. Procuradora Regional da República, Srs. Advogados, servidores desta Corte, autoridades, meus colegas deste Tribunal, familiares do empossado, meu caro
Desembargador Márcio Rocha:
Reúne-se o Tribunal Regional Federal da 4a Região em sessão plenária para, mais uma vez, receber um novo membro no seu corpo de
julgadores. Este Tribunal criado em 1989, fruto direto da Constituição
de 1988, já empossou muitos julgadores, em suas diversas composições.
É um tribunal relativamente jovem, mas já disse a que veio. No último
dia 30 de março, completou 21 anos de existência e vem dando mostras
de profundo respeito pelos jurisdicionados dos três Estados que integram
sua área de jurisdição: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Julgam-se nesta Corte milhares de processos por ano, centenas de sessões
de julgamento, horas e horas de discussões para realizar a justiça. Por
isso a chegada de um novo membro sempre é uma alegria. É um alento
e nova força de trabalho.
Sempre estivemos na vanguarda. Na especialização das turmas e varas
federais, na implantação dos juizados especiais federais e agora com o
Discurso de saudação ao Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha quando da sua posse no TRF da
4ª Região, em 26.04.2010.
**
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
*
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processo eletrônico. Sempre fomos pioneiros, mas, por outro lado, a
normalidade sempre marcou a história desta Corte.
As pessoas se sucedem nos cargos, deixam sua contribuição, e outras
vêm, numa sucessiva e salutar alternância que revela de maneira incontestável que vivemos numa plena democracia e num sistema republicano.
Somos passageiros, e aqueles que mais se esforçam para serem
lembrados são os que mais rapidamente são esquecidos. Aqueles que
querem mudar a justiça sozinhos se esquecem de que essa é uma tarefa
de todos – juízes, advogados, membros do Ministério Público, servidores, enfim, de toda a sociedade, não de um homem só. O tribunal não é
nosso, é da sociedade.
A vida e a renovação se impõem inexoravelmente. O que importa são
as instituições, porque elas são o fruto do somatório de ideias, sentimentos
e ideais. O maior legado do homem público é justamente não se esforçar
muito para deixar legado. É cumprir o que a lei espera dele. No nosso
caso, prometemos cumprir e fazer cumprir a Constituição e as leis da
República Federativa do Brasil, compromisso que Vossa Excelência, Dr.
Márcio, acabou de renovar. Essa é a maior tarefa que temos que desempenhar, mesmo que à custa da antipatia de alguns, por vezes da opinião
pública; tudo em nome do bem maior que é a justiça. E, quanto a isso,
este Tribunal vem inegavelmente dando excelentes exemplos.
Vossa Excelência toma posse no cargo que antes foi ocupado pelo
inolvidável João Surreaux Chagas, juiz competente e culto, humano e
sensível. Quantas vezes presenciei o Dr. Surreaux animadamente perguntar ao Márcio por suas andanças de bicicleta pelo mundo afora. Era
como um irmão mais velho, nos dizendo que a vida não é só trabalho.
Foi um amigo que perdemos:
“A morte espreita em silêncio
O vivo jogo dos homens
No tabuleiro do tempo
Estende, às vezes de repente,
A longa mão feita de sombra
E tira um peão do tabuleiro”
(Helena Kolody)
Desta feita, estamos na cerimônia de posse de mais um magistrado
desta Corte. O empossado é o Dr. Márcio Antônio Rocha. Natural de
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Ponta Grossa, Estado do Paraná, ainda cedo mudou-se para Curitiba,
onde passou a infância e a juventude.
Filho de Aroldo Rocha, de saudosa memória, e Tereza Kirylovicz
Rocha, nasceu em 13 de junho de 1968.
Sempre foi uma pessoa singular. Sempre privilegiou o contato com
a natureza. Na sua juventude, foi escoteiro e alpinista. Conhece como
poucos as montanhas da Serra do Mar. Encontrou muitas vezes Waldemar
Niclevicz nos seus treinamentos para escalar a montanha mais alta do
mundo. Tenho certeza de que Márcio poderia escalar o Everest, pois tem
a fibra e a determinação necessárias, mas escolheu o Direito.
Já na Faculdade de Direito, iniciada em 1987 e concluída em dezembro de 1991, se interessou em exercer atividades ligadas à área jurídica.
Inicialmente foi estagiário na Defensoria Pública, onde prestava serviços
na Vara de Execuções Penais. Posteriormente fez estágios em escritório
de advocacia e, finalmente, fez concurso para o cargo de Auxiliar de Juiz
da Justiça Estadual do Paraná, onde permaneceu por dois anos, prestando
serviços na Vara Criminal. Foi contemporâneo, nessa época, dos amigos
Vicente de Paula Santos e Jorge Vicente da Silva, brilhantes advogados,
e Luiz Carlos Canalli, estimado colega Juiz Federal.
Com a colação de grau, passou a se preparar para concursos. Foi aprovado no memorável concurso de 1992, em que somente seis candidatos
lograram aprovação – além de Márcio Rocha, outros cinco colegas: Néfi
Cordeiro, Joel Ilan Paciornik, Otávio Roberto Pamplona, Cláudia Cristina
Cristofani e Luciane Amaral Corrêa.
Eu, que morava em Porto Alegre na época, tive a felicidade de
acompanhar aquele seleto grupo nas últimas fases do concurso. Não
estava participando do certame, mas, de alguma maneira, toda aquela
movimentação me influenciou. Ainda me recordo daquele grupo que
entusiasticamente se preparava para os atos finais do concurso.
Aprovado no concurso e empossado na cerimônia presidida pelo então
Presidente Cal Garcia, precisamente em 18.12.1992, assumiu como juiz
federal substituto em Uruguaiana.
De Uruguaiana, o Dr. Márcio Rocha assumiu a Vara Criminal de Curitiba – entusiasmou-se com a matéria criminal. Era um momento novo
na Justiça Federal. A especialização de varas criminais era pioneira. O
Dr. Márcio Rocha mergulhou fundo na matéria e na jurisdição criminal.
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Fazia proposta, redigia modelos de ofícios e precatórias, participava de
reuniões para propor novas varas e novos procedimentos.
Enfim, deixou um legado de dedicação e exame profundo dos processos criminais. A sua prestação jurisdicional, poderia afirmar, é fruto dessa
fase. Cada processo é um processo. Ele os examina meticulosamente.
Confere, corrige redação em busca da palavra exata. Não transige com as
palavras. Manda refazer várias vezes. Esse é o estilo. Sua mesa sempre
é cheia de processos com anotações, tem uma memória invejável.
Ali permaneceu de 1991 a 2000. Depois de uns oito anos na vara
criminal, foi para a Vara do Sistema Financeiro de Habitação, vara recémespecializada, fruto da visão pioneira do nosso tribunal, sob a presidência
dos Desembargadores Fábio Rosa e Vladimir Freitas.
Em 2000 foi para a Vara do SFH. E, novamente, seu espírito inquieto
se pôs a examinar aqueles milhares de feitos questionando os contratos
de financiamento imobiliário. Tanto estudou, tanto discutiu, que terminou por elaborar uma nova tese sobre a amortização dos juros daqueles
contratos. Não se contentava em apenas repetir os precedentes, queria
solucionar mais profundamente a demanda.
Fruto dessa labuta na Vara do SFH é um projeto inteiramente pioneiro
de contrato. Publicou obra a respeito: “Sistema Financeiro de Habitação:
soluções jurídicas e proposições para o futuro” (Juruá, 2005).
Participou da Comissão de Altos Estudos da Justiça Federal, instituída pela Resolução 296 do Conselho da Justiça Federal em 2002. A
sua proposta foi encampada integralmente. Preconizava, entre outras
coisas, a facilitação do acesso à moradia utilizando as sobras resultantes
das operações financeiras.
Por ocasião da apresentação do Projeto no Senado Federal, o Senador
Álvaro Dias discursou elogiando nosso magistrado e sua pioneira iniciativa que visava solucionar o déficit habitacional no país. O discurso foi
publicado no Diário do Senado de 21 de maio de 2005.
Integrou o Tribunal Eleitoral do Paraná na condição de suplente, no
biênio 2004 a 2006. Quando eu e o colega Nicolau Konkel Jr. estávamos na Direção do Foro da Seção Judiciária, Márcio ocupou o Centro
de Estudos e Treinamento – CET, impondo dinamismo e competência.
Realizou um dos primeiros encontros de juízes federais do Paraná.
Integrou a Turma Recursal do Juizado Especial na Seção Paraná e
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ajudou a consolidar a ideia das turmas recursais. Naquele início dos
juizados, tudo parecia difícil e precisávamos de pioneiros e idealistas.
Convocado em diversas oportunidades e períodos a partir de 1999,
mais recentemente a partir de 2004 está convocado junto a esta Corte,
primeiramente em função de auxílio e por último em substituição de
membro desta Corte. Um terço de sua carreira está no tribunal.
Afora as atividades profissionais, é cidadão com vasta cultura, pois
viajou pelo mundo de bicicleta e de motocicleta, além de ser velejador e
alpinista. Escalou muitas vezes as montanhas da Serra do Mar no Estado
do Paraná. Tais atividades complementam e enriquecem a convivência
e melhoram a capacidade de julgar.
No trato pessoal com os colegas, sempre é gentil e cortês. Nos trabalhos em colegiado, sempre profere seus votos com tranquilidade e
segurança, respeitando as opiniões e conclusões diversas.
Tenho certeza de que ganha o tribunal com sua posse e com sua
contribuição, que já vem sendo incansavelmente dada, agora com as
vantagens e prerrogativas da definitividade.
Cumprimento os familiares aqui presentes; sua esposa, Haylleen; sua
mãe, Dona Tereza; seus irmãos, Cláudio, Sandra e Claudia.
Encerro com versos de Helena Kolody, a maior poetisa do nosso
amado Paraná, descendente de ucranianos como nosso empossado e
nosso colega Wowk Penteado:
“Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.”
“Não é o tempo que voa
Sou eu que vou devagar”
“Sem aviso,
o vento vira
uma página da vida”
Hoje, Dr. Márcio Rocha, você está virando uma página na sua carreira até agora brilhante. Em nome do Tribunal, dou-lhe as boas-vindas
e desejo-lhe felicidade no desempenho da elevada missão que hoje se
renova.
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Discurso*
Márcio Antônio Rocha**
Excelentíssimo Desembargador Federal Vilson Darós, na pessoa de
quem saúdo todas as autoridades presentes, Senhoras e Senhores:
Assumo com orgulho a vaga deixada pelo saudoso Desembargador
Federal João Surreaux Chagas, eminente magistrado, que ocupou com
galhardia cargos importantes, dos quais ressalto a Corregedoria-Geral e
a Vice-Presidência desta Corte. Tivemos uma mesma trajetória inicial,
pois judicamos ao início de nossas carreiras na Subseção Judiciária
de Uruguaiana, englobando à época todo o noroeste do Estado do Rio
Grande do Sul e as fronteiras com a Argentina e o Uruguai. Foi esse
início comum que me fez próximo de Sua Excelência, vindo conhecer
a dedicação pelo trabalho e a inesgotável amizade para com todos que
lhe acorriam. Desembargador Surreaux, obrigado pela amizade, e saiba
que, embora a sua ausência nos seja um vazio constante, com orgulho
novamente seguirei seus passos.
Peço licença, ainda, para um agradecimento inafastável. Existem
duas pessoas que merecem os tributos deste especial momento: Aroldo
e Tereza, meus pais. Pessoas que traduziram suas vidas em trabalho,
em amor à família e aos próximos. Meu pai faleceu quando eu tinha 15
anos, cabendo à minha mãe o difícil trabalho de, enxugando as suas e
*
Discurso de posse como Desembargador Federal do TRF da 4ª Região, em 26.04.2010.
Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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as nossas lágrimas, prosseguir o bem-estar da família. De meu pai, tenho que seu tempo era tomado por horas extras no trabalho, certamente
necessárias para conseguir manter a família e pagar os estudos de seus
quatro filhos. Diziam meus pais: “Márcio, o seu futuro está no estudo”.
Pai, Mãe, aqui estou, exclusivamente, pelos seus esforços e pelo estudo.
Obrigado. Obrigado também a meus irmãos, Cláudio, Sandra e, especialmente, Claudia, que tanto acompanha minha carreira; meus sobrinhos,
Dra. Camila, Caio, Dayane e Thiago; e minha cunhada Elizete, pessoas
tão importantes para mim. Na pessoa de meus dois amigos de longínqua
infância, Cláudio Saldanha e Marcelo Losso, saúdo todos aqueles que
aqui estão presentes por apreço e estima. Agradeço ainda a presença dos
meus tios Maria, Laertes e Osni e dos meus sogros, Reinaldo e Noeli,
nas pessoas de quem saúdo todos os familiares.
Especial gratidão vai à Haylleen, minha amada esposa, unida a mim
pela generosa confiança em minhas promessas de amor eterno, apanágio do doce mistério que faz um homem e uma mulher, entre tantos,
escolherem-se para chamar de amor, compartilharem seus destinos, enfrentarem a vida na alegria ou na dor, se digladiarem no tênis, dividirem
uma edícula, o carinho de dois bichos, entre tantas emoções. Obrigado,
meu amor.
A vocês, familiares e amigos, que me emocionam com as respectivas presenças, meu muito obrigado e minhas desculpas pelos vários
momentos em que, esquecendo de ser dois, as angústias do magistrado
fizeram-me ausente, faltando-lhes com a atenção que tanto merecem.
Essa, aliás, invariavelmente é a realidade de um magistrado e de suas
famílias. Poucos sabem disso. De um lado, a solidão do magistrado, a
fala de sua consciência; de outro, a compreensão da família e dos amigos.
Quantas vezes estivemos juntos e apenas metade de mim lhes atendia,
pois a outra pensava em decisões a serem proferidas. Sempre me culpei
por isso. Fiz as pazes com essa incompletude lendo Sponville:
“Ninguém pode viver em nosso lugar, nem morrer em nosso lugar, nem sofrer ou
amar em nosso lugar. O que você vive com seu melhor amigo, você vive sozinho;
ele viveu outra coisa. Como viver o que o outro viveu? Como sentir o que ele sente,
experimentar o que ele experimenta?”
Digo isso para confessar que senti o peso da magistratura e das decisões. Discussões doutrinárias à parte, penso o direito como instrumento
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de justiça, a justiça como meta. Penso, como anuncia Perelman, referenciando Santo Tomás: “é inadmissível que prescrições, sabiamente
introduzidas com vistas à utilidade dos homens, se lhes tornem prejudiciais, por causa de uma interpretação por demais estrita pela qual se
chega à severidade”.
É essa busca da justiça que impulsiona a figura do juiz, embora os
tempos exijam estatísticas elevadas e frias. Pontuam-se cursos com ou
sem significação para o ofício diário da magistratura, publicam-se belos
trabalhos teóricos sobre problemas teóricos insolúveis ou de além-mar,
esquecendo-se de pensar as mazelas dos jurisdicionados, expostas sobre a
bancada de julgamento. A busca de números não pode atropelar a importância, a consciência e a compreensão do que se decide, pois um erro em
cem equivale a 100% de erro para o caso específico, para o inocente.
Lembro de um caso julgado por um magistrado. Um casal jovem – ela
18 e ele 19 anos – é preso em um ônibus proveniente de Foz do Iguaçu,
com 20 quilos de entorpecente. Na bagagem, o tíquete da poltrona da
menina, seus chinelos e o vidro de seu perfume. No auto de prisão em
flagrante, sua confissão de que fora ao Paraguai com o namorado igualmente preso, a quem pertence a bagagem. Essa confissão é juridicamente
importante, pois, a par de admitir sua participação indireta, esclarecia a
participação do corréu. A versão do jovem era simples: “Eu não conheço
essa menina”. Ouvidas as testemunhas do jovem, apenas dizem saber
que ele fora passear em Foz do Iguaçu, não precisando se com ou sem a
namorada, que sabem existir, mas não conhecem. Testemunhas da menina
sabiam que ela fora a Foz do Iguaçu possivelmente com um namorado,
que não conheciam. O que decidir se as versões se conflitavam em ponto
fundamental? O processo devia ser julgado. Não sabendo exatamente o
que fazer, por intuição determinou o juiz a soltura do jovem, deixando
claro à menina ré que o caso seria julgado em cinco dias. Em 48 horas
recebe o magistrado carta de próprio punho da menina, declarando que
não conhecia o rapaz e que fora a Foz com seu tio e um amigo deste,
pessoas que a obrigaram a trazer a bagagem. Quem era o amigo do tio?
Um traficante com prisão decretada em Foz do Iguaçu, pela morte de um
policial. Sabedor da delação da sobrinha, tentou matar o tio, cravando-lhe
um projétil na arcada dentária. A menina, confessadamente, não conhecia
o rapaz. Indicara-o com medo de ser levada presa sozinha. Tratava-se de
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um desafortunado inocente.
Tenho outro caso, muito breve, conto em segundos. Um cidadão,
trabalhador rural, ingressa no INSS pedindo auxílio-doença porque, por
estar deprimido, não consegue trabalhar. O posto previdenciário nega,
porque trabalhador rural deve curar sua depressão no trabalho ao ar livre, e a depressão não é causa para parar de trabalhar. O que fez o triste
homem, em uma tarde de angústia? Sem explicação, vai até os fundos
de seu sítio e, isolado da retórica de nossas repartições, apoia o braço
em um tonel e decepa o punho com um facão, em atitude de desespero
e desatino. Juntou-se a foto no processo. Dela parecia o triste cidadão,
mudo, como perguntar: “E agora, vocês têm alguma dúvida de que preciso de auxílio?”
Conto esses casos para sublinhar que não temos sobre nossas mesas
números. Temos vidas, liberdade, angústias. A pior das angústias, sabese, é viver sem justiça. Tais casos aceitam qualquer solução, punindo ou
não o jovem, concedendo ou não o benefício. O juiz, em situações desse
jaez, estava inicialmente autorizado a condenar, pelos indícios, o jovem,
e podia também negar o benefício previdenciário ao trabalhador. Mas
qual solução contribuiria para uma sociedade melhor, meta do sentido
organizacional do direito?
E a pergunta: para que as estatísticas da jurisdição, se ela não procurar saber exatamente o que está a julgar? Tem-se falado em estatísticas
quando, na verdade, queremos agilidade e qualidade do julgamento.
Para tanto, é falso o debate que propõe solucionar o impasse com órgãos
correcionais, com diminuição de férias de magistrados, com exigência
de números sem atenção à qualidade. O verdadeiro debate deve, antes de
mais nada, perquirir a compatibilidade das fórmulas processuais com o
número de julgadores, para que se possibilite ao magistrado fazer aquilo
que essencialmente se lhe espera: julgar. Somente assim atingir-se-ão os
almejados objetivos do Poder Judiciário. Pensemos.
Finalizando, ainda preciso fazer dois agradecimentos: primeiro, na
pessoa do talentoso amigo, Desembargador Fernando Quadros, que
endereçou-me palavras tão gentis e amigas, agradeço este Colendo
Tribunal por ter apoiado meu nome para compor duas anteriores listas
de merecimento, bem como pelo acolhimento amigo, profissional e cavalheiresco dispensado por todos seus membros.
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Por fim, agradeço a este País, Brasil, por sua democracia e pelo sistema de acesso aos cargos públicos, em especial aos de magistratura.
O Estado, por esse límpido sistema, não aristocrático, outorgou o poder
que ocupo desde os 24 anos, ao qual retribuo com os esforços de uma
vida, cumprindo diariamente o compromisso que hoje renovei, perante
o nobre testemunho dos presentes, de cumprir e fazer cumprir a ordem
jurídica desta nação e os deveres da minha magistratura. Ciente disso,
sigo e finalizo com o lema proferido pelo Almirante Barroso, um dos
heróis de nossa Pátria: “O Brasil espera que cada um cumpra com seu
dever”.
Obrigado.
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Discurso*
Élcio Pinheiro de Castro**
Senhores Desembargadores, Juízes, advogados, membros do Ministério Público, familiares, amigos, funcionários e demais autoridades.
Para dar posse a Paulo Vieira Aveline e Fernando Ribeiro Pacheco,
reúne-se em festa este Tribunal.
O primeiro, guindado ao cargo de Juiz Federal por promoção. O segundo, como o mais novo magistrado de nossa Região.
Não posso deixar de repetir.
Desde que ingressei na magistratura, só me acontecem coisas boas.
Estar aqui com vocês e ter a oportunidade de saudar os nobres colegas
é uma delas, que muito me honra.
Prometo não falar sobre resoluções do CNJ, nem de processo eletrônico, repercussão geral, desconvocação de juízes e menos ainda a respeito
de metas a serem cumpridas neste ano.
Todavia, nunca é demais salientar que no regime democrático nenhum
ato governamental ou particular pode excluir da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça a direito. Daí o acúmulo de processos frente
ao desmesurado crescimento de demandas a partir da Constituição de
1988 por razões de todos conhecidas.
Discurso de saudação a Paulo Vieira Aveline e Fernando Ribeiro Pacheco quando da sua posse, respectivamente, nos cargos de Juiz Federal e Juiz Federal Substituto, em 14.04.2010.
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Desembargador Federal, Vice-Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, então no exercício
da Presidência.
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Aos menos avisados, a questão da celeridade processual, que tanto nos
atormenta, aparentemente é singela, ou seja, ao Judiciário, no exercício da
função jurisdicional, cabe fazer valer a vontade concreta da Lei ou, noutras
palavras, no conflito de interesses, basta dizer o que está na Lei.
Como se vê, parece simples.
Entretanto, não é tão fácil assim. São conhecidas as dificuldades na
interpretação das leis. Apenas para lembrar, em algumas oportunidades
temos visto nas Turmas deste Tribunal, depois de minucioso estudo da
questão, três votos abordando teses distintas.
Longo é o caminho e as discussões em torno da norma para se chegar à pacificação de cada tema abordado, na maior parte das vezes só
acontecendo após a manifestação da Suprema Corte e assim mesmo
com ressalvas.
Além disso, como sabemos, a demora na prestação jurisdicional não
reside tão só nesse ponto, mas sim no excessivo número de processos
e principalmente nos incontáveis recursos disponíveis aos litigantes, o
que tem sido objeto de infindáveis debates.
Ao contrário do que comumente se apregoa, não é o Judiciário insensível às dificuldades que afligem o país. Preocupa-se, sim, com o cumprimento dos princípios constitucionais, porque indispensáveis ao resguardo
da instituição, essenciais para a garantia dos direitos dos cidadãos.
Consoante já se observava no início do século passado, justiça tardia
não é justiça, senão manifesta injustiça qualificada.
Cumpre, pois, ao Estado-Juiz encontrar mecanismo adequado para que
possa promover a entrega da prestação jurisdicional, não só da maneira
mais completa, levando as partes ao convencimento sobre o acerto do
que restou decidido, mas sobretudo de forma mais célere.
Esse tem sido o eterno desafio imposto aos operadores do direito,
como tivemos oportunidade de ouvir em recente pronunciamento realizado na sessão solene de abertura do ano judiciário no Supremo Tribunal
Federal.
Na ocasião, além da modernização da Justiça, muito se falou sobre
a modificação das leis processuais, inclusive quanto à instituição de um
novo código de ritos, o que seria um grande avanço.
Não obstante isso, como nos ensina o Profeta, é na hora da adversidade
que começamos a perceber o que na realidade somos.
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A Magistratura Federal da 4ª Região, embora nascida em 1989, portanto com poucos anos de vida judicante, há bom tempo já assumiu altiva
e desassombradamente o seu notável papel no cenário nacional.
É claro que tal afirmativa pode estar equivocada, porquanto, segundo
os mais sábios, é prudente recordar que os nossos juízos e sentidos com
frequência nos enganam.
Temos que lhes assiste alguma razão na assertiva. Realmente, se bem
refletirmos, pouca é a luz que existe em nós, e facilmente a perdemos
por negligência. Às vezes nos move a paixão e cuidamos que é zelo, isso
porque cada um julga as coisas exteriores conforme suas disposições
interiores.
Contudo, esse não é o caso. Não têm sido poucos os elogios provenientes de ministros, juízes, professores, advogados, membros do
Ministério Público e das mais altas autoridades do país. Aonde quer que
se vá, a estima por nosso trabalho é a primeira a ser manifestada, o que
muito nos orgulha por ser este o principal objetivo de nossas ações e de
nossos desejos.
Cremos que a razão de tal sucesso se encontra apoiada na escolha das
pessoas certas. Pessoas que, antes de mais nada, acreditam que a vida
de cada um deve ser adornada de todas as virtudes a fim de que seja,
interiormente, tal qual parece aos homens no exterior e que, em verdade,
melhor deve ser o interior do que o exterior que se vê.
Pessoas convictas de que o bom êxito em qualquer empreitada somente poderá ser alcançado por quem combater de forma legítima e de
que nosso futuro será como nós o fizermos.
Pessoas que jamais esquecem que enquanto viverem é tempo de ação,
é tempo de luta, e que aqui vieram para trabalhar, para servir, e não para
mandar, descansar ou palestrar.
Esse é o caso dos ora empossandos.
De um lado, nosso estimado Colega Paulo Aveline, que desde o princípio permaneceu firme no labor e na esperança de sempre fazer o melhor.
Exemplo de dedicação. Exemplo da magistratura que, em pouco tempo,
o credenciou à admiração e ao respeito de todos. Exemplo da sabedoria
de que nada é impossível a quem trabalha com amor no que faz. O amor
de tudo é capaz. O amor empreende e realiza muitas coisas, nas quais
aquele que não ama sucumbe. Quem ama voa, vive alegre, é livre, nada
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o detém. Dá tudo por todos e tem tudo em todos.
De outra parte, que vida abnegada e austera deve ter levado
Fernando Ribeiro Pacheco ao se preparar para um concurso de tamanha
envergadura.
Quatro mil candidatos. Apenas 22 escolhidos, sendo ele um deles.
Que rigor na disciplina! Como deve ter sido frequentemente atormentado
pela angústia ao ter que se afastar de seus entes queridos, dos parentes,
dos amigos, dos passeios e do mundo, para se isolar com seus livros
nos momentos de lazer. Quantas abstinências praticou; que dura guerra
sustentou; com que intenção reta se entregou à tarefa de ingressar na
magistratura.
Dizem os budistas que mais importa curta vida bem ocupada que a
longa ociosa.
Portanto, foi um tempo bem aproveitado.
Ainda que todos os privilégios oferecidos pela carreira que ora se inicia
fossem afastados por um passe de mágica, mesmo assim, só o orgulho
e a satisfação dos pais de terem um filho Juiz Federal já compensaria
qualquer sacrifício.
Esse é o modelo deixado por nossos antecessores. Esse é o exemplo
dado por Paulo e Fernando. Esse é o caminho seguro. Não para nos
vangloriarmos de ser os melhores, mas sim para aprendermos o duro
combate de nos vencer, tornando-nos dia a dia mais fortes, conseguindo
algum progresso no bem.
A Justiça Federal sente-se engrandecida e orgulhosa com a presença
de tão eminentes juízes no seu quadro. Dotados de grandes virtudes e
admirados, não só pelo notável saber jurídico, mas também por suas
excepcionais qualidades de cidadãos.
Paulo Aveline e Fernando Pacheco. Em nome de todos os juízes,
desembargadores e servidores da 4ª Região, lhes dou as boas-vindas.
Sejam felizes nesta nova etapa da vida. É tudo o que queremos. É tudo
o que lhes desejamos. É tudo o que vocês merecem.
Muito obrigado.
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Discurso*
Fernando Ribeiro Pacheco**
Excelentíssimo Senhor Desembargador Élcio Pinheiro de Castro,
vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na pessoa
de quem saúdo todos os demais presentes.
Queridos amigos e familiares:
É com muito orgulho que hoje realizo um grande sonho: o de ingressar
nos quadros da magistratura federal da 4ª Região, Tribunal de renome e
respeito por parte de todos os operadores do Direito, seja pela competência e pela idoneidade de seus membros, seja pelas decisões sempre
vanguardistas proferidas.
Pedi vênia ao colega Frederico Montedonio para citar trecho de seu
discurso de posse, proferido exatamente neste recinto, pela precisão que
teve em demonstrar o sentimento daqueles que têm a oportunidade de
estar aqui à frente deste púlpito:
“A partir de agora dividimos o mesmo sacerdócio: distribuir justiça num País ainda
extremamente injusto. Não me refiro à justiça dos vingadores, não falo da justiça a
qualquer preço, mas sim da justiça dos magistrados, aquela que se procura atingir a
partir de um estudo e da reflexão, depois de ouvir as partes num processo que respeite
sua dignidade.”
Referido trecho ressalta, com singularidade, as dificuldades que por
*
Discurso de posse no cargo de Juiz Federal Substituto, em 14.04.2010.
Juiz Federal Substituto da 4ª Região.
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mim serão enfrentadas no dia a dia do exercício da magistratura. É do
conhecimento de todos aqui presentes que o nosso País está longe de
garantir os mínimos direitos existenciais aos cidadãos. Gasta-se mais
em verbas publicitárias para se divulgar o trabalho dos governantes do
que se investe em saúde, por exemplo, num claro descumprimento dos
preceitos constitucionais mais comezinhos. No exercício da função de
Defensor Público Federal deparei-me, não raras vezes, com situações
desse jaez.
O que a população brasileira espera dos seus magistrados é que estes
estejam sempre prontos a corrigir as injustiças cometidas e exerçam a sua
função de maneira digna e correta. Esse é o meu compromisso. Jamais
esquecerei o juramento que prestei perante todos vocês. Sei a grande
responsabilidade que significa a investidura no cargo de juiz federal e
afirmo que estou apto ao seu exercício, sempre com humildade e respeito
a todos que comigo têm a oportunidade de trabalhar.
Não tenho a ambição de elaborar sentenças catedráticas para publicação em revistas especializadas. Comprometo-me, sim, a fazer um trabalho
de qualidade, célere, na medida do possível, e que atenda às expectativas
daqueles que buscam o Poder Judiciário.
Encerrando o meu discurso, gostaria de deixar registrados alguns
agradecimentos especiais.
Primeiramente, aos meus pais, Paulo Fernando e Vera Lúcia, exemplos de dignidade para mim, parâmetro de honestidade que tive a honra
e a sorte de herdar geneticamente por ser filho de vocês. Ao meu avô, in
memoriam, Miguel Luiz Pacheco, juiz de direito, sempre incentivador
dos meus estudos, que por certo também está muito feliz na data de hoje.
À juíza federal substituta Marta Ribeiro Pacheco, profissional que esta
Casa já conhece, tanto pela sua simpatia como pela sua competência, a
quem tenho por parâmetro para desempenhar minha função que amanhã se iniciará. À Marina Kiener, minha amiga, que me proporcionou o
equilíbrio mental e espiritual quando da batalha do concurso de ingresso
nesta carreira, da qual, hoje posso dizer, faço parte por completo.
Muito obrigado.
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ACÓRDÃOS
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DIREITO ADMINISTRATIVO
E DIREITO CIVIL
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2005.71.00.016492-8/RS
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto
Relatora p/ acórdão: A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb
Apelante: Thais Silveira Paz
Advogados: Dr. Edson Rodrigues de Almeida
Dra. Marcia Elizabeth Machado
Apelado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região
EMENTA
Constitucional. Administrativo. Civil. Responsabilidade objetiva
do Estado. Registros INSS. Óbito não ocorrido. Danos morais.
Indenização.
. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou
dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do
nexo de causalidade entre ambos (art. 37, § 6º da CF/88).
. Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à Administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o
particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio
de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo.
. O dano moral pressupõe que sejam atingidos os direitos da personalidade e, neste passo, os fatos trazidos à apreciação do Judiciário ganham
especial conotação.
. A prova dos autos demonstra que o réu é civilmente responsável pelos
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danos causados em decorrência de ter registrado indevidamente o óbito
da apelante, a qual tomou conhecimento do fato ao encaminhar pedido
de auxílio-maternidade, o que foi retificado somente dois meses após.
. Indenização por danos morais fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais),
segundo a situação econômica do ofensor, prudente arbítrio e critérios
viabilizados pelo próprio sistema jurídico, que afastam a subjetividade,
dentro dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade à ofensa e
ao dano a ser reparado, porque a mesma detém dupla função, qual seja:
compensar o dano sofrido e punir o réu.
. Atualização monetária pelo INPC, a partir do arbitramento.
. Juros moratórios de 1% ao mês (art. 406, Lei nº 10.406/2002), a
partir do evento danoso.
. Inversão da sucumbência, que é fixada na esteira dos precedentes
da Turma.
. Prequestionamento estabelecido pelas razões de decidir.
. Apelação provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por maioria, vencido o Relator, dar provimento à apelação, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009.
Desa. Federal Silvia Goraieb, Relatora para o acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto: Trata-se de ação
ordinária proposta por Thais Silveira Paz, contra o INSS, a fim de obter
indenização por danos morais.
A autora afirma que em 08.12.2004, ao encaminhar pedido de saláriomaternidade ao INSS, foi informada de que havia um registro de óbito
em seu nome no sistema e que não poderia receber o benefício, tendo
sido orientada a aguardar para ver o que poderia ser feito. Não obtendo
retorno, procurou o INSS por diversas vezes, tentando resolver a situação,
mas só recebia respostas evasivas. Assim, contatou com o jornal Zero
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Hora, que produziu uma série de três reportagens sobre o caso.
Sustentou que somente após a veiculação na imprensa teve sua situação regularizada pelo INSS, tendo suportado mais de dois meses de
angústia e sofrimento em razão do descaso, da omissão e da desídia com
que foi tratada pela Autarquia.
A sentença, sob o fundamento de que os danos morais não restaram
comprovados como decorrentes da existência de ato ilícito, julgou improcedente o pedido, condenando a parte-autora ao pagamento de honorários
advocatícios arbitrados em 500,00 (quinhentos reais), ficando dispensada
do pagamento dos ônus sucumbenciais, uma vez que beneficiária da
assistência judiciária gratuita.
A parte-autora, em suas razões de apelação, pretende a reforma da
sentença para que seja julgado procedente o pedido, sob o argumento de
que está comprovado nos autos o desespero da mãe, desempregada, ao
constatar que não poderia receber o benefício por um registro equivocado,
chegando ao ponto de recorrer à imprensa para resolver o impasse, prova
suficiente para que lhe seja conferida a indenização pleiteada.
Sem contrarrazões, vieram os autos conclusos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal João Pedro Gebran Neto:
1 Dano Moral
Inicialmente, considero importante traçar alguns breves comentários
acerca da posição ocupada pelo dano moral no ordenamento jurídico
brasileiro.
A configuração do dano moral pressupõe que sejam atingidos direitos da personalidade, com conteúdo não pecuniário, à honra, ao nome,
à imagem e à intimidade. A indenização por danos morais é decorrente
de uma violação ao íntimo do ofendido, posto ter-lhe sido causado um
mal evidente. De acordo com o previsto nos incisos V e X do artigo 5º
da Constituição da República Federativa do Brasil:
“Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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(...)
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.” (grifo nosso)
Destaco que a responsabilidade civil, preestabelecida no novo Código
Civil, no art. 186, considera que o ato violador de direito ou que cause
dano a alguém, seja na forma omissiva, seja na modalidade comissiva,
gera a responsabilidade de indenizar o ofendido.
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.”
De consequência, para a presença da responsabilização da ré, antes
mesmo da existência do elemento culpa ou dolo para configurá-la, deve
necessariamente haver comprovação da lesão ao particular.
Tal é o entendimento na doutrina:
“É preciso também comprovar a existência da ocorrência de um dano, seja de natureza patrimonial ou moral. Não pode haver responsabilidade civil sem a existência
de uma lesão de um bem jurídico, pois o direito à indenização depende da prova do
prejuízo.” (REIS, Clayton. Fundamentos jurídicos do dano moral. Rio de Janeiro:
Forense, 1997. p. 66)
No caso em exame, a mera falha no lançamento de dados na autarquia, ou mesmo a demora de dois meses na concessão do benefício, não
são fatos, por si só, aptos a ensejar a indenização, sem qualquer outra
demonstração de efetivo dano material ou mesmo psicológico.
A adoção de procedimentos, por parte da autarquia, para corrigir
erro no seu sistema de dados constitui exercício regular de direito, cuja
demora razoável não pode ensejar indenização imaterial.
Tal entendimento encontra apoio na doutrina:
“O fundamento moral da escusativa (exercício regular de um direito) encontra-se
no enunciado do mesmo adágio: qui iuri suoutitur neminem laedit, ou seja, quem usa
de um direito seu não causa dano a ninguém.” (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil de acordo com a constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense,
1989. p. 315)
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É certo ser predominante jurisprudência que acolhe a tese da indenizabilidade do dano moral independentemente de provas quanto à ocorrência
de efetivo dano, em sede de inscrição em cadastros de inadimplentes.
Ocorre que disto não se trata no caso em exame.
Tenho que a dispensabilidade de prova do efetivo dano, para fins
de indenização por dano moral, deve ser relativizada. Se é fato que se
pretende tutelar elementos da personalidade como a honra, a moral, a
imagem, etc., cuja violação fere muito mais os sentimentos do próprio
titular do direito do que sua projeção ao mundo exterior, não é menos
verdadeiro que algum sinal desta projeção deve ser demonstrada, sob
pena de se admitir que qualquer suscetibilidade, ainda que de pessoas
extremamente sensíveis, possa ser ferida e isso acarrete indenização,
mesmo que nada seja conhecido de outrem. É importante ter-se presente
que o que se tutela não é o incômodo, o dissabor ou o infortúnio, mas
os direitos à personalidade constitucionalmente assegurados, os quais
devem ser protegidos quando efetivamente violados.
Por isso, entendo ser necessário conjugar tanto o aspecto subjetivo, do
ponto de vista do lesado, como o aspecto objetivo, da efetiva ocorrência
de algum dano no mundo exterior.
Assim, malgrado as divergências jurisprudenciais sobre o tema, filiome à corrente que entende ser necessária a prova do dano, sendo indenizável apenas quando há reflexo patrimonial ou notória repercussão que
comprovadamente inflija constrangimento ao titular do direito lesado.
A inversão do ônus da prova, prevista no CDC, diz respeito ao fato
ilícito em si, não impondo ao prestador do serviço ou ao vendedor do
produto o ônus de provar fato negativo, o que equivaleria a obrigá-lo a
produzir a chamada “prova diabólica”.
Ademais, também se deve ter por presente que a banalização da indenização por dano moral em nada contribui para o instituto, tampouco
para o direito, na medida em que até mesmo o exercício de atos normais
da vida passará a ser cercado de grandes riscos, como o ajuizamento de
uma ação improcedente, por exemplo, poderá acarretar danos morais.
Sobre dano moral, colho o seguinte aresto:
“CIVIL – DANO MATERIAL – DANO MORAL – PROVOCADOS PELA PROPOSITURA DE AÇÃO DE EXECUÇÃO – INEXISTÊNCIA DE DANOS SE NÃO
HOUVE PREJUÍZO – PEDIDO DE INDENIZAÇÃO EXORBITANTE.
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49
1. Para configuração do dano material ou moral é imprescindível que o prejuízo
alegado efetivamente tenha ocorrido.
2. Não se pode pleitear danos materiais e morais baseado em pura indignação ou
estado de ânimo alterado.
3. Se em toda ação de execução que se fosse impetrar, houvesse ofensa à honra e
dignidade das pessoas, inviabilizado restaria o instituto das execuções.
4. Sentença monocrática mantida.
5. Apelação desprovida.” (AC nº 95.0112784-2/PA, Relator Juiz Osmar Tognolo,
DJU 25.08.2000, p. 64)
No caso em exame, o Instituto Nacional do Seguro Social agiu adequadamente ao instaurar procedimento para retificação de seus dados e
posterior concessão do benefício previdenciário, não havendo nenhuma
pecha que o macule.
2 Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
VOTO DIVERGENTE
A Exma. Sra. Desa. Federal Silvia Goraieb: Peço permissão para
divergir do E. Relator, conforme passo a declinar.
Do dano moral
É cediço o entendimento nas Cortes Superiores de que a comprovação
do dano moral é despicienda quando provado o fato em si – o que ocorre
na espécie –, ficando superada a questão.
Transcrevo a lição do advogado Eduardo Viana Pinto, em sua obra
Dano Moral e sua Reparabilidade, p. 84, que bem explicita a questão:
“Todavia, tanto a doutrina, como a jurisprudência, vêm entendendo como presumido
o dano moral, diante do evidente e natural sofrimento suportado pela vítima. Em tal
hipótese, a interpretação é dada pelo magistrado, que aplica a presunção a favor do
ofendido. Trata-se, porém, de presunção relativa, juris tantum, admitindo-se prova em
contrário. Não se trata, portanto, de presunção absoluta, isto é, juris et de jure, em que
não se admite prova em contrário.
Em síntese, a ofensa moral não exige prova de sua existência. A vítima está obrigada a comprovar o fato que lhe deu origem. Apenas isso. Nada mais do que isso.
Procede e somos daqueles que aplaudem e nos declaramos solidários a essa tendência
predominante em nosso direito, que simplifica, desburocratiza, torna célere a prestação jurisdicional e representa inegável economia processual. (...) Essa decorrência
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
sentimental é tão íntima e tão vinculada ao evento sucedido, que esse fato subjetivo
carregado pelo autor não depende de prova. Aliás, tal entendimento se sustenta no art.
334, inciso IV, do CPC.”
Nesse sentido:
“Embargos de declaração. Agravo regimental desprovido. Contradição e omissão
inexistentes.
1. O acórdão contém ampla fundamentação quanto à incidência das Súmulas nos 07
e 227/STJ e 284/STF, bem como que se aplica às pessoas jurídicas o posicionamento
da Corte no sentido de que não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova
dos fatos que geraram a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. (...)”
(STJ, 3ª Turma. EDAGA nº 462603/RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito,
un., DJ 15.09.2003)
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E
EMERGENTE. MÚTUO. PROTESTO INDEVIDO. INSCRIÇÃO NO SERASA.
PROVA DO PREJUÍZO. DESNECESSIDADE. CC, ART. 159. ENRIQUECIMENTO
SEM CAUSA. COMPATIBILIDADE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO À LESÃO.
SUCUMBÊNCIA.
I. A indevida inscrição em cadastro de inadimplente, bem como o protesto do título,
geram direito à indenização por dano moral, independentemente da prova objetiva do abalo à honra e à reputação sofrida pelo autor, que se permite, na hipótese, presumir, gerando
direito a ressarcimento que deve, de outro lado, ser fixado sem excessos, evitando-se
enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. (...)” (STJ, 4ª Turma. REsp
nº 457734/MT, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, un., DJ 24.02.2003. p. 248)
“DIREITO DO CONSUMIDOR. CANCELAMENTO INDEVIDO DE CARTÃO
DE CRÉDITO. INSCRIÇÃO DO NÚMERO NO ‘BOLETIM DE PROTEÇÃO’ (‘LISTA NEGRA’). CONSTRANGIMENTO. COMPRA RECUSADA. DANO MORAL.
PROVA. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. – Nos
termos da jurisprudência da Turma, em se tratando de indenização decorrente da
inscrição irregular no cadastro de inadimplentes, ‘a exigência de prova de dano moral
(extrapatrimonial) se satisfaz com a demonstração da existência da inscrição irregular’
nesse cadastro.” (STJ, 4ª T., REsp nº 233076, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DJ 28.02.2000, p. 89)
Diante do exposto, entendo que a ausência de prova não prejudicou
o autor, pois comprovado o fato que embasa o pedido referente ao dano
moral.
Vencido esse aspecto, quanto à sua existência, necessárias algumas
considerações acerca do dano moral, “que consiste, propriamente, na dor
ou desgosto que deriva da perda de um ente querido, da ofensa corporal
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
51
que provoca um sofrimento ou deformação física, da calúnia que atinge a
honra ou reputação” (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Ensaio
sobre os Pressupostos da Responsabilidade Civil. Coimbra: Almedina,
1999. p. 373).
Não deve o dano moral ser confundido com o prejuízo material decorrente da ofensa à honra. Nesse sentido a ementa que segue:
“RESPONSABILIDADE CIVIL – Ato ilícito. Molestamento verbal. Dano moral
e material. Enseja reparação civil, de conformidade com o art. 159 do CC, o molestamento verbal reiterado, de caráter sexual, apto a causar danos morais, em razão do
constrangimento ou ofensa moral, e danos materiais, consistentes nas despesas efetuadas em defesa do direito à tranquilidade e ao bom nome do cidadão.” (TAMG. AC nº
186.553-6, Rel. Juiz Cruz Quintão, DJ 07.10.95)
Sobre a caracterização do dano moral, ensina Yussef Said Cahali, em
sua obra Dano Moral, Editora Revista dos Tribunais, 2. ed., p. 20-21:
“Na realidade, multifacetário o ser anímico, tudo aquilo que molesta gravemente a
alma humana, ferindo-lhe gravemente os valores fundamentais inerentes a sua personalidade ou reconhecidos pela sociedade em que está integrado, qualifica-se, em linha de
princípio, como dano moral; não há como enumerá-los exaustivamente, evidenciando-se
na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido;
no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação
pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica,
nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações
de constrangimento moral.”
Segundo Clóvis do Couto e Silva, o dano moral era indenizável pelo
Código de Napoleão, em orientação que foi abandonada nos países de
tradição romano-germânica (COUTO E SILVA, Clóvis Veríssimo do.
O Direito Privado brasileiro na visão de Clóvis do Couto e Silva. Org.
Vera Maria Jacob de Fradera. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
p. 230), com os seguintes argumentos: “é imoral reparar com dinheiro
a honra; é impossível determinar o valor e saber quem seria o titular
do sofrimento; diante disto, não haveria responsabilização civil, mas
sim pena privada” (JORGE, Fernando de Sandy Lopes Pessoa. Obra
citada, p. 374).
Contra o exposto, diz-se que a ideia não é reparar, mas compensar,
mediante um benefício de ordem material, que é o único possível, a dor
moral.
52
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“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – Militar. Morte causada por colega
de farda. Indenização à genitora. Danos moral e material. Lucros cessantes. (...) Não
há que se falar, apenas, em dano material, uma vez que presente está, também, o dano
moral caracterizado pela dor da tristeza infinita ocasionada a outrem. A dificuldade em
quantificar o valor do dano moral não deve afastar o dever de fixar tal indenização, cujo
cabimento, hoje, não se discute mais. O Direito Civil brasileiro já ingressou em outra
era, com respeito a esta matéria, integrando-se à doutrina e jurisprudência dos países
do Primeiro Mundo, dos quais destoava, resistindo à aceitação de sua reparação. Assim,
correta é a fixação pelo Juiz da indenização por dano moral, admitindo sua cumulação
com o dano material e demais itens da condenação. (...)” (TRF 2ª Região, 1ª T. AC
94.0209207.2 – RJ. Rel. Des. Federal Chalu Barbosa, DJU 17.10.95)
Com efeito, o dano moral, por sua própria natureza, não é reparável,
tomada a expressão reparação no sentido de retorno das coisas ao estado
anterior, cuidando-se de uma compensação. Não é o pretium doloris, mas
a compensatio doloris, conforme o seguinte acórdão:
“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. ARBITRAMENTO.
No arbitramento do dano moral, há que se considerar tanto sua reparação, oferecendo
à vítima uma satisfação em dinheiro, quanto a necessidade de se impor ao ofensor uma
expiação pelo ato ilícito. Caso em que a indenização de cem salários mínimos satisfaz
ambos os requisitos.” (TJRS, 2º Grupo de Câmaras Cíveis. Embargos Infringentes nº
595002056. Rel. Des. Araken de Assis, 10.04.95)
No direito brasileiro, a posição dominante era no sentido de que a mera
dor moral não era indenizável à luz do CC (COUTO E SILVA, Clóvis
Veríssimo do. Obra citada, p. 205), salvo nos casos especificados, a saber:
a) deformidade ou aleijão por lesão corporal (arts. 1538 e §§); b) crime
contra a honra (art. 1547 e parágrafo único); c) sedução (art. 1548); d)
violência sexual (art. 1549); e) atentado à liberdade sexual (art. 1551).
Havia também previsão de indenização por dano moral em legislação
esparsa, como na Lei de Imprensa, cujo artigo 49, inciso I, fazia expressa
menção ao dano moral em caso de crime contra a honra cometido por
meio de imprensa, bem assim no antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62, art. 84).
Ainda assim, não se cumulavam, em regra, o dano moral e o dano
patrimonial, de acordo com a jurisprudência do STF (COUTO E SILVA,
Clóvis Veríssimo do. Obra citada, p. 232), hoje superada pela súmula 37
do STJ, segundo a qual são cumuláveis as indenizações por dano material
e dano moral oriundo do mesmo fato.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
53
A discussão sobre a possibilidade de indenização por dano moral
restou, de todo modo, superada com o advento da Constituição Federal
de 1988, a qual fez expressa referência aos danos morais nos incisos V
e X de seu art. 5º, adiante transcritos:
“V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização
por dano material, moral ou à imagem;
X – são invioláveis a intimidade, à vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua
violação.”
O dano moral atinge bens incorpóreos, como por exemplo a imagem,
a honra, a vida privada, a autoestima. Nesse contexto, há uma grande
dificuldade em provar a lesão. Daí, a desnecessidade de a vítima provar
a efetiva existência da lesão. A respeito disso, o Superior Tribunal de
Justiça tem firmado entendimento reiterado:
“Não há falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a
dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se
a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil.” (STJ,
3ª Turma, REsp nº 86.271/SP. Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJ
de 09.12.97)
É incontestável neste caso a caracterização do dano moral à apelante.
Com efeito, comungo do entendimento de que o dano moral pressupõe
que sejam atingidos os direitos da personalidade e, neste passo, os fatos
trazidos à apreciação do Judiciário ganham especial conotação. Poucas
situações se amoldariam à hipótese de dano à personalidade como a
notícia de falecimento da própria apelante ao postular um benefício
previdenciário, agravada a situação ainda mais em decorrência da sua
gravidez.
Acresça-se a isso a demora do INSS em providenciar a correção do
registro, impondo à autora um transtorno de difícil mensuração. Além
disso, entendo que o dano moral não exige a comprovação de um dano
efetivo, porque este não se confunde com o dano material.
Do valor da indenização
Concluindo-se pelo cabimento de indenização, resta apreciar o valor
cabível.
54
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
Não tendo a lei definido parâmetros para a indenização por danos
morais, cabe ao juiz a tarefa de decidir caso a caso, de acordo com o seu
“prudente arbítrio”. Como arbítrio não é sinônimo de arbitrariedade,
tem-se procurado encontrar no próprio sistema jurídico alguns critérios
que tornem essa tarefa menos subjetiva. Invocam-se, antes de tudo, os
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo a afastar
indenizações desmedidas, despropositadas, desproporcionais à ofensa e
ao dano a ser reparado.
Para tanto, necessária uma pequena digressão sobre o papel da reparação civil em matéria de dano moral.
A opinião geral é de que a função da responsabilidade civil é a reparação, tanto é que ela pressupõe dano (JORGE, Fernando de Sandy Lopes
Pessoa, obra citada, p. 49), sendo a função preventivo-sancionatória
secundária. Para Costa,
“O Código Civil consagra basicamente a concepção clássica de que a responsabilidade
civil por actos ilícitos tem a função de reparar os danos causados, e não fins sancionatórios (cfr. os art. 483º, nº 1, e 562º, e, de um modo geral, a disciplina da obrigação de
indenização, infra, p. 691 e ss.). Todavia, num ou noutro aspecto do regime da obrigação de indenizar, pode ver-se aflorada a ideia de que a referida responsabilidade civil
visa também, embora apenas acessoriamente, a um escopo de repressão e prevenção
desses actos ilícitos.”
Para Clóvis a reparação, qualquer que seja, não deve conter, no seu
conteúdo, aspectos penais, como sucede, por exemplo, com as exemplary damages da common law. “Exemplary damages, também chamadas
punitive or vindictive damages, têm a natureza de uma sanção civil,
imposta para punir o ofensor e desencorajá-lo, bem como a outros, de
praticar condutas semelhantes no futuro” (KIONKA, Edward J. Torts.
Saint Paul: West Group, 1999. p. 362).
Segundo essa concepção, a responsabilidade civil distingue-se da
responsabilidade penal justamente pela finalidade, que é reparatória, e
não punitivo-preventiva. Além disso, a responsabilidade penal ocorre
mesmo quando não há dano efetivo, como nos crimes tentados e crimes
de perigo, enquanto a responsabilidade civil pressupõe dano (JORGE,
Fernando de Sandy Lopes Pessoa, obra citada, p. 50 e ss.); em outras
palavras, a responsabilidade criminal leva em conta o fato, e não seus
autores (COUTO E SILVA, obra citada, p. 191). Por fim, de acordo com
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
55
Mário Júlio de Almeida Costa:
“Está subjacente à responsabilidade civil a ideia de reparação patrimonial de um
dano privado, pois o dever jurídico infringido foi estabelecido diretamente no interesse
da pessoa lesada. O que verdadeiramente importa nas sanções civis é a restituição dos
interesses lesados. Daí que sejam privadas e disponíveis.”
Nisso residiria a distinção com a responsabilidade penal, que pretende defender a sociedade, através dos fins de prevenção geral e especial,
bem como da intimidação e reeducação do delinquente, além dos fins
ético-retributivos (CP, art. 59).
Essas afirmações vêm sendo, porém, questionadas, especialmente
diante dos danos morais, como já visto, bem assim de novas formas
de responsabilização civil, notadamente no que diz com os danos
ambientais.
De outro lado, no aspecto subjetivo, a natureza da resposta tem íntima
conexão com a questão da culpa, uma vez que, quanto maior o relevo
dado à culpa, no modelo tradicional de responsabilização civil (CC de
1916, arts. 159 e 1523), “A obrigação de pagar danos e prejuízos assumia um certo conteúdo sancionatório, pois se procurava castigar mais
aquele que causou um prejuízo, agindo reprovavelmente, do que proteger
a quem resultou vítima do evento” (ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da.
Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no Direito
Brasileiro, p. 16).
Veja-se que o grau diminuto de culpa pode levar à diminuição do valor
da indenização, pelo CC, art. 944, parágrafo único.
Uma solução interessante parece ser aquela apontada por Bernd Rüdiger Kern, para quem a indenização por danos morais tem dupla função:
“compensação e satisfação, conforme decisão do grande Senado do
Tribunal Constitucional, de 1955, incorporada em 1990 ao art. 847 do
BGB” (KERN, Bernd-Rüdiger. A função de satisfação na indenização do
dano pessoal. Um elemento Penal na satisfação do dano? In: Revista da
Faculdade de Direito da Universidade do Rio Grande do Sul, p. 27).
Como tais danos não são quantificáveis, há uma compensação, sem
caráter de reparação ou indenização em sentido estrito. O pagamento aqui
cumpre uma função de satisfação, a qual “(...) expressa uma determinada
relação pessoal que o fato danoso suscita entre o ofensor e o ofendido, a
56
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
qual, por sua natureza, exige que na determinação do montante devido
sejam levadas em consideração todas as circunstâncias do caso” (KERN,
Bernd-Rüdiger, art. cit., p. 26).
Ao contrário do que ocorre na responsabilidade patrimonial, são
levados em conta o grau da culpa (é mais grave ofender com dolo do
que com culpa) e a situação do ofensor (o que é mais típico do direito
penal). Na responsabilidade patrimonial, tais dados são irrelevantes, pois
o que efetivamente importa é a existência do dano, sendo irrelevante a
situação do ofensor e desimportante a determinação de dolo ou culpa
na quantificação da indenização. Em outras palavras, a existência de
dolo ou culpa será importante, na maioria dos casos, para determinar a
própria responsabilidade, mas não haverá diferenciação no valor da indenização por ter sido a ação dolosa ou culposa. Também na determinação
do quantum das exemplary damages no direito inglês, são levados em
consideração o comportamento do autor do dano, o grau da sua culpa, a
apreciação da reputação da vítima e a extensão do dano, segundo Sérgio
Porto (PORTO, Sérgio José. A Responsabilidade Civil por Difamação
no Direito Inglês, p. 127).
Já a função preventiva teria caráter autônomo, ao contrário do que
ocorre na responsabilidade patrimonial, na qual o caráter preventivo é
um mero efeito secundário da responsabilização. Para Sérgio Porto (obra
citada), as perdas e danos exemplares (exemplary damages), também
chamadas punitive damages, traduzem a ideia de dissuasão, pelo exemplo
(theory of deterrence). Diz o citado autor:
“A responsabilidade civil e a responsabilidade penal encontram-se de alguma
forma confundidas graças a esse paralelismo de funções. A distinção entre a função
reparadora da responsabilidade civil e preventiva da responsabilidade penal não é, no
direito inglês, tão clara quanto nos direitos romanistas.”
Quer dizer, desestimula-se, com a indenização, a repetição do evento
danoso.
Segundo Kern, as funções da satisfação, de acordo com a jurisprudência alemã, seriam: a) trazer ao lesado um sentimento de satisfação,
apaziguar seu sentimento de justiça ferido; b) impor ao ofensor um
sensível prejuízo patrimonial; c) atuar preventivamente no futuro. A
resposta assume, então, um caráter de pena privada, aproximando-se
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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da poena romana, com finalidade de satisfazer a vítima, enquanto a
pena criminal satisfaz a sociedade. Em alemão, então, o Schmerzengeld
(dinheiro da dor) é pena (Strafe) ou multa no sentido de pena (Busze), e
não indenização (Ersatz).
Na jurisprudência brasileira, aliás, não são incomuns as referências
à satisfação, em formulação que muito se aproxima da resposta sistematizada por Kern, do que são exemplos os seguintes julgados, com
destaques por nossa conta:
“VI – A indenização por dano moral deve ser fixada em termos razoáveis, não se
justificando que a reparação venha a constituir-se em enriquecimento indevido, devendo
o arbitramento operar-se com moderação, proporcionalmente ao grau de culpa, ao porte
empresarial das partes, às suas atividades comerciais e, ainda, ao valor do negócio. Há
de orientar-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com
razoabilidade, valendo-se de sua experiência e do bom senso, atento à realidade da
vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso.” (STJ,
4ª Turma, REsp 203755/MG. Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julg. 27.04.99,
DJ de 21.06.1999, p. 167)
“CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ILICITUDE DA ABERTURA DE CADASTRO NO SERASA SEM COMUNICAÇÃO AO CONSUMIDOR. RELEVÂNCIA
E CABIMENTO DA DEMANDA DE REPARAÇÃO. LIQUIDAÇÃO DO DANO
MORAL. Liquidação do dano moral que atenderá ao duplo objetivo de compensar a
vítima e afligir, razoavelmente, o autor do dano. O dano moral será arbitrado, na forma
do art. 1.553 do CC, pelo órgão Judiciário. Valor adequado à forma da liquidação do
dano consagrada no Direito brasileiro.” (TJRS, 5ª CC. Apelação Cível nº 597118926,
Lajeado, Rel. Des. Araken de Assis. Julg. 07.08.97, DJ de 29.08.97, p. 21)
“ACIDENTE DO TRABALHO – INDENIZAÇÃO PELO DIREITO COMUM
PRESCRIÇÃO – RITO PROCEDIMENTAL – CULPA – RESPONSABILIDADE –
DANO MATERIAL E MORAL. CUMULAÇÃO. (...). 6 – Dano moral bem fixado,
porque não se destina à reposição do bem lesado, mas sim à satisfação moral.” (TAPR,
6ª CC. AC nº 0087284800, Maringá, Rel. Juiz Conv. Wilde Pugliese, julg. 22.04.96,
DJ 03.05.96)
“INDENIZAÇÃO – ESTABELECIMENTO COMERCIAL – LEGITIMATIO AD
CAUSAM – CULPA – SERVIÇO DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – DANO MORAL
– FIXAÇÃO. (...). Na fixação da indenização por danos morais, deve-se ter em conta
a satisfação do lesado e a repercussão econômica do quantum fixado no patrimônio
do que pratica a lesão.” (TAMG, 3ª CC. Apelação nº 227912-3, Belo Horizonte Rel.
Juiz Duarte de Paula. Un. 19)
“AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DANO MORAL – AUSÊNCIA DE DOLO. DESINFLUÊNCIA. PROVA DO DANO DEMONSTRADA – DEVER DE REPARAÇÃO
58
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
– FIXAÇÃO – ADEQUAÇÃO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (...) O
valor, contudo, deverá corresponder não apenas à extensão subjetiva da lesão sofrida,
mas, também, alcançar a satisfação, tanto quanto possível, do ofendido, compatível
com a disponibilidade a ser exigida do ofensor.” (TAPR, 3ª CC. Apelação Cível nº
0085776300, Londrina, Rel. Juiz Conv. Jorge Massad. julg. 05.03.96, DJ 22.03.96)
“RESPONSABILIDADE CIVIL. PROTESTO IRREGULAR. ILÍCITO PROVADO. FIXAÇÃO DO DANO MORAL. (...) Esta indenização há de abranger uma reparação, destinada a amenizar a dor suportada pelo ofendido, e uma pena, a fim de punir
o ofensor (exemplary damages). (...)” (TJRS, 3ª CC. Apelação Cível nº 594131260,
Porto Alegre, Rel. Des. Araken de Assis. Julg. 30.03.95)
“INDENIZAÇÃO – ACIDENTE DO TRABALHO – DANO MORAL – DANO ESTÉTICO INVALIDEZ PARCIAL – MORTE – SENTENÇA – EFEITO DEVOLUTIVO.
(...) O dano moral é inquantificável. Mas a indenização deve levar em conta a satisfação
da vitima e o efeito sancionatório sobre o ânimo do agente. (...)” (TAMG, 2ª CC. Apelação
nº 223945-6, Belo Horizonte. Rel. Juiz Caetano Levi Lopes. Un., 04.02.97)
“RESPONSABILIDADE CIVIL. EXTRAÇÃO DENTÁRIA. INFECÇÃO POSTERIOR CAUSADORA DE MORTE. ATRIBUIÇÃO DO ÔNUS PROBATÓRIO.
INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. FIXAÇÃO. CRITÉRIOS. PROCESSO
CIVIL. RECURSO CONTRA DECISÃO EM IMPUGNAÇÃO À ASSISTÊNCIA
JUDICIÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. (...) 2 – Na fixação de montante indenizatório a título de
dano moral, devem ser considerados diversos critérios, tais como: a) a natureza punitiva
desta espécie de indenização, aflitiva para o ofensor, evitando que se repitam situações
semelhantes; b) a condição social do ofensor e do ofendido, sob pena de não haver
nenhum grau punitivo ou aflitivo; c) o grau de culpa do ofensor, as circunstâncias do
fato e a eventual culpa concorrente do ofendido; d) a posição familiar, cultural, social e
econômico-financeira da vítima; e) a gravidade e a repercussão da ofensa. 3 – Tratandose de danos morais sofridos por mãe pelo falecimento de jovem filha, saudável e em
decorrência de simples procedimento dentário, fixa-se o montante indenizatório em R$
200.000,00 (duzentos mil reais). (...)” (TRF 4ª R., 3ª Turma. AC nº 311675/RS. Rel.
Roger Raupp Rios. m., DJU 18.04.2001)
“RECURSO ESPECIAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – AÇÃO AJUIZADA PELO MARIDO E FILHOS DE VÍTIMA FALECIDA
POR ERRO MÉDICO – DANOS MORAIS – INDENIZAÇÃO FIXADA EM QUINHENTOS SALÁRIOS MÍNIMOS – REDUÇÃO PARA TREZENTOS SALÁRIOS
MÍNIMOS – RAZOABILIDADE – PRECEDENTES. (...) Dessarte, na hipótese em
exame, a indenização devida a título de danos morais, fixada pelo Tribunal de origem
em 500 (quinhentos) salários mínimos, deve ser reduzida a 300 (trezentos) salários
mínimos, em atenção à jurisprudência desta Corte e ao princípio da razoabilidade.
Recurso especial provido em parte.” (STJ, 2ª Turma, REsp 371935/RS, Rel. Min.
Franciulli Netto. un., DJ 13.10.2003, p. 320)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
59
“PROCESSO CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO. MORTE. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. COMPATÍVEL. SITUAÇÃO ECONÔMICA. RÉU. 1. A perda precoce do filho em razão de
omissão do Estado, configura hipótese de responsabilidade civil por danos morais, os
quais devem ser arbitrados pelo juiz, de forma a amenizar a severa dor moral experimentada pela mãe. (...) 3. Recurso especial interposto com fulcro na alínea c. Inexiste
divergência entre o acórdão paradigma e o decisum atacado, haja vista que o primeiro
visa assegurar a finalidade principal do dano moral, qual seja, amenizar o dano sofrido
sem o enriquecimento sem causa, o que ora foi garantido pelo segundo, ao arbitrar o
valor de 400 salários mínimos. (...)” (STJ, 1ª Turma, REsp nº 418502/SP, Rel. Min.
Luiz Fux. un., DJ 30.09.2002, p. 196)
“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Danos morais. Valor da indenização. Dissídio. 1. Na hipótese tratada nestes autos, ‘o nome da recorrida ficou
mantido no SPC por mais de um ano após ter ela quitado uma dívida no valor total de
R$ 2.500,00’. Todas essas circunstâncias fáticas, peculiares ao caso em tela e que foram
consideradas e justificadas pelo Tribunal de origem como critérios para estabelecer o
valor da indenização, não são verificadas dos lances extraídos do precedente colacionado. Sendo assim, ainda que não se exija perfeita semelhança dos arestos apontados
como divergentes com o julgado recorrido, no caso presente o Tribunal de origem
considerou aspectos peculiares ao caso que justificaram o valor adotado e afastaram
a suposta abusividade, situação não encontrada no julgado paradigma, carecendo de
identidade fática; portanto, o dissídio jurisprudencial, único fundamento recursal. 2.
Sopesados os elementos fáticos dos autos, como a capacidade econômica do agravante,
o valor da dívida, o período em que o nome da agravada permaneceu indevidamente
inscrito no Serasa e os danos advindos com a conduta indevida, não se pode considerar
como abusivo o valor da indenização fixado em R$ 27.000,00 (vinte e sete mil reais).
3. Agravo regimental desprovido.” (STJ, 3ª T. AGA nº 477298/MS, Rel. Min. Carlos
Alberto Menezes Direito. un., DJ 30.06.2003, p. 244)
“Agravo regimental. Recurso especial não admitido. Indenização. Danos morais.
Cobrança e registro indevidos no cadastro de inadimplentes. Juros de mora. Precedentes.
1. A data em que houve a circulação do Diário na Comarca do interior é considerada
como a da efetiva intimação para efeito da contagem do prazo recursal. 2. A indenização
fixada, 50 salários mínimos por cobrança e inscrição indevidas no cadastro de inadimplentes, não pode ser considerada absurda, tendo o Tribunal de origem se baseado no
princípio da razoabilidade e proporcionalidade, que norteiam as decisões desta Corte. 3.
A verba indenizatória única fixada a título de danos morais, estes advindos da cobrança
de valor cancelado, incluindo-se juros ditos ‘extorsivos’, e, também, simultaneamente,
do registro do nome do devedor em bancos de dados de inadimplentes, está diretamente
ligada e é decorrente do contrato firmado entre as partes. Tratando-se de responsabilidade
contratual, os juros moratórios relativos à indenização por danos morais incidem a partir
da citação. 4. Agravo regimental desprovido.” (STJ, 3ª Turma. AGA nº 476632/SP, Rel.
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Min. Carlos Alberto Menezes Direito. un., DJ 31.03.2003, p. 224)
“RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Lojas Americanas. Detenção indevida. A detenção indevida de três pessoas, sendo duas menores, por suspeita de furto
em estabelecimento comercial, causa dano moral que é arbitrado, nas circunstâncias,
de acordo com o voto médio, em valor equivalente a 300 salários mínimos. Recurso
conhecido em parte e parcialmente provido.” (STJ, 4ª Turma. REsp nº 298773/PA, Rel.
Min. Ruy Rosado de Aguiar. un., DJ 04.02.2002, p. 380)
Entendo que a indenização, no presente feito, detém dúplice função,
qual seja: compensar o dano sofrido e punir o réu.
Assim sendo, atendendo ao disposto no caput do artigo 944 do novo
Código Civil Brasileiro, no que se refere à extensão do dano e à situação
econômica do ofensor, condeno o réu ao pagamento de indenização no
valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual deverá ser acrescido de
correção monetária e juros, conforme abaixo especificado.
Correção monetária
É devida correção monetária, pelo INPC, nos termos da MP nº
1.415/96 e da Lei n° 9.711/98, desde a data do arbitramento, conforme
a Súmula 362 do STJ (“A correção monetária do valor da indenização
do dano moral incide desde a data do arbitramento”).
Juros moratórios
a) termo inicial
Na linha da jurisprudência do STJ, os juros moratórios, em se tratando
de responsabilidade extracontratual, começam a fluir a partir da data do
evento danoso, conforme se infere da Súmula 54, que possui o seguinte
teor: “Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de
responsabilidade extracontratual”.
b) índice
O Código Civil de 1916, no artigo 1.062, determinava o percentual
de 6% ao ano para os juros de mora.
Todavia, a partir de 10.01.2003 passou a vigorar a Lei nº 10.406/2002,
cujo artigo 406, revogando o art. 1.062 do antigo CCB, assim dispõe:
“Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem
sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão
fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento
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de impostos devidos à Fazenda Nacional”.
A propósito, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça
Federal, em jornada realizada de 11 a 13.09.2002, aprovou o Enunciado
nº 20, estabelecendo que “a taxa de juros moratórios a que se refere o
art. 406 é a do art. 161, § 1º do Código Tributário Nacional, ou seja, 1%
(um por cento) ao mês”. Este, portanto, o índice aplicável.
Sucumbência
Reformada a sentença, são invertidos os ônus da sucumbência e fixados os honorários em 10% sobre o valor da condenação, na esteira dos
precedentes da Turma.
Prequestionamento
O prequestionamento quanto à legislação invocada fica estabelecido
pelas razões de decidir, o que dispensa considerações a respeito, uma
vez que deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter
pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado,
considerando-se aqui transcritos todos os artigos da Constituição e/ou
de lei referidos pelas partes.
Ante o exposto, dou provimento à apelação.
É o voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.70.00.009929-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti
Relator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha
Apelante: Ministério Público do Estado do Paraná
Procurador: Dr. Sérgio Luiz Cordoni
Apelado: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis – Ibama
Advogada: Dra. Maria Alejandra Riera Bing
Interessada: Associação Xamã
Advogados: Drs. Edgard Cavalcanti de Albuquerque Neto e outro
EMENTA
Animais de circo. Ação civil pública. Implementação de opções do
legislador quanto ao trato e à mantença de animais. Proibição de qualquer forma de maus-tratos a qualquer animal. Ilegítima inadequação
das ações públicas.
A análise do sistema jurídico e a evolução da compreensão científica
para o trato da fauna em geral permitem concluir pela vedação de qualquer mau trato aos animais, não importando se são silvestres, exóticos
ou domésticos.
Por maus-tratos não se entende apenas a imposição de ferimentos,
crueldades, afrontas físicas, ao arrancar de garras, serrilhar de dentes ou
enjaular em cubículos. Maus-tratos é sinônimo de tratamento inadequado
do animal, segundo as necessidades específicas de cada espécie. “A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade de equilíbrio
ambiental, mas sim no reconhecimento de que são dotados de estrutura
orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor” (STJ, REsp 1.115.916, Rel.
Ministro Humberto Martins).
Evoluída a sociedade, científica e juridicamente, o tratamento dos animais deve ser conciliado com os avanços dessa compreensão, de modo a
impor aos proprietários a adequação do sistema de guarda para respeito,
o tanto quanto possível, das necessidades do animal. A propriedade do
animal não enseja direito adquirido a mantê-lo inadequadamente, o que
impõe a obrigação de se assegurarem na custódia de animais circenses,
ao menos, as mesmas condições exigíveis dos chamados mantenedores
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de animais silvestres, mediante licenciamento, conforme atualmente
previsto na IN 169/2008.
Na ausência de recursos autárquicos e adequação da conduta pelos
responsáveis, deve o órgão ambiental, contemporaneamente, dar ampla
publicidade à sua atuação, convocando e oportunizando à sociedade
civil auxiliar em um problema que deve, necessariamente, caminhar
para uma solução.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por maioria, dar parcial provimento ao apelo, nos termos do relatório,
votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de outubro de 2009.
Juiz Federal Márcio Antônio Rocha, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: Trata-se de ação civil
pública visando à condenação do Ibama na obrigação de fazer consistente
em fiscalizar, cadastrar e, nos casos de irregularidade, repatriar os animais
exóticos que não possuam licença ou certificado cadastrado no órgão.
A demanda foi julgada improcedente.
O Parquet Estadual do Paraná apelou.
O recurso foi respondido.
O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Valdemar Capeletti: A sentença recorrida
deve ser confirmada.
A seguir, transcrevo os tópicos principais da respectiva funda­
mentação:
“(...) No que pertine ao objeto desta ação, deve-se primeiramente observar que de
fato a introdução de espécimes exóticos à fauna local é evidentemente prejudicial,
havendo possibilidade de que, uma vez introduzidos em determinado ambiente, eles
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acabem sobrepujando os ocupantes originais e provocando um desequilíbrio ambiental.
Os riscos são muitos, pois, se o animal não tiver predador no Brasil, poderá haver uma
disseminação exagerada e, por outro lado, se for um predador voraz, poderá exterminar
espécies aqui existentes. Justamente devido a esse fato a comercialização de animais
exóticos deve-se pautar por regras rígidas, com estreita observância e fiscalização por
parte do órgão ambiental responsável. Contudo, é notória a ocorrência de introdução
clandestina de animais silvestres oriundos de outros países no Brasil, o que é conhecido como tráfico de animais e realizado, obviamente, sem parecer técnico favorável
e licença expedida por autoridade competente, devendo, obrigatoriamente, haver uma
efetiva fiscalização por parte do Ibama e da Polícia Federal. Não fosse isso, existem
ainda os casos de reprodução de animais exóticos em cativeiro, conforme informado
pelo próprio réu quando da contestação, os quais também sofrem, por diversas vezes,
maus-tratos em atividades circenses.
Com efeito, cumpre, neste ponto, apreciar a legislação aplicada à matéria em questão. Inicialmente, a fauna é protegida constitucionalmente, mediante o art. 225, § 1º,
VII, que prevê caber ao Poder Público ‘proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma
da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção
de espécies ou submetam os animais a crueldade’. Por sua vez, a Lei nº 5.197/67, que
dispõe sobre a proteção à fauna, prevê, em seu art. 4º, que ‘Nenhuma espécie poderá
ser introduzida no País sem parecer técnico oficial favorável e licença expedida na
forma da Lei’.
(...)
De fato, realizando uma interpretação meramente gramatical das normas acima
transcritas [Portaria Ibama 93/97, arts. 3°, 9°, 12, 15, 21 e 31, e Decreto 3.607/2000,
arts. 3º, 4º e 20], extrai-se que: a) o Ibama é órgão ambiental responsável pelas questões pertinentes à importação de animais exóticos; b) a autarquia ambiental federal
deve sempre emitir parecer técnico e licença respectiva (Cites) para que a importação
se consume; c) o importador deverá estar devidamente registrado junto ao Ibama; d)
a Portaria nº 93/97 ora permite, ora proíbe a importação de animais para espetáculos
circenses; e) o Ibama será responsável por devolver ao país de origem espécimes vivos
apreendidos, quando obtidos com infração à Lei nº 9.605/98; e f) os animais exóticos
vivos que tenham ingressado no País sem Licença ou Certificado Cites deverão ser
devolvidos ao país exportador.
Dessa forma, deve ressalvar-se que a competência do Ibama em fiscalizar as questões pertinentes a animais exóticos em circos, principalmente quando praticada uma
das condutas apontadas no art. 17 do Decreto nº 3.179/99 – que prevê: ‘Praticar ato de
abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados,
nativos ou exóticos’ –, é indiscutível, não havendo que se imputar responsabilidade
ao Município. Consoante acima delineado, a responsabilidade pelo cadastramento das
pessoas importadoras de animais exóticos também é da autarquia ré.
(...)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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De fato, não obstante referida obrigação do órgão ambiental e a relevância da
situação posta em análise nestes autos, não se pode olvidar que a autarquia possui
diversas atribuições dentro de sua esfera de competência, existindo inúmeras situações
que violam as normas ambientais ocorrendo diariamente (não só no que diz respeito à
fauna, mas também à flora, ao meio ambiente artificial, ao meio ambiente cultural, etc)
e que demandam sua efetiva fiscalização, da mesma forma que no caso dos animais,
além de muitos procedimentos administrativos a serem apreciados, tudo isso somado
ao déficit de funcionários e à pouca verba repassada ao órgão.
Portanto, diante das dificuldades expostas, mesmo não se tratando da situação ideal,
torna-se compreensível que o Ibama não tenha capacidade, dentro das condições de
trabalho que possui, de efetuar todas as fiscalizações necessárias e de forma extremamente efetiva, a fim de combater todos os casos de maus-tratos contra animais ou
de sua introdução irregular que existem no país e, no caso da gerência deste Estado,
no Estado do Paraná. Sendo assim, segundo a manifestação do réu, ele vem atuando
na medida de suas possibilidades, ou seja, realizando fiscalizações quando efetuada
alguma denúncia concreta ou quando toma conhecimento da presença de algum circo
na cidade. Não fosse isso, noticiou o encaminhamento de projeto de lei específica
referente a atividades circenses.
Por outro lado, o autor não logrou comprovar, ao longo da instrução processual,
que o Ibama vem se omitindo totalmente em relação aos fatos descritos na petição
inicial, não trazendo aos autos casos concretos em que o Ibama, mesmo provocado,
não tenha atuado. Dessa forma, vislumbra-se que não há uma total omissão por parte
do órgão ambiental (observar a documentação de fls. 379, 394-395, 398, 404-405,
411, 416, 451 e 469, além dos depoimentos das testemunhas), mas unicamente uma
atuação de forma não tão satisfatória, não cabendo ao Poder Judiciário invadir a esfera
de atuação do Poder Executivo determinando ao órgão quais atividades devem por ele
ser priorizadas, tendo em vista que o Ibama age dentro do poder discricionário a ele
conferido e, certamente, em caso de dar-se preferência ao combate de infrações contra
a fauna, outras áreas também relevantes restarão prejudicadas.
Quanto à alegada necessidade de cadastramento das espécies exóticas junto ao
Ibama, dispõe o art. 4º do Decreto nº 3.607/2000:
(...)
Com efeito, tal cadastramento é de suma importância, sendo na verdade a única
forma de se efetivar um controle e consequente fiscalização quanto ao tratamento dispensado aos animais exóticos em nosso país. Neste ponto, a competência do Ibama é
evidente, o que é por ele próprio apontado na contestação (fl. 366). No entanto, às fls.
44-45, junta documento demonstrando a existência dos registros mencionados, com
indicação de quantidade, origem e processo correspondente. Por sua vez, os autores
não lograram comprovar a inexistência do cadastro, sendo inevitável concluir-se por
sua regularidade.
Por fim, no que pertine à questão referente à repatriação de animais exóticos,
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conforme acima já apontado, o Decreto nº 3.607/2000, em seus artigos 4º e 20, prevê
que o Ibama poderá devolver ao país de origem animais obtidos com infração à Lei de
Crimes Ambientais ou que tenham ingressado em nosso país sem licença ou certificado
Cites. Alega a parte-autora que o Ibama vem se omitindo na repatriação de animais
exóticos irregulares em nosso país.
No que diz respeito à importação de animais, é verdade que para ingresso em nosso
país é necessário o cumprimento de determinadas condições, já acima identificadas.
Contudo, o próprio réu esclarece em sua contestação (fl. 370) que não concede licença
para importação de animais exóticos para atividades circenses, existindo no país muitos
animais que foram introduzidos em período remoto e que se reproduziram, sendo que
a maioria deles hoje em dia é oriunda de cativeiro, e não de importação recentemente
levada a efeito. Referida afirmação é bastante razoável, corroborando, para tanto, o
documento juntado às fls. 44-45, consubstanciado no cadastro dos animais exóticos
perante o Ibama/PR, no qual se verifica que todos eles nasceram em cativeiro. Ademais,
não logrou comprovar a parte-autora qualquer importação deferida em período recente,
pelo órgão ambiental, presumindo-se, mais uma vez, a veracidade da informação dada.
Referido fato inclusive faz com que a elaboração de cadastro completo torne-se bastante
complicado por parte do Ibama.
Essa mesma ilação pode ser utilizada quando se fala na repatriação/devolução dos
animais encontrados em situação irregular ou sofredores de algum dos crimes previsto
na Lei nº 9.605/98. Em face dessa situação, como a maioria dos animais é oriunda de
reprodução ocorrida no Brasil, não há como serem devolvidos, já que seu país de origem
é o nosso. Outrossim, não obstante o Decreto nº 3.607/2000 imponha ao Ibama a responsabilidade pela devolução do animal, é certo que não se trata de trâmite de simples
procedimento. Afinal, enviar um animal, que geralmente é de grande porte (v.g. leão,
elefante), para outro país certamente não é algo simples ou que possa ser feito pelo
Ibama de forma unilateral, dependendo apenas de sua vontade. Pelo contrário, é evidente
que ao menos o Ministério de Relações Exteriores e o Ministério do Meio Ambiente
deverão também participar do processo. Outrossim, é necessária, ainda, a concordância
do país receptor do animal, na medida em que este deverá pelo menos concordar com
a remessa, providenciando, inclusive, um destino para ele, além de equipamentos para
o transporte. Dessa forma, seria até uma irresponsabilidade a determinação para que
o Ibama efetuasse as repatriações, pois, sozinho, não poderia cumprir a ordem, sendo
que a decisão acabaria não tendo efetividade.
Portanto, deve restar anotado que não se pode levar em consideração unicamente o
que diz o decreto mencionado, aplicando a norma sem observância da realidade. Devese levar em conta o caso concreto, o mundo em que vivemos, o fato de que os países
devem se inter-relacionar de forma diplomática e harmônica, geralmente por meio de
tratados internacionais, não podendo um país simplesmente impor uma obrigação a
outro, ainda mais se tratando de uma situação tão peculiar como a presente. Dessarte,
não vislumbro a viabilidade, por parte do Ibama, de repatriar animais ingressados no
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Brasil de forma irregular. (...)”
Essas colocações afiguram-se-me acertadas a ponto de ratificá-las
como razões de decidir, mesmo porque, a par do acatamento à lei,
mostram-se consonantes com os critérios da razoabilidade e proporcionalidade.
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
VOTO-VISTA
O Exmo. Sr. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha: Iniciado o julgamento da presente apelação, de Relatoria do Des. Federal Valdemar
Capeletti, em 28.05.2008, foi proferida a seguinte decisão: “Após o voto
do Des. Federal Valdemar Capeletti no sentido de negar provimento à
apelação, pediu vista o Juiz Federal Márcio Antônio Rocha; aguarda a
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler”.
Convocado a compor o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Ato
nº 163, de 05 de maio de 2009), a partir de 11 de maio de 2009, junto ao
Gabinete do Des. Federal Edgard Antonio Lippmann Júnior, enquanto
perdurar seu afastamento, trago a julgamento voto referente a pedido de
vista quando atuava no Gabinete de Auxílio à 4ª Turma.
Cuida-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual do Paraná contra o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis – Ibama, em que objetiva a condenação
dessa Autarquia na obrigação de fazer, consistente em fiscalizar, cadastrar e, nos casos de irregularidade, repatriar os animais exóticos que
não possuam licença ou certificado cadastrado no órgão, utilizados em
espetáculos circenses.
O Excelentíssimo Relator Desembargador Federal Valdemar Capeletti está mantendo a sentença de improcedência, ao argumento de que
inexistem elementos a demonstrar a omissão do Ibama em relação aos
fatos descritos na inicial, bem como que não cabe “(...) ao Poder Judiciário invadir a esfera de atuação do Poder Executivo determinando ao
órgão quais atividades devem por ele ser priorizadas, tendo em vista
que o Ibama age dentro do poder discricionário a ele conferido (...)”
(fls. 695-696).
A ação tem por pano de fundo toda a problemática ligada à utilização
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de animais, notadamente de grande porte, em atividades circenses. Nessa
“problemática”, leia-se a preocupação com o tráfico de animais, com
maus-tratos no adestramento, transporte de animais, condições de vida,
perigo a pessoas em geral, ataques com ferimentos e mortes de pessoas
pelos animais e um sem-número de alertas sobre o tema. Parte da sociedade mostra-se atenta a tais fatos, o que se evidencia pelas dezenas de
reportagens juntadas com a inicial abordando esses assuntos. Parte da
sociedade também procura auxiliar na solução, por meio de sociedades
protetoras de animais e particulares que aceitam a adoção do animais,
para lhes assegurar melhores condições de existência.
Desnecessária a indicação de situações particulares nos fatos noticiados, todavia, as chamadas das reportagens juntadas, por si, indicam
o lamentável quadro:
“ONGs contam 80 leões abandonados no Brasil: animais morrem à espera de lugar
definitivo para viver.” (Jornal Gazeta do Povo, 30.07.2005, fl. 38)
“O circo Real Brasil abandonou quatro leões em plena rua e a uma quadra de distância de uma escola. Os animais estavam em condições físicas péssimas e em jaula
precária, preocupavam a população e a escola.” (Novo Hamburgo/RS, setembro 2005,
Zero Hora, fls. 110)
“O dono do Circo Medrano ofereceu o leão do circo, que fora deixado pelo domador.
Declarou que o animal teria só mais um dia de alimentação e que, após essa data, não
se responsabilizaria pelo animal. Uma sociedade protetora fez campanha pela adoção
do animal.” (Irati/PR, Gazeta do Povo, fls. 111)
“Um menino de oito anos, que estava muito próximo à grade de proteção, foi atacado por um leão do Circo Rodeio Búfalo Negro, durante o espetáculo. O leão acabou
sendo morto eletrocutado pelo domador, que fez uso do aparelho de choques com
que controlava o animal durante os números. O menino foi retirado com ferimento no
pescoço e nas costas.” (Restinga Seca/RS, Zero Hora, junho 2005, fls. 111)
“O Ibama verificou denúncia de maus-tratos a oito leões no Circo Cassaly. Além
de não possuírem registro, os animais viviam em jaulas minúsculas, sem cobertura e
sob suspeita de desnutrição. Um dos leões vivia numa jaula onde mal podia virar-se.”
(Correio Paranaense, março 2005, fls. 112)
“O urso de um circo instalado na região metropolitana de Curitiba escapou do
domador e entrou antes da hora no picadeiro, onde crianças brincavam com os palhaços. No tumulto, as pessoas correram para fora do circo, enquanto funcionários
espancavam o animal para poder dominá-lo.” (Colombo/PR, setembro 2004, Gazeta
do Povo, fls. 112)
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Em resumo, problemas sérios para a sociedade, mantenedores, autoridades públicas e, evidentemente, para os animais.
Prevenindo a convivência com situações desse jaez, algumas cidades
adiantaram-se e, segundo noticiado nos autos, adotaram legislação proibindo a instalação de circos com animais nos territórios municipais.
A posição do Ibama sobre o tema está suficientemente delineada.
Transcrevo ilustrativamente uma das suas manifestações, quando indagado sobre situação similar aos problemas narrados anteriormente:
“Conforme relatório de fiscalização não foram constatados maus-tratos levando em
consideração os aspectos gerais dos animais. Não há legislação específica que regulamente as atividades circenses, logo, não vislumbramos obrigatoriedade do referido circo
comunicar a este instituto a quantidade de animais sob sua responsabilidade, como estes
vieram a óbito ou não. Quanto à solicitação do Ministério Público Estadual de apurar a
notícia de morte da leoa, principalmente a causa mortis, esclarecemos que este Núcleo
não possui estrutura e equipamentos para realizar a necropsia.” (fls. 103)
Dos inúmeros casos retratados nos autos, e das manifestações específicas, pode-se traçar um quadro das posturas mais costumeiras do Réu:
não há estrutura no órgão; a legislação não defende animais exóticos
(fauna internacional); há bons tratos se o animal é alimentado, hidratado
e a cela está limpa, ou seja, as chamadas “condições gerais”.
De logo chama a atenção a insuficiência dessa posição, certamente
adotada não porque não se sabe que a falta de estrutura autárquica não
pode perpetuar a omissão ou a falta de imaginação para solucionar
problemas; não porque não se sabe que a Constituição Federal proíbe
maus-tratos a qualquer animal; não porque não se sabe que boas “condições gerais” equivalem, quando muito, a “apenas manter vivo o animal”.
Porém, a posição certamente é adotada porque é difícil o problema,
porque se teria de pensar realmente em solucioná-lo.
A ação civil pública, julgada improcedente, não pede muito. Tenta
propor soluções, caminhos; objetiva que o “Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) exerça a fiscalização, o cadastramento e, nos casos de irregularidades, a repatriação
dos animais exóticos que não possuam licença ou certificado cadastrado
no referido órgão” (fl. 15).
Em sentença (fls. 657-661), o MM. juízo a quo aceitou a argumentação do Ibama, aduzindo, em síntese, que a limitação orçamentária e
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funcional da Autarquia imporia a ela extremas dificuldades em efetuar
a fiscalização pretendida na Ação Civil Pública.
Respeitosamente, os fundamentos adotados na sentença recorrida não
são capazes de levar, por si só, a um juízo de improcedência do pedido, se,
tão somente, conformados com as alegadas precariedades da Autarquia.
Nesse passo, reproduzo, em parte, parecer do Procurador Regional da
República Dr. Kurtz Lorenzoni (fls. 692-693):
“Percebe-se que o fundamento explicitamente invocado na sentença foi a incapacidade financeira do Ibama de cumprir todas as suas obrigações; implicitamente
a tal tese está a defesa da discricionariedade do Ibama, na condição do integrante da
Administração Pública.
Entretanto, este caso não pode ser considerado judicialização de políticas públicas;
em outras palavras, as questões aqui postas não levaram ao Poder Judiciário indagações
sobre discricionariedade. Não se trata de requerimento voltado ao estabelecimento de
políticas públicas, uma vez que a opção política já foi tomada, o que se depreende da
exaustiva regulamentação do tema.
(...)
Ora, o Ministério Público do Estado do Paraná e a Associação Xamã não requerem,
nesta ação civil publica, a adoção de opções políticas, mas o cumprimento das opções
já feitas. Ao Ibama não é dado cumprir ou não cumprir suas funções; havendo determinação legal e destinação orçamentária justamente para manter a autarquia em pleno
funcionamento, o cumprimento das suas funções é medida impositiva.”
Essa omissão, sob a bandeira da falta de recursos, é a tônica de toda a
defesa do Ibama, desde a primeira até a última manifestação até aqui nos
autos. Leiam-se, na primeira manifestação, as informações antecedentes
à decisão liminar:
“Ademais, a liminar, da forma como foi requerida, torna-se praticamente impossível
de ser atendida, pois é notória a falta de funcionários e recurso para o órgão federal,
sozinho, fiscalizar todos os recintos em que haja animais exóticos, como lojas e circos.
Necessário que haja, primeiramente, fortalecimento e investimento no órgão para que
esse possa atuar na forma pretendida pelo MPE.” (fls. 346-347)
Evidente a posição, lamentável em todos os sentidos, de que as práticas
enfrentadas pela ação são “atendidas pelo órgão na medida das condições
orçamentárias”, ou, em outras palavras, uma parte é atendida e outra não,
segundo o orçamento disponível.
De fato, existem condicionantes na legislação federal para o trato de
animais. Tais condicionantes, por dizerem respeito às condições de trato
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da fauna, devem ser cumpridas independentemente de escusas orçamentárias do Ibama, quer queiram, quer não os seus agentes. Da mesma forma,
não se toleram maus-tratos por parte de particulares mediante invocação
de hipossuficiência do responsável pelo animal. Não há outra solução a
ser dada em qualquer ótica.
Por determinação constitucional, deve-se caminhar para a conscientização pública sobre as formas de trato e para a harmonia no convívio
com a fauna em geral (CF, art. 225, § 1º, VI), sendo vedadas as práticas
que submetam os animais à crueldade (inciso VII).
Por sua vez, indiferentemente de se tratar de animal silvestre, exótico
ou doméstico, constitui infração administrativa: “Praticar ato de abuso,
maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos” (Decreto 3.179/99, art. 17).
Atento às alegadas dificuldades orçamentárias, o Ibama argumenta
que, mediante denúncia, comparece a circos e verifica a situação dos
animais, se estão sendo submetidos a maus-tratos, se estão ou não sendo
mutilados. Sobre o ponto produziu prova: “Que nas vistorias em que a
testemunha participou não houve constatação de maus-tratos, havendo
água, estando o recinto limpo, inexistindo sinais de maus-tratos” (testemunha Melissa da Cunha Medina, fl. 519). E segue a testemunha: “Que,
havendo maus-tratos, como por exemplo recinto pequeno, falta de água,
baixo peso, o proprietário é notificado para que mude o tratamento,
cessando os maus-tratos. Que, não atendidas as exigências, o animal é
apreendido” (fl. 520).
O depoimento aponta importante distinção entre maus-tratos e crueldade, ambos referidos na legislação a seguir indicada. Maus-tratos não
se resumem a ferimentos, crueldades, afrontas físicas, arrancar garras,
serrar dentes, enjaular em cubículos. Maus-tratos são sinônimo de tratamento inadequado do animal, segundo as necessidades específicas de
cada espécie. Um animal dotado pela natureza para andar quilômetros
por dia, alcançar por seus músculos velocidades inatingíveis pelo ser
humano, ou que por seu tamanho e seu peso necessite de alimentação
contínua em savanas ou outro hábitat, não estará bem tratado em jaulas,
circulando entre carros nas cidades, sujeito a luzes de um palco, chicotes,
choques, espetos...
Em sua vez, a testemunha às fls. 521-522, Raphael Xavier, afirmou
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“que, dentre as vistorias que a testemunha participou, foi realizado o embargo da atividade relativamente a um chimpanzé, uma vez que exposto a perigo (globo da morte)
e maus-tratos. Que entretanto não foi o animal apreendido, sendo deixado como fiel
depositário o dono do circo, tendo em vista os laços afetivos com o pessoal do circo e
a sua idade, de cerca de 11 anos.”
Finalmente, a testemunha Cosette Barrabas Xavier da Silva (fls.
523-526) acrescentou “que os maus-tratos são referentes à alimentação,
à acomodação, que os animais não estão sendo alimentados ou são alimentados com cachorros”.
Em termos de animais exóticos, dada a evolução contínua de nossa
compreensão, o próprio sistema jurídico evoluiu. O direito adquirido
limita-se à propriedade do animal e eventualmente à regularidade da
introdução em território nacional. Não diz respeito à livre submissão
do animal a condições precárias, eventualmente outrora admitidas. Ao
contrário, não existindo no ordenamento jurídico direito adquirido à
regime, as condições de guarda podem ser formuladas pela autoridade
ambiental, segundo os padrões científicos e a evolução do conhecimento
humano quanto ao trato de animais. Isso equivale a dizer que, embora
possa ser o cidadão o legal proprietário de determinado animal, isso
não importa em direito adquirido a mantê-lo em determinado cativeiro,
contrário às necessidades da espécie. Mais claramente, não há direito
garantido à pratica de maus-tratos ou ao trato ignorante do sofrimento
que se impõe a um animal.
Ocorre que o próprio Ibama já tem material normativo, estabelecido
não com parâmetros na Lei, mas com seu poder regulamentar, discricionário, firmado no conhecimento científico, estabelecido para mantenedores
e criadores de animais silvestres. Não há nada que diferencie os animais
de circo do gênero animais silvestres ou exóticos. O ordenamento jurídico deseja a defesa da vida animal. Não existem “animais circenses”, e
sim animais. Não há esse gênero, essa espécie. Há animais silvestres e
exóticos que por uma triste história caíram nas mãos de mercadores sem
qualquer consciência, em terras onde em geral a própria vida humana
não recebe o devido valor. Integrados nas faces do tráfico internacional
de animais, caem nas mãos de empresários circenses, que enclausurarão
a eles e a eventuais crias; lhe imporão “treinamentos”, talvez lhes cortem garras, serrem seus dentes, os submetam a ferros e jaulas, a trânsito
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constante, para, mediante pecúnia, matar a natural curiosidade humana,
de um público alheio que, ao sorrir, ao admirar a força, a beleza do animal, aplaude o mercado negro, o sofrimento, a vida sem sentido, fora
do hábitat que lhe permitiria o exercício de suas potencialidades. Os
aplausos, de alguns segundos, entusiasmados, muitas vezes dirigidos ao
animal por solicitação do “treinador”, não mudam o quadro estéril nem
retiram a ignorância da tolerância dessa prática cruel em sua essência,
fomentando parte da atividade de circos que podem sobreviver sem a
presença de animais.
Assim, não há que se tolerar o enclausuramento de animais em condições que não sejam exatamente idênticas às exigidas de mantenedores
da fauna. Não há diferença entre os animais. Não há animais de circo,
nem se aceita maus-tratos meramente circenses. A omissão do órgão
ambiental é de exercício de poder regulamentar e com isso impede que
a sociedade possa até mesmo discutir seus regulamentos, exercendo o
controle da própria administração e do exercício de seus valores. A falta
de recursos pode ser aceita quando muito para que se adotem soluções
alternativas, mas o problema deve caminhar para uma solução.
A sociedade, conforme se vê nas inúmeras notícias juntadas aos autos,
procura dar sua cota, faz adoções, oferta melhores caminhos (denuncia,
oferece-se para a condição de depositário, de criador e mantenedor,
organiza-se em sociedades de proteção, arrecada recursos, etc.), podendo
ser convocada a participar, desde que saiba e esteja orientada a fazê-lo.
Nos autos há inúmeras notícias de adoção de animais por particulares
(v.g. fls. 607) ou sociedades.
Essa evolução da relação dos homens com os animais foi com muita
precisão e sensibilidade exposta pelo Superior Tribunal de Justiça, em
acórdão histórico nesse tema, da lavra do Exmo. Ministro Humberto
Martins. A precisão e beleza de seus fundamentos merecem ser repetidos,
inclusive como fundamentação do presente voto:
“Não assiste razão ao recorrente, e o equívoco encontra-se em dois pontos essenciais:
o primeiro está em considerar os animais como coisas, res, de modo a sofrerem o influxo
da norma contida no art. 1.263 do CPC. O segundo, que é uma consequência lógica do
primeiro, consiste em entender que a administração pública possui discricionariedade
ilimitada para dar fim aos animais da forma como lhe convier.
Não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema
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nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja,
que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como
objetos materiais desprovidos de sinais vitais.
Essa característica dos animais mais desenvolvidos é a principal causa da crescente conscientização da humanidade contra a prática de atividades que possam ensejar
maus-tratos e crueldade contra tais seres.
A condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura
orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor. A rejeição a tais atos aflora, na verdade,
dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a
repelir toda e qualquer forma de mal radical, evitável e sem justificativa razoável.
A consciência de que os animais devem ser protegidos e respeitados, em função de
suas características naturais que os dotam de atributos muito semelhantes aos presentes
na espécie humana, é completamente oposta à ideia defendida pelo recorrente, de que
animais abandonados podem ser considerados coisas, motivo pelo qual a administração
pública poderia dar-lhes destinação que convier, nos termos do art. 1.263 do CPC.
Ademais, a tese recursal colide agressivamente não apenas com tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Afronta, ainda, a Carta Fundamental da República
Federativa do Brasil e as leis federais que regem a Nação.
A Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da Unesco, celebrada na Bélgica
em 1978, dispõe em seu art. 3º que:
‘Artigo 3º 1. Nenhum animal será submetido nem a maus-tratos nem a atos cruéis.
(...)’
No mesmo sentido a Constituição Federal:
‘Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
(...) VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam
os animais a crueldade.’
No plano infraconstitucional:
Decreto Federal 24.645, de 10 de julho de 1934:
‘Art. 1º – Todos os animais existentes no País são tutelados do Estado.
(...) Art. 3º – Consideram-se maus-tratos:
I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;
(...) VI – não dar morte rápida, livre de sofrimento prolongado, a todo animal cujo
extermínio seja necessário para consumo ou não.’
Lei nº 9.605/1998:
‘Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres,
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domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa.’” (STJ, REsp 1.115.916-MG,
Relator Ministro Humberto Martins)
Daí porque se disse anteriormente que a ação civil pública não pede
muito e aponta caminhos. São pontos evidentemente factíveis do pedido
o cadastramento desses animais, o licenciamento que pressupõe adequação das condições de vida, o que inclui a apreensão no caso de falta de
adequação da conduta.
Trata-se de matéria atualmente regulada pela Instrução Normativa
169/2008 do Ibama, destinada a:
“Art. 1º Instituir e normatizar as categorias de uso e manejo da fauna silvestre
em cativeiro em território brasileiro, visando atender às finalidades socioculturais,
de pesquisa científica, de conservação, de exposição, de manutenção, de criação, de
reprodução, de comercialização, de abate e de beneficiamento de produtos e subprodutos, constantes do Cadastro Técnico Federal (CTF) de Atividades Potencialmente
Poluidoras ou Utilizadoras de Recursos Naturais.”
Deve, portanto, ser o Ibama condenado a, em todo o território do
Estado do Paraná, fiscalizar, submeter a guarda e a mantença do animal
a licenciamento, nos termos da referida instrução normativa, e, em caso
de não atendimento no prazo de trinta dias, poderá conceder a condição de fiel depositário a terceiro, deferindo a guarda a quem atenda às
condições estabelecidas na referida normatização. Para que as medidas
tenham celeridade, e a fim de abreviar o tanto quanto possível as precárias
condições dos animais, assim que lavrado auto de constatação, deverá o
responsável ser nomeado depositário, dando-se desde logo publicidade
das características do animal para que agentes da sociedade, na omissão
do responsável, possam aceitar a custódia mediante atendimento das
exigências da mesma Instrução Normativa.
Trata-se de ações simples, que retiram do órgão a omissão e que,
se publicizadas, podem ensejar que a população se prepare para, na
falta de adequação da conduta por parte dos responsáveis pelos animais, receber as apreensões providenciando criadores que respeitem
minimamente as necessidades de espaço fixo, descanso, privacidade,
alimentação. Todavia, inviável a condenação do Ibama ao repatriamento
de tais animais, dado que tal medida depende de participação de outros
governos, o que tornaria o preceito jurisdicional incerto. Assim, procede
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parcialmente a ação civil pública.
Honorários e custas por conta da ré, arbitrados em R$ 500,00.
Diante do exposto, voto por dar parcial provimento ao apelo.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.72.10.001467-1/SC
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional Federal da 4ª Região
Apelado: Adriel Piaseski
Advogado: Dr. Airton Sehn
EMENTA
Administrativo. Concurso público. Técnico do seguro social. Legitimidade passiva do INSS. Deficiência física. Conceito não restrito apenas
ao enfoque clínico. Necessário cotejo com o padrão do homem médio.
1.– Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva do INSS que,
mesmo contratando o Centro de Seleção e Promoção de Eventos da
Universidade de Brasília, é o ente responsável pela posse do autor na
carreira, além de ter efetuado a perícia combatida na demanda em tela,
a evidenciar que o polo passivo da lide foi corretamente direcionado.
2.– O significado jurídico da deficiência, considerando o sistema jurídico protetivo interno e internacional, não deve ficar restrito à perspectiva
clínica, pois necessariamente engloba outros fatores relacionados à tutela
da personalidade humana e do seu pleno desenvolvimento.
3.– Pela análise do conceito legal de deficiência, infere-se que também
deve ser considerada deficiente a pessoa que apresenta membros com deformidade adquirida que produzam “dificuldades para o desempenho das
suas funções”, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
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ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo retido e à apelação, nos
termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2010.
Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Trata-se de recurso de apelação interposto contra sentença que, nos autos de ação ordinária
na qual Adriel Piaseski postula sua não exclusão da lista de aprovados
como portador de deficiência para o cargo de Técnico do Seguro Social,
julgou procedente o pedido para determinar ao réu que mantenha o autor
na lista de candidatos aprovados no concurso regido pelo Edital 01/07,
na condição de portador de deficiência física (fls. 186-188).
O INSS apela requerendo, em preliminar, a apreciação do agravo de
instrumento convertido em retido, como também da prefacial de ilegitimidade passiva. No mérito, aduz que o autor não se enquadra no conceito
de pessoa portadora de deficiência, além de que a sentença desconsidera
a conclusão da prova técnica (fls. 190-203).
Com a apresentação de contrarrazões (fls. 253-259), subiram os autos
a esta Corte, onde o representante do Ministério Público Federal opinou
pelo desprovimento do recurso (fl. 261).
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria: Inicialmente,
rejeito o agravo de instrumento, convertido na modalidade retida, interposto contra a decisão antecipatória de tutela que ordenou que o INSS
se abstenha de excluir o autor do certame (fls. 97-99), considerando-se
que o pedido requer apreciação de mérito, que será realizada neste momento processual.
Do mesmo modo, não merece acolhida a preliminar de ilegitimidade
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passiva da autarquia previdenciária, que, mesmo contratando o Centro
de Seleção e Promoção de Eventos da Universidade de Brasília, é o ente
responsável pela posse do apelado na carreira, além de ter efetuado a
perícia combatida na demanda em tela, a evidenciar que o polo passivo
da lide foi corretamente direcionado.
No mérito, adoto como fundamentos de decidir os bem-lançados
fundamentos da sentença recorrida, que deslindam com precisão a controvérsia:
“(...) Por fim, quanto à deficiência do autor, em que pesem as alegações aventadas
pelo réu, tenho que a decisão que antecipou os efeitos da tutela deve ser mantida.
Assim, para evitar tautologia, tomo por ratio decidendi os argumentos lá elencados,
cujo teor transcrevo em parte.
O conceito de deficiência de fato ainda apresenta significativas divergências,
tanto na perspectiva da ciência médica como também do ponto de vista jurídico. O
significado jurídico da deficiência, considerando o sistema jurídico protetivo interno
e internacional, não deve ficar restrito à perspectiva clínica, pois necessariamente
engloba outros fatores relacionados à tutela da personalidade humana e do seu pleno
desenvolvimento.
A Constituição de 1988, no seu artigo 227, impõe como dever da sociedade e
do Estado a necessidade de assistência e especial proteção às pessoas portadoras de
deficiência.
Nos termos do artigo 3º do Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, que regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, e dispõe sobre a Política Nacional
para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, considera-se: ‘I. deficiência é
toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou
anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano’.
No artigo 4º do mesmo Decreto consta o conceito legal de deficiência física como
sendo:
‘alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia,
paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia,
hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as
que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.’
Pela análise do conceito legal de deficiência, infere-se que também deve ser
considerada deficiente a pessoa que apresenta membros com deformidade adquirida
que produzam ‘dificuldades para o desempenho das suas funções’, dentro do padrão
considerado normal para o ser humano.
No caso dos autos, é evidente que o autor apresenta deformidade adquirida
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permanente, pois, conforme apurou a perícia, possui: flexão do 5º dedo ao nível da
interfalangeana proximal com esquilose articular. Angulação do 3º dedo ao nível da
articulação da interfalangeana proximal com irregularidade na base da falange média
e irregularidade da extemidade da falange distal do 2º dedo.
Não precisa ser médico para, considerando os laudos, fotos, atestados e o que foi
apurado na perícia judicial, concluir com segurança que o autor apresenta sim dificuldade
para o desempenho pleno das funções da sua mão esquerda, considerando o padrão
normal para o ser humano.
A legislação não exige comprometimento total das funções, mas sim anormalidade permanente que gera dificuldade para o desempenho pleno das funções. A perícia
reconhece que o ‘autor poderá ter lentidão de movimentos nos 5º e 3º dedos’.
Ademais, a interpretação das normas protetivas das pessoas portadoras de necessidades especiais não pode ser efetivada com um formalismo ou rigor extremo, sob pena
de frustração total dos objetivos mais nobres dessa política afirmativa, em especial o
de promover a inclusão social destas pessoas.
O fato de a perícia ter constatado que o autor não possui a função física da mão
comprometida – ‘boa pinça, apreensão e força da mão preservada’ – e o fato de trabalhar como digitador não alteram a firme convicção deste juízo, pois a deformidade
permanente e geradora de dificuldade está plenamente provada. O fato de o autor
conseguir digitar demonstra plenamente a sua aptidão para, mesmo considerando a
deficiência, exercer suas funções junto ao INSS com a eficiência necessária para o
cargo público pretendido.
Também é absolutamente irrelevante a circunstância de não constar na carteira de
habilitação a condição de ‘deficiente físico’.
Reforça a necessidade de uma análise/revisão crítica do conceito formal de deficiência o fato de o Brasil ter assumido solenemente na Constituição o compromisso
internacional com a concretização dos Direitos Humanos e a máxima efetividade que
deve ser conferida ao princípio da dignidade da pessoa humana.
No plano dos Direitos Humanos, amparam a pretensão do autor os seguintes documentos internacionais: Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948; Declaração
Americana dos Direitos e Deveres do Homem; Pacto Internacional de Direitos Civis e
Políticos; Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa
Rica; Declaração dos Direito do Deficiente). Destaque-se ainda o Protocolo Adicional
à Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais, que estabelece no artigo 18 que ‘toda pessoa afetada por diminuição
de suas capacidades físicas e mentais tem direito a receber atenção especial, a fim de
alcançar o máximo de desenvolvimento de sua personalidade’, estabelecendo uma série
de medidas que deverão ser adotadas pelos Estados Partes.
A recente Convenção da ONU sobre Direitos das Pessoas com Deficiências, internalizada na ordem jurídica pátria com o status de norma constitucional, outorga ampla
proteção aos deficientes e exige dos países signatários a implementação de diversas
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políticas públicas afirmativas para a sua inclusão social.
Essa convenção foi ratificada muito recentemente pelo Brasil e é a primeira que
efetivamente outorga status de direito fundamental ao direito humano protegido, pois
foi aprovada após a Emenda Constitucional nº 45/2004. Esse fato demonstra claramente
a orientação política pátria sobre o tema, que deve ser prestigiada também e especialmente pelo Poder Judiciário.
Nesse contexto, e para um juízo de cognição sumária, está caracterizada a presença
de deficiência física do autor no sentido jurídico.
Isso posto, não há que se discutir a conveniência ou a oportunidade da contratação
do autor, uma vez que, tendo ele sido considerado portador de deficiência, deve nessa
condição ser mantido no concurso.” (Grifei)
Entendo que a deficiência apresentada pelo apelado restou suficientemente demonstrada no processo em tela, pois, ao contrário do que quer
fazer crer a autarquia apelante, não se trata apenas de uma deformidade
estética, mas sim de uma deficiência que restringe a capacidade laboral,
considerando-se a limitação parcial de movimentos dos 2º e 3º dedos da
mão direita, além da imobilidade do 5º dedo da mesma mão, que não
apresenta nenhuma movimentação.
Andou bem o Magistrado de primeiro grau ao decidir que o conceito
de deficiência, que pode ser parcial ou total, deve ser aferido no cotejo
com o desempenho da atividade dentro do padrão considerado normal
para o ser humano, ou seja, o padrão do homem médio. A exegese estritamente formalista pode frustrar os louváveis objetivos de inclusão
social das pessoas portadoras de deficiência, o que não se coaduna com
o sistema protetivo previsto na Constituição Federal e na legislação
internacional.
Mantenho, pois, a sentença por seus próprios fundamentos.
Quanto ao prequestionamento, não há necessidade do julgador
mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta
sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da
matéria por meio do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº
155.621-SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira,
DJ de 13.09.99).
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido e à
apelação.
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DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE
Nº 2001.70.00.013395-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro
Embargante: D.M.S.
Advogado: Defensoria Pública da União
Embargado: Ministério Público Federal
Assistente: Interbrazil Seguradora S/A
Advogados: Drs. Fernando Maurício Alves Atiê e outros
EMENTA
Penal. Processual penal. Embargos infringentes. Gestão fraudulenta
de instituição financeira. Empresa corretora de seguros. Captação de
recursos. Enquadramento no conceito de instituição financeira para
fins penais.
1. Na corretagem de seguros, além da intermediação da relação entre
as seguradoras e os segurados, é contemplada a captação dos recursos financeiros envolvidos na atividade securitária, o que dá azo à incidência da
norma prevista no art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 7.492/86.
2. Sendo a prática de fraudes e de atos temerários na administração
de empresa corretora de seguros hábil a atingir a credibilidade das
instituições de crédito e o dinheiro de terceiros, encontra-se abarcada
a atividade de corretagem de seguros na proteção penal outorgada pela
Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
3. Tratando-se de fraudes perpetradas no âmbito da administração de
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instituição financeira por equiparação (empresa corretora de seguros –
art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86), tem-se por configurado o
tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 4ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por maioria, negar provimento aos embargos infringentes, vencido o
Juiz Federal Guilherme Beltrami, nos termos do relatório, votos e notas
taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de janeiro de 2010.
Des. Federal Néfi Cordeiro, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Trata-se de embargos infringentes opostos por D.M.S. em face do v. acórdão das fls. 299-302 e
307-331, que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da defesa,
mantendo o decreto condenatório, porém desclassificando a imputação
para o tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86.
Sustenta o embargante a prevalência do voto vencido, de lavra do
Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, que entendeu ser
caso de desclassificação da conduta descrita na denúncia para o crime
de estelionato, determinando a remessa dos autos à Justiça Estadual da
Comarca de Curitiba/PR. Para tanto, argumenta que a conduta cuja prática
lhe é atribuída não tem potencialidade lesiva para atingir o núcleo da
atividade financeira tutelado pela Lei de Crimes de Colarinho-Branco,
uma vez que as corretoras de seguros são instituições que intermedeiam
o relacionamento das seguradoras com os segurados, sem que os corretores de seguros realizem a intermediação de recursos financeiros. Daí
porque seria inaplicável ao caso dos autos o art. 1º da Lei nº 7.492/86,
não se enquadrando a conduta narrada na exordial acusatória quer no art.
4º, caput, quer no art. 5º, ambos do referido diploma legal.
O Ministério Público Federal apresentou contrarrazões, requerendo
o desprovimento dos embargos infringentes.
É o relatório.
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VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Néfi Cordeiro: Trata-se de embargos infringentes opostos por D.M.S. em face do v. acórdão das fls. 299-302 e
307-331, que, por maioria, deu parcial provimento ao recurso da defesa,
mantendo o decreto condenatório, porém desclassificando a imputação
para o tipo do art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/86.
A discussão posta em tela diz respeito ao enquadramento, ou não, das
instituições corretoras de seguros no conceito de instituição financeira,
ainda que por equiparação, adotado pela Lei de Crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional.
No voto prevalente, proferido pelo Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro, ficou assentado que a conduta do acusado – emissão, na
qualidade de sócio administrador da Brickel Corretora de Seguros Ltda.,
de apólices e outros títulos materialmente falsos, em nome da Seguradora
Interbrazil, com quem a empresa corretora mantinha relação informal
de representação comercial, no intuito de se apropriar indevidamente
dos respectivos prêmios – ajusta-se ao tipo do art. 4º, caput, da Lei de
Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional.
No voto vencido, de lavra do Desembargador Federal Paulo Afonso
Brum Vaz, ficou estabelecido que a conduta delitiva perpetrada por
corretor de seguros não tem o condão de lesar o bem jurídico tutelado
pela Lei nº 7.492/86, de modo que empresa corretora de seguros não
é alcançada pela definição, para fins penais, de instituição financeira,
nem mesmo por equiparação. Assim, a posição minoritária voltou-se
para desclassificar a conduta para o crime de estelionato e determinar a
remessa do feito à Justiça Comum Estadual.
Conforme já me manifestei nos autos do HC nº 2007.04.00.028591-8,
julgado em 23.10.2007 pela Sétima Turma deste Regional, a Lei nº
7.492/86 surgiu como forma de proteção penal à poupança popular e à
credibilidade nas pertinentes instituições. Justamente pela clara intenção
de mais amplamente atingir seus objetivos, foi pródiga a norma legal
na previsão de tipos penais de conduta múltipla e de variados sujeitos
ativos.
Assim é que já em seu art. 1º trouxe a mais ampla definição possível
de instituição financeira: qualquer pessoa que realize a captação de reR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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cursos de terceiros, mesmo eventualmente.
Pretendendo dar maior alcance penal aos fatos que pudessem atingir
dinheiros populares ou a credibilidade nas instituições pertinentes, a
norma legal ainda equiparou à instituição financeira a pessoa “que capte
ou administre seguros, câmbio, consórcio, capitalização ou qualquer tipo
de poupança, ou recursos de terceiros” (art. 1º, parágrafo único, inc. I,
da Lei nº 7.492/86). A propósito, no voto que prevaleceu no julgamento
do apelo, é feita referência ao exame do conceito de captação de seguros, segundo Rodolfo Tigre Maia, assim lançado no parecer ministerial
ofertado nos autos do HC nº 2004.04.01.006573-2/PR (fl. 321 dos presentes autos):
“Na modalidade captação, a instituição busca reunir capitais dispersos no sistema,
recolhendo-os dos agentes econômicos e concentrando-os com vistas à sua aplicação,
quer diretamente, quer fornecendo-os por mútuo a uma outra instituição que os aplique,
quer, finalmente, transferindo-os a uma instituição que sob sua direção e controle os repassará a outras para sua utilização, caracterizando-se, neste caso, a intermediação.”
Vê-se, portanto, que, na modalidade captação, a instituição apanha
recursos no mercado, concentrando-os com vista à sua aplicação, a qual
pode ocorrer de forma direta ou ainda indireta.
Na corretagem de seguros, além da intermediação da relação entre
as seguradoras e os segurados, é contemplada a captação dos recursos
financeiros envolvidos na atividade securitária, captação que é expressamente prevista na citada norma legal que confere proteção ao dinheiro
popular.
Por meio do recrutamento de segurados, a corretora acaba por apanhar
recursos no mercado, embora estes sejam administrados e aplicados pelas
entidades seguradoras ou mesmo por terceiros.
Com efeito, prestam as instituições corretoras de seguros verdadeiro
serviço para as seguradoras, consubstanciado na venda dos produtos e
serviços também por estas elaborados e prestados para aqueles que são
sujeitos a determinadas contingências. Em decorrência dessas vendas,
acabam por ingressar no sistema securitário as quantias desembolsadas
pelos segurados, de modo que a intermediação realizada pelas corretoras
repercute significativamente na saúde e no desenvolvimento econômico das companhias de seguros. Assim, não pairam dúvidas de que a
administração de companhias corretoras de seguros, quando marcada
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por manobras desleais, é apta a afetar a higidez do Sistema Financeiro
Nacional, em razão da ofensa à boa-fé de investidores, sócios, credores
e terceiros, bem assim da confiança que estes lhe atribuem e que lhe dá
sustentação.
Mesmo sob o ângulo dos segurados, atuam as corretoras como extensão das companhias seguradoras representadas, muitas vezes integrando
grupo econômico por estas formado, sem se olvidar, ainda, a solidária
responsabilidade entre as corretoras e as seguradoras frente ao segurado
consumidor.
Registre-se que o egrégio Superior Tribunal de Justiça, no HC nº
37.419/PR, reconheceu a natureza de instituição financeira de empresa
corretora de seguros que, além da intermediação, realizava a “autogestão
de seguros”, autorizando o prosseguimento da persecução de suposto
crime previsto, em princípio, na Lei nº 7.492/86. Se, de um lado, a Corte
Superior não assentou, de forma expressa, o genérico enquadramento
de entidade corretora de seguros como instituição financeira, de outro,
também não afastou tal possibilidade.
Ademais, no próprio voto vencido é feita referência ao assentado
pela Colenda Oitava Turma deste Tribunal no julgamento do HC nº
2004.04.01.006573-2/PR, no sentido de que a atividade de corretagem
de seguros, nos termos da regulação prevista na Lei nº 4.594/64, é parte importante do processo de captação de adesão de seguros junto ao
mercado, integrando-a de modo essencial. Veja-se, nesse sentido, que
o artigo 18 da referida lei, estabelece: “as sociedades de seguros, por
suas matrizes, filiais, sucursais, agências ou representantes, só poderão
receber propostas de contrato de seguros: a) por intermédio de corretor
de seguros devidamente habilitado; b) diretamente dos proponentes ou
seus legítimos representantes.” É dizer, o processo de captação de seguros
não pode ser entendido sem a conclusão de que a atividade do corretor
é de fundamental relevância para seu adequado desenvolvimento.
É de se frisar, ainda, a existência de precedentes da Sétima Turma
deste Regional no sentido da desnecessidade da instituição financeira
ser regularmente constituída, para efeitos dos delitos do art. 4º, caput e
parágrafo único, da Lei nº 7.492/86. Está evidenciada, assim, inclusive
no âmbito jurisprudencial, a ampla proteção dada ao dinheiro popular
pela Lei de Crimes de Colarinho-Branco, de modo a ser indiferente, para
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fins criminais, o fato de a atividade de captação de seguros, mediante
corretagem, não estar expressamente prevista na Lei nº 4.595/64.
Dessa maneira, sendo a prática de fraudes e de atos temerários na
administração de empresa corretora de seguros hábil a atingir a credibilidade das instituições de crédito e o dinheiro de terceiros, tenho
como abarcada a atividade de corretagem de seguros na proteção penal
outorgada pela Lei nº 7.492/86.
Na espécie, é imputado ao embargante, na qualidade de sócio de
empresa corretora de seguros representante comercial de companhia
seguradora, a prática de diversas fraudes – em especial a falsificação de
apólices de seguro e de outros títulos em nome da seguradora – a partir
das quais apropriados valores que eram pagos pelos clientes a título de
prêmio.
Portanto, tratando-se de fraudes perpetradas no âmbito da administração de instituição financeira por equiparação (empresa corretora de
seguros – art. 1º, parágrafo único, inc. I, da Lei nº 7.492/86), as condutas
perpetradas pelo ora embargante enquadram-se no tipo do art. 4º, caput,
da Lei nº 7.492/86. Nesse sentido é o entendimento manifestado no voto
vencedor, o qual acompanho (fls. 313 e 315-316):
“(...) verifica-se que a conduta descrita na exordial acusatória – emissão de apólices
materialmente falsas, em nome da Seguradora Interbrazil, com quem mantinha relação
informal de representação comercial, no intuito de apropriar-se indevidamente dos
respectivos prêmios, utilizando-se, portanto, de forma fraudulenta da Brickel Corretora
de Seguros Ltda., da qual era sócio administrador, conforme contrato social de fls.
238-240 do IPL nº 221/2001, em apenso – enquadra-se na prática tipificada no art. 4º,
caput, do mesmo diploma legal em análise, verbis: ‘Gerir fraudulentamente instituição
financeira: Pena – Reclusão de 3 (três) a 12 (doze) anos, e multa’.
Com efeito, a doutrina define gestão fraudulenta nas seguintes letras:
‘(...) A administração marcada pela fraude, pelo ardil, por manobras desleais, em
regra com o objetivo de obter indevida vantagem para o próprio agente ou para outrem,
em prejuízo de terceiro de boa-fé (acionistas, sócios, credores etc). Seria, por exemplo,
a utilização de expedientes desonestos para desviar ativos da instituição, a simulação
de operações para mascarar resultados financeiros, a maquiagem de balanços para
ludibriar investidores, outras instituições financeiras ou ainda as próprias autoridades
encarregadas de fiscalizar o mercado. (...)’ (TORTIMA, José Carlos. Crimes Contra o
Sistema Financeiro Nacional. 2. ed. Lumen Júris. p. 33)
No caso sub judice, constata-se não só a elementar do tipo, consistente em uso de
fraude, mas também a sucessão de práticas contínuas e habituais realizadas em deter-
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minado contexto e lapso temporal.
(...)
De fato, após firmado acordo verbal de representação comercial entre a seguradora
e a corretora, em fevereiro de 1999, conforme notitia criminis de fls. 05-14 do inquérito
policial, o réu passou a emitir, em nome da primeira, porém sem a devida autorização,
apólices por ele próprio confeccionadas.
Alguns desses títulos são datados de 11.05.2000, 18.05.2000, 06.07.2000,
11.07.2000, conforme apólice nº 1.01.01.200005-750.002615/000, fls. 302-304, e Auto
de Apreensão (fls. 198-200) noticiando que a autoridade policial reteve
‘1. Uma (01) via original da Apólice de Seguro, datada de 11 de julho de 2000, tendo
como segurado a Prefeitura Municipal de Campina Grande do Sul, CNPJ/CPF nº
76.105.600/0001-86, capital subscrito e realizado no valor de R$ 25.001.115,00 (vinte
e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total de R$ 250,43 (duzentos e cinquenta reais e quarenta e três centavos), apólice nº 1.01.01.200007-750.003201/000,
corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 2. Uma (01) via original
da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Executante Construtor (SGEC) nº 1.01.01.200007-750.003201/000, (...); 3. Uma (01) via original de Recibo, em
papel timbrado da Interbrazil Seguradora, datado de 06 de julho de 2000, no valor de
R$ 276,06 (duzentos e setenta e seis reais e seis centavos) referente a pagamento da
apólice nº 1.01.01.200007-750.003189/000, no valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais)
efetuado pela Construtora Nascimento Ltda.; 4. Uma (01) cópia da Especificação anexa
da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente Licitante (SG-CL) nº 1.01.01.200007750.003343/000, da Interbrazil Seguradora, tendo como segurado o Sesc – Serviço
Social do Comércio; 5. Uma (01) via original da Apólice de Seguro, datada de 06 de
julho de 2000, tendo como segurado o Sesc – Serviço Social do Comércio, CNPJ/CPF
nº 33.469.164/0330-44, capital subscrito e realizado no valor de R$ 25.001.115,00
(vinte e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total de R$ 276,06 (duzentos
e setenta e seis reais e seis centavos), apólice nº 1.01.01.200007-750.003189/000, corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 6. Uma (01) via original da
Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente Licitante (SG-CL)
nº 1.01.01.200007-750.003189/000, (...); 7. Uma (01) cópia do Relatório Empresarial,
datado de 25.07.2000, com timbre da empresa Equifax, tendo no cabeçalho as seguintes
inscrições: ‘Informação de uso confidencial e intransferível do CGC 00.131.779/000184, gerada pela Interbrazil SEG S/A’; 8. Uma (01) via original da Apólice de Seguro,
datada de 18 de maio de 2000, tendo como segurado a Companhia de Saneamento do
Paraná – Sanepar, CNPJ/CPF nº 76.484.013/0001-45, capital subscrito e realizado no
valor de R$ 25.001.115,00 (vinte e cinco milhões, mil cento e quinze reais), prêmio total
de R$ 171,20 (cento e setenta e um reais e vinte centavos), apólice nº 1.01.01.200004750.002694/000, corretor Brickel Corretora de Seguros Interbrazil Seguradora; 9. Uma
(01) via original da Especificação anexa da Apólice de Seguro Garantia do Concorrente
Licitante (SG-CL) nº 1.01.01.200004-750.002694/000 (...).’
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A materialidade delitiva encontra-se cabalmente comprovada, ainda, pelo Laudo
de Exame Documentoscópico, fls. 325-330 do IPL, esclarecendo que, ‘embasados
nas divergências verificadas entre as características das apólices apresentadas como
autênticas e o espelho padrão, concluem os signatários que as apólices anexadas às fls.
201, 207, 211 e 303 são (...) falsificadas’.
Há também notícia nos autos acerca da emissão fraudulenta de vários outros títulos dessa natureza pelo denunciado, conforme relatórios elaborados pela Seguradora
Interbrazil, juntados às fls. 48-65 do inquérito.”
Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes,
nos termos da fundamentação.
É o voto.
VOTO DIVERGENTE
O Exmo. Sr. Juiz Federal Guilherme Beltrami: Peço vênia para
divergir do entendimento do eminente Relator, adotando como razões
de decidir a fundamentação esposada pelo Des. Federal Paulo Afonso
Brum Vaz, verbis:
“A conduta delitiva perpetrada por corretor de seguro não tem o condão de lesar
o bem jurídico tutelado pela Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, o
qual, segundo o escólio de Luiz Régis Prado (Direito Penal Econômico. São Paulo:
RT, 2004. p. 212), é, fundamentalmente, o sistema financeiro nacional, consistente no
conjunto de instituições (monetárias, bancárias e sociedades por ações) e do mercado
financeiro (de capitais e valores mobiliários).
Muito embora tenha participado do precedente invocado pelo Des. Federal Élcio
Pinheiro de Castro (HC nº 2004.04.01.006573-2/PR, Oitava Turma, DJ de 16.06.2004),
é forçoso reconhecer que tal decisão não se coaduna ao caso sub examine, especialmente
porque o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, ao examinar a tese de equiparação do
corretor de seguros à instituição financeira, nos autos do HC 37.419/PR (Quinta Turma,
Rel. Min. Gilson Dipp, DJ de 16.11.2004), ressaltou que somente com a devida apuração
dos fatos e provas é que se poderá averiguar, com certeza, a tipicidade.
Naquela ocasião, ficou assentado neste Colegiado que a atividade de corretagem
de seguros, nos termos da regulação prevista na Lei nº 4.594/64, é parte importante do
processo de captação de adesão de seguros junto ao mercado, integrando-a de modo
essencial. Veja-se, nesse sentido, que o artigo 18 da referida lei estabelece: ‘as sociedades de seguros, por suas matrizes, filiais, sucursais, agências ou representantes, só
poderão receber propostas de contrato de seguros: a) por intermédio de corretor de
seguros devidamente habilitado; b) diretamente dos proponentes ou seus legítimos
representantes’. É dizer, o processo de captação de seguros não pode ser entendido
sem a conclusão de que a atividade do corretor é de fundamental relevância para seu
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adequado desenvolvimento.
No entanto, a conduta imputada ao ora apelante – apropriação dos prêmios por meio
dos mais diversos meios fraudulentos – não tinha potencialidade lesiva para atingir o
núcleo da atividade financeira tutelado pela Lei dos Crimes do Colarinho-Branco.
Em que pese o artigo 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 7.492/86 equipare à
instituição financeira a pessoa jurídica que capte ou administre seguros, é de rigor
observar que tal captação de seguros, mediante corretagem, não está prevista expressamente na denominada Lei da Reforma Bancária.
Com efeito, segundo o artigo 17 da Lei nº 4.595/64, consideram-se instituições
financeiras, para os efeitos da legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou
privadas, que tenham como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação
ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou
estrangeira, e a custódia de valor de propriedade de terceiros. Outrossim, conforme o
parágrafo único do art. 17 desse diploma legal, equiparam-se às instituições financeiras
as pessoas físicas que exerçam qualquer das atividades referidas neste artigo, de forma
permanente ou eventual.
Além disso, as corretoras de seguros não foram mencionadas no art. 18, § 1º, da
Lei 4.595/64:
‘Art. 18. As instituições financeiras somente poderão funcionar no País mediante
prévia autorização do Banco Central da República do Brasil ou decreto do Poder Executivo, quando forem estrangeiras.
§ 1º Além dos estabelecimentos bancários oficiais ou privados, das sociedades de
crédito, financiamento e investimentos, das caixas econômicas e das cooperativas de
crédito ou da seção de crédito das cooperativas que a tenham, também se subordinam às
disposições e disciplina desta lei no que for aplicável, as bolsas de valores, companhias
de seguros e de capitalização, as sociedades que efetuam distribuição de prêmios em
imóveis, mercadorias ou dinheiro, mediante sorteio de títulos de sua emissão ou por
qualquer forma, e as pessoas físicas ou jurídicas que exerçam, por conta própria ou de
terceiros, atividade relacionada com a compra e a venda de ações e outros quaisquer
títulos, realizando nos mercados financeiros e de capitais operações ou serviços de
natureza dos executados pelas instituições financeiras.’
De outra banda, Fábio Ulhoa Coelho (Manual de Direito Comercial. São Paulo:
Saraiva, 2007. p. 483) esclarece que o pagamento dos prêmios deve ser feito obrigatoriamente na rede bancária (grifei):
‘Há grande ingerência do Estado na disciplina do seguro, por meio das autoridades
securitárias, que exercem permanente fiscalização sobre as seguradoras, as operações
desenvolvidas e as próprias condições dos contratos. Para se ter uma ideia da extensão
do controle a que se encontra submetida a exploração dessa atividade econômica no
Brasil, registre-se que o pagamento dos prêmios deve ser feito, obrigatoriamente, por
meio da rede bancária (Lei n. 5.627/70, art. 8º [A cobrança de prêmios de seguros
será feita, obrigatoriamente, através de instituição bancária, de conformidade com as
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disposições da Susep em consonância com o Banco Central do Brasil]).’
Como se pode ver, o corretor de seguros sequer pode guardar os valores pagos
pelos segurados a título de prêmio. Assim, considerando que tais corretoras, segundo
a definição dada por Eduardo Fortuna (Mercado Financeiro: produtos e serviços. Rio
de Janeiro: Qualitymark, 2005. p. 443), são instituições que intermedeiam o relacionamento das seguradoras com os segurados, fica sobejamente evidenciado que esses
profissionais não realizam intermediação de recursos financeiros. A propósito disso,
o acervo probatório carreado aos autos revela que a companhia seguradora InterBrazil
constava como cedente nos boletos bancários (v.g. fls. 44, 50, 62-9 do IPL), e não o
corretor denunciado.
Portanto, a eventual obtenção de valores pertencentes à referida seguradora pelo réu,
que sequer deveriam ser restituídos aos segurados, mediante a utilização de diversos
expedientes ardilosos, não se subsume às condutas tipificadas pela Lei nº 7.492/86, seja
ela a gestão fraudulenta (v.g. TRF 4ª Região, ACR nº 2002.04.01.021401-7/PR, Sétima
Turma, Rel. Des. Federal José Luiz Borges Germano da Silva, DJU de 23.07.2003),
seja a apropriação indébita financeira (v.g. TRF da 2ª Região, ACR 2770/RJ, Sexta
Turma, Rel. Des. Federal Sergio Schwaitzer, DJU de 14.06.2004).
Desse modo, impõe-se a desclassificação para o crime de estelionato, sobretudo
quando Rodolfo Tigre Maia (Dos crimes contra o Sistema Financeiro Nacional. São
Paulo: Malheiros, 1999. p. 32-3) frisa que o artigo 1º da LCSFN delimita o campo de
incidência da tipicidade penal, fulcrando-o na presença de uma estrutura organizacional
e funcional designada por instituição financeira.
Tendo em vista a inexistência de lesão a bens e interesses da União, compete à
Justiça Estadual processar e julgar o presente feito. Consequentemente, conforme já
observou esta Turma Julgadora ao apreciar a ACR nº 2005.72.06.002009-3/SC (Rel.
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DE 19.04.2007),
‘ainda que a competência em razão da matéria seja absoluta, a jurisprudência dos
Tribunais Superiores admite a ratificação do recebimento da denúncia pelo juízo competente. A propósito, o Pretório Excelso já teve a oportunidade de consignar que ‘tanto
a denúncia quanto o seu recebimento emanados de autoridade incompetente ratione
materiae são ratificáveis no juízo competente (arts. 108, § 1º, 567 e 568 do CPP)’
(RT 492/421). Com efeito, ‘recebida a denúncia por magistrado incompetente, a sua
ratificação pelo juízo competente convalida o ato anterior’ (STJ, 5ª Turma, EDRHC
nº 2793/SP, Rel. Ministro Cid Flaquer Scartezzini, DJU 22.11.1993).’ (destacou-se)
Ora, o vocábulo convalidar, como é cediço, possui o significado de tornar válido,
para os devidos fins, algo que, a princípio, encontrava-se viciado. Dessa forma, o ato de
acolhimento da peça incoativa procedido por juízo materialmente incompetente, desde
que ratificado (expressão aqui empregada na acepção de convalidação), produz todos os
efeitos a que se destina, inclusive o de interrupção do curso do prazo prescricional.
Nesse contexto, preservada a eficácia da decisão que recebeu a denúncia, ante a
possibilidade de sua ratificação, declaro nulos todos os atos decisórios praticados no
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ínclito juízo de origem após o recebimento da inaugural, especificamente a r. sentença. É atribuição do Juiz de Direito a quem for distribuído o feito, ademais, avaliar o
eventual aproveitamento dos demais atos com carga não decisória ultimados no iter
da instrução criminal.
Não obstante o transcurso de mais de seis anos do recebimento da denúncia, cumpre
salientar que, diante da nebulosa atuação do réu (corretor) e da vítima (seguradora)
na realização dos fatos ilícitos descritos na peça incoativa, deve prevalecer a recente
orientação da Colenda Quarta Seção desta Corte (AP nº 1998.04.01.020559-0, Rel. p/
acórdão Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, j. 18.09.2008) no sentido de que descabe
ao juízo absolutamente incompetente declarar a prescrição em perspectiva quando houver a possibilidade de um eventual decreto absolutório perante o juízo competente.
Em face do exposto, com a devida vênia do eminente Relator, voto por desclassificar
a conduta descrita na denúncia para o crime de estelionato e determinar a remessa dos
autos à Justiça Estadual da Comarca de Curitiba-PR.”
Ante o exposto, voto por dar provimento aos embargos infringentes
para, mantendo o voto vencido proferido pelo Des. Federal Paulo Afonso
Brum Vaz, desclassificar a conduta descrita na denúncia para o crime
de estelionato e determinar a remessa dos autos à Justiça Estadual da
Comarca de Curitiba-PR.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 2001.70.03.001572-3/PR
Relator: O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz
Apelante: L.C.P.S. – réu preso
Advogado: Defensoria Pública da União
Apelado: Ministério Público Federal
EMENTA
Penal. Processo penal. Roubo perpetrado contra banco privado, banco organizado sob a forma de sociedade de economia mista e agência
franqueada pelos Correios. Incompetência da Justiça Federal.
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O processo e o julgamento de roubos perpetrados contra o Banco do
Brasil S/A, sociedade de economia mista, bem como contra o União de
Bancos Brasileiros S/A – Unibanco, instituição financeira totalmente
privada, são da competência da Justiça Estadual.
Também é da Justiça Estadual a competência para o processo e o
julgamento de roubos perpetrados contra agências franqueadas pelos Correios, empresas totalmente privadas, delitos esses que não se confundem
com os crimes perpetrados diretamente contra a Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos – ECT, esta sim uma empresa pública.
Impõe-se, portanto, a anulação, por incompetência absoluta, da sentença proferida pelo juízo federal. Ademais, já tendo havido declinação
da competência pelo juízo estadual, suscita-se conflito negativo de competência perante o egrégio Superior Tribunal de Justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, suscitar questão de ordem, solvendo-a no sentido de
anular todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a quo e no sentido
de suscitar conflito negativo de competência ao Superior Tribunal de
Justiça, para onde deverão os autos ser encaminhados, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de setembro de 2009.
Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz: Cuidam os presentes
autos de ação penal em que a L.C.P.S., ora Apelante, é imputada a prática
do crime de roubo, na forma do artigo 157, caput e § 2º, incisos I e II,
do Código Penal.
Apensado a este feito encontra-se a Ação Penal nº 2003.70.03.009168-0,
inicialmente em trâmite na Justiça Estadual do Estado do Paraná, no âmbito da qual o Recorrente responde pela prática do mesmo delito (artigo
157, caput e § 2º, incisos I e II) em concurso material (artigo 69 do Código
Penal), haja vista a sua prática, em tese, por 3 (três) ocasiões distintas.
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A denúncia (fls. 02-04) oferecida pelo Ministério Público Federal
nesta primeira ação veicula o seguinte fato:
“Consta do presente caderno investigatório que em data de 22 de setembro de
2000, por volta de 13h30min, o denunciado L.C.P.S., acompanhado de um indivíduo
não identificado, compareceu na agência dos Correios Franqueada ‘Avenida Mauá’,
situada nesta cidade de Maringá, na confluência das Avenidas Mauá e Pedro Taques,
e, mediante o uso de arma de fogo, dominou os presentes, permanecendo o elemento
não identificado na porta do estabelecimento enquanto o denunciado L.C.P.S. passou
a arrecadar as ‘res furtivas’.
Foi subtraída do local pelo denunciado L.C.P.S. e por seu comparsa, não identificado,
a importância de R$ 1.769,62 (um mil, setecentos e sessenta e nove reais e sessenta e
dois centavos), sendo R$ 176,87 (cento e setenta e seis reais e oitenta e sete centavos)
retirados dos caixas e R$ 1.592,75 (um mil, quinhentos e noventa e dois reais e setenta
e cinco centavos) que se encontravam no cofre.
Além disso, o denunciado L.C.P.S. subtraiu de Rosa Elias, proprietária da citada
loja franqueada da ECT, um cordão de ouro (80 gramas com o pingente), acompanhado
de um pingente com brilhantes (face de Cristo), orçado em R$ 2.500,00 (dois mil e
quinhentos reais), atingindo a res furtiva (dinheiro e joia) o total de R$ 4.269,62 (quatro
mil, duzentos e sessenta e nove reais e sessenta e dois centavos).
Submetido a reconhecimento pessoal, o denunciado L.C.P.S. foi reconhecido por
Rosa Elias e Mônica Rodrigues Lopes, respectivamente proprietária e funcionária da loja
franqueada da ECT da Avenida Mauá, como sendo um dos autores do fato delituoso.
A materialidade delitiva consubstancia-se nos documentos de fls. 08-12 e 25 e nos
autos de reconhecimento pessoal (fls. 42-43 e 44-45).
Assim procedendo, incorreu o denunciado L.C.P.S. nas penas do artigo 157, caput
e § 2°, incisos I e II, do Código Penal Brasileiro.”
Já a peça incoativa encartada às fls. 02-06 dos autos nº
2003.70.03.009168-0, que deflagrou a segunda ação em face do Apelante, foi deduzida pelo Ministério Público paranaense nos seguintes
termos, verbis:
“No dia 25 de abril de 2000, por volta das 13h30min, no posto de atendimento do
Banco do Brasil S/A, que fica dentro da Empresa Cocamar Participações S/A, localizada na Estrada Osvaldo Moraes Correia, n° 1000, Parque Industrial, neste Município
e Comarca, o denunciado L.C.P.S. e um indivíduo não identificado, de nome Edilson,
previamente acordados, adentraram no local, ambos com capacetes nas mãos, retiraram
os revólveres calibre 38 de dentro dos capacetes, colocaram os capacetes na cabeça, e
o indivíduo Edilson apontou a arma para o funcionário Joel Aparecido Dantas e, mediante grave ameaça, mandou que ele pegasse a chave da máquina de saque automático
e se dirigisse até esta, o que foi feito, e então o denunciado Edilson ajudou a pegar o
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dinheiro, o qual foi colocado em uma valise 007 preta. O denunciado L.C.P.S., que
ficou nos fundos da agência, mediante ameaça exercida com a arma em punho, rendeu
o vigilante Antonio Rodrigues Alves e subtraiu, para ambos, o revólver calibre 38 que
estava com o vigia, pertencente à empresa Ondrepsb Serviço de Guarda e Vigilância
Ltda., localizada em Coronel Alves-SC.
Os denunciados determinaram aos clientes (dois adultos, acompanhados de uma
criança) que ficassem quietos e não olhassem e, na sequência, renderam também a
funcionária Geni Aparecida Strabelli Bertonani, que chegou ao local, e pegaram o
dinheiro do caixa dela.
Assim, o denunciado e seu comparsa subtraíram para si aproximadamente R$
5.000,00 em dinheiro (pertencente ao Banco do Brasil S/A) e o revólver calibre 38,
pertencente à Empresa Ondrepsb Serviço de Guarda e Vigilância Ltda., localizada em
Coronel Alves-SC, e fugiram do local em uma motocicleta Honda Titan. A res furtiva
não foi apreendida.
No dia 22 de setembro de 2000, por volta das 13h30min, na Agência franqueada
dos Correios localizada na Avenida Mauá, n° 2694, neste Município e Comarca, o
denunciado L.C.P.S., previamente acordado com um indivíduo de nome Edilson,
não identificado, adentrou na Agência, com um capacete levantado na altura da testa,
passou por baixo da porta do balcão, chegou à mesa da vítima Rosa Elias, proprietária da Empresa, empunhando uma pistola cromada, e deu voz de assalto a ela, em
tom baixo, para não chamar a atenção das demais pessoas, e, mediante grave ameaça
exercida com a arma de fogo, determinou que ela lhe entregasse um cordão em ouro
com um pingente face de Cristo com brilhantes, pesando 80 gramas (não apreendido),
que estava em seu pescoço, e também o dinheiro. Então ela foi ao cofre e entregoulhe aproximadamente R$ 1.700,00, que o denunciado colocou dentro de uma bolsa de
escola do Colégio Positivo, que ele segurava, e, antes de sair, o denunciado abriu um
dos caixas e pegou o dinheiro encontrado, sendo que durante todo o tempo o indivíduo Edilson ficou na porta dando cobertura ao denunciado e segurando um revólver,
com um capacete na cabeça. Assim, o denunciado e seu comparsa subtraíram para si
o cordão com o pingente, avaliado em R$ 1.900,00 (fl. 43), e mais R$ 1.769,62 em
dinheiro, totalizando R$ 3.369,62, e fugiram do local em uma motocicleta. A vítima
não recuperou seus pertences.
No dia 25 de setembro de 2000, por volta das 15h, na Agência Centro Médico do
Unibanco, localizada na Avenida Parigot de Souza, esquina com a Rua Néo Alves
Martins, Zona 04, neste Município e Comarca, o denunciado L.C.P.S., previamente
acordado com o indivíduo de nome Edilson, não identificado, adentraram no local, e o
denunciado tirou de dentro de uma bolsa de escola com a inscrição ‘Positivo’ uma pistola
cromada, deu voz de assalto ao vigilante Sérgio Ramalho e, mediante grave ameaça,
subtraiu para si o revólver que estava com o vigia e, depois, dirigiu-se às funcionárias
Leslie Daniele da Silva e Danielly Kristine Candiani Maganha Lopes, que estavam
nos caixas, e disse, ameaçando: ‘passe o dinheiro senão estouro suas cabeças’. Então
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as vítimas abriram as gavetas e entregaram todo o dinheiro para o denunciado, o qual
ordenou que elas fossem ao caixa eletrônico na parte da frente da agência e abrissem-no,
o que foi feito, e as vítimas entregaram para ele todo o dinheiro do caixa eletrônico e,
na sequência, o denunciado fugiu com seu comparsa, que permaneceu durante todo o
tempo no local dando cobertura, com um capacete na cabeça e empunhando uma arma.
Assim, o denunciado subtraiu para si aproximadamente R$ 9.600,00 pertencentes ao
Unibanco e o revólver Taurus calibre 38, cinco tiros, n° 9087181, pertencente à Empresa
Principal Vigilância S/C Ltda., avaliado em R$ 380,00 (fl. 116).
Assim procedendo, incidiu o denunciado L.C.P.S. nas penas do artigo 157, § 2°, I e II
(3x), c.c. art. 69, ambos do Código Penal, razão pela qual se oferece a presente denúncia,
que se espera seja recebida, para o fim de se promover a instauração da respectiva ação
penal, requerendo-se a citação pessoal do denunciado, sob pena de revelia, para ser
interrogado e acompanhar o feito em todos os seus termos, seguindo-se o procedimento
a seus ulteriores termos, até final condenação nas penas que lhe couber.”
A inicial acusatória no processo nº 2001.70.03.001572-3 foi recebida em 18.09.2001 (fl. 05); no processo nº 2003.70.03.009168-0, em
20.05.2002 (fl. 130 do apenso).
Os dois feitos tiveram regular tramitação, inclusive no que toca ao
último, com o reconhecimento de incompetência (fls. 196-199 do apenso)
e remessa dos autos à Justiça Federal, além de pedido de unificação pelo
Parquet, o que foi deferido pelo Juízo (fl. 103 deste caderno e fl. 214 do
apenso) sem oposição da defesa.
Adveio sentença única (fls. 121-125-verso), publicada aos 26.04.2005
(fl. 126). As acusações foram julgadas procedentes, sendo o Réu condenado com base no artigo 157, § 2º, incisos I e II, do Código Penal,
e aplicadas as seguintes penas: (a) privativa de liberdade de 12 (doze)
anos de reclusão, em regime fechado; e (b) 20 (vinte) dias-multa, cada
qual correspondendo a 01 (um) salário mínimo mensal vigente à época
dos fatos, atualizado na ocasião da execução pelos índices oficiais de
correção monetária.
Por defensor dativo, o Réu apelou tempestivamente (fls. 142-152). As
razões recursais afirmam, em preliminar, a nulidade da sentença (ou, no
mínimo, do processo, a partir do ato que interessa) por ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório, uma vez que a defesa constituída
precedentemente deixara de se manifestar ao ensejo de alegações finais
e também quando instada a falar sobre a não localização de testemunha,
produzindo com isso real prejuízo ao Réu.
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Ainda em sede preliminar, o recurso assevera ofensa ao princípio
do promotor natural, na medida em que a denúncia ofertada nos autos
nº 2003.70.03.009168-0 por órgão do Ministério Público de Estadomembro não teria sido expressamente ratificada pelo órgão do Parquet
Federal. Nesse particular, tampouco os correspondentes atos processuais
o teriam sido.
No mérito, em síntese, o apelo aduz que não há provas suficientes aos
fins de sustentar a condenação. A única testemunha de acusação ouvida
(fl. 41) afirmou que no primeiro momento não reconheceu o Réu e que
os assaltantes usavam capacetes de motociclistas. Este, ademais, não foi
preso com qualquer produto do roubo, aliado ao fato de que sempre negou
a autoria delitiva. Seria, assim, caso de aplicação do princípio in dubio
pro reo. Pugna, ao final, pela absolvição ou, ao menos, pela redução da
reprimenda aplicada.
Com contrarrazões (fls. 156-163-verso), subiram os autos a este
Tribunal, perante o qual o representante do Ministério Público Federal
apresentou parecer (fls. 173-181) pelo desprovimento da apelação.
Verificando-se a assistência do Réu por defensor dativo, determinouse o encaminhamento dos autos à Defensoria Pública da União, o que se
produziu, não havendo qualquer requerimento (fl. 186).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz: Inicialmente, cabe
destacar que o artigo 109, inciso IV, da Constituição Federal assim
preconiza:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(...)
IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens,
serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas,
excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça
Eleitoral;”
À luz desse dispositivo, o processo e o julgamento de roubos perpetrados
contra o Banco do Brasil S/A, que é uma sociedade de economia mista, e
contra o União de Bancos Brasileiros S/A – Unibanco, que é uma instituição
financeira totalmente privada, são da competência da Justiça Estadual.
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Também é da Justiça Estadual a competência para o processo e julgamento de roubos perpetrados contra agências franqueadas pelos Correios,
que são empresas totalmente privadas. Tais delitos, na realidade, não se
confundem com os crimes perpetrados diretamente contra a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, esta sim uma empresa pública.
Confiram-se, a respeito das empresas franqueadas pela ECT, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ROUBO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA
COMETIDOS, INCLUSIVE, CONTRA AGÊNCIA FRANQUEADA DA ECT. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ECT. PREVISÃO EM CLÁUSULA CONTRATUAL.
INEXISTÊNCIA DE CONEXÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I. Compete à Justiça Estadual o processo e o julgamento de possível roubo de bens
de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo em vista
que, nos termos do respectivo contrato de franquia, a franqueada responsabiliza-se por
eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora,
não se configurando, portanto, real prejuízo à Empresa Pública.
II. Não evidenciado o cometimento de crime contra os bens da EBCT, não há que
se falar em conexão de crimes de competência da Justiça Federal e da Justiça Estadual,
a justificar o deslocamento da competência para a Justiça Federal.
III. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 15ª Vara
Criminal de Cuiabá/MT, o Suscitado.” (CC 40561/MT, Relator Ministro Gilson Dipp,
Terceira Seção, DJU de 08.03.2004, p. 169)
“PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. AGÊNCIA FRANQUEADA. ROUBO
MAJORADO. TENTATIVA.
A Justiça Estadual é competente para processar e julgar a tentativa de roubo praticada contra bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos, quando não houver qualquer prejuízo a bens ou
serviços da União.
Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Estadual, o suscitado.”
(CC 27343/SP, Relator Ministro Felix Fischer, Terceira Seção, DJU de 24.09.2001,
p. 235)
“PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ECT. AGÊNCIA FRANQUEADA.
FURTO.
1. Compete à Justiça Estadual processar e julgar crime de roubo praticado contra
bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada pela Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos, quando não houver prejuízo a bens ou serviços da empresa
pública federal.
2. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 2ª Vara CriR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
101
minal de Feira de Santana-BA, o Juízo suscitado.” (CC 19508/BA, Relator Ministro
Fernando Gonçalves, Terceira Seção, DJU de 29.03.1999, p. 73)
“PENAL. COMPETÊNCIA. DANO. AGÊNCIA FRANQUEADA DE CORREIOS
E TELÉGRAFOS. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO A BENS OU SERVIÇOS DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS.
– A Justiça Estadual é competente para processar e julgar crime de dano praticado
contra bens integrantes do acervo patrimonial de agência franqueada da Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos, quando não houver qualquer prejuízo a bens ou
serviços da empresa pública federal.
– A simples locação da coisa pelo Poder Público não serve para caracterizar a
qualificadora prevista no inc. III do art. 163 do Código Penal.
– Conflito conhecido. Competência do Juízo Estadual, o suscitado.” (CC 20387/SP,
Relator Ministro Vicente Leal, Terceira Seção, DJU de 08.09.1998, p. 18)
Ora, no presente caso, o réu foi denunciado por ter subtraído bens de
empresa franqueada pela ECT, e não bens desta última. Foram subtraídos,
consoante a denúncia, R$ 176,87 (cento e setenta e seis reais e oitenta e
sete centavos) dos caixas da empresa franqueada e R$ 1.592,75 (um mil,
quinhentos e noventa e dois reais e setenta e cinco centavos) do cofre
da empresa franqueada. Além disso, um cordão de ouro foi subtraído da
proprietária da empresa franqueada.
Não há como atribuir-se à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT o prejuízo decorrente do roubo do numerário da franqueada,
ainda que esta devesse pagar-lhe determinadas quantias. O roubo não
afasta a obrigação da empresa franqueada de pagar encargos contratuais
à ECT.
No que tange, especificamente, às agências franqueadas pela Empresa
Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, reporto-me, ainda, ao seguinte trecho do voto condutor do Conflito de Competência nº 40561/MT,
da autoria do Relator, Ministro Gilson Dipp (Terceira Seção, DJU de
08.03.2004, p. 169):
“Segundo o posicionamento firmado por esta Corte, cabe à empresa franqueada da
ECT responsabilizar-se por eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de
bens cedidos pela franqueadora – havendo, inclusive, cláusula expressa sobre tal ônus
no respectivo contrato de franquia.
Nesse sentido, trago à colação:
‘CONFLITO DE COMPETÊNCIA. POSSÍVEL ROUBO DE BENS DE AGÊNCIA
FRANQUEADA DA ECT. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO À ECT. PREVISÃO EM
102
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CLÁUSULA CONTRATUAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL.
I. Compete à Justiça Estadual o processo e o julgamento de possível roubo de bens
de agência franqueada da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tendo em vista
que, nos termos do respectivo contrato de franquia, a franqueada responsabiliza-se por
eventuais perdas, danos, roubos, furtos ou destruição de bens cedidos pela franqueadora,
não se configurando, portanto, real prejuízo à Empresa Pública.
II. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo de Direito da 7ª Vara Criminal de Nova Iguaçu/RJ.’ (CC nº 22.750/RJ, de minha relatoria, DJ 05.04.1999)
Assim, consequentemente, não há que se falar, in casu, em conexão de crimes de
competência da Justiça Federal e da Justiça Comum, a justificar o deslocamento da
competência para a Justiça Especializada.”
Assinalo que, consoante a denúncia: a) o roubo perpetrado contra o
Banco do Brasil S/A ocorreu em 25.04.2000; b) o roubo perpetrado contra
a agência franqueada dos Correios ocorreu em 22.09.2000; e c) o roubo
perpetrado contra a agência do Unibanco ocorreu em 25.09.2000.
Assim, a meu sentir, não se está diante de caso da competência da
Justiça Federal, à qual somente cabe processar e julgar crimes nos casos
previstos na Constituição Federal ou crimes conexos a estes.
Saliento que, conforme já mencionado no relatório, a denúncia havia
sido oferecida, em relação aos três delitos, perante a Justiça Estadual
(autos do processo nº 2003.70.03.009168-0, apensos).
Ao prolatar a sentença (autos do processo nº 2003.70.03.009168-0,
apensos), o MM. Juiz de Direito a quo declinou da competência para
processar e julgar a causa, em favor da Justiça Federal (fls. 194-197 dos
referidos autos).
Paralelamente, o Ministério Público Federal havia oferecido denúncia,
nestes autos (processo nº 2001.70.05.03.001572-3), apenas em relação
ao roubo perpetrado contra a agência franqueada dos Correios.
Com a reunião dos feitos, ambos passaram a tramitar com a numeração atinente aos autos do processo nº 2001.70.03.001572-3 (autos
deste processo), e uma única sentença foi prolatada, condenando o réu
pela prática dos três delitos antes mencionados. Convém assinalar,
especificamente com relação ao roubo perpetrado contra a agência
franqueada dos Correios – que havia sido objeto de denúncia oferecida
perante a Justiça Federal e, também, perante a Justiça Estadual –, que
não ocorreu dupla condenação, pois a sentença pronunciou, em relação à segunda denúncia, pelo mesmo fato – ofertada perante a Justiça
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Estadual –, a litispendência.
Com essas considerações, e tendo em vista (a) que a competência para
processar e julgar a causa é, a meu sentir, da Justiça Estadual, com relação
aos três fatos, (b) que a Justiça Estadual declinou dessa competência, (c)
que já foi prolatada sentença por Juiz Federal e (d) que a incompetência
da Justiça Federal, in casu, é absoluta, pois só lhe compete processar e
julgar crimes mediante previsão constitucional expressa, tenho que se
impõe a anulação de todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a
quo, assim como a suscitação de conflito perante o Superior Tribunal
de Justiça.
Assinalo que o réu está preso, mas que sua prisão (fl. 182 dos autos
do processo nº 2003.70.03.009168-0, apensos) decorre de outras condenações, no âmbito da Justiça Estadual.
Ante o exposto, voto por suscitar questão de ordem, solvendo-a no
sentido de anular todos os atos decisórios praticados pelo Juízo a quo
e no sentido de suscitar conflito negativo de competência ao Superior
Tribunal de Justiça, para onde deverão os autos ser encaminhados.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.04.00.019539-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz
Impetrante: R.C.F.
Advogado: Dr. Daniel Gerber
Impetrado: Juízo Substituto da 1ª VF Criminal SFN e JEF Criminal de
Porto Alegre
Interessado: Ministério Público Federal
Interessado: C.C.M.A.
Advogados: Drs. Thadeu Luiz Dutra Feijó e outro
Interessada: S.R.S.
Advogado: Dr. Fabricio Guazzelli Peruchin
Interessadas: R.I.S. e R.J.S.
Advogado: Dr. José Antonio Paganella Boschi
Interessado: M.L.C.
Advogado: Dr. Danilo Knijnik
Interessado: M.J.P.
Interessado: R.A.C.G.
Advogado: Dr. Luís Arthur Aveline de Oliveira
Interessado: M.O.B.
Advogado: Dr. Renato Kilden F. das Neves
Interessado: L.C.A.A.
Advogado: Dr. Renato Yasuo Matsumura Nakahara
Interessado: M.F.V.
Advogado: Dr. Marcelo Bidone de Castro
Interessado: J.C.M.S.
Advogado: Dr. Paulo Augusto da Silveira
Interessado: S.W.M.F.G.
Advogada: Dra. Cristiane Corrêa da Costa
EMENTA
Mandado de segurança. Processual penal. Medidas assecuratórias.
Sentença absolutória superveniente. Revogação das medidas cautelares. Constitucionalização do Código de Processo Penal. Presunção de
inocência.
Prolatada sentença penal absolutória, devem ser imediatamente revogaR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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das as medidas assecuratórias decretadas pelo juízo criminal, nos termos
do artigo 386, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Penal,
com a redação dada pela Lei nº 11.690/2008, porquanto, na tensão estabelecida entre a efetividade do processo penal e o princípio constitucional
da presunção de inocência, há de ser prestigiado esse direito fundamental
consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição da República.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Colenda 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, conceder a segurança, nos termos do relatório, votos
e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 26 de agosto de 2009.
Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Relator.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Federal Cláudia Cristina Cristofani: Cuida-se
de mandado de segurança, desprovido de pedido de liminar, que R.C.F.
impetra contra ato do Juízo Substituto da 1ª Vara Federal Criminal de
Porto Alegre que, nos autos da Ação Penal nº 2004.71.00.037133-4,
indeferiu o pedido de devolução dos bens apreendidos e levantamento
das medidas assecuratórias.
Argumenta o impetrante, em síntese, que a negativa de liberação dos
bens viola os princípios constitucionais da presunção da inocência e da
proporcionalidade, assim como nega vigência ao artigo 386, parágrafo
único, inciso II, do CPP, com a nova redação. Transcreve artigo doutrinário que sustenta a inconstitucionalidade da manutenção das medidas
cautelares quando existente sentença penal absolutória, mesmo que tal
não tenha transitado em julgado.
Requer, assim, a liberação de todos os bens e valores que lhe tenham
sido obstados em virtude do processo nº 2004.71.00.037133-4.
A autoridade impetrada prestou informações (fls. 94-95).
Opinou a Procuradoria Regional da República da 4ª Região, em
parecer firmado pelo Dr. Osvaldo Capelari Júnior, pela denegação da
ordem (fls. 98-103).
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Em 23.07.2009, o impetrante requereu a imediata inclusão em pauta
(fls. 108-109).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz: Primeiramente,
cabe salientar que, conforme consulta processual acostada à fl. 17, o
MPF efetivamente recorreu da sentença que absolveu o ora impetrante
em razão de os fatos não constituírem infração penal (art. 386, inciso
III, do CPP – fl. 79). Assim, configurado o interesse de agir, deve ser
conhecido o presente mandamus impetrado contra a decisão abaixo
transcrita (fls. 83-84):
“[...] 1 R.C.F.
A decisão embargada determinou que os bens apreendidos sejam devolvidos e as
medidas assecuratórias, levantadas após o trânsito em julgado da absolvição. Houve
menção aos artigos do Código de Processo Penal que dessa forma determinam (arts.
118, 131, inciso III, e 141).
O que o embargante está sustentando é que, por força da alteração do art. 386, parágrafo único, inciso II, do Código de Processo Penal, promovida pela Lei 11.690/2008,
os dispositivos que fundamentaram a sentença estariam implicitamente revogados.
A revogação implícita defendida pelo embargante não é evidente. As revogações
devem ser expressas, como manda o art. 9º da Lei Complementar 95/98:
‘Art. 9º A cláusula de revogação deverá enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas.’
A Lei 11.690/2008 nem sequer contém cláusula de revogação dentre seus três
artigos. Em verdade, essa lei é exclusivamente alteradora do CPP, sem vocação de
revogar dispositivos. Ou seja, o que presume é que a lei convive com as disposições
do CPP que não foram alteradas.
A revogação, portanto, não é óbvia. A parte que defende a tese recebe o ônus argumentativo de sustentá-la. No caso, o embargante defendia-se postulando a absolvição.
Era seu ônus argumentar, antes da sentença, acerca das consequências imediatas da
absolvição sobre o patrimônio apreendido/sequestrado/arrestado.
Nesse contexto, o juízo não está obrigado a analisar a tese lançada apenas em
embargos de declaração, inexistindo qualquer omissão, contradição ou erro material
nessa parte da sentença.
Entretanto, para evitar qualquer alegação de cerceamento de defesa, analiso a tese,
ainda que brevemente e sem me comprometer com minhas próprias ponderações de
forma permanente.
A nova redação do art. 386, parágrafo único, inciso II, do CPP determina que o juiz,
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na sentença absolutória, ‘ordenará a cessação das medidas cautelares e provisoriamente
aplicadas’. Atualmente, o CPP não fala em medidas cautelares.
Parece que a explicação para a introdução desse dispositivo – sem um escopo de
aplicação evidente e sem revogação dos dispositivos que tratam da manutenção de medidas de constrição de patrimônio até o trânsito em julgado – está no processo legislativo.
O projeto de lei que deu origem à Lei 11.690/2008 (PL 4.205/01) foi apresentado pelo
Presidente da República em 12/03/2001. Simultaneamente, foram apresentados outros
projetos de lei de alteração da legislação penal e processual penal.
A apresentação de ‘pacote’ contendo vários projetos autônomos sobre temas conexos
(direito penal e processual penal) foi justificada por razões de eficiência do processo
legislativo. Acreditou-se que a chamada ‘reforma fatiada’ permitia maior agilidade nas
deliberações e aprofundamento do debate. Essa técnica legislativa heterodoxa leva à
necessidade de parâmetros de interpretação compatíveis a ela. Muito embora os projetos sejam autônomos, foram pensados em conjunto e para interagir entre si. Assim,
a investigação do escopo de aplicação de um dispositivo introduzido por um projeto
já aprovado não prescinde da verificação de sua interação com os outros projetos que
foram apresentados no pacote da reforma fatiada.
Um dos projetos apresentados foi o PL 4.208/2001, o qual ainda tramita no Congresso Nacional. O PL 4.208/2001 trata justamente de alterar dispositivos do CPP
relativos à prisão, medidas cautelares e liberdade. Para tanto, altera o nome do Título
IX para ‘Da prisão, das Medidas Cautelares e da Liberdade Provisória’ e estabelece
que o juiz pode, em vez de determinar a prisão durante o processo, estabelecer uma
série de medidas cautelares às quais o acusado fica sujeito (art. 283, § 3º, e art. 319).
Parece que a referência do novel art. 386, parágrafo único, inciso II, é às medidas cautelares e provisoriamente aplicadas previstas no PL 4.208/2001, não se estendendo às
apreensões e medidas assecuratórias, já que essas são tratadas com outra nomenclatura
e em disposições próprias no corpo do Código.
Assim, tenho por adequada a manutenção das medidas até o trânsito em julgado.
[...]”
Cabe esclarecer, ainda, que o magistrado a quo sintetizou a absolvição
nestas letras (fl. 65-79):
“[...] O crime de quadrilha ou bando, na forma do art. 288 do Código Penal, exige a
finalidade de praticar crimes. Os fatos apontados na denúncia como sendo a finalidade
da associação são afirmados atípicos nesta decisão. Com isso, a própria associação
precisa ser reconhecida (nos limites da denúncia) como atípica.
[...]
Em verdade, o próprio Grupo não dispunha de credibilidade suficiente para captar
recursos prometendo remuneração inferior aos 12% anuais. Ou seja, certamente não
foi remunerado dessa forma.
Em suma, a forma de obtenção de lucro não era própria das instituições financeiras.
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Aparentemente, o contrato de mútuo tinha finalidade negocial paralela de intermediação
de ativos para planejamento tributário, zona de atuação do GRUPO SRS.
Em suma, a atividade descrita na denúncia não é própria de instituição financeira,
seja quanto à captação, seja quanto à aplicação ou à obtenção de lucro.
De tudo isso, concluo que operação como instituição financeira não houve, devendo
os réus serem absolvidos pela atipicidade da conduta.
[...]
Como a Convenção entrou em vigor com o Decreto 5.015/2004 em março desse
ano, ou seja, após os fatos em julgamento, incabível a aplicação do art. 1º, inciso VI,
da Lei 9.613/98.
[...]
O art. 1º da Lei 9.613/98 exige que os bens, direitos ou valores lavados sejam provenientes do crime antecedente. Ao que infiro da denúncia da Ação Penal
2005.71.00.042972-9, os fatos descritos como crimes contra a administração pública
(art. 313-A) não geraram proveito econômico aos denunciados. Os dados inseridos
nem sequer buscavam afastar créditos tributários ou gerar qualquer tipo de crédito para
ressarcimento ou restituição. Se existe o nexo de proveniência, não está evidente, e era
da acusação o ônus argumentativo. [...]”
Pois bem. A tese do impetrante é a de que, com a nova redação do
art. 386, parágrafo único, inciso II, do CPP, dada pela Lei 11.690/2008,
as medidas assecuratórias devem cessar ao ser prolatada sentença penal
absolutória.
Muito embora o referido dispositivo seja absolutamente claro ao
afirmar que, na sentença absolutória, o juiz ordenará a cessação das
medidas cautelares e provisoriamente aplicadas, a autoridade coatora
considera que a constrição só deverá cessar após o trânsito em julgado,
em face da aplicação conjunta dos artigos 118, 131, inciso III, e 141,
todos do Código de Processo Penal:
“Art. 118. Antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não
poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.”
“Art. 131. O sequestro será levantado:
[...]
III – se for julgada extinta a punibilidade ou absolvido o réu, por sentença transitada
em julgado.”
“Art. 141. O arresto será levantado ou cancelada a hipoteca, se, por sentença irrecorrível, o réu for absolvido ou julgada extinta a punibilidade.”
Não obstante os fundamentos expendidos pelo juízo impetrado em
relação à falta de sistemática do processo legislativo desenvolvido nas
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recentes reformas do processo penal brasileiro, entendo que assiste razão ao impetrante, porquanto, publicada a sentença penal absolutória,
desaparece o fundamento para a manutenção da constrição (fumus boni
juris), isso é, a existência de indícios veementes da proveniência ilícita
dos bens (art. 126 do CPP) ou a certeza da infração e indícios suficientes
da autoria (art. 134 do CPP). Nesse sentido, vaticina Luiz Flávio Gomes
(GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (Coord.). O Sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São
Paulo: RT, 2000. p. 247. Grifei):
“As medidas cautelares integram a garantia da tutela jurisdicional efetiva, visto que
são a antecipação dessa tutela ou providência que visam a assegurá-la. Para a proteção,
sobretudo dos direitos fundamentais, torna-se indispensável, muitas vezes, a adoção
de uma medida que antecede o provimento jurisdicional final. Por isso, é incontestável
a validade in abstracto das medidas cautelares. Ao mesmo tempo cabe reconhecer
que elas acabam afetando ou a liberdade ou os bens – ou às vezes a disponibilidade
deles – do ser humano. Disso decorre a imperiosa necessidade de se observar o devido
processo legal, onde sempre devem resultar cristalinamente demonstrados os seus
dois pressupostos, trata-se de medida pessoal ou real, que são: fumus boni iuris e
periculum in mora.
Se existe um campo onde é absolutamente indiscutível a incidência do princípio da
proporcionalidade, esse é o do direito processual penal, particularmente o das medidas
cautelares. Sabe-se que o referido princípio requer que todas as medidas restritivas de
direitos fundamentais cumpram uma série de pressupostos (legalidade e justificação
teleológica), assim como de requisitos, que se dividem em extrínsecos (judicialidade
e motivação) e intrínsecos (idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito).”
Além disso, diante da natureza cautelar inerente às medidas assecuratórias (sequestro/arresto), não se pode olvidar que elas possuem, dentre
outras características, a acessoriedade e a provisoriedade. Logo, desaparecendo, no curso da ação penal, o fundamento de validade da medida
cautelar deferida no início do feito, é de rigor a revisão da providência
acauteladora outrora concedida, sob pena de configuração de abuso de
direito, segundo leciona Alexander Araujo de Souza:
“Também no processo penal, a exemplo do que já se afirmou na doutrina processual civil, possuem os provimentos cautelares como características a acessoriedade, a
preventividade, a instrumentalidade e a provisoriedade. São acessórias as cautelas por
se vincularem ao resultado do processo penal principal. A preventividade se relaciona
à sua destinação de precaver ou evitar a ocorrência de danos irreparáveis ou de difícil
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reparação, enquanto o processo principal não chega ao fim (v.g. prisão preventiva
decretada com vistas a assegurar a regular instrução criminal). Já a instrumentalidade
hipotética significa não ser a tutela cautelar um fim em si mesmo, mas ressalta sua
função de instrumento assecuratório da eficácia prática das atividades jurisdicionais
cognitivas ou executivas. No tocante à provisoriedade, esta impõe que a manutenção da cautela dependa da persistência dos motivos que evidenciaram a urgência
da medida necessária à tutela do processo satisfativo (assim, no exemplo relativo à
prisão preventiva, esta deve ser revogada quando não mais subsistam os motivos que
ensejaram a sua decretação – art. 316 do Código de Processo Penal).
[...]
A parte que requer a tutela jurisdicional cautelar, sob o risco de não obtê-la, tem
de fazer a demonstração do fumus boni juris e do periculum in mora. A este respeito,
costuma afirmar-se que a cognição relativa à satisfação desses pressupostos é sumária,
vale dizer, não se baseia em um juízo de certeza. Assim, para a caracterização do fumus
boni juris basta a plausibilidade ou a verossimilhança do direito invocado. Também
quanto ao periculum in mora não se pode exigir prova plena de um risco de dano ou
de um dano potencial. Entretanto, a menor profundidade na atividade cognitiva jurisdicional não pode levar à conclusão de afrouxamento na caracterização dos pressupostos
aludidos, tampouco pode eximir o legitimado da demonstração destes, sob pena de se
consagrar a utilização temerária do requerimento cautelar. A cautela não será prestada
com base em um juízo de certeza, mas nem por isso quem a requereu fica isento de trazer
ao conhecimento do juízo evidências que deem suporte à postulação. Vale dizer: o ônus
da prova quanto aos pressupostos em comento recai sobre o requerente do provimento
acautelatório. Finalmente, como se adota neste trabalho o entendimento que propugna
o reconhecimento de uma ação penal cautelar, embora dotada de algumas peculiaridades, não se pode descurar das condições para o regular exercício desse direito. Sob
pena de se transporem os lindes da utilização regular, adentrando o campo do abuso,
fazem-se necessárias condições para o exercício do direito de ação penal cautelar, as
quais não diferem das genericamente estabelecidas pela doutrina para as ações penais
não condenatórias: legitimidade ad causam, interesse em agir, possibilidade jurídica
do pedido e originalidade. A falta de quaisquer das condições aludidas, a exemplo do
que já restou assentado, implicará igualmente exercício abusivo do direito de ação
cautelar.” (SOUZA, Alexander Araujo de. O abuso do Direito no Processo Penal. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 133-136. Grifei)
Portanto, se no limiar do procedimento penal, mediante cognição
precária, era adequado o deferimento de medidas assecuratórias (sequestro/arresto) para salvaguardar a efetividade do processo penal, não
se afigura razoável manter tão grave constrição patrimonial após o juízo
de primeiro grau ter julgado improcedente a denúncia. Nesse sentido,
manifesta-se a jurisprudência:
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“SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. CONFISCO DE BEM. IMPOSSIBILIDADE.
[...] Dessa forma, o confisco, necessariamente, pressupõe a condenação daquele que
estava na posse do bem ou do valor obtido com a sua venda. No caso, o recorrente foi
absolvido. Portanto, não é possível juridicamente, em termos de imposição da pena
penal, o confisco do veículo.” (TJ/RS, ACR nº 70028291367, Sétima Câmara Criminal,
Rel. Des. Sylvio Baptista Neto, j. 19.03.2008)
Ressalte-se, por oportuno, que essa também é a solução consagrada
no processo civil brasileiro em relação aos provimentos cautelares,
consoante demonstra o aresto do Egrégio Superior Tribunal de Justiça
abaixo transcrito:
“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. IMPROCEDÊNCIA DA DEMANDA PRINCIPAL. ART. 808, III, DO CPC. CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA MEDIDA
CAUTELAR.
1. A extinção do processo principal em desfavor do autor descaracteriza o fumus boni
juris, impondo a aplicação do art. 808, III, do CPC, consoante a sua melhor exegese.
2. Precedentes jurisprudenciais desta Corte:
‘PROCESSUAL CIVIL. PLURALIDADE DE PROCURADORES. SUFICIÊNCIA DA INTIMAÇÃO DE APENAS UM. PROCESSO PRINCIPAL E MEDIDA
CAUTELAR.
JULGAMENTO.
1. Está assentado na jurisprudência, inclusive do Supremo Tribunal Federal, que
constando da mesma procuração o nome de vários advogados basta que a intimação
seja feita a um deles.
2. Segundo a letra do art. 808, III, do Código de Processo Civil, cessa a eficácia
da medida cautelar quando declarado extinto o processo principal, com ou sem julgamento de mérito.
3. Precedentes.
4. Recurso especial não conhecido.’ (REsp 488.913/BA, Relator Ministro Fernando
Gonçalves, DJ de 15.03.2004)
‘MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO JUDICIAL. AÇÃO REVISIONAL JULGADA IMPROCEDENTE, EXTINTA A CAUTELAR PREPARATÓRIA.
REVOGAÇÃO DA LIMINAR.
LEGALIDADE.
– Cessa a eficácia da liminar se o Juiz declarar extinto o processo principal, com
ou sem julgamento de mérito (art. 808, III, do CPC).
– Julgadas concomitantemente a ação principal e a cautelar, interposta apelação
única e global, ao Juiz cabe recebê-la com efeitos distintos, a correspondente à medida
cautelar no efeito tão somente devolutivo (art. 520, IV, do CPC).
Recurso ordinário improvido.’ (ROMS 11384/SP, Relator Ministro Barros Monteiro,
DJ de 19.08.2002)
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3. Recurso especial improvido.” (REsp 647.868/DF, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª
Turma, DJ 22.08.2005)
De outra banda, cabe salientar que a inexistência de trânsito em julgado
da sentença penal absolutória não é óbice ao levantamento imediato das
medidas cautelares, dado que, diante do robusto enfraquecimento do
fumus boni juris que justificava as medidas assecuratórias decretadas no
princípio do feito, deve ser prestigiado o espírito reformador do Código
de Processo Penal, que, consoante o escólio do MM. Juiz Federal Walter
Nunes (Reforma do Código de Processo Penal: Leis nº 11.689, nº 11.690
e nº 11.719, de 2008. Revista CEJ, Brasília, a. XIII, n. 44, p. 20-24, jan./
mar. 2009, p. 21), visa à
“substituição do tradicional modelo inquisitivo, escrito, burocrático, pouco transparente
e moroso, por um modelo do tipo acusatório, simplificado, transparente, oral, com o
Ministério Público como parte, garantias do acusado, defesa efetiva, direito ao silêncio,
presunção de não culpabilidade, proibição de provas ilícitas e imparcialidade do juiz,
que não deve se substituir ao Ministério Público para assumir função mais própria a
quem exerce o jus persequendi (AMBOS; CHOUKR, 2001). Essa foi a linha de pensamento seguida pelo legislador na feitura das Leis nos 11.689, 11.690 e 11.719, todas
de 2008, que trouxeram profundas alterações na sistemática da produção e do exame
da prova e nos ritos ordinário e sumário.
Em verdade, esse amplo movimento de reforma do processo penal tem como
norte o resgate das suas origens, cujo pano de fundo é o Estado constitucional ou o
neoconstitucionalismo. [...]”
Diante disso, Guilherme de Souza Nucci (Código de Processo Penal
Comentado. São Paulo: RT, 2008. p. 689. Grifei) pontifica:
“[...] Cessação das medidas cautelares: é possível, durante a fase investigatória ou
durante a instrução em juízo, que o magistrado promova medidas cautelares constritivas,
atingindo o acusado. Exemplo disso são as medidas assecuratórias, como o sequestro,
a especialização de hipoteca legal, dentre outras. Se houver absolvição, deve o juiz
ordenar a cessação de todas as medidas cautelares provisoriamente aplicadas. [...]”
No mesmo sentido, leciona Antonio Magalhães Gomes Filho:
“[...] Finalmente, no texto do parágrafo único do art. 386, o legislador substitui a
referência a ‘penas acessórias provisoriamente aplicadas’ por ‘medidas cautelares e
provisoriamente aplicadas’, evidenciando com isso a preocupação em adequar a disposição ao princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da CF),
que impede a imposição de qualquer sanção antes do trânsito em julgado de sentença
condenatória. [...]” (FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As reformas no processo
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penal. As novas Leis de 2008 e os Projetos de Reforma. Coord. Maria Thereza Rocha
de Assis Moura. São Paulo: RT, 2008. p. 293)
Dessarte, se a própria acusação ofertada em desfavor do impetrante não
foi acolhida pelo magistrado de primeiro grau, devem ser prontamente
revogadas as medidas assecuratórias decretadas pelo juízo criminal especializado em crimes financeiros e lavagem de dinheiro, visto que, na
tensão estabelecida entre a efetividade do processo penal e o princípio
constitucional da presunção de inocência, há de ser prestigiado esse direito fundamental consagrado no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição
da República, consoante lecionam Cezar Roberto Bittencourt e Daniel
Gerber, signatário do presente writ, em raro artigo sobre a matéria, publicado no Boletim IBCCRIM, a. 17, n. 200, jul. 2009, p. 21-22:
“[...] Se durante o curso de uma instrução processual torna-se possível a relativização dos efeitos da presunção de inocência em face de cotejo da proporcionalidade
dos bens jurídicos em jogo, tem-se que, após uma sentença absolutória, nada mais
justifica a existência da coação cautelar contra o indivíduo (pelo contrário: a cautela
é contra o Estado, que, em princípio, já foi declarado sucumbente). Afirma-se aqui
que a presunção de ofensa – que legitima a adoção de uma medida cautelar, em sede
de instrução processual, por meio da verificação de proporcionalidade entre os bens
jurídicos envolvidos – não mais pode prosperar após sentença absolutória, sob pena de
transformar-se em uma presunção de culpa (presume-se que um eventual recurso do
MP possa ser provido, e, assim sendo, presume-se que iria ocorrer dano com a ausência
de medida restritiva) totalmente inapta a gerar qualquer espécie de consequência junto
aos direitos e garantias individuais que assistem ao processado. [...]”
Ante o exposto, voto por conceder a segurança.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
HABEAS CORPUS Nº 2009.04.00.041388-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose
Impetrante: Defensoria Pública da União
Paciente: M.B.S.
Impetrado: Juízo Substituto da 1a VF Criminal, SFN e JEF
Criminal de Porto Alegre
EMENTA
Penal. Processo penal. Habeas corpus. Suspensão condicional do processo. Paciente processada por outro crime. Art. 89, § 3º, da Lei 9.099/95. Causa
de revogação obrigatória. Fato denunciado inserido no mesmo contexto
fático daqueles denunciados na ação penal suspensa. Irrelevância. Denúncia
única que impediria a oferta do benefício legal. Súmula 243 do STJ.
1. Hipótese em que a paciente restou denunciada apenas por crime
de quadrilha ou bando, tendo-lhe sido oferecido e aceito o benefício da
suspensão condicional do processo (art. 89 da Lei 9.099/95).
2. Posterior recebimento de nova denúncia em desfavor da paciente,
pela prática, em tese, de furto mediante fraude, que levou à revogação
do benefício legal, em face de estar sendo processada por outro crime.
3. O fato do objeto da segunda denúncia, que ensejou a revogação
do benefício, estar inserido no mesmo contexto fático dos crimes objeto
da ação penal até então suspensa não modifica a circunstância de estar
sendo a paciente processada por outro crime.
4. Ausência de qualquer prejuízo à defesa, uma vez que a oferta de
denúncia única, abrangendo todos os fatos, impediria a própria oferta
do benefício legal (Súmula 243 do STJ).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a colenda Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, cassar a liminar e denegar a ordem, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de dezembro de 2009.
Des. Federal Tadaaqui Hirose, Relator.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
115
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de habeas corpus
impetrado, com pedido de liminar, pela Defensoria Pública da União contra decisão do MM. Juízo Substituto da Primeira Vara Federal Criminal,
SFN e JEF Criminal de Porto Alegre/RS, que, em decisão proferida nos
autos 2007.71.00.008422-0, recebeu a denúncia ofertada em desfavor de
M.B.S. e outros e revogou a suspensão do processo concedida à paciente
nos autos da Ação Penal 2007.71.00.029234-4, forte no art. 89, § 4º, da
Lei 9.099/1995.
A DPU alega que a revogação da suspensão condicional do processo é ilegal. Sustenta que a denúncia ofertada nos autos da Ação
Penal 2007.71.00.008422-0/RS não diz respeito a outro crime, mas
sim a delito praticado em continuidade àqueles descritos na denúncia
do processo suspenso. Ou seja, “não está a paciente sendo processada
por crime diverso daqueles inseridos na denúncia da Ação Penal nº
2007.71.00.017784-1, mas por mais um delito daquela cadeia delituosa,
ocorrido em 12.03.2007”.
Aduz que a decisão atacada, além de ferir o § 3º do art. 89 da Lei
9.099/1995, afronta os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, “porquanto impõe à paciente a revogação do sursis processual às
vésperas do término do período de prova (20.12.2009), em virtude de
crime que deveria estar abarcado na denúncia da ação penal suspensa,
mas que não o foi por meras peculiaridades processuais”.
A liminar restou deferida apenas para suspender os efeitos da decisão
impugnada, até o julgamento final do writ (fls. 43-44).
A Autoridade tida como Coatora prestou informações (fls. 50-51) e
juntou documentação (fls. 52-130).
A Procuradoria Regional da República ofertou parecer pela denegação
da ordem (fls. 132-134).
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Tadaaqui Hirose: Trata-se de habeas corpus
impetrado, com pedido de liminar, pela Defensoria Pública da União contra decisão do MM. Juízo Substituto da Primeira Vara Federal Criminal,
116
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
SFN e JEF Criminal de Porto Alegre/RS, que, em decisão proferida nos
autos 2007.71.00.008422-0, recebeu a denúncia ofertada em desfavor de
M.B.S. e outros e revogou a suspensão do processo concedida à paciente
nos autos da Ação Penal 2007.71.00.029234-4, forte no art. 89, § 4º, da
Lei 9.099/1995.
Cumpre destacar que, em juízo de sumária cognição, compreendi
estarem presentes os requisitos para a concessão da medida de urgência,
quais sejam: fumus boni iuris e periculum in mora. Isso porque
“os novos crimes imputados à paciente não foram praticados no curso do prazo da
suspensão do processo, mas sim em continuidade delitiva àqueles do processo suspenso
em favor da paciente. Nesse caso, em princípio, não há falar em ofensa ao parágrafo
3º do art. 89 da Lei 9.099/95.”
Nada obstante, retornando o feito devidamente instruído, com as
informações da Autoridade tida como Coatora e o parecer ministerial,
chego à conclusão diversa.
Preliminarmente, para melhor compreender a controvérsia, necessário fazer um breve histórico dos acontecimentos que culminaram com
a presente impetração.
A exordial acusatória ofertada nos autos da Ação Penal nº
2007.71.00.017784-1 narrou a existência de verdadeira quadrilha (art. 288
do CP), voltada para o cometimento, de modo reiterado, no período entre
setembro/2006 e 11.05.2007, de diversos crimes contra o patrimônio,
em especial o delito de estelionato (art. 171 do Código Penal), movidos
pelo objetivo de auferir vantagem ilícita, induzindo em erro instituições
financeiras (dentre elas a CEF), bem como seus respectivos correntistas,
mediante manipulação indevida de suas contas pela Internet. Mais à
frente, descreveu os fatos caracterizadores de cada um dos estelionatos
praticados por alguns integrantes da suposta quadrilha.
Em face disso, imputou para alguns denunciados (dentre eles a paciente) apenas o crime de quadrilha ou bando e, para outros, além do
crime previsto no art. 288 do CP, a participação efetiva na execução de
alguns dos estelionatos, em concurso (fls. 08-35), o que propiciou, para
os denunciados apenas pelo crime contra a paz pública, a oferta e a aceitação do benefício da suspensão condicional do processo, que acarretou
a cisão do feito em relação a eles, dando ensejo ao surgimento da Ação
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Penal nº 2007.71.00.029234-4 (fls. 36-37).
Bem se vê, portanto, que se equivoca a parte impetrante ao sustentar
que na aludida ação penal a paciente havia sido denunciada pelos crimes
de quadrilha e pelos diversos estelionatos, na medida em que essa circunstância impediria a oferta do benefício do sursis processual, em face
do enunciado da Súmula 243 do STJ, redigida nos seguintes termos:
“O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações
penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva,
quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante,
ultrapassar o limite de um (01) ano.”
Posteriormente, nos Autos da Ação Penal nº 2007.71.00.029234-4,
determinou o Juízo a quo a substituição da pena pecuniária imposta à
paciente, como condição ao gozo do benefício legal, por prestação de
60 (sessenta) horas mensais de serviços à entidade designada, prestação
essa que, no entanto, ficou aquém da carga horária mensal estipulada nos
meses de julho, agosto e setembro de 2009 (fls. 38-39v.). Em razão disso,
a Autoridade tida como Coatora determinou à beneficiária a data-limite de
20.12.2009 para o cumprimento integral de todas as condições impostas,
para que fosse declarada extinta a sua punibilidade (fls. 40 e v.).
Sobreveio, no entanto, no bojo do inquérito policial 2007.71.00.008422-0/
RS, nova denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal, imputando
à paciente e a outros a prática, em tese, do delito tipificado no art. 155,
§ 4º, II e IV, do Código Penal, na forma dos seus arts. 62, I, para os dois
primeiros denunciados, e 29, para os demais (dentre eles a paciente).
Narrou a inicial acusatória que se tratava de fato ocorrido em
12.03.2007, inserido, portanto, dentro do mesmo contexto fático e conexo
àqueles objeto da Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1, mas que acarretou oferta de denúncia em separado apenas em razão de que aludida
conduta restou autuada em inquérito policial diverso, em razão de prisão
em flagrante (fls. 52-69).
A denúncia foi recebida em 11.11.2009, oportunidade em que foi
revogado o benefício da suspensão condicional do processo concedido
à paciente M.B.S. nos autos da Ação Penal nº 2007.71.00.029234-4,
em face de estar sendo processada por outro crime durante o período de
prova (fl. 41 e v.).
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O diligente Defensor Público da União que impetrou a presente irresignação entende não restar preenchido o requisito legal previsto no
art. 89, § 3º, da Lei 9.099/95, consubstanciado na exigência de que o
beneficiário venha a ser processado por outro crime. Isso porque o fato
objeto da segunda denúncia, que ensejou a revogação do benefício, está
inserido no mesmo contexto fático dos crimes objeto da ação penal até
então suspensa. Sustenta tratar-se de mais um delito cometido em continuidade delitiva àqueles descritos na Ação Penal nº 2007.71.00.017784-1.
Entende, assim, mostrar-se ilógica a revogação do benefício somente
porque um dos delitos da mesma cadeia delitiva, por meras questões de
natureza procedimental, foi denunciado em apartado, ao final do período
de prova.
Pois bem. A primeira questão para a qual chamo a atenção é a irrelevância de ter sido instaurada ação penal em desfavor da paciente, ao
final do período de prova. Tem entendido a jurisprudência que, se aludida
circunstância se efetivar durante o período de prova, mesmo que este já
tenha se esgotado, deve ser revogado o benefício legal.
Nesse sentido, arestos do STJ:
“PENAL. RECURSO ESPECIAL. HABEAS CORPUS. FURTO. SUSPENSÃO
CONDICIONAL DO PROCESSO. BENEFICIÁRIO PROCESSADO POR OUTRO
CRIME NO PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO. ULTERIOR ABSOLVIÇÃO. INDIFERENÇA. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
1. ‘Constatado que o beneficiário da suspensão condicional do processo respondeu
a outra ação penal durante o período de prova, a revogação do benefício é automática,
sendo irrelevante sua posterior absolvição, ou o fato da decisão ser proferida após o
término do período de prova’ (HC 53.505/SP).
2. Recurso conhecido e provido para anular o acórdão recorrido e determinar o
prosseguimento da ação penal.” (REsp 1110742/SP, Quinta Turma, rel. Min. Arnaldo
Esteves Lima, DJe 13.10.2009)
“RECURSO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL.
LEI Nº 9.099/95. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. ACUSADO PROCESSADO POR OUTRO CRIME DURANTE O PERÍODO DE PROVA. REVOGAÇÃO DO BENEFÍCIO. EXPIRAÇÃO DO PRAZO SUSPENSIVO. IRRELEVÂNCIA.
AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA DECISÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA.
RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E IMPROVIDO.
1. Não se conhece de recurso em habeas corpus cuja matéria não foi objeto de
decisão da Corte de Justiça Estadual, pena de supressão de um dos graus de jurisdição
(Constituição Federal, artigo 105, inciso I, alínea c).
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2. O traço essencial da suspensão condicional do processo, de imposição excepcional, é, precisamente, a sua revogabilidade, o que exclui, a seu respeito, a invocação da
coisa julgada, não havendo razão que impeça a sua desconstituição pelo conhecimento
subsequente de fato que determina o seu incabimento.
3. O término do período de prova sem revogação do sursis processual não induz,
necessariamente, à decretação da extinção da punibilidade delitiva, que somente tem
lugar após certificado que o acusado não veio a ser processado por outro crime no
curso do prazo ou não efetuou, sem motivo justificado, a reparação do dano.
4. Recurso parcialmente conhecido e improvido.” (RHC 21868/SP, Sexta Turma,
rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 04.08.2008)
Na mesma linha, julgado desta Corte Regional:
“DIREITO PENAL. DESACATO. ARTIGO 331 DO CP. OFENSA À FUNCIONÁRIO PÚBLICO NO EXERCÍCIO DO CARGO. AUSÊNCIA DE ALEGAÇÕES
PRELIMINARES. OITIVA DE TESTEMUNHAS. REVELIA. CERCEAMENTO DE
DEFESA NÃO CARACTERIZADO. SUSPENSÃO DO PROCESSO. REVOGAÇÃO
APÓS PERÍODO DE PROVA. AUTORIA. MATERIALIDADE. TIPICIDADE. LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA. DESCABIMENTO. AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADAS. DOLO. PENA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CULPABILIDADE. ANTECEDENTES.
1. O réu foi intimado em diversas ocasiões a apresentar defesa prévia, não o fazendo
por desídia própria. Incabível reconhecimento de nulidade por fato a que deu causa. A
oitiva das testemunhas de acusação foi acompanhada por defensor dativo, inexistindo
qualquer prejuízo para o acusado.
2. Corretamente fundamentada a revelia decretada em razão do não comparecimento
injustificado à audiência.
3. Restou pacificado pela Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência o
entendimento de que ‘A suspensão condicional do processo pode ser revogada, mesmo após o decurso do período de prova, se constatado que o réu foi processado pela
prática de outra infração penal durante tal período’.
4. A materialidade e a autoria do delito encontram amparo nos relatos das testemunhas.
5. Presente o elemento subjetivo do tipo (vontade consciente de praticar a ação ou
proferir a palavra injuriosa, com o propósito de ofender ou desrespeitar o funcionário
a quem se dirige).
6. Adequada a valoração desfavorável a título de culpabilidade considerando as
condições técnicas que o réu advogado tem para medir as consequências de sua atitude
desrespeitosa.
7. A existência de condenação transitada em julgado autoriza fixação da pena-base
acima do mínimo legal, em face dos antecedentes, e não da conduta social, pois essa
deve ser ponderada tendo em conta o comportamento do agente no âmbito comunitá-
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rio em que vive.” (ACR 2003.71.00.055186-1, Oitava Turma, rel. Des. Federal Élcio
Pinheiro de Castro, D.E. 26.11.2008)
De outra parte, a conexão entre o fato objeto da segunda ação penal,
que causou a revogação do benefício, e aqueles descritos na primeira
ação penal, onde a paciente desfrutava do benefício legal, não significa
que estejamos frente à prática de um mesmo e único crime, ainda que
por ficção legal, em decorrência de possível reconhecimento de continuidade delitiva.
De fato, consoante já referido nos autos do processo criminal nº
2007.71.00.017784-1, a paciente restou denunciada apenas e tão somente
pelo crime de quadrilha ou bando (art. 288 do CP), não lhe tendo sido
imputado nenhum dos diversos estelionatos em tese praticados pelos codenunciados. Diferente é a situação retratada nos autos da Ação Penal nº
2007.71.00.008422-0/RS, em que a paciente e outros foram denunciados
pela prática de furto mediante fraude, não abrangida na primeira ação
penal, pelas razões já salientadas e devidamente justificadas.
Os argumentos apresentados pela defesa, quanto ao prejuízo experimentado por M.B.S. em função de denúncia tardia sobre fato inserido
no mesmo contexto fático daqueles originariamente denunciados, não
podem ser aqui acolhidos. A razão de tal conclusão reside justamente na
clara constatação de que foi esse procedimento que propiciou a oferta
do benefício à paciente. Caso contrário, vale dizer, se tivesse a acusação
oferecido uma única denúncia abrangendo todos os fatos, não haveria
mais razão para se discutir a possibilidade ou não de revogação do benefício legal, uma vez que a paciente seria denunciada por quadrilha e
furto mediante fraude, em concurso, fato que impediria a própria oferta
da suspensão condicional do processo, nos termos da Súmula 243 do
STJ, já citada alhures.
Esse também foi o posicionamento adotado pela Autoridade tida como
Coatora ao prestar informações (fls. 50-51) e pela ilustre Procuradora
Regional da República que oficiou no feito, Solange Mendes de Sousa,
em seu parecer (fls. 132-134).
Dessa forma, sob qualquer ângulo que se veja a questão, resta inviável
a manutenção do benefício do sursis processual.
Ante o exposto, voto por cassar a liminar e denegar a ordem.
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MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2009.04.00.042727-8/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus
Impetrante: Rafael de Almeida Maesse
Advogados: Drs. José Marco Tayah e outros
Impetrado: Juízo Substituto da VF Criminal e
JEF Criminal de Maringá
Interessado: Ministério Público Federal
Interessado: S.M.N.M.
Advogado: Dr. Vanderson Silveira Barbosa
Interessado: M.V.S.J.
Advogado: Dr. Ricardo Gontijo Buzelin
Interessados: V.C.N.
I.L.G.
Advogados: Drs. José Marco Tayah e outro
EMENTA
Processual penal. Procuração plúrima. Intimação dirigida a advogado que vinha atuando nos autos. Defesa prévia. Não apresentação.
Pedido de prorrogação. Deferimento. Decurso do novo prazo. Multa.
Aplicação. Mandado de segurança. Admissibilidade. OAB. Fórum exclusivo para a análise da conduta do profissional da advocacia. Artigo 265
do CPP. Preliminar de inconstitucionalidade. Rejeição. Mérito: violação
ao devido processo legal e ilegalidade da medida. Direito líquido e certo
reconhecido. Anulação da penalidade. Concessão da ordem.
1. Configurada, de um lado, hipótese de ilegalidade de ato praticado
por agente público e, de outro, violação a direito líquido e certo não
amparado por outro remédio heroico, admissível se faz o manejo do
mandamus.
2. Ao contrário do que prevê, v.g., o parágrafo único do artigo 14 do
Código de Processo Civil, o artigo 265 do Codex Processual Penal não
estabeleceu a exclusividade dos órgãos disciplinares da Ordem dos Advogados do Brasil para a análise da conduta processual do profissional
da advocacia no âmbito das lides criminais. Ausência de ofensa à Lei
8.906/94. Preliminar rejeitada, mormente em obséquio à presunção de
constitucionaldidade dos atos normativos.
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3. A imposição da penalidade de que trata o dispositivo contrastado
não prescinde da observância, porque garantia constitucional, do devido
processo legal, que se consubstancia na prévia oitiva do advogado para
justificar o seu comportamento processual.
4. A esse âmbito formal sobre o qual se debate nos autos, deve ser
associada a perspectiva material da controvérsia, traduzida, já agora, na
análise da incidência do questionado dispositivo de lei.
5. A adequada interpretação do instituto do abandono do processo,
preceituado no artigo 265 do Código de Processo Penal, reclama animus
de definitividade, ocorrente na hipótese em que o advogado abstém-se
de promover, à míngua de motivo imperioso, os atos e diligências que
lhe competiam durante o curso processual de maneira reiterada, que se
expressa pela absoluta ausência nos autos, demonstrando a vontade de
não atuar em favor do mandante. É situação excepcional que exige o
elemento subjetivo de desídia na condução defensiva do feito, em manifesto prejuízo do constituinte, já em vias de se tornar indefeso, para
só então cogitar-se da aplicação da sanção pecuniária correspondente,
até mesmo porque contemplativa de altos patamares valorativos, que
devem ser sopesados com prudência para que não sejam excedidos os
limites da razoabilidade.
6. Caso em que, na conjectura do feito, não há lugar para um juízo
categórico que abone o cabimento da medida adotada. Nada obstante
o decurso do novo prazo para apresentação de defesa prévia, deferido
em sede de pedido de prorrogação, recobrou o Impetrante a condução
do processo, firmando de próprio punho a peça defensiva ulteriormente
protocolizada, em conjunto com mandatários constituídos, como ele, em
procuração plúrima, minimizando ou mesmo impedindo, com essa postura, eventuais prejuízos aos seus constituintes, a atestar que não houve
afastamento definitivo em relação ao patrocínio da causa penal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, conceder a segurança para anular a cobrança da sanção
pecuniária, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
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Porto Alegre, 14 de abril de 2010.
Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Cuida-se de
mandado de segurança, com pretensão liminar, impetrado por Rafael de
Almeida Maesse, diante de decisão prolatada pelo MM. Juízo Federal
Substituto da Vara Federal Criminal e JEF Criminal de Maringá/PR, nos
autos da Ação Penal nº 2009.70.03.003359-1, que cominou ao Impetrante
multa por motivo de abandono de processo, nos termos do artigo 265 do
Código de Processo Penal, ao fundamento de que “Embora intimado à
fl. 124, o defensor constituído, Dr. Rafael de Almeida Maesse, não apresentou a resposta à acusação, tampouco informou não mais representar
os acusados I.L.G. e V.C.N.” (fl. 50-verso).
O Impetrante, advogado constituído para patrocinar a defesa dos
nominados Réus (ora Interessados) na supracitada demanda, sustenta,
em sua exordial (fls. 02-13), que o provimento jurisdicional contrastado
desrespeitou o princípio do devido processo legal, na medida em que
não lhe oportunizou qualquer justificativa previamente à imposição da
penalidade, além de que o quantum arbitrado a esse título, R$ 23.250,00
(vinte e três mil e duzentos e cinquenta reais), é absolutamente desproporcional. Aduz, ainda, que o dispositivo legal que embasa a sanção
pecuniária é inconstitucional, haja vista que (a) “(...) não é possível aplicação de multa ao defensor (advogado) sem o correspondente exercício
do contraditório e da ampla defesa, conforme exigência constitucional
do devido processo legal (incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição
da República de 1988)” e (b) “(...) tendo em vista o caráter nitidamente
disciplinar da multa prevista no artigo 265 do CPP, após a promulgação do
novo Estatuto da OAB, o censor natural de eventual desídia do advogado
só pode recair no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB (inciso LIII do
artigo 5º da CFRB/88 e § 1º do artigo 70 da Lei 8.906/1994)”.
A liminar restou deferida tão somente para suspender, ad cautelam,
a exigibilidade da penalidade, até que fosse esclarecido o procedimento
atinente às intimações realizadas, mediante a juntada das respectivas
certidões.
Às fls. 68-89, o Impetrante encaminhou, via fax, petição contendo foto124
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cópias das procurações e substabelecimentos extraídos da prefalada Ação
Penal e do Pedido de Liberdade Provisória nº 2009.70.03.003586-1.
Notificado, o Impetrado prestou as informações (fls. 93-95 e 101-102)
e forneceu a documentação requisitada (fls. 103-278).
A seguir, o Ministério Público Federal exarou parecer, preliminarmente opinando pelo não conhecimento do pedido, porquanto inocorrente
hipótese de discussão acerca de direito líquido e certo, defendendo o
cabimento do recurso de agravo de instrumento como meio recursal
adequado à pretensão veiculada no mandamus. No mérito, alvitrou pela
denegação da segurança (fls. 284-288).
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus: Discute-se a
incidência da regra do artigo 265 do Código de Processo Penal a caso
em que, devidamente intimado por duas oportunidades, o advogado
constituído pelos Réus I.L.G. e V.C.N. para lhes desempenhar a defesa
técnica nos autos da Ação Penal nº 2009.70.03.003359-1, Dr. Rafael
de Almeida Maesse (OAB/RJ 151.519), ora Impetrante, deixou de
apresentar a respectiva peça processual, como impõem de rigor os
enunciados 396 e 396-A do mesmo diploma legal, recebendo do órgão
jurisdicional que preside a demanda, ante a essa inação, a penalidade
de 50 (cinquenta) salários mínimos, a título de multa, equivalente, ao
tempo do decisório (09.09.2009), a R$ 23.250,00 (vinte e três mil e
duzentos e cinquenta reais), a ser recolhida em favor do Departamento
Penitenciário Nacional.
Deferida ad cautelam a liminar (fls. 64-65) para o fim de, tão só,
suspender a exigibilidade da verba até que fosse esclarecido o procedimento atinente às intimações realizadas naqueles autos, sobrevieram
as informações pelo Impetrado, cuja transcrição é de grande valia à
compreensão dos acontecimentos:
“Pelo presente, presto as informações referentes aos autos de Mandado de Segurança
nº 2009.04.00.042727-8/PR impetrado por Rafael de Almeida Maesse.
Aos 03.07.2009, foi instaurado o inquérito policial nº 0419/2009-DPF/MGA/PR
(distribuído perante este Juízo Federal sob o nº 2009.70.03.003359-1), haja vista a
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prisão em flagrante de V.C.N., I.L.G. e S.M.N.M., pela prática dos crimes tipificados
nos artigos 316 e 288 do Código Penal.
A prisão em flagrante foi homologada em plantão aos 03.07.2009 (fl. 61 dos autos
de Comunicação de Prisão em Flagrante).
O inquérito policial foi relatado aos 15.07.2009, tendo como indiciados V.C.N.,
I.L.G., S.M.N.M., M.V.S.J. e M.G.F.
Aos 20.07.2009, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia em desfavor de
I.L.G. e S.M.N.M., como incursos nas sanções do artigo 288 e artigo 316, caput, c/c
os artigos 29 e 69, todos do Código Penal, e de M.V.S.J. e V.C.N., como incursos nas
sanções do artigo 288, artigo 316, caput, e artigo 273, § lº-B, inciso I, c/c os artigos 29
e 69, todos do Código Penal (fls. 02-07). Em relação à indiciada M.G.F., o Ministério
Público Federal requereu o desmembramento dos autos (fl. 08).
Recebeu-se a denúncia aos 20.07.2009, sendo determinada a citação dos réus para
responderem à acusação, nos termos dos artigos 396 e 396-A do Código de Processo
Penal, e a intimação dos defensores (fl. 11).
Expediram-se cartas precatórias para a citação dos denunciados (fls. 22-23).
O defensor Rafael de Almeida Maesse foi intimado nesta secretaria nos termos do
despacho de fl. 11, no dia 23 de julho de 2009, conforme certidão de fls. 42-verso.
A defesa de S.M.N.M. apresentou resposta à acusação aos 30.07.2009 (fls. 52-54).
Aos 30.07.2009, foi proferida decisão concedendo a liberdade provisória aos réus
I.L.G. e V.C.N., revogando o decreto de prisão preventiva de M.V.S.J., bem como determinando o afastamento imediato dos réus I.L.G., V.C.N. e M.V.S.J. das atividades
de patrulhamento ostensivo das rodovias federais (fls. 58-61).
Os defensores Rafael Menezes Chaves e Vanderson Silveira Barbosa também foram
intimados em secretaria acerca do despacho de fl. 11 e da decisão de fls. 58-61, no dia
30.07.2009 (fls. 57-verso e 62).
Às fls. 94-96, os defensores dos réus I.L.G. e V.C.N., Rafael de Almeida Maesse
e Maria Angélica Nobre Chaves, requereram a devolução ou prorrogação do prazo
para apresentação da resposta à acusação.
O pedido de prorrogação de prazo foi deferido (fl. 104).
Os defensores Rafael de Almeida Maesse e Ricardo Gontijo Buzelin foram intimados dos termos da decisão de fl. 104 por meio de publicação no Diário Eletrônico da
Justiça Federal da 4ª Região, disponibilizado no dia 12.08.2009 (fl. 124). A defesa de
M.V.S.J. apresentou resposta à acusação aos 26.08.2009 (fls. 212-217). A certidão de
fl. 219 informa que até o dia 02.09.2009, às 12 horas, a defesa de I.L.G. e V.C.N. não
havia apresentado a resposta à acusação.
Considerando que mesmo após a concessão de novo prazo o defensor Rafael de
Almeida Maesse não apresentou resposta à acusação, foi proferida decisão aplicandolhe a pena de multa prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal, no valor
de 50 (cinquenta) salários mínimos. Determinou-se ainda a exclusão do referido
defensor do Siapro, bem como a inclusão dos defensores José Marco Tayah e Maria
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Angélica Nobre Chaves e a intimação destes para apresentação da resposta à acusação
(fls. 220-221).
À fl. 222, foi expedida carta precatória para intimação do advogado Rafael de
Almeida Maesse acerca da decisão de fls. 220-221. Entretanto não foi possível intimar
o advogado (certidão de fl. 385-verso).
Os defensores também foram intimados dos termos da decisão de fls. 220-221
por meio de boletim publicado no Diário Eletrônico da Justiça Federal da 4ª Região,
disponibilizado aos 11.09.2009 (fl. 223).
Os defensores dos réus I.L.G. e V.C.N., Rafael de Almeida Maesse, José Marco Tayah
e Maria Angélica Nobre Chaves, apresentaram resposta à acusação aos 23.09.2009 (fls.
229-249) – petição encaminhada via fax (protocolo nº 09/1507632) e substituída pela
original (protocolo nº 1511114), conforme certidão de fl. 249-verso.
Às fls. 252-255, o defensor Rafael de Almeida Maesse requereu a reconsideração
da decisão que lhe aplicou a pena de multa prevista no artigo 265 do Código de Processo Penal.
Em relação ao pedido de reconsideração, aos 25.09.2009, foi proferida decisão no
seguinte sentido (fls. 258-259):
‘[...] 7. Por meio da petição de fls. 252-255, o Dr. Rafael de Almeida Maesse requer a reconsideração da decisão que determinou a exclusão do seu nome do Siapro e
aplicou-lhe multa, nos termos do artigo 265 do Código de Processo Penal, no valor de
50 salários mínimos (decisão de fls. 220-221).
Alegou que não possui serviço de publicação em seu nome por ser advogado associado do escritório Tayah e Advogados Associados e que as publicações dos processos
do escritório são feitas em nome do Dr. José Marco Tayah.
Inicialmente, observo que, apesar de o advogado ter afirmado que todas as publicações dos processos do escritório são feitas em nome do Dr. José Marco Tayah, somente
na petição de fls. 229-244 (encaminhada a este Juízo via fax no dia 23.09.2009) foi
solicitado que as intimações fossem realizadas em nome do Dr. José Marco Tayah.
A alegação de que não possui serviço de publicação em seu nome não deve ser
acolhida, pois, mesmo que o acusado tenha constituído mais de um defensor, basta a
intimação de um deles para a validade do ato processual. Nesse sentido:
‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPETRAÇÃO CONTRA ATO JUDICIAL. PLURALIDADE DE ADVOGADOS. SUBSTABELECIMENTO COM RESERVA DE PODERES. AUSÊNCIA DE
PEDIDO DE INTIMAÇÃO EXCLUSIVA EM NOME DE UM DELES. INTIMAÇÃO
DO ADVOGADO QUE SUBSCREVEU OS ATOS NA INSTÂNCIA RECURSAL.
INEXISTÊNCIA DE IMPUGNAÇAO NO MOMENTO OPORTUNO. VALIDADE DO
ATO. [...] 2. Havendo mais de um advogado constituído nos autos, válida a intimação
efetuada em nome de um deles, se o substabelecimento foi feito com reserva de poderes
e não constou pedido expresso para que a publicação fosse exclusivamente direcionada
a um patrono específico. [...]’ (STJ. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
127
200600221023, Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJE 29.04.2009)
‘HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. VÍCIO
NA INTIMAÇÃO DA PAUTA DE JULGAMENTO. PLURALIDADE DE ADVOGADOS. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO DE QUE AS INTIMAÇÕES FOSSEM
DIRIGIDAS A UM DOS PROCURADORES. VALIDADE DA PUBLICAÇÃO.
INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a intimação de um dos vários advogados da parte é,
em regra, válida e eficaz, de modo que prescindível seja a intimação dirigida a todos
eles. In casu, há de se ressaltar que nela houve requerimento, por ocasião da juntada
do substabelecimento, no sentido de que as publicações fossem realizadas em nome
do patrono originário, sendo a outorga de poderes demarcada pela reserva de iguais.
Ainda que assim não fosse, insta consignar que não restou demonstrado nos autos
que efetivamente o advogado tenha sido surpreendido com o andamento do processo,
havendo de se aplicar o princípio pas de nullitté sans grief. Ordem denegada.’ (STJ.
Habeas Corpus nº 200701218503, Relatora Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta
Turma, DJ 17.12.2007, p. 00350)
Além disso, foi o próprio defensor que peticionou requerendo a devolução do
prazo para a apresentação da resposta à acusação (fls. 94-96), sendo tal pedido
deferido às fls. 104.
Ante o exposto, mantenho a decisão de fls. 220-221 pelos seus próprios fundamentos.
Intime-se. [...]’
A decisão de fls. 258-259 também determinou o prosseguimento da ação penal,
sendo designada audiência para inquirição de testemunhas de acusação, bem como
determinada a expedição de cartas precatórias para inquirição das demais testemunhas
arroladas pelo Ministério Público Federal.
Foram expedidas as cartas precatórias números 3895383, 3899523 e 3899556 para
as Subseções Judiciárias de Fortaleza-CE e Foz do Iguaçu e para a Comarca de Bom
Sucesso-MG, respectivamente, solicitando a inquirição das testemunhas arroladas pela
acusação (fls. 300-302).
Os defensores dos réus foram intimados dos termos da decisão de fls. 258-259 e
da expedição das cartas precatórias por meio de publicação no Diário Eletrônico da
Justiça Federal (fls. 304-verso-305).
Em audiência realizada neste Juízo Federal, aos 24.11.2009, foram inquiridas as
testemunhas de acusação Paulo Henrique Teleginski, Marco Antonio Maia e Carlos
Eduardo Trindade Dantas (fls. 359-360).
Informo, por fim, que os autos aguardam o cumprimento das cartas precatórias
expedidas para inquirição das testemunhas de acusação.
Segue em anexo cópia das fls. 02-260 e 385-385v dos autos de Ação Penal nº
2009.70.03.003359-1.” (grifei)
128
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
De fato, o Impetrante, contratado para a prestação de defesa técnica
na antes assinalada ação penal, com endereço profissional no Estado do
Rio de Janeiro, foi regularmente intimado da decisão de recebimento da
denúncia (fl. 114) aos 23.07.2009, na Secretaria da VF e JEF Criminal
de Maringá/PR (fl. 137-verso), mesma data na qual efetuada a citação
dos Réus (fls. 171-verso e 172-verso) para responderem à acusação no
lapso temporal de 10 (dez) dias, a teor dos artigos 396 e 396-A do Estatuto Processual Penal.
Em 03.08.2009, dia final do decêndio, peticionou (fls. 173-174), alegando que havia tomado ciência “de maneira antecipada” do indigitado
decisum, tendo informado, porém, que teve contato muito breve com
os Réus, haja vista que estes, embora policiais rodoviários federais lotados na 5ª Superintendência Regional, que tem sede no Estado do Rio
de Janeiro, haviam ficado custodiados na cidade de Curitiba/PR, e que
não possuíam meios de prover o seu deslocamento e estada à capital
paranaense para que, pessoalmente, conversassem o necessário para o
estabelecimento da estratégia de defesa. Esclareceu, na mesma oportunidade, que os Réus
“(...) não possuem condições financeiras suficientes para constituírem advogados particulares, por essa razão solicitaram o apoio do Sindicato de sua classe ao qual estão
vinculados, e este forneceu auxílio jurídico, disponibilizando advogados para comporem
suas defesas” (fl. 173-verso).
Derradeiramente, e acrescentando que tendo ocorrido a libertação de
V.C.N. em 31.07.2009 e a de I.L.G. no próprio dia 03.08.2009, somente
a partir desta data teria a oportunidade de entrevistar adequadamente os
seus patrocinados, razão pela qual requereu a devolução ou mesmo a
prorrogação do interregno para o oferecimento da defesa prévia.
Tal pleito foi deferido “(...) em homenagem aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (...)” (fl. 180), por intermédio
de decisão disponibilizada no Diário Eletrônico da Justiça Federal da
4ª Região aos 12.08.2009 e considerada publicada aos 13.08.2009 (fl.
195), contudo, transcorrendo o novo prazo in albis, sem oferecimento
de resposta à acusação até o dia 02.09.2009, às 12 horas, conforme certificado à fl. 250.
Isso deu motivo que viesse à tona a determinação que infligiu a ora
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129
impugnada multa (fls. 251-252), acompanhada da provisão de descadastramento do Impetrante do Siapro, para que deixasse de atuar no feito,
ao lado da inclusão dos Drs. José Marco Tayah e Maria Angélica Nobre
Chaves para a assunção do encargo, que nada mais são do que associados do escritório ao qual pertence o patrono então destituído (Tayah
Advogados Associados).
Assim ocorridos os fatos, adveio a apresentação da defesa prévia
somente em 23.09.2009, materializada em petição firmada, conjuntamente, pelo Impetrante e pelos colegas advogados recém nomeados
(fls. 259-266).
Ato contínuo, postulou-se a reconsideração do pronunciamento judicial que ensejou a agravante; todavia, inexitosamente (fls. 275-276).
Sucedeu, então, a impetração, cuja matéria ventilada a essa Corte
passa a ser, doravante, examinada.
Em um primeiro aspecto, configurada, de um lado, hipótese de ilegalidade de ato praticado por agente público e, de outro, violação a direito
líquido e certo não amparado por outro remédio heroico, admissível se
faz o manejo do mandamus.
Com efeito, é clarividente que a decisão que impôs a penalidade não
observou o devido processo legal, tanto que sonegou ao Impetrante
o inafastável direito de ser previamente ouvido, para que declinasse
a justificativa de seu ato. E, pior, do inoportuno olvido de tão basilar
princípio constitucional avultou gravame que, a meu juízo, perpassa os
limites da proporcionalidade, se ponderadamente avaliados os fatos que
marcaram o caso concreto.
Tecnicamente, e isso aflora visível de pronto, a segurança poderia ser
concedida unicamente com amparo neste argumento, de ordem formal.
Mas vou além, até porque não me escapa, e agora em um segundo
aspecto, que está em jogo a tutela do próprio patrimônio do particular,
pois, ainda que de um lado tenha-se indevidamente preterido a colheita
de sua defesa, de outro, não é menos elementar que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, do que
apresentar-se-ia um novo e subsequente óbice à efetivação, de plano, da
medida adotada na origem.
Logo, a causa de pedir desvela uma cognição (controvérsia) ampla:
imediatamente, a reservada ao tratamento do iter necessário para a impo130
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
sição da penalidade (legalidade formal), desrespeitado, como já se revela
perceptível, haja vista que o adequado manejo do artigo 265 do Estatuto
Processual Penal, i.e., aquele em que a sua regra é aplicada a modo
sintônico com os ditames constitucionais, está a reclamar, no mínimo, a
instauração de um incidente em que o advogado tenha oportunidade de se
defender (cf., a esse respeito, o escólio de MENDONÇA, Andrey Borges
de. Nova Reforma do Código de Processo Penal: comentada artigo por
artigo. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009. p. 206207); mediatamente, a da própria (in)aplicabilidade da multa (legalidade
material), sobre a qual me debruçarei com mais afinco a seguir.
Isso fixado, prossigo.
A começar pela existência de procuração plúrima juntada nos autos
originários, confirmo o entendimento esposado na decisão liminar, no
sentido de que a intimação de qualquer advogado dela constante é suficiente para a validade dos atos e termos do processo, ressalvando-se as
situações apontadas pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
como merecedoras de tratamento específico em termos de comunicação
dos atos processuais, inocorrentes na espécie, diga-se de passagem.
Assim:
“PROCESSO PENAL – INTIMAÇÃO – DIVERSOS ADVOGADOS.
– Quando vários advogados constam da mesma procuração, basta a intimação de
um deles para a validade dos atos e termos do processo.
Ressalva-se a hipótese de designação expressa, de substabelecimento ou requerimento para que as intimações se façam em nome de determinado advogado, o que não
se deu no caso sub judice.
– Ordem denegada.” (STJ, HC 24.847, 5ª Turma, Rel. Ministro Jorge Scartezzini,
DJU 19.12.2003)
Por conseguinte, a circunstância de as notas de expediente terem saído
em nome do Impetrante, quando não é ele normalmente quem figura nas
intimações oficiais endereçadas à sociedade de advogados, obviamente,
não exclui a responsabilidade sua pela prática dos atos processuais, nos
prazos legais.
Mas a controvérsia, como visto acima, vai muito além dessa singela
ilação.
Assim como ocorria na égide da normatividade processual penal anterior, a Lei 11.719/2008, em torno da qual orbita a discussão, ao conferir
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131
nova redação ao artigo 265 do Código de Processo Penal, não definiu o
que vem a ser abandono do processo, limitando-se a prescrever a punição
do defensor que proceder (melhor seria abster-se de proceder) deixando o
réu, juridicamente, desamparado frente à acusação que lhe é dirigida.
Portanto, a compreensão do que consiste esse fenômeno, na seara
processual penal, continua relegada à discricionariedade judicial, dando
margem a que surjam controvérsias.
À primeira vista, da leitura especialmente dos parágrafos do dispositivo legal em comento, parece que o legislador reformista intentou
vincular o tal abandono à ausência injustificada do advogado à audiência
agendada pelo juízo, sem prévia comunicação, embora tais preceitos, à
toda evidência, não clarifiquem de modo satisfatório o fato jurídico de
que estão a cuidar.
Leia-se:
“Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso,
comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários
mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.
§ 1º A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder
comparecer.
§ 2º Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o
fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear
defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.” (grifei)
Inquestionavelmente, está-se diante de um conceito jurídico indeterminado, que, como tal, deve ser interpretado.
Ninguém discute que o princípio da ampla defesa, cláusula pétrea
aposta dentre os direitos e garantias individuais estabelecidos no artigo
5º da Constituição da República de 1988, assegura aos acusados em
geral o direito, indisponível, à defesa técnica, a ser prestada por profissional habilitado, é dizer, por bacharel em direito regularmente inscrito
nos quadros da OAB, recaindo uma de suas facetas sobre o direito de
escolha do patrono de sua confiança, sob pena de, não o fazendo, serlhes nomeado, pelo julgador, defensor dativo, ou encaminhados os autos
aos cuidados da Defensoria Pública, a fim de que prossiga nos ulteriores
termos do processo.
Sob o signo da indisponibilidade da defesa técnica é que, ao ver da
doutrina, teria sido reformulado o preceito em comento pela legislação
132
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reformadora (MENDONÇA, Andrey Borges de; op. cit., p. 206).
Por esse vértice, “A norma do art. 265 do CPP tem o nítido intuito
de proteger o réu de um repentino abandono por parte de seu defensor,
o que poderia acarretar futuro prejuízo processual ao acusado, comprometendo, em última análise, a busca da verdade real – objetivo fulcral
do processo penal” (TRF1, ACR 2004.30.00.001204-0, 3ª Turma, Rel.
Desembargador Federal Olindo Menezes, DJU 15.05.2007).
Louvável, pois, a preocupação do legislador infraconstitucional com
a efetivação da ampla defesa nos feitos criminais, em benefício dos acusados em geral, sobretudo em face da exata noção de que a intervenção
estatal na esfera de liberdade do indíviduo é estigma social de elevada
repercussão e relevância.
Nessa linha, torna-se incipiente a alegação de inconstitucionalidade
do dispositivo processual penal sob a ótica do censor competente para
impô-la, que, segundo o impetrante, seria o Tribunal de Ética e Disciplina
da OAB, e não o juízo criminal.
Digo isso na medida em que, como refleti nos parágrafos anteriores,
é legítimo esse cuidado especial no âmbito penal exatamente pela sua
peculiar ingerência na individualidade dos denunciados e também por
não haver qualquer norma constitucional que inviabilize o legislador
ordinário de dispor sobre a temática, afetando órgão distinto daquele
que fiscaliza lato sensu a atividade da advocacia, em alguma situação
tópica, como a da persecutio criminis, para efeito de lídima vigilância
e reprimenda.
É destacável, ainda, que o artigo 265 do Codex Processual Repressivo, in fine, põe a salvo outras sanções cabíveis na espécie, tal qual
a disciplinar, bem assim que o artigo 14, parágrafo único, do Código
Processual Civil, que confere a exclusividade da responsabilização dos
causídicos ao Estatuto da OAB, é regra restritiva atinente à esfera cível
tão somente, por opção legislativa.
Demais, o invocado artigo 70, § 1º, da Lei 8.906/94, trata apenas de
punições disciplinares, não afastando a atuação de controle e imposição
de penalidades por outros órgãos, em nível distinto daquele tangenciado
pelo referido Conselho de Ética e Disciplina.
Tenho, pois, por superada a preliminar de incostitucionalidade.
Continuando, a par da disciplina processual penal de fiscalização da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
133
atividade do defensor e punição de eventual desídia, deveria ter havido,
igualmente, a preocupação em delinearem-se com precisão os contornos
e circunstâncias fáticas mínimas ensejadoras da incidência de tão austera
regra, a qual, levada a efeito, repercutirá pesadamente sobre a esfera
patrimonial do profissional da advocacia penalizado.
Ausentes maiores cuidados legislativos no trato da questão, resta
perquiri-la, caracterizando o que efetivamente se entende por abandono
do processo, e confrontar a conclusão a que se chegar com a situação
retratada nos autos, a fim de se formar um juízo seguro acerca da postura
do advogado frente ao cumprimento do postulado da ampla defesa e, por
que não, dos poderes da cláusula ad judicia que lhes foram confiados
pela parte.
Do dicionário Aurélio, extrai-se o significado do vocábulo em
questão:
“1. Ato ou efeito de abandonar(-se):(...)
2. Estado ou condição de quem ou do que é ou está abandonado, largado, desamparado: (...)
3. Atitude, maneiras, de quem vive ou como que vive abandonado: (...)
4. Relaxamento de tensão; relaxamento: (...)”
A idêntico sentido aponta o dicionário Houaiss da língua
portuguesa:
“1. deixar de todo, largar de vez; partir, ir embora;
2. desamparar, deixar sozinho ou sem condições (de sobreviver, de prosseguir com
alguma tarefa, trabalho, propósito etc.);
3. renunciar a, desistir de;
4. perder o interesse por, não dar mais atenção a, descuidar-se de;
5. deixar de lado, renunciar, renegar (crenças, princípios etc.);
6. fazer ficar ou deixar que fique relaxado, descansado, lasso;
7. entregar-se, render-se, ceder a, entrar em (estado psicológico ou situação);
8. tratar (alguém ou algo) com desdém, desprezo, indiferença.”
Comentando o tema, o anteriormente citado autor, Andrey Borges de
Mendonça, teceu judiciosas considerações:
“No caput, manteve-se o dever de o defensor não abandonar o acusado, a não ser
por motivo imperioso. O abandono de que está tratando o artigo em estudo é apenas
o definitivo, ou seja, aquele em que o advogado se afasta do processo de maneira
permanente. Não se está a cuidar da hipótese de ausência momentânea de advogado
134
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
a determinado ato. A inovação fica por conta da necessidade de que esta comunicação
seja prévia, ou seja, antes de abandonar a defesa do acusado, sob pena de pesada multa
de 10 a 100 salários mínimos – valor este que foi atualizado –, sem prejuízo das demais
sanções cabíveis, inclusive perante a Ordem dos Advogados do Brasil. A necessidade
de comunicação prévia visa evitar a ocorrência de eventuais nulidades, em razão de
mácula ao direito de defesa. No entanto, entendemos que a atualização da multa visa,
também, assegurar ao magistrado poderes para punir aquele causídico que se mostrar
descompromissado com o Poder Judiciário, em sentido próximo ao contempt of court,
do direito norte-americano. Nesta senda, não vislumbramos inconstitucionalidade no
referido dispositivo, desde que instaurado um incidente, em que o advogado tenha
oportunidade para se defender, em atenção ao devido processo legal. Cumpre destacar
que o art. 34 da Lei 8.906/94 qualifica como infração disciplinar ‘abandonar a causa
sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia’, podendo o advogado, sem prejuízo da sanção prevista no presente artigo, sofrer sanções
no âmbito disciplinar da Ordem dos Advogados do Brasil.
Em caso de renúncia ao mandato, a Lei 8.906/1994, em seu art. 5º, § 3º, determina
que o advogado continuará, durante os dez dias seguintes à notificação da renúncia, a
representar o mandante, salvo se for substituído antes do término desse prazo.” (op.
cit., p. 206-207. Grifei)
Ora, se no campo processual penal já se chegou a essa dedução, no da
ética profissional, em que o ponto é objeto de tratamento na já não tão
recente Lei 8.906/94 (que versa sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem
dos Advogados do Brasil-OAB), dada a sua não menos imprecisa redação,
que se contenta em assentar a punição do advogado que “abandonar a
causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação
da renúncia”, reportando-se também vagamente ao fenômeno, a doutrina
especializada tratou de suprir a carência legada pelo legislador ordinário,
tarefa, aliás, própria dos operadores do direito.
Realmente, reza o seu artigo 34, inciso XI:
“Art. 34. Constitui infração disciplinar:
(...)
XI – abandonar a causa sem justo motivo ou antes de decorridos dez dias da comunicação da renúncia.”
Para Flávio Olímpio de Azevedo, a apontada disposição não dispensa
a ideia de repetição, a corroborar a noção reiterativa para que tenha lugar
a punição, também, no âmbito disciplinar:
“Caracteriza-se o abandono da causa quando, em nome de seu constituinte, deixa
o advogado injustificadamente de promover atos e diligências que lhe competiam
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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durante o curso processual de maneira reiterada, que se expressa na forma definitiva
pela absoluta ausência nos autos, demonstrando o ânimo de não atuar.
Não ocorre abandono de causa quando o advogado, por negligência ou desídia,
perde prazo para arrolar testemunha ou não comparece em audiência previamente
aprazada, etc. e, em seguida, volta a dar o impulso processual cabível. Nessas hipóteses,
havendo efetivo prejuízo ao cliente, deve responder pelos danos inerentes à omissão na
esfera da responsabilidade civil e sofrer as sanções de caráter disciplinar capituladas
no art. 34, IX, do EOAB, analisado anteriormente.
É tipificada a transgressão também quando deixa o advogado de atuar antes de
decorridos os dez dias seguintes à comunicação da renúncia. Mas, por ser o prazo
exíguo, dificilmente ocorrerá a caracterização do desamparo da causa.
No exame da infração ética ora em baila, vale citar o ensinamento de Ruy A.
Sodré: ‘[...] o advogado é livre de aceitar ou não a causa. Mas, uma vez aceita, a ela
fica fortemente vinculado, pois assume deveres para com o cliente, a quem não pode
abandonar [...]’.” (Comentários ao estatuto da advocacia. São Paulo: IOB Thomson,
2006. p. 164. Grifei)
Se assim é, e dúvida não há quanto à acepção que o vernáculo outorga
ao verbo nuclear inscrito em ambos os tipos aqui discorridos, para que
ocorra a subsunção do fato à norma requer-se, conclusivamente, um senso
de “definitividade”, a reclamar que a falta de atuação do causídico apta a
configurar o abandono de causa é aquela que tenha ares de permanência,
de constância, enfim, de continuidade, e não a que se resuma a um único
ato do processo, hipótese que bem pode ser denominada de “ausência
injustificada”, cuja dimensão jurídica é, deveras, muito menos grave.
No ramo do direito processual civil, a compreensão do que vem a ser a
locução “abandonar a causa por mais de 30 (trinta) dias”, ínsita ao artigo
267, inciso III, do Código de Processo Civil, examinada da perspectiva
do autor da ação, não difere da empregada na processualística penal, no
tocante ao alcance que se deve emprestar ao termo “abandonar” e a sua
repercussão para o processo do ponto de vista da atuação daquele sujeito
da relação processual.
Os renomados Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery
tecem as seguintes considerações a respeito:
“III: 7. Abandono de causa pelo autor. Para que se verifique esta causa de extinção
do processo, é necessário o elemento subjetivo, isto é, a demonstração de que o autor
deliberadamente quis abandonar o processo, provocando a sua extinção. Caso pratique algum ato depois de decorridos os trinta dias, o processo não deve ser extinto. O
termo inicial do prazo ocorre com a intimação pessoal do autor para dar andamento
136
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
ao processo (CPC 267 § 1º). É vedado ao juiz proceder de ofício. Só pode extinguir
o processo a requerimento do réu (STJ 240).” (Código de processo civil comentado e
legislação extravagante: atualizado até 1º de março de 2006. 9. ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 435. Grifei)
Já E. D. Moniz de Aragão, em obra clássica, pondera semelhantemente:
“508. Abandono de causa pelo autor – O terceiro inciso, diferentemente do anterior, prevê uma sanção a ser imposta ao autor negligente. Trata-se de regra igual à que
figurava no Código de 1939 (art. 201, V).
A primeira circunstância a ser apurada é a responsabilidade do autor pela prática do
ato que lhe incumbia, já agora tomado em consideração o elemento subjetivo. Se algum
motivo de força maior impediu a sua realização, a pena não pode ser imposta. Não basta
que o processo haja estado paralisado, é indispensável que o autor revele o intuito de
abandoná-lo, o que não ocorre se o ato vier a ser praticado espontaneamente, mesmo
depois de vencidos os 30 dias (desde que, é óbvio, não haja sido, ainda, requerida a
extinção pela outra parte), ou quando intimado na forma do § 1º. (...)” (Comentários
ao Código de Processo Civil, Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. v. II, arts. 154 a
269. 10. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 424. Grifei)
Tais asserções bem revelam que o abandonar da causa, pelo demandante que litiga no terreno da jurisdição civil, sugere um ânimo terminativo,
chegando a dela desistir, decisivamente.
Nessa linha de raciocínio, não vejo porque não dar esse senso ao artigo
265 do Código de Processo Penal, emprestando-lhe a exigência de que
o desleixo ao processo, pelo advogado, seja definitivo, consubstanciado
em reiterados comportamentos indicativos de alguma modalidade de
desídia na condução defensiva do feito, em manifesto prejuízo de seu
constituinte, já em vias de se tornar indefeso, provando-se, necessariamente, o elemento subjetivo, para, somente à vista de tais circunstâncias,
cogitar da aplicação da sanção pecuniária correspondente. Esta, gize-se,
deve ficar reservada para as situações de extrema excepcionalidade, até
mesmo porque contempla patamares valorativos que, se não sopesados
com a prudência necessária em cada caso concreto, poderão em muito
exceder os limites do razoável.
É, a meu ver, a opção mais sensata e ponderada para a cognição
sumária deste mandamus, que evita a confusão entre o abandono e a
mera ausência injustificada, conceitos que traduzem realidades bem
diferentes.
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Ora, na conjectura dos autos, não há lugar para um juízo categórico
que abone o cabimento da medida adotada pelo Impetrado, pois, de um
lado, não deixa de haver certa plausibilidade nos argumentos expendidos no petitório que requereu a reabertura do prazo decendial para a
apresentação da defesa prévia, e, de outro, nada obstante o decurso do
novo lapso deferido em sede de postulação prorrogatória, o Impetrante
recobrou a condução do processo, firmando de próprio punho a peça
defensiva ulteriormente protocolizada (fl. 266-verso), em conjunto com
mandatários constituídos, como ele, em procuração plúrima, minimizando ou mesmo impedindo, com essa postura, eventuais prejuízos aos seus
constituintes, a atestar que não houve afastamento definitivo em relação
ao patrocínio da causa na aludida persecução penal.
Daí que, mesmo abstraindo a questão de não ter sido oportunizada a
manifestação prévia à imposição da penalidade, em todo caso capaz de
elidi-la, forçoso reconhecer que, materialmente falando, o objeto tutelado
pela norma do artigo 265 do Código de Processo Penal, ao contrário do
que se supôs na instância a quo, não restou em nada ofendido.
Logo, descaracterizada a figura jurídica que ensejou a aplicação da
multa na espécie, resta prejudicada a alegação subjacente a respeito do
quantum arbitrado (R$ 23.500,00), primo ictu oculi desproporcional com
as circunstâncias que permeiam o mérito da impetração.
Ante o exposto, e por tudo mais que consta dos autos, voto no sentido
de conceder a segurança para anular a cobrança da sanção pecuniária,
nos termos da fundamentação.
138
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL Nº 2009.70.00.006691-0/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado
Agravante: M.L.L. – réu preso
Advogado: Defensoria Pública da União
Agravado: Ministério Público Federal
EMENTA
Agravo em execução penal. Decisão que indeferiu pedido de expurgo
de falta grave formulado por custodiado na penitenciária federal de
Catanduvas/PR. Lesão corporal tentada. Arts. 52 e 49, parágrafo único,
da Lei nº 7.210/84. Ofensa disciplinar. Ilícito administrativo. Separação
das instâncias.
A tentativa de lesão corporal entre apenados, no interior de presídio
federal de segurança máxima, caracteriza a falta grave prevista nos arts.
52, primeira parte, e 49, parágrafo único, da Lei de Execução Penal.
Impositivo reconhecer a separação das instâncias, administrativa
e judiciária, na hipótese de faltas disciplinares. Perfectibilizado o ato
delitivo, ainda que tentado, admissível a penalidade administrativa por
parte da direção do presídio, não importando, para o caso em tela, as
eventuais vicissitudes processuais futuras.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo em execução penal, nos
termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte
do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de setembro de 2009.
Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Cuida-se de
agravo interposto pela Defensoria Pública da União, na defesa de M.L.L.
(fls. 2 a 6), contra decisão (fls. 7 a 9) que indeferiu pedido de expurgo
de falta grave ao argumento de que houve efetiva comprovação de que
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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referido apenado envolveu-se em agressões, físicas e verbais, com outro
interno da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR, configurando as
hipóteses previstas nos artigos 52, primeira parte, e 49, parágrafo único,
ambos da Lei nº 7.210/84.
Em seu recurso, o apenado afirma não ter ocorrido agressão, nem
mesmo tentada, mas, apenas, uma discussão acalorada, não havendo
qualquer crime, até porque não instaurado processo penal com recebimento de denúncia.
Foram juntadas contrarrazões (fls. 24 a 28 dos autos).
Apresentando parecer (fls. 89 e 90-v), o Ministério Público Federal
opinou pelo desprovimento do agravo em execução.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado: Assim disse
o “comunicado” que informou acerca das agressões mútuas ocorridas
entre os internos (M.L.L. e S.S.R.), da Penitenciária de Catanduvas, em
11.05.2008 (fl. 44):
“Informo a Vossa Senhoria que por volta das 15h20min, na vivência C, observei
uma movimentação anormal em relação aos internos M.L.L., F.F.D.F. e S.S.R., uma
vez que os mesmos há algum tempo se distanciaram do restante do grupo que tomava
sol e, nesse momento, começaram a gesticular. (...) Logo em seguida solicitei apoio ao
chefe de equipe e nesse momento os internos começaram a se agredir reciprocamente.
Oportunidade essa em que eu solicitei por várias vezes, verbalmente, que os mesmos
cessassem o tumulto e se dirigissem ao fundo do pátio, deitados com a mão na cabeça,
sendo que não tive o comando atendido. Pensando na integridade física dos internos
envolvidos e também percebendo que os outros internos que tomavam sol naquele
horário começaram a querer participar do tumulto, se fez necessário efetuar um disparo
de advertência para o alto com a calibre 12. Após o referido disparo, os internos, de
imediato, se jogaram ao chão no fundo do pátio e com as mãos na cabeça, atendendo
assim ao comando inicialmente dado. Nesse momento já se fazia presente o apoio solicitado, e então foram recolhidos os internos do banho de sol, sendo que os 3 internos
envolvidos no tumulto foram recolhidos para a triagem (...).”
A partir do “comunicado”, foi instaurado processo disciplinar para
apurar os fatos (fls. 42 e 43), sendo reconhecido o cometimento de falta
grave de M.L.L. e S.S.R. (fls. 69 a 76).
O Diretor da Penitenciária Federal de Catanduvas/PR assim funda140
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
mentou sua decisão (fl. 73):
“(...) Com base nas imagens do circuito interno de vigilância, constata-se que a
briga iniciou-se exatamente às 14:26:26 com um soco desferido pelo interno S.S.R.
na direção do rosto do M.L.L. Está claro que um soco nesta direção não configura a
contravenção de vias de fato, mas, no mínimo, tentativa de lesão corporal. Aliás, esta
se difere daquela pelo seu elemento subjetivo, ou seja, pelo dolo de lesionar, de ofender a integridade física da pessoa, ao passo que naquela, embora haja em alguns casos
o desforço físico, não há a intenção de lesionar ou de ofender a integridade física da
outra pessoa.
Da mesma forma, segundo mostra as imagens, exatamente às 14:26:37 é possível
ver claramente a tentativa de lesão corporal por parte do interno M.L.L. ao desferir um
chute contra o interno S.S.R., o que, de fato, configura a falta disciplinar de natureza
grave (art. 45, inc. VII, do Decreto nº 6.049/07 e art. 129, caput, c/c art. 14, inc. II,
ambos do Código Penal).”
O comunicante Evaldo Santos Rocha, Agente Penitenciário Federal,
afirmou (fls. 57 e 58) que os envolvidos M.L.L. e S.S.R. se afastaram
dos demais e que, em determinado momento, “ouviu vozes alteradas no
pátio e gestos bruscos por parte do interno S.S.R.” quando, em seguida,
“os internos começaram a agredir-se mutuamente”, sem que fosse possível identificar quem agredia quem. Disse ter proferido ordem “para
que todos os internos fossem para o fundo da cela e colocassem as mãos
na cabeça”, mas que, como não obedeceram, nem após segunda ordem,
“efetuou um disparo da espingarda calibre 12, com munição não letal,
para o alto”, quando, aí sim, os internos o atenderam.
Analisando o vídeo (fl. 85), o depoente afirmou que F.F.D.F. mediou
a briga e que “o interno S.S.R. estava mais exaltado”, gritando e gesticulando. Também asseverou que, no seu “ponto de vista, houve tentativa
de lesão corporal por parte dos internos”, que “S.S.R. e M.L.L. tentaram
agredir-se mutuamente” e que “a lesão corporal não se consumou por
circunstâncias alheias às vontades dos internos, ou seja, em razão da
atuação do depoente; que pode afirmar que se não tivesse intervindo as
lesões teriam se consumado; que pelas circunstâncias dos fatos o depoente pode afirmar que houve a tentativa de lesão corporal, e não apenas
as vias de fato; que foi necessária a intervenção do depoente para que a
lesão corporal não se consumasse”.
Os envolvidos negam que os fatos tenham ocorrido da maneira referida
(fls. 61 a 63); também outro apenado, D.R.V., negou os fatos (fl. 60),
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141
dizendo tratar-se de uma discussão “bastante acalorada”.
No particular, peço vênia para repisar parte do parecer do Ministério
Público Federal (fl. 90):
“(...) Sem embargo haja testemunho do interno D.R.V. (fl. 60) contrariando essas
provas, o fato é que suas palavras deixam transparecer certa postura de proteção a seu
colega de carceragem e mesmo algum antagonismo entre os detentos e os agentes, evidenciados especialmente quando há chancela à versão de que sucedera apenas discussão
acalorada e quando há contrariedade ao enfatizado pelos agentes, sobretudo porque o
depoente afirma que nenhuma ordem precedera o disparo e que este fora efetuado na
direção dos segregados. Veja-se que essa versão, em parte de suas nuanças – mormente
nas alegadas ausência de ânimo de causar ofensas corpóreas e inação da autoridade
policial quando do início dos desentendimentos –, vem sustentada também por S.S.R.
e por F.D.F. (fls. 63 e 64), o primeiro igualmente implicado nas agressões e o último
certamente ligado aos envolvidos, pois com eles estava por ocasião do evento e tentou
apartá-los. Logo, tais elementos mostram-se inaptos a afastar as provas coligidas em
direção oposta àquela da argumentação recursal.”
O exame do DVD acostado na fl. 85 bem traduz a conduta tipificada
na forma de lesão corporal tentada (art. 129 c/c art. 14, II, ambos do CP),
não se sustentando a tese de que o ocorrido configurou mera contravenção
na forma de “vias de fato”. O fato é que ocorreu o tipo penal, mas, por
obra da intervenção do servidor público, o foi na modalidade tentada.
O art. 52 da Lei de Execução Penal assim diz:
“Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e sujeita
o preso, ou condenado, à sanção disciplinar, sem prejuízo da sanção penal.”
E, antes dele, o art. 49, no seu parágrafo único, assim disciplina em
relação à tentativa:
“Art. 49. As faltas disciplinares classificam-se em leves, médias e graves. A legislação local especificará as leves e médias, bem assim as respectivas sanções.
Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a sanção correspondente à falta consumada.”
Relevante, no tópico, reproduzir parte da decisão recorrida
(fl. 7-v e 8):
“Sobreleva destacar que comportamentos graves como o praticado, a par de reprovabilidade no convívio normal, merecem ainda maior reprovação num presídio de segurança
máxima, não podendo se olvidar que a disciplina e a urbanidade e o respeito no trato com os
demais condenados constituem, dentre outros, deveres do apenado (artigo 39 da LEP).”
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Por fim, em relação ao fato de não ter sido instaurado processo penal com recebimento de denúncia, cabe ressaltar, primeiramente, que a
legislação de regência, como já visto, prevê, em relação às faltas disciplinares, a punição da tentativa. Por outro lado, não se pode esquecer a
separação das instâncias no tocante às esferas administrativa e judicial.
Assim, perfectibilizado o ato, ainda que tentado, deixam de interessar,
para o caso em tela, as eventuais vicissitudes processuais futuras. O que
é relevante é a existência de um mau comportamento entre detentos e
o fato de a Lei de Execução Penal fazer previsão à hipótese de infração
disciplinar quando houver ação similar a fato que constitua crime.
Isso posto, nego provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida,
nos termos da fundamentação.
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DIREITO PREVIDENCIÁRIO
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2002.04.01.050791-4/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper
Autor: Alvino Felicio da Silva
Advogados: Drs. José Ricardo Margutti e outros
Réu: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional do INSS
EMENTA
Previdenciário. Ação rescisória. Art. 485, V, do CPC. Exercício de
atividades agrícolas antes dos 14 (catorze) anos de idade. Matéria de
natureza constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343 do STF.
1. Entende o STF que a norma constitucional que proíbe o trabalho
remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo ser
12 (art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC nº
1/1969), 14 (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original) ou
16 anos (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC nº
20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em
consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em
tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho;
que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da
Constituição Federal de 1967 (com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01/1969), que encontra correspondência ou similitude,
precisamente no tocante à questão em discussão neste processo, nos
artigos 7º, XXIV, e 201, § 7º, da Constituição Federal de 1988, que,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
147
respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime geral
de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo de
contribuição e idade). Precedentes.
2. O reconhecimento, como tempo de serviço, da atividade rural de
segurados antes dos 14 (quatorze) anos de idade envolve questão de
natureza constitucional.
3. Tratando-se de matéria de natureza constitucional, não incide a
limitação da Súmula 343 do STF [“Não cabe ação rescisória por ofensa
a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”], de forma
que “Cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição constitucional,
ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação
controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal Federal.” (RE-ED 328.812/AM, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar
Mendes, DJe de 30.04.2008)
4. O acórdão que entende não ser possível o cômputo do tempo de
serviço rural em regime de economia familiar no período anterior aos
14 (quatorze) anos de idade pode ser rescindido por violação aos arts.
7º, XXIV, e 201, § 7º, da CF/1988.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de janeiro de 2010.
Des. Federal Celso Kipper, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Trata-se de ação rescisória
ajuizada em 12.11.2002 (fl. 02) por Avelino Felicio da Silva, com fundamento no artigo 485, V, do CPC, objetivando desconstituir acórdão
proferido pela Colenda 5ª Turma deste Tribunal que, julgando comprovado o exercício de atividade rurícola em regime de economia familiar
148
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
no período de 08.11.1970 a 27.07.1979, deixou de computar o período
de 08.11.1968 a 08.11.1970, isto é, o trabalho agrícola exercido dos 12
aos 14 anos.
O autor sustenta que o acórdão rescindendo violou o disposto nos arts.
158, X, da CF/67 e 5º, XXXVI, da CF/88. Postula o reconhecimento do
tempo de serviço rural em regime de economia familiar desde 08.11.1968,
data em que completou doze anos de idade.
Citado, o INSS ofereceu contestação aduzindo que o pedido rescisório
não é cabível, porque a questão sub judice diz respeito a texto legal de
interpretação controvertida nos tribunais. Alternativamente, sustentou
que não é cabível o cômputo de tempo de serviço rural em regime de
economia familiar no período anterior à data em que o segurado completou quatorze anos de idade (fls. 121-128).
O Ministério Público Federal opinou pela procedência do pedido
(fls. 155-157).
Em julgamento realizado em 11.11.2004 (fls.163-166), a Terceira Seção desta Corte extinguiu o processo sem julgamento de mérito (art. 267,
VI, CPC), ao entendimento de que (a) a questão atinente à possibilidade
do cômputo do tempo de serviço rural em regime de economia familiar
no período anterior à data em que o segurado completou 14 anos de idade
(art. 11, inc. VI e § 1º, da Lei nº 8.213/91) era matéria de interpretação
controvertida nos Tribunais na época da prolação do acórdão rescindendo,
incidindo, pois, o disposto na Súmula 343 do STF, e (b) a controvérsia
em foco teria natureza infraconstitucional (interpretação do art. 11, inc.
VI e § 1º, da Lei 8.213/91), ainda que o autor tenha fundamentado o
pedido rescisório em dispositivos constitucionais, não sendo o caso,
pois, de aplicação da Súmula 63 deste Regional, que afasta a aplicação
da Súmula 343 do STF em matéria constitucional.
A parte autora apresentou Recurso Especial (fls. 169-176), tendo
sido provido pela Colenda Quinta Turma do STJ (fls. 192-196) “para
afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que o
Tribunal de origem aprecie o mérito da ação rescisória proposta pelo
segurado” (fl. 195).
Em 13.11.2009 os autos vieram-me conclusos.
É o relatório.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
149
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Celso Kipper: Como se sabe, a posição
desta Terceira Seção é no sentido de que o reconhecimento, para fins
previdenciários, da atividade rural antes dos 14 anos de idade envolve
interpretação de legislação infraconstitucional que, em tempos passados,
constituía matéria controvertida nos Tribunais, razão pela qual não caberia
ação rescisória da decisão que tratasse do assunto, à vista do disposto na
Súmula nº 343 do STF, verbis: “Não cabe ação rescisória por ofensa a
literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado
em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”.
Tal posição, é bom que se diga, por amor à história jurisprudencial
desta Corte, vem sendo tomada desde o julgamento na AR n.
2002.04.01.036914-1/RS, Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira,
DJU de 22.09.2004. Com base nesse precedente, foi julgado extinto
o presente processo, sem apreciação do mérito, por incabível a ação
rescisória.
No entanto, como dito no relatório, não foi esta a interpretação dada
pela egrégia Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, que deu
provimento ao recurso especial para afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que este Tribunal aprecie o mérito da ação
rescisória proposta pelo segurado. Eis o inteiro teor do voto-condutor
do eminente Ministro Arnaldo Esteves Lima:
“O acórdão recorrido entendeu que, embora o segurado tenha invocado dispositivos
constitucionais para embasar o pleito rescisório, ‘a controvérsia em foco tem natureza
infraconstitucional (interpretação do art. 11, inc. VI e § 1º, da Lei nº 8.213/1991)’ (fl.
164), motivo pelo qual aplicou o enunciado sumular 343/STF.
Todavia, o reconhecimento de trabalho exercido por menor de catorze anos é tema
que já foi alçado e apreciado pelo Supremo Tribunal Federal. Confira-se:
‘Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos.
Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes.
3. Alegação de violação aos arts. 5º, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de
contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México,
Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em
seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte. 4.
Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.04.86; e RE
104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86. 5. Agravo de instrumento a que se
150
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
nega provimento.’ (AI 529.694/RS, Segunda Turma, Rel. Min. GILMAR MENDES,
DJ 11.03.2005)
Merece consulta também: AI-AgR 476.694/RS, Segunda Turma, Rel. Min. GILMAR
MENDES, DJ 11.03.2005.
Parece claro, portanto, que a matéria envolve contencioso constitucional, apto a
atrair a jurisdição da Corte Suprema. Sendo assim, nos termos da pacífica jurisprudência
daquela Corte e do Superior Tribunal de Justiça, presente tema de índole constitucional,
é de rigor o afastamento do verbete sumular 343/STF. Ilustrativamente, no essencial:
‘EMENTA: Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário. 2. Julgamento
remetido ao Plenário pela Segunda Turma. Conhecimento. 3. É possível ao Plenário
apreciar embargos de declaração opostos contra acórdão prolatado por órgão fracionário, quando o processo foi remetido pela Turma originalmente competente. Maioria.
4. Ação Rescisória. Matéria constitucional. Inaplicabilidade da Súmula 343/STF.
5. A manutenção de decisões das instâncias ordinárias divergentes da interpretação
adotada pelo STF revela-se afrontosa à força normativa da Constituição e ao princípio
da máxima efetividade da norma constitucional. 6. Cabe ação rescisória por ofensa à
literal disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em
interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada pelo Supremo Tribunal
Federal. 7. Embargos de Declaração rejeitados, mantida a conclusão da Segunda Turma
para que o Tribunal a quo aprecie a ação rescisória.’ (RE-ED 328.812/AM, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 30.04.2008 – grifei)
‘CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO
RESCISÓRIA. ACORDO PARA FINS DE EXECUÇÃO DO JULGADO. CARÊNCIA
DE AÇÃO. PERDA DE OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. MATÉRIA CONSTITUCIONAL. SÚMULA 343/STF. INAPLICABILIDADE. PRECEDENTES. SERVIDOR
PÚBLICO. VENCIMENTO BÁSICO. VINCULAÇÃO AO SALÁRIO MÍNIMO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 7º, VII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
PEDIDO JULGADO PROCEDENTE.
(...)
3. O óbice da Súmula 343/STF, segundo a qual é incabível ação rescisória por
ofensa à literal disposição de lei quando fundada a decisão rescindenda em texto legal
de interpretação controvertida nos tribunais, é afastado quando a matéria é de índole
constitucional.
(...)
5. Pedido julgado procedente.’ (AR 1.359/RO, Terceira Seção, de minha relatoria,
DJ 27.11.2006)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar o óbice do enunciado sumular 343/STF e determinar que o Tribunal de origem aprecie o mérito da
ação rescisória proposta pelo segurado.
É o voto.”
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
151
Em verdade, a posição do egrégio Supremo Tribunal Federal, s.m.j.,
oscilou a respeito nos últimos anos. Em pesquisa ao site do STF, encontrei, entre os anos de 2001 e 2003, apenas decisões no sentido de que a
matéria enfocada é de índole infraconstitucional [RE 329.525/RS, Min.
Carlos Velloso, decisão monocrática publicada no DJ de 08.04.2002;
RE 297.209/PR, Min. Sydney Sanches, decisão monocrática publicada
no DJ de 16.12.2002; AI 428.600/RS, Min. Carlos Velloso, decisão monocrática publicada no DJ de 20.05.2003]. Nos anos de 2005 e 2006, há
decisões em ambos os sentidos, ou seja, que a questão encontra solução
em norma infraconstitucional [AI-AgR 510.128, DJ de 29.04.2005; RE
449.012, DJ de 04.05.2005; AI 527.589, DJ de 17.08.2005; a primeira,
de relatoria do Min. Carlos Velloso, e as demais, decisões monocráticas
do mesmo Ministro] ou, ao revés, que a questão é de natureza constitucional [AI 529.694, DJ de 11.03.2005; AI 500.233, DJ de 14.09.2005;
AI-AgR 522.678, DJ de 08.05.2006, a primeira, de relatoria do Min.
Gilmar Mendes, e as demais, decisões monocráticas do mesmo Ministro].
A posição que, ao que parece, tem prevalecido é essa última, à vista das
decisões monocráticas da eminente Ministra Carmen Lúcia, proferidas
em 2008, no RE 439.764, DJe de 30.04.2008, e no AI 502.246, DJe de
30.09.2008.
As últimas decisões (da Min. Carmen Lúcia), aliadas às dos precedentes de relatoria ou decididas monocraticamente pelo Min. Gilmar Mendes,
demonstram expressa e suficientemente a posição do STF no sentido da
possibilidade do cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola
desempenhada por menor de 14 anos de idade.
Se o Superior Tribunal de Justiça e, principalmente, o Supremo Tribunal Federal têm assentado que a análise do reconhecimento, como
tempo de serviço, da atividade rural desempenhada pelo menor de 14
anos envolve matéria constitucional, penso que devemos alterar o entendimento sobre o tema no âmbito do julgamento das ações rescisórias.
Aliás, esta Corte, em vários julgados, tem decidido a questão com enfoque constitucional, como se vê, a título de exemplo, de votos de minha
autoria, (AC n.º 2007.71.00.048872-0/RS, sessão de 04.11.2009, D.E de
13.11.2009; AC nº 2004.04.01.003086-9/RS, sessão de 27.01.2009, D.E
de 10.02.2009), assim assentados:
152
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
“Também se discute, na presente ação, sobre a possibilidade de ser reconhecido,
para fins de aposentadoria, tempo de serviço referente à atividade rural em regime de
economia familiar exercida por menor com idade inferior a catorze anos.
O reconhecimento do tempo de serviço rural em regime de economia familiar
deu-se somente a partir da edição da Lei 8213/91, que, em seu art. 11, inciso VII, e §
1º, assim dispõe:
‘Art. 11 – São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas
físicas:
(...) omissis
VII – como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário
rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades,
individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual
de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores
de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente,
com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos
membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições
de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados. (...)’
A mesma Lei nº 8.213/91, em seu art. 55, § 2º, possibilita que o tempo de serviço
do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de sua vigência, seja computado
independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto
para efeito de carência. E é com relação a esse tempo de serviço – anterior ao início
da vigência da Lei nº 8.213/91 – que se trata aqui.
Pois bem, o art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, acima transcrito, estabelece a idade
mínima de 14 anos para que o trabalhador rural em regime de economia familiar possa
ser considerado segurado especial da Previdência Social. A idade de 14 anos não é
aleatória. À toda evidência, o legislador procurou coerência com a idade mínima permitida para o exercício de atividade laboral segundo a norma constitucional vigente
quando da edição da Lei supramencionada. A lógica foi a seguinte: se o art. 7º, inc.
XXXIII, da Constituição Federal de 1988, em sua versão original, proibia qualquer
trabalho a menores de quatorze anos, salvo na condição de aprendiz, deveria esta idade
ser considerada limite mínimo para a obtenção da condição de segurado especial e, em
consequência, para o reconhecimento do tempo de serviço rural.
Desde já é preciso dizer que tal lógica não pode prevalecer para períodos anteriores
à proibição de trabalho para menores de quatorze anos de idade. Assim, sob a égide
das Constituições Federais de 1967 e 1969, proibia-se o trabalho a quem contasse
menos de 12 anos de idade. Ora, em tal período deveria ser reconhecido para fins
previdenciários, pelo menos, o trabalho rural desempenhado a partir dos 12 anos de
idade. Aliás, é essa a interpretação dada à Lei nº 8.213/91 pelo próprio INSS no âmbito
administrativo, como se vê da Ordem de Serviço INSS/DSS 623, de 19 de maio de
1999 (DOU de 08.07.1999):
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
153
‘2 - DO LIMITE DE IDADE PARA INGRESSO NO RGPS
2.1 – O limite mínimo para ingresso na Previdência Social dos segurados que
exercem atividade urbana ou rural é o seguinte:
a) até 28.02.67 = 14 anos;
b) de 01.03.67 a 04.10.88 = 12 anos;
c) de 05.10.88 a 15.12.98 = 14 anos, sendo permitida a filiação de menor aprendiz
a partir de 12 anos;
d) a partir de 16.12.98 = 16 anos, exceto para o menor aprendiz, que é de 14
anos.’
Procurei demonstrar que a idade mínima considerada pela Lei nº 8.213/91 para
possibilitar que o trabalhador rural em regime de economia familiar seja considerado
segurado especial está intimamente ligada à idade mínima constitucionalmente prevista
para o exercício de qualquer trabalho. Mas não é só. Na verdade, desde há muito tempo,
tem-se considerado pelos tribunais pátrios, inclusive o Supremo Tribunal Federal, que
não podem ser prejudicados em seus direitos trabalhistas e previdenciários os menores de idade que exerçam efetivamente atividade laboral, ainda que contrariamente à
Constituição e à lei, no tocante à idade mínima permitida para o referido trabalho. O
limite mínimo de idade para que alguém possa trabalhar é garantia constitucional em
prol do menor, vale dizer, norma protetiva do menor norteadora da legislação trabalhista e previdenciária. A mesma norma editada para proteger o menor não pode, no
entanto, prejudicá-lo naqueles casos em que, não obstante a proibição constitucional,
efetivamente trabalhou.
Nesse sentido, em matéria previdenciária, precedente do Supremo Tribunal Federal,
sob o regime constitucional anterior:
‘ACIDENTE DO TRABALHO. SEGURO OBRIGATÓRIO ESTABELECIDO NO
ART. 165, XVI, DA CONSTITUIÇÃO: ALCANCE. CONTRATO LABORAL COM
AFRONTA À PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DO TRABALHO DO MENOR
DE DOZE ANOS.
Menor de doze anos que prestava serviços a um empregador, sob a dependência
deste, e mediante salário. Tendo sofrido o acidente de trabalho, faz jus ao seguro próprio.
Não obsta ao beneficio a regra do art. 165, X, da Carta da República, que foi inscrita na
lista das garantias dos trabalhadores em proveito destes, não em seu detrimento.
Recursos extraordinários conhecidos e providos.’ (STF, RE 104.654-6/SP, 2ª Turma,
Rel. Min. Francisco Rezek, julgado unânime em 11.03.86, DJ 25.04.86, p. 6.514)
Do voto do ilustre Ministro Relator, extraio um parágrafo que resume o fundamento
daquela decisão:
‘Está claro, ainda, que a regra do inciso X do mesmo dispositivo constitucional –
proibindo qualquer trabalho ao menor de doze anos – foi inscrita na lista das garantias
dos trabalhadores em proveito destes, e não em seu detrimento. Não me parece, assim,
razoável o entendimento da origem, que invoca justamente uma norma voltada para a
melhoria da condição social do trabalhador, e faz dela a premissa de uma conclusão que
154
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
contraria o interesse de seu beneficiário, como que a prover nova espécie de ilustração
para a secular ironia ‘summum jus, summa injuria’.’
Vê-se, pois, que o STF alarga ainda mais a interpretação acima deduzida. Já não se
trata de limitar os efeitos de natureza previdenciária àquelas atividades desempenhadas segundo a idade constitucionalmente permitida, considerando-se a Constituição
vigente à época do efetivo exercício laboral, mas de estender aqueles efeitos mesmo se
o exercício do trabalho tenha se dado contra expressa proibição constitucional, relativa
à idade mínima para tal.
Tal entendimento vem também evidenciado no recente precedente de que colho a
ementa a seguir:
‘Agravo de instrumento. 2. Trabalhador rural ou rurícola menor de quatorze anos.
Contagem de tempo de serviço. Art. 11, VII, da Lei nº 8213. Possibilidade. Precedentes.
3. Alegação de violação aos arts. 5°, XXXVI; e 97, da CF/88. Improcedente. Impossibilidade de declaração de efeitos retroativos para o caso de declaração de nulidade de
contratos trabalhistas. Tratamento similar na doutrina do direito comparado: México,
Alemanha, França e Itália. Norma de garantia do trabalhador que não se interpreta em
seu detrimento. Acórdão do STJ em conformidade com a jurisprudência desta Corte.
4. Precedentes citados: AgRAI 105.794, 2ª T., Rel. Aldir Passarinho, DJ 02.05.86; e
RE 104.654, 2ª T., Rel. Francisco Rezek, DJ 25.04.86. 5. Agravo de instrumento a que
se nega provimento.’ (Agravo de Instrumento nº 529.694-1/RS, Segunda Turma, Rel.
Min. Gilmar Mendes, DJ 11.03.2005)
Existe outro fundamento relevante para o reconhecimento de efeitos previdenciários àquele que, embora conte com idade inferior à mínima permitida para o exercício
de qualquer trabalho, efetivamente o desempenhe. Trata-se de um argumento que diz
respeito ao seu contrário, ou seja, à hipótese de não reconhecimento daqueles efeitos,
e pode ser resumido assim: a vida e o direito, nesse caso, seriam muito cruéis para o
menor, criança ainda, pois além de ter sido obrigado ao trabalho em tenra idade – sem
valer-se da proteção da família e do Estado – ainda não teria considerado tal trabalho
para fins previdenciários, resultando, na prática, uma dupla punição.
Com base em tais fundamentos, o Superior Tribunal de Justiça vem, reiteradamente,
reconhecendo para fins previdenciários o tempo de serviço rural desempenhado antes
dos quatorze anos de idade, como se constata, apenas a título de exemplo, das decisões
assim ementadas:
‘PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO. RURÍCOLA. MENOR DE 12 ANOS. LEI Nº 8.213/91, ART. 11, INCISO VII. PRECEDENTES. SÚMULA 07/STJ.
1 – Demonstrado o exercício da atividade rural do menor de doze anos em regime
de economia familiar, o tempo de serviço é de ser reconhecido para fins previdenciários,
porquanto as normas que proíbem o trabalho do menor foram editadas para protegê-lo,
e não para prejudicá-lo. Precedentes.
2 – Recurso especial conhecido.’ (STJ, RE 331.568/RS, 6ª Turma, Rel. Min. FerR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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nando Gonçalves, julgado unânime em 23.10.2001, DJ 12.11.2001)
‘PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE TEMPO
DE SERVIÇO RURAL ANTERIOR AOS 14 ANOS DE IDADE. POSSIBILIDADE.
NORMA CONSTITUCIONAL DE CARÁTER PROTECIONISTA. IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO AOS DIREITOS DO TRABALHADOR. DIVERGÊNCIA
JURISPRUDENCIAL NÃO COMPROVADA. ART. 255 E PARÁGRAFOS DO
RISTJ.
– Desde de que comprovada atividade rural por menor de 12 (doze) anos de idade,
impõe-se o seu reconhecimento para fins previdenciários. Precedentes.
– A simples transcrição de ementas não é suficiente para caracterizar o dissídio
jurisprudencial apto a ensejar a abertura da via especial, devendo ser mencionadas e
expostas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados, bem
como juntadas certidões ou cópias integrais dos julgados paradigmas.
– Inteligência do art. 255 e seus parágrafos do RISTJ.
– Precedentes desta Corte.
– Recurso parcialmente conhecido, e nessa parte provido.’ (STJ, RE 396.338/
RS, 5ª Turma, Rel. Min. Jorge Scartezzini, julgado unânime em 02.04.2002, DJ
22.04.2002)
‘PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. NOTAS
FISCAIS EM NOME DO PAI. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. CÔMPUTO DE
ATIVIDADE RURAL EXERCIDA ANTES DE COMPLETAR QUATORZE ANOS
DE IDADE EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. POSSIBILIDADE. ALUNOAPRENDIZ. ESCOLA PÚBLICA PROFISSIONAL.
I – As notas fiscais de produtor rural, em nome do pai do autor, constituem início
razoável de prova material, a completar a prova testemunhal, para comprovação de
atividade rural em regime de economia familiar.
II – Deve-se considerar o período de atividade rural do menor de 12 (doze) anos,
para fins previdenciários, desde que devidamente comprovado, pois a proteção conferida
ao menor não pode agora servir para prejudicá-lo.
III – O tempo de atividade como aluno-aprendiz é contado para fins de aposentadoria previdenciária.
IV – Recurso conhecido e provido.’ (STJ, RE 382.085, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson
Dipp, julgado unânime em 06.06.2002, DJ 01.07.2002)
De qualquer sorte, o efetivo exercício da atividade rural deve ser comprovado,
não bastando, obviamente, a comprovação de que seja filho de agricultor. Para tanto,
devem ser comprovados os requisitos do art. 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91 (trabalho dos
membros da família indispensável à própria subsistência e exercido em condições de
mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados).”
A esses fundamentos, há de se agregar outro, o qual também alicerçou o julgamento da 2ª Turma do STF, acima referido (AI 529.694): os
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
benefícios previdenciários a que o trabalhador tem direito não decorrem
da higidez da atividade laboral, mas, e sobretudo, da prática do ato-fatotrabalho. Eis um trecho do voto do Min. Gilmar Mendes, baseado em
parecer que Sua Excelência lavrou sob a égide da Constituição de 1967,
mas, segundo o próprio julgado, cujas lições continuam atuais:
“20. No caso em apreço, o v. aresto recorrido considerou que, estando vedado o
exercício de atividade laboral, por força de mandamento constitucional, não poderia
o INPS ser responsabilizado pelo acidente sofrido por aquele a quem a Constituição
impede o exercício do trabalho remunerado (CF, art. 165, X) e, consequentemente, a
vinculação ao regime previdenciário.
21. Não parece subsistir dúvida de que, ao assim decidir, o Egrégio Tribunal a quo
extraiu conclusão contrária ao sentido e ao conteúdo do preceito constitucional. Como
já amplamente demonstrado, hão de se reconhecer os efeitos jurídicos relevantes dimanados da referida relação, tendo em vista o fundamento da nulidade, não se podendo
aplicar a regra protetiva em desfavor do menor.
22. Acentue-se, outrossim, que não há que se cogitar aqui da responsabilização da
Previdência Social por ato ilícito de outrem, mas tão somente de reconhecer o direito
do trabalhador aos benefícios previdenciários, que não decorrem propriamente da
higidez da relação de emprego, mas, e sobretudo, da prática do ato-fato-trabalho (CF,
art. 165, XVI).”
O art. 165, XVI, da Constituição de 1967 (com a redação dada pela
Emenda Constitucional nº 1/1969), citado no voto, dispõe:
“Art. 165. A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de
outros que, nos termos da lei, visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XVI – previdência social nos casos de doença, velhice, invalidez e morte, segurodesemprego, seguro contra acidentes do trabalho e proteção da maternidade, mediante
contribuição da União, do empregador e do empregado;”
Em suma, entende o STF que a norma constitucional que proíbe o
trabalho remunerado a quem não possua a idade mínima para tal [podendo
ser 12 (art. 158, X, da CF/1967 e art. 165, X, na redação dada pela EC
nº 1/1969), 14 (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, em sua redação original)
ou 16 anos (art. 7º, XXXIII, da CF/1988, com a redação dada pela EC nº
20/1998), conforme a época] não pode ser aplicada em seu desfavor; em
consequência, não podem ser negados aos menores que se encontram em
tal situação os direitos previdenciários decorrentes do ato-fato-trabalho;
que a decisão que não reconhece tais direitos viola o art. 165, XVI, da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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Constituição Federal de 1967, que encontra correspondência ou similitude (digo eu), precisamente no tocante à questão em discussão neste
processo, nos artigos 7º, XXIV, e 201, § 7º, da Constituição Federal de
1988, que, respectivamente, inclui a aposentadoria como um dos direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, e assegura a aposentadoria no regime
geral de previdência social, observadas as condições que elenca (tempo
de contribuição e idade).
Pois bem, tratando-se de matéria de natureza constitucional, não
incide a limitação da Súmula 343 do STF, acima transcrita, conforme
decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal nos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário 328.812-1, cuja ementa também foi
reproduzida acima. A respeito, lapidar o voto condutor daquele acórdão,
de lavra do eminente Ministro Gilmar Mendes, do qual transcrevo os
seguintes excertos:
“No que tange à inaplicabilidade da Súmula 343/STF, tenho reiteradamente observado nesta Corte que este verbete precisa ser revisto. Refiro-me, especificamente,
aos processos que identificam matéria contraditória à época da discussão originária,
questão constitucional, bem como jurisprudência supervenientemente fixada, em favor
da tese do interessado.
Não vejo como não afastarmos a Súmula 343, nessas hipóteses, como medida de
instrumentalização da força normativa da Constituição.
(...)
A violação à literal disposição de lei obviamente contempla a violação às
normas constitucionais, o que poderia ser considerado como um tipo de violação
‘qualificada’.
Indaga-se: nas hipóteses em que esta Corte fixa a correta interpretação de uma
norma infraconstitucional, para fim de ajustá-la à ordem constitucional, a contrariedade a esta interpretação do Supremo Tribunal, ou melhor, a contrariedade à lei
definitivamente interpretada pelo STF em face da Constituição ensejaria a utilização
da ação rescisória?
Penso que sim. Penso que aqui há uma razão muito clara e definitiva para admissão
das ações rescisórias.
Quando uma decisão desta Corte fixa uma interpretação constitucional, entre outros
aspectos está o Judiciário explicitando os conteúdos possíveis da ordem normativa
infraconstitucional em face daquele parâmetro maior, que é a Constituição.
(...)
Não é a mesma coisa vedar a rescisória para rever uma interpretação razoável de lei
ordinária que tenha sido formulada por um juiz, em confronto com outras interpretações
de outros juízes, e vedar a rescisória para rever uma interpretação da lei que é contrária
158
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
àquela fixada pelo Supremo Tribunal Federal em questão constitucional.
Nesse ponto, penso que é fundamental lembrar que nas decisões proferidas por esta
Corte temos um tipo especialíssimo de concretização da Carta Constitucional. E isto
certamente não equivale à aplicação da legislação infraconstitucional.
A violação à norma constitucional, para fins de admissibilidade de rescisória, é sem
dúvida algo mais grave que a violação à lei.
(...)
De fato, negar a via da ação rescisória para fins de fazer valer a interpretação constitucional do Supremo importa, a rigor, em admitir uma violação muito mais grave à
ordem normativa. Sim, pois aqui a afronta se dirige a uma interpretação que pode ser
tomada como a própria interpretação constitucional realizada.
(...)
Considerada tal distinção, tenho que aqui a melhor linha de interpretação do instituto
da rescisória é aquela que privilegia a decisão desta Corte em matéria constitucional.
Estamos aqui falando de decisões do órgão máximo do Judiciário, estamos falando de
decisões definitivas e, sobretudo, estamos falando de decisões que, repito, concretizam
diretamente o texto da Constituição.
Assim, considerado o escopo da ação rescisória, especialmente aquele descrito no
inciso V do art. 485 do CPC, a partir de uma leitura constitucional deste dispositivo
do Código de Processo, já não teria dificuldades em admitir a rescisória no caso em
exame, ou seja, nos casos em que o pedido de revisão da coisa julgada funda-se em
violação às decisões definitivas desta Corte em matéria constitucional.
(...)
A aplicação da Súmula 343 em matéria constitucional revela-se afrontosa não só
à força normativa da Constituição, mas também ao princípio da máxima efetividade
da norma constitucional.
Admitir a aplicação da orientação contida no aludido verbete em matéria de interpretação constitucional significa fortalecer as decisões das instâncias ordinárias em
detrimento das decisões do Supremo Tribunal Federal.
(...)
A interpretação restritiva, considerado esse modelo em que as questões constitucionais chegam ao Supremo tardiamente, cria uma inversão no exercício da interpretação
constitucional. A interpretação dos demais tribunais e dos juízes de primeira instância
acaba por assumir um significado muito mais relevante que o pronunciamento desta
Corte. Não posso aceitar isso. Isso não é, por evidente, uma rejeição ao modelo difuso.
O que quero enfatizar é que estamos aqui diante de uma distorção do modelo que merece ser corrigida. A rescisória, tal como se coloca no presente caso, serve justamente
para permitir essa correção.
A exegese restritiva, que na verdade assume um caráter excessivamente defensivo,
acaba por privilegiar a interpretação controvertida, para a mantença de julgado desenvolvido contra a orientação desta Corte; significa afrontar a efetividade da Constituição.
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Isso não me parece aceitável, com a devida vênia.” (grifei)
Em suma, considerando que a posição do STF é clara no sentido de
ser possível o cômputo, como tempo de serviço, da atividade rurícola
do menor de 14 anos; que o mesmo Supremo Tribunal, por seu Plenário, decidiu que “a manutenção de decisões das instâncias ordinárias
divergentes da interpretação adotada pelo STF revela-se afrontosa à
força normativa da Constituição e ao princípio da máxima efetividade
da norma constitucional” e que “cabe ação rescisória por ofensa a literal
disposição constitucional, ainda que a decisão rescindenda tenha se baseado em interpretação controvertida, ou seja, anterior à orientação fixada
pelo Supremo Tribunal Federal”; e que a decisão rescindenda, ao não
reconhecer o tempo de trabalho rural de menor de 14 anos, afastou-se da
atual posição do STF, deve a presente ação ser julgada procedente.
Passo, pois, ao juízo rescisório.
Considerando que o objeto da ação rescisória envolve matéria exclusivamente de direito, porquanto pretende apenas a rescisão do tópico do
acórdão que estabeleceu limite etário mínimo para o cômputo de atividades agrícolas para fins previdenciários, desnecessária a reiteração da
análise da prova produzida.
Assim, as atividades desenvolvidas pelo autor podem ser resumidas
do seguinte modo:
Tempo de serviço reconhecido na via administrativa
20a 02m 29d
Tempo de serviço agrícola reconhecido na ação originária, não impugnado na presente ação rescisória (08.11.1970 a 27.07.1979)
08a 08m 19d
Tempo de serviço agrícola dos 12 aos 14 anos, computados em face
da presente ação rescisória
Total
02a 00m 00d
30a 11m 18d
A carência também resta preenchida, pois o demandante verteu, de
forma ininterrupta, mais de 150 contribuições até 1996, cumprindo,
portanto, a exigência do art. 142 da Lei de Benefícios.
Contando o autor, na data do requerimento administrativo, 30 anos,
11 meses e 18 dias de tempo de serviço, e implementada a carência mínima, é devida, pois, a aposentadoria por tempo de serviço proporcional,
160
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com renda mensal inicial de 70% do valor do salário de benefício, nos
termos do art. 53, II, da Lei nº 8.213/91, a contar da data do protocolo
administrativo (07.05.1996), de acordo com os artigos 54 e 49, II, daquele mesmo diploma legal, razão pela qual, em juízo rescisório, nego
provimento ao apelo e à remessa oficial.
Sucumbente, pagará o INSS, em juízo rescindendo, honorários de R$
465,00, em face do baixo valor atribuído à causa (R$ 2.400,00), e, em
juízo rescisório, 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a presente
decisão (Súmula 111 do STJ). Não há depósito a ser levantado.
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no
art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita,
em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão
de Ordem na AC nº 2002.71.00.050349-7/RS, de que fui relator para o
acórdão, julgado em 09.08.2007), determino o cumprimento imediato
do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte-autora (CPF
nº 370.143.900-15), a ser efetivada em 45 dias.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória, nos
termos da fundamentação.
VOTO-VISTA
O Exmo. Sr. Juiz Federal Luiz Carlos Cervi: Fiz detida análise do caso,
após exame dos autos, e cheguei a conclusão idêntica à do relator.
Ante o exposto, voto por julgar procedente a ação rescisória.
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161
EMBARGOS INFRINGENTES Nº 2005.70.00.018333-7/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira
Relator p/ acórdão: O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti
Embargante: Paulo Afonso Borba Rolim
Advogada: Dra. Maria Gomes Sampaio
Embargado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional do INSS
EMENTA
Tempo de serviço. Filho menor de cartorário. Regime de economia
familiar urbano.
Não pode ser computado como tempo de serviço para fins previdenciários, independentemente de contribuição, o período em que o filho
menor trabalhava sob as ordens do pai, titular de ofício de Registro de
Imóveis, em regime de economia familiar urbano, inassimilável a contrato de trabalho.
Tempo de serviço. Irmão de cartorário. Sociedade de fato.
Não cabe computar como tempo de serviço para fins previdenciários,
independentemente de contribuição, o período de trabalho na qualidade
de sócio de fato do irmão, titular de Registro de Imóveis, inferida essa
condição das peculiaridades do caso concreto (tinha experiência no
ofício, não era registrado como os empregados do cartório, não estava
sob as ordens do pai).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
maioria, vencido o relator, negar provimento aos embargos infringentes,
nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de outubro de 2009.
Des. Federal Rômulo Pizzolatti, Relator para o acórdão.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Trata-se
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
de embargos infringentes opostos por Paulo Afonso Borba Rolim contra
pronunciamento da 5ª Turma desta Corte que, por maioria de votos de
seus membros, deu provimento à apelação do INSS e à remessa oficial,
reformando a sentença que havia julgado procedente o pedido de concessão da aposentadoria por tempo de serviço integral, desde a data do
primeiro requerimento administrativo (19.10.1998), mediante o reconhecimento das atividades urbanas exercidas pelo autor no Cartório do
Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, nos intervalos
compreendidos entre 05.02.1958 e 31.05.1966 (como ficharista) e entre
02.06.1966 e 30.09.1977 (como datilógrafo).
O voto vencedor, proferido pelo Des. Federal Rômulo Pizzolatti, o
qual restou acompanhado pelo revisor Juiz Federal Luiz Carlos Cervi,
entendeu, em suma, ser indevido o reconhecimento, para fins previdenciários, do tempo de serviço prestado em cartório de registro de imóveis
de que eram titulares o pai e o irmão do postulante, em virtude da falta
de caracterização da relação de emprego, quando o trabalho era desempenhado em regime de economia familiar, como aprendiz do ofício e
dependente do pai, ou em sociedade de fato com o próprio irmão.
Em contrapartida, o voto vencido, exarado pelo relator, Juiz Federal
Artur César de Souza, sustentou que teria sido devidamente comprovado nos autos mediante início de prova material, respaldada por prova
testemunhal produzida sob o crivo do contraditório, que a parte-autora
exerceu atividades urbanas nos lapsos em debate, ressaltando ser ônus do
empregador o recolhimento das contribuições previdenciárias devidas,
fazendo jus à obtenção da aposentadoria por tempo de serviço integral,
a contar da data do protocolo administrativo (19.10.1998).
Almeja o embargante a prevalência do voto vencido que negou provimento à apelação do INSS e à remessa oficial, confirmando o teor da
sentença proferida.
Transcorreu in albis o prazo para impugnação ao presente recurso.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira: Tratando-se
de embargos infringentes, a discussão deve limitar-se à matéria objeto
da divergência.
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Com efeito, a controvérsia objeto dos presentes embargos diz respeito à
possibilidade de reconhecimento das atividades urbanas desenvolvidas
pelo postulante durante os períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e
de 02.06.1966 a 30.09.1977, nas funções de ficharista e datilógrafo,
respectivamente, junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª
Circunscrição de Curitiba/PR, que pertenceu ao seu pai e, após, ao seu
irmão, para efeito de concessão do benefício de aposentadoria por tempo
de serviço integral.
Reconhecimento do tempo de serviço urbano
O tempo de serviço urbano pode ser comprovado mediante a produção
de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova
testemunhal idônea – quando necessária ao preenchimento de eventuais
lacunas –, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, §
3º, da Lei nº 8.213/91.
Entendo ser desnecessária a apresentação de documentos referentes
a todo o período que se pretende provar. Com efeito, o comando legal
determina início de prova material do exercício de atividades, e não
prova plena (ou completa) de todo o período alegado pelo autor, pois a
interpretação aplicável, quanto ao ônus da prova, não pode ser aquela com
sentido inviabilizador, desconectado da realidade social. Ademais, não
há confundir início de prova material do exercício da atividade laboral
com prova material do início dessa atividade. Assim, o início de prova
documental é lastro para todo o período alegado.
Do caso concreto
No caso em apreço, para fazer prova do exercício da atividade, o autor
acostou, entre outros, os seguintes documentos:
a) declaração registrada em cartório por seu genitor, na condição de
Oficial Titular Vitalício do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, datada de 13.12.1966, mencionando que o
requerente labutou naquele cartório entre 05.02.1958 e 31.05.1966, na
função de ficharista (fl. 21);
b) declaração registrada em cartório por seu irmão, na condição de
Oficial Titular Vitalício do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de Curitiba/PR, datada de 05.09.1983, atestando que o postulante
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trabalhou naquele cartório entre 02.06.1966 e 30.09.1977, na função de
datilógrafo (fl. 22);
c) certidões do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição de
Curitiba/PR, em que consta a inscrição final “Eu, Paulo Afonso B. Rolim, que a datilografei”, datadas de 02.08.1958, 14.07.1959, 03.10.1959,
07.03.1960, 10.02.1961, 10.01.1967, 19.01.1968, 02.04.1969, 28.08.1970
e 01.06.1971 (fls. 25-36);
d) laudo de exame grafotécnico, tendo como objeto um Livro de
Registro de Transcrições do Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição Imobiliária da comarca de Curitiba/PR, com termo de abertura
em 17.05.1960, no qual concluiu que todos os lançamentos manuscritos
que integram a averbação nº 3741, datada de 09.12.1966, constante na
fl. 157-v, procedem do próprio punho do autor (fls. 67-81);
e) simulação de tempo de serviço do INSS, em que este chega a
reconhecer o período urbano exercido pelo autor, entre 01.01.1964 e
31.12.1964, junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição
de Curitiba/PR (fls. 90-92).
Os documentos constituem início de prova material, uma vez que
albergam boa parte dos interregnos controvertidos.
Quanto à prova testemunhal, restou realizada audiência de instrução e
julgamento, em 18.10.2005 (fls. 72-74), na qual os depoentes confirmam
o exercício de atividades urbanas pela parte-autora junto ao Cartório do
2º Registro de Imóveis de Curitiba/PR. Senão, veja-se:
Carmen Madejski (fl. 182 – grifei):
“(...) sempre trabalhou em cartórios e conheceu o autor por volta de 1963/64; que
o autor trabalhava no cartório do pai, Waldemar Borba Rolim; que o cartório ficava
na esquina da Marechal Deodoro com a Floriano Peixoto; que só começou a trabalhar
nesse cartório em 1970; que antes trabalhava na 6ª Circunscrição, de Alípio Maciel;
que fez concurso para ingresso no cartório em 1965; que o cargo para o qual concorreu
era de escrevente juramentado (suboficial); que antes disso também trabalhava no
cartório, mas não tinha CTPS assinada; (...) que não sabe ao certo se a legislação da
época previa a possibilidade de os oficiais de cartório contratarem empregados celetistas,
mas acredita que sim; que quando entrou no cartório ninguém tinha CTPS assinada;
que se aposentou como funcionária do Estado, pelo Tribunal de Justiça; que o autor
tinha 14/15 anos quando o conheceu; (...) que quando conheceu o autor ele estudava,
acredita que de manhã; que o autor trabalhava no cartório antes de 1970; que quando
passava por lá sempre subia para falar com uma amiga e falar com o pai do autor e
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então via o autor a trabalhar; que o autor batia certidões e telefonava; que antes de
1970 o cartório possuía 4 funcionários; que lembra apenas do nome do irmão do autor,
DINIZ; que o autor ia sempre para o Cartório trabalhar, aprender o serviço; que o irmão
mais velho, Rogério, não trabalhava no Cartório; que o cartório trabalhava de 13h às
17h, um horário bom, que permitia ao autor trabalhar sem prejudicar sua formação;
que em 1970 pediu transferência para esse cartório, onde ficou até se aposentar em
1991; que quando entrou no Cartório já era o irmão do autor o titular; que não sabe se
o irmão do autor fez concurso para titular; que nesses vinte e um anos o autor sempre
trabalhou no cartório; que no começo o autor batia certidões, cuidava do fichário, e
depois passou a ser conferente; que não sabe por que o irmão não registrou o autor,
mas os outros funcionários eram registrados em CTPS; acredita que isso ocorreu por
serem eles irmãos; que os funcionários eram pagos em dinheiro vivo; que depois de
uma certa época começou a ter ficha de registro de empregados; que, de 1970 em diante,
trabalhavam no cartório 6 pessoas, mais o titular; que o autor sempre recebia como
funcionário, mas não sabe se ele recebia participação nos rendimentos da escrivania;
que o irmão era o titular até 1988/1989, quando então o ofício foi repassado para Milene
Berthier Name; que depois de 1970 o autor fazia expediente completo, uma vez que
trabalhava à noite; que acredita que os funcionários recebiam folhas de pagamento e
passavam recibos dos salários;”
Terezinha de Jesus Sant’Ana (fl. 184 – grifei):
“(...) conhece o autor desde o final de 1966, quando começou a trabalhar no 5ª CRI,
cujo titular era Maurino Carraro; que o autor trabalhava no 2° CRI, localizado nas
imediações; que o autor tinha cerca de 20 anos na época, era 4/5 anos mais novo que
a depoente; que fazia certidões no 5°, fichários; que o autor fazia o mesmo; que ia ao
cartório em que o autor trabalhava cerca de uma vez por mês, quando trabalhava; que
não fez concurso público, apenas um teste de seleção aplicado pelo titular do ofício;
que era funcionária celetista; que não tinha CTPS assinada na época da admissão;
que somente foi registrada em 1973, retroativamente a 1969; que concordou com isso
em razão de instâncias do patrão, o qual dissera que registrar retroativamente a 1966
‘era muito pesado’; que não trabalhou no 2° ofício, apenas no 5°; quando começou a
trabalhar em cartório, o 2° ofício (onde o autor trabalhava) já tinha se mudado para
o edifício Bantiba, na esquina das Marechais Deodoro e Floriano, no quinto andar;
que não chegou a conhecer o pai do autor, pois quando começou a trabalhar já havia
assumido a circunscrição o irmão do autor, DINIZ; que o autor era funcionário do
cartório, e não ‘apenas dava uma mão’ de vez em quando; que o autor recebia salários
do cartório, e não participação em custas; que recebia 5 ou 6 salários mínimos; que
tem absoluta certeza de que o autor era funcionário, e devia ganhar mais do que a
depoente, porquanto os homens sempre ganhavam mais que as mulheres; que trabalhou
no cartório até 1997, quando se aposentou pelo INSS; que o autor continuou trabalhando no 2° ofício, inclusive depois da mudança do titular; que o chefe não dava folhas
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de pagamento ou comprovantes de pagamento; que isso só começou em 1972/1973,
quando foi registrada; que era paga em cheques.”
A partir de minuciosa leitura dos depoimentos, verifica-se que ao
longo de todo o período em exame era praxe do cartório não formalizar o
contrato de trabalho dos respectivos funcionários, nem mesmo assinando
a Carteira de Trabalho. Observa-se, ainda, que o demandante labutava
na condição de empregado, estando bem caracterizada a efetivação de
prestação laboral de forma contínua, mediante subordinação e auferimento de contraprestação (art. 3º da CLT). Outrossim, não há no processo
elemento de prova que leve à conclusão de que o autor possuía algum
poder de ingerência perante o Cartório.
Ademais, cumpre referir que o INSS não se desincumbiu do ônus de
demonstrar a ausência da configuração da relação laboral na espécie, nos
termos do art. 333, II, do CPC.
Sob outro vértice, quanto ao recolhimento das contribuições previdenciárias, como é bem sabido, tal encargo incumbe ao empregador,
nos termos do art. 25, I, do Regulamento de Custeio, não se podendo
prejudicar o trabalhador pela desídia de seu dirigente laboral em cumprir
com seus compromissos junto à Previdência Social.
Logo, faz jus a parte-autora à concessão do benefício de aposentadoria
por tempo de serviço integral, desde a data do primeiro requerimento
administrativo (19.10.1998).
Por todo o esposado, adiro à orientação do voto vencido elaborado
pelo relator, Juiz Federal Artur César de Souza, inclusive quanto à sucumbência.
Diante do exposto, voto no sentido de dar provimento aos embargos
infringentes, nos termos da fundamentação.
É o voto.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Rômulo Pizzolatti: Mantenho integralmente
o voto-vista que proferi no julgamento do caso pela Quinta Turma, in
verbis:
“Pelo que se vê dos autos, o autor pretende o reconhecimento do tempo de serviço
trabalhado nos períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977 junto
ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição da Capital, em Curitiba-PR,
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cujos titulares eram, respectivamente, seu pai, Valdemar Borba Rolim, e seu irmão,
Diniz Alberto Borba Rolim.
As certidões apresentadas (fls. 25-36), datilografadas pelo autor, e os lançamentos
manuscritos constantes de Livro de Transcrições (fl. 53), cuja autoria constatou-se ser do
autor em exame grafotécnico (fls. 67-81), demonstram que ele efetivamente trabalhava
no referido cartório. Porém, considerando a peculiaridade de os empregadores serem
familiares seus (pai e irmão), há que ser feita a distinção entre os dois períodos.
Com efeito, no primeiro intervalo (de 05.02.1958 a 31.05.1966), o autor aprendeu
o ofício no estabelecimento do pai, que exigia o auxílio do filho com base no pátrio
poder, conforme o inciso VII do art. 384 do Código Civil de 1916, in verbis:
‘Art. 383. Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos:
(...)
VII – Exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua
idade e condição.’ (grifou-se)
Tanto isso é verdade que a testemunha Carmem Madejski declarou que o autor ia
sempre para o Cartório trabalhar, aprender o serviço (fl. 182).
Havia, sem dúvida, trabalho subordinado, porque o autor aprendia o ofício de registrador sob as ordens do pai. A relação não era, entretanto, contratual, visto que o pai
do autor nem precisava contratar o filho (porque podia exigir-lhe serviços próprios de
sua idade e condição, no exercício do pátrio poder) nem estava o filho preparado para
ser empregado (porque devia ainda aprender o ofício e nele alcançar experiência).
Poder-se-ia argumentar que, sendo aqui o trabalho subordinado, haveria relação de
emprego, mesmo que sem contrato, expresso ou tácito. Tal argumentação será, evidentemente, infundada, porque é pacífico, no âmbito do direito do trabalho, o entendimento de
que o ‘vínculo empregatício’ ou ‘emprego’ ou ‘relação entre empregado e empregador’
é sempre de natureza contratual (SÜSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de direito
do trabalho. 21. ed. São Paulo: LTR, 2003. v. I. p. 231-232; NASCIMENTO, Amauri
Mascaro. Curso de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 544-546;
SAAD, Eduardo Gabriel. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTR, 2000. p. 116119; MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2004. p.
123; MAGANO, Otávio Bueno. Manual de direito do trabalho: direito individual do
trabalho. São Paulo: LTR/USP, 1981. p. 19-25).
Na verdade, o trabalho no cartório era tipicamente de economia familiar, à semelhança do que ocorre nas pequenas propriedades rurais, em que todos os familiares,
inclusive os filhos, auxiliam na atividade rural (Lei nº 8.213, de 1991, art. 11, VII e §
1º). Ora, se é regime de economia familiar aquele em que os filhos adolescentes auxiliam seus pais, na propriedade rural da família, por que razão não haveria igualmente
regime de economia familiar no meio urbano, quando o(s) filho(s) menor(es) auxilia(m)
o pai, no estabelecimento deste?
Aliás, em caso assemelhado esta 5ª Turma decidiu:
‘TEMPO DE SERVIÇO. ADOLESCENTE. ALFAIATARIA PATERNA. REGIME
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DE ECONOMIA FAMILIAR. DEPENDENTE PREVIDENCIÁRIO.
É indevido o reconhecimento para fins previdenciários do tempo de serviço prestado
por adolescente, de 1972 a 1980, na alfaiataria paterna, cujo trabalho era desenvolvido em regime de economia familiar, por não ser ele, à luz da legislação da época,
segurado obrigatório nem facultativo da Previdência Social, mas simples dependente
do pai.’ (AC nº 2003.04.01.021927-5/PR, Relator para Acórdão Des. Federal Rômulo
Pizzolatti, DJU de 02.12.2008)
Assim, à luz da prova dos autos e das considerações acima, concluo que, no período de 05.02.1958 a 31.05.1966 (dos 12 aos 20 anos de idade), o autor trabalhava em
regime de economia familiar, no cartório do qual o pai era titular, aprendendo o ofício
e nele ganhando experiência, subordinado ao pátrio poder (Código Civil de 1916, art.
384, VII).
Não previa a legislação previdenciária da época da prestação do serviço (1958 a
1966), contudo, a qualidade de segurado aos filhos menores que auxiliassem os pais,
em regime de economia familiar, razão pela qual, no período acima indicado, o autor
era apenas dependente previdenciário, e não segurado, não podendo, consequentemente,
ver computado esse tempo de atividade.
Em relação ao intervalo trabalhado no período em que o titular do cartório passou
a ser o irmão (02.06.1966 a 30.09.1977), o autor, já experiente, passou a desenvolver
a atividade de forma independente, sem a supervisão do pai. Todavia, ainda assim, entendo que é inviável a contagem do referido tempo de serviço, pois inexistente qualquer
formalização de vínculo e ausente o recolhimento de contribuições sociais, ao contrário
dos demais trabalhadores do cartório, os quais, segundo informou a testemunha Carmen
Madejski, eram registrados em CTPS (fl. 182). Tais indícios sugerem, pois, que o autor
era sócio de fato do irmão, cabendo-lhe o recolhimento de contribuições à Previdência
Social, na condição de autônomo, o que não fez.
Por conseguinte, voto por afastar o reconhecimento dos períodos de 05.02.1958
a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977, diante da inexistência de vínculo empregatício a possibilitar a contagem de tempo de serviço sem as correspondentes
contribuições.”
Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos
infringentes.
VOTO DIVERGENTE
O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Peço
vênia ao e. Relator, mas divirjo de seu percuciente voto.
O autor pretende o reconhecimento do tempo de serviço trabalhado
nos períodos de 05.02.1958 a 31.05.1966 e de 02.06.1966 a 30.09.1977
junto ao Cartório de Registro de Imóveis da 2ª Circunscrição da Capital,
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em Curitiba-PR, cujos titulares eram, respectivamente, seu pai, Valdemar
Borba Rolim, e seu irmão, Diniz Alberto Borba Rolim.
Com relação ao primeiro período, com a vênia do e. Des. Ricardo,
ora Relator, tenho que deve ser mantido o acórdão. Como concluiu a
d. maioria na Turma, tenho que no referido período, 58 a 66, em que o
autor, com 12 anos em 1958, ficava das 13h às 17h no Cartório, estava
na condição de “aprendiz” e a relação que havia se assemelhava realmente a regime de economia familiar, em face da ausência de contrato
de trabalho, de comprovante de pagamento, bem como de contribuições,
não sendo assim, à época, segurado da previdência.
No que diz respeito ao segundo período, de 66 a 77, agora sob o
comando do irmão, tenho que o autor também não logrou comprovar a
existência de relação de emprego. Parece-me que, ao contrário do que fundamenta o voto do e. Relator, data venia, as testemunhas não afirmam que
não tinham carteira assinada. Falam, sim, que inicialmente não tinham
carteira assinada, mas que passaram a ter, ainda que retroativamente,
v.g., o testemunho de Terezinha Sant’Ana: “que era funcionária celetista;
que não tinha CTPS assinada na época da admissão; que somente foi
registrada em 1973, retroativamente a 1969; que concordou com isso em
razão de instâncias do patrão”. A testemunha Carmen Madjeski, por sua
vez, afirmou também que “não sabe se ele [o autor] recebia participação
nos rendimentos da escrivania”. Isso faz pensar, então: por que o autor
também não teve sua carteira assinada, ainda que retroativamente? Certamente por causa de sua condição de membro da família, diferenciada
da dos demais.
Assim, na linha do voto-revisão que proferi nos EIs nº
1999.71.02.001686-4 (sessão desta 3ª Seção em 12.04.2007, na qual
fiquei vencido), entendo que, para fazer jus ao cômputo do período,
necessária se faz a respectiva contribuição do autor. Oportuno destacar
precedente que lá já havia citado, verbis:
“PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO.
ATIVIDADE URBANA. ART. 55, § 3º, DA LEI Nº 8.213/91. ESPOSA DE SÓCIOGERENTE DA EMPRESA. CARGO DIFERENCIADO. VÍNCULO IRREGULAR.
INDENIZAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS
DE PROTEÇÃO AO TRABALHADOR HIPOSSUFICIENTE. SUCUMBÊNCIA
RECÍPROCA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. JUS-
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TIÇA ESTADUAL. SÚMULA Nº 02/TARGS. REMESSA OFICIAL. LEI Nº 9.469,
DE 10.07.1997.
– Nos termos do art. 55, § 3º, da Lei nº 8.213/91, a comprovação do tempo de serviço, para fins previdenciários, só produzirá efeito quando baseada em razoável início
de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na
ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.
– Havendo início de prova material, corroborado por prova testemunhal idônea e
consistente, é possível o reconhecimento do exercício de atividade laboratícia.
– Hipótese em que a autora era esposa de sócio-gerente da empresa, exercia cargo
diferenciado e não teve seu vínculo laboral registrado, sendo o caso de averbação de
tempo de serviço mediante a indenização das respectivas contribuições, uma vez que
não se trata de aplicação dos princípios de proteção ao operário hipossuficiente.
– Se a sucumbência é recíproca, os honorários advocatícios devem ser compensados, e as custas processuais divididas por igual entre os litigantes, sendo reduzidas por
metade no tocante ao INSS (Súmula nº 02/TARGS).
– Incidência do reexame necessário, a teor do art. 10 da Lei nº 9.469/97.
– Apelação do INSS e remessa oficial improvidas. Apelação da autora parcialmente
provida.” (Apelação Cível nº 2000.04.01.126166-3/RS, 6ª Turma, rel. Des. Federal
Nylson Paim de Abreu, j. 17.04.2001, DJU de 02.05.2001)
Assim, no período em análise, tenho que, para tornar-se possível a
averbação do tempo de serviço, impõe-se que o autor proceda à indenização das respectivas contribuições, uma vez que não se trata de aplicação
dos princípios de proteção ao operário hipossuficiente.
Ante o exposto, voto por negar provimento aos embargos infringentes.
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APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.72.05.001963-0/SC
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle
Apelante: Ministério Público Federal
Apelante: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional do INSS
Assistente: União Federal
Advogado: Procuradoria Regional da União
Apelado: (Os mesmos)
Remetente: Juízo Federal da 2ª VF de Blumenau
EMENTA
Previdenciário. Ação civil pública. MPF. Legitimidade ativa. Direitos
individuais homogêneos. Adequação da utilização de ação civil pública.
Benefício assistencial. Lei nº 8.742/93. União. Litisconsórcio passivo.
Desnecessidade. Parágrafo único do art. 162 do Dec. 3.048/99 e § 1º
do art. 35 do Dec. 6.214/07. Ilegalidade. Doença mental. Benefício
previdenciário e assistencial. Interdição judicial. Estado mínimo.
1. Consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
ao Ministério Público é dado promover, via ação coletiva, a defesa de
direitos individuais homogêneos, porque tidos como espécie dos direitos coletivos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância
social.
2. Conforme entendimento já firmado pelo STJ (como nos REsp n°
399.357, REsp n° 667.939 e REsp 706.791), após a inclusão do art. 21
da Lei da Ação Civil Pública pelo Código de Defesa do Consumidor,
a ação civil pública é considerada instrumento idôneo para a tutela de
direitos individuais homogêneos.
3. O benefício assistencial é oponível apenas ao INSS, inclusive com a
possibilidade de jurisdição federal delegada, o que gerou a revogação da
súmula 61 desta Corte (TRF4, AC 2001.72.08.001834-7). Reconhecida
a ilegitimidade passiva da União.
4. O parágrafo único do art. 162 do Decreto Regulamentador nº
3.048/99 e o § 1º do art. 35 do Decreto 6.214/07 contrariam a legislação
hierarquicamente superior (Leis nº 8.213/91 e nº 8.742/93).
5. Não se exige, de regra, a comprovação da curatela para pagamento
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dos benefícios previstos na Lei 8.213/91 e do benefício de prestação
continuada (Lei 8.742/93) nos anos de incapacidade do titular, pois,
nessa hipótese, o valor será pago alternativamente ao cônjuge, ao pai
ou à mãe.
6. Na ausência de cônjuge, pai ou mãe, o benefício será pago a herdeiro necessário e somente após o decurso de seis meses é que se exige
a comprovação do andamento do processo de tutela ou curatela.
7. Não há falar em intromissão desnecessária na vida privada, em se
tratando de proteção ao incapaz por deficiência mental.
8. Embora se reconheça que a motivação do parquet seja nobre, no
sentido de ser reduzida a intromissão do comando estatal na vida privada,
no que, aliás, é amparada por igual preocupação do Conselho Federal de
Psicologia e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados, a verdade é que tal embaraço reveste-se de razoabilidade
e proporcionalidade, tendo em vista a necessidade de proteção da pessoa
portadora de deficiência mental. Lamentavelmente, em nossa sociedade
atual os débeis não são protegidos por uma cidadania eficaz, guiada pelo
espírito de solidariedade, mas convivem em um ambiente de malícia,
alimentado pela impunidade certa.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia Turma Suplementar do Tribunal Regional Federal da
4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e aos
apelos do INSS e do Ministério Público Federal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.
Porto Alegre, 09 de março de 2010.
Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle: Tratase de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, objetivando a determinação para que o INSS se abstenha, no âmbito da
Subseção Judiciária de Blumenau-SC, de exigir termo de curatela dos
requerentes de benefício assistencial da Lei nº 8.742/93 e de benefícios
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previdenciários previstos na Lei nº 8.213/91, quando acometidos de
doença mental, para efetuar o respectivo pagamento, devendo efetuá-lo
pelo prazo a que se obrigar, se não for possível diretamente ao próprio
beneficiário, a pessoa portadora de procuração por instrumento público
ou com suprimento judicial, com poderes específicos.
Sustentou que o termo de curatela passou a ser exigido dos beneficiários de aposentadoria por invalidez portadores de doença mental especialmente após o Decreto nº 4.729/03, de 10.06.2003, que alterou o art. 162
do Decreto nº 3.048/99, contrariando a Lei nº 8.213/91, e por intermédio
do Memorando-Circular 09 INSS/DIRBEN, de 23.02.2006, exigência
que também foi estendida aos destinatários de benefício assistencial com
doença mental, violando, igualmente, a Lei nº 8.742/93. Mencionou que
instaurou Inquérito Civil Público, mas não obteve cumprimento por parte
do INSS. Postulou a concessão da tutela antecipada.
A União foi integrada ao polo passivo da demanda.
Às fls. 156, 157, 161 e 162 foi parcialmente deferido o pedido de
antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao INSS que só imponha a comprovação da tutela ou curatela para o pagamento do benefício
quando o beneficiário incapaz não possuir cônjuge, pai e mãe e estiver
representado por herdeiro necessário por mais de seis meses, não havendo
fixação de multa pelo descumprimento da determinação.
Dessa decisão foi interposto agravo de instrumento pelo Ministério
Público Federal para que na tutela antecipada o INSS seja compelido a
pagar o benefício do portador de doença mental, no prazo a que se obrigar,
a pessoa portadora de procuração por instrumento público com poderes
específicos ou com suprimento judicial, além da fixação de multa diária
no valor de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento dessa determinação.
O agravo foi convertido em agravo retido (fls. 264 e 265).
A sentença confirmou a tutela, excluiu a União da lide e julgou parcialmente procedente o pedido para determinar ao INSS que efetue o
pagamento de benefícios previdenciários e de benefícios assistenciais
ao cônjuge, ao pai ou à mãe do titular incapaz por doença mental sem a
comprovação de curatela e, na ausência daqueles, ao herdeiro necessário,
nos termos do art. 110 da Lei 8.213/91, do art. 162 do Decreto 3.048 e
do art. 35 do Decreto 6.214/2007. Restringiu os efeitos da decisão aos
limites da competência territorial dessa Subseção Judiciária de Blumenau174
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SC, nos termos do artigo 16 da Lei nº 7.347/85. Isentou o feito de custas
processuais, na forma do art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96. Sem condenação
em honorários advocatícios, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85 e
pela sucumbência recíproca (art. 21 do CPC).
O Ministério Público Federal apelou requerendo o julgamento do
agravo retido e a reforma parcial da sentença no sentido de que não seja
exigido o andamento do processo de interdição para o pagamento dos
benefícios em questão e de que esses pagamentos possam ser feitos a
pessoa portadora de procuração por instrumento público com poderes
específicos ou com suprimento judicial. Também requereu a fixação de
multa diária no valor de R$ 1.000,00 em caso de descumprimento dessa
determinação.
O INSS apelou, alegando a anulabilidade da sentença pelo cerceamento de defesa, ante à negativa do juízo em propiciar a produção de
prova testemunhal que comprovasse a falta de interesse de agir do autor.
Questionou o litisconsórcio passivo necessário da União ou a participação
da União como assistente formal do INSS e a adequação da via eleita,
por envolver fundo de natureza institucional com beneficiários individualmente determinados, bem como pela impossibilidade de declaração de
inconstitucionalidade ou ilegalidade em ação civil pública. Renovou a
preliminar de ilegitimidade do Ministério Público Federal e, no mérito,
alegou inexistência de prova no sentido de que o INSS procedesse às
exigências alegadas para a concessão ou o pagamento dos benefícios.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle: Inicialmente, julgo prejudicado o apelo do INSS quanto ao pedido de participação da União como sua assistente formal, uma vez que tal procedimento
já foi efetivado a pedido da própria interessada (fl. 386), sem objeção do
Ministério Público Federal.
Do agravo retido
Da análise do agravo retido interposto verifica-se que versa quanto ao
pagamento do benefício de portador de doença mental a pessoa portadora
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de procuração por instrumento público com poderes específicos ou com
suprimento judicial e à fixação de multa diária no caso de descumprimento dessa determinação. Por confundir-se com o mérito da apelação,
a matéria será apreciada a seguir.
Das questões preliminares
I – Da nulidade da sentença por cerceamento de defesa
O INSS alega que, ao ser indeferido o requerimento de oitiva de testemunhas quando da especificação de provas (fls. 316 e 317), foi cerceado
o direito de defesa, pois não pôde comprovar a falta de interesse de agir
do autor por já proceder conforme determinado na sentença de mérito.
Não há que se falar, no caso, em cerceamento de defesa, uma vez
que a prova testemunhal pretendida pelo INSS é desnecessária, pois se
trataria de produção de prova negativa, uma vez que o INSS haveria de
provar não proceder da forma alegada pelo autor, sendo que há nos autos
documentação apontando para o procedimento, ainda que isoladamente
(Ofício nº 57/2008 à fl. 57), da prática negada. Além disso, a outra questão ora analisada, qual seja, a da legalidade dos Decretos nº 3.048/99 e
nº 6.214/07, é exclusivamente de direito. Desnecessária, pois, a dilação
probatória. Ademais, a sentença foi de parcial provimento e, em assim
sendo, concordou o INSS em estar procedendo da forma combatida pelo
MPF, ou seja, nos termos da IN nº 20, que indica conduta administrativa
diversa da determinada pelos decretos citados.
Por fim, conforme bem fundamentou o magistrado a quo, o INSS não
justificou a razão da oitiva de testemunhas, deixando também de apontar
quais fatos necessitariam ser provados em audiência.
II – Litisconsórcio passivo necessário da União
A ação visa somente a afastar a exigência do termo de curatela como
condição para o pagamento dos benefícios previdenciários e de prestação
continuada quando o titular for portador de doença mental. A União, nesse caso, não possui nenhuma vinculação. Os benefícios aqui discutidos
estão todos atrelados ao Regime Geral administrado tão somente pelo
INSS, nos termos da Lei 8.213/91.
Por outro lado, ainda que a União seja responsável pela destinação
dos recursos para o financiamento do benefício assistencial da Lei nº
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8.742/93, só o INSS é que tem a atribuição de gerir, executar e manter
esse benefício, nos termos dos arts. 20 e 29 da LOAS.
O egrégio STJ já pacificou (EREsp nº 204998/SP, Rel. Min. Félix
Fischer, DJU, seção I, de 14.02.2000, p. 20, e EREsp nº 194463/SP, Rel.
Min. Edson Vidigal, DJU, seção I, de 07.05.2001, p. 128) que nas ações
de benefício assistencial tem-se pretensão oponível apenas ao INSS, inclusive com a possibilidade de jurisdição federal delegada, o que gerou
a revogação da súmula 61 desta Corte (TRF4, AC 2001.72.08.001834-7,
3ª Seção, j. 21.06.2004, u., Rel. Des. Federal Nylson Paim de Abreu), não
havendo litisconsórcio passivo necessário nem incompetência absoluta
e, consequentemente, a inexistência de nulidade processual. No mesmo
sentido a jurisprudência mais recente do STJ:
“PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. UNIÃO. ILEGITIMIDADE.
É remansoso o entendimento neste Pretório de que, nos casos de benefício assistencial, é legítima a responsabilidade do INSS para isoladamente responder ao
processo.
Desnecessária a inclusão da União na lide como litisconsorte passivo necessário. (...)” (STJ, AGREsp 627442/RS, 5ª Turma, Relator José Arnaldo da Fonseca, j.
11.10.2005, DJ 21.11.2005, p. 00277)
“PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO
RECURSO ESPECIAL. DISSENSO PRETORIANO NÃO COMPROVADO. VIOLAÇÃO À LEGISLAÇÃO FEDERAL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.
SÚMULA Nº 211/STJ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. UNIÃO. ILEGITIMIDADE
PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO.
(...)
3. O INSS é o ente público com legitimidade para figurar no polo passivo nas ações
que versem sobre o benefício assistencial. (...)” (STJ, AGREsp 737790/MS, 5ª Turma,
j. 06.11.2008, DJE 01.12.2008, Relatora Laurita Vaz)
III – Ilegitimidade ativa
O INSS alega ilegitimidade ativa do Ministério Público Federal para
propor ação civil pública. Este Tribunal, a despeito da existência de precedentes em sentido contrário, inclusive do Egrégio Superior Tribunal
de Justiça, vem reconhecendo a legitimidade ativa do Ministério Público
Federal para propor ação civil pública na defesa dos direitos individuais
homogêneos em matéria previdenciária, à luz do entendimento atualizado
do STF.
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Decorre do disposto nos artigos 127, caput, e 129, inc. III, da CF a
legitimidade do Ministério Público para defesa dos interesses sociais e
individuais, e em matéria previdenciária o interesse social é inquestionável. Tanto isso é verdade que a Previdência Social é objeto, na Carta
Magna, de Seção específica (III) integrante de Capítulo que dispõe sobre
a Seguridade Social (II) em Título (VIII) destinado à Ordem Social.
Segundo tem entendido o STF ao apreciar os artigos 127, caput, e
129, inc. III, da Constituição Federal, é possível ao Ministério Público
Federal promover, via ação coletiva, a defesa dos direitos individuais
homogêneos, desde que o seu objeto se revista da necessária relevância
social, cabendo referir os seguintes precedentes:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSTOS: IPTU. MINISTÉRIO PÚBLICO: LEGITIMIDADE. Lei 7.374, de 1985, art. 1º, II, e art. 21, com a
redação do art. 117 da Lei 8.078, de 1990 (Código do Consumidor); Lei 8.625, de
1993, art. 25. CF, artigos 127 e 129, III.
II. - Certos direitos individuais homogêneos podem ser classificados como interesses
ou direitos coletivos, ou identificar-se com interesses sociais e individuais indisponíveis.
Nesses casos, a ação civil pública presta-se à defesa dos mesmos, legitimado o Ministério Público para a causa. CF, art. 127, caput, e art. 129, III. (...)” (STF, RE 195.056/
PR, Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 30.05.2003, p. 30)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. LEGITIMIDADE DO
MINISTÉRIO PÚBLICO PARA PROMOVER AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM DEFESA
DOS INTERESSES DIFUSOS, COLETIVOS E HOMOGÊNEOS. MENSALIDADES
ESCOLARES: CAPACIDADE POSTULATÓRIA DO PARQUET PARA DISCUTILAS EM JUÍZO.
1. A Constituição Federal confere relevo ao Ministério Público como instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da
ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127).
2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só
para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para
a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros
interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, I e III).
3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas
unidas pelas mesmas circunstâncias de fato, e coletivos, aqueles pertencentes a grupos,
categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária
por uma relação jurídica base.
3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos, e a
determinidade, a daqueles interesses que envolvem os coletivos.
178
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4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art.
81, III, da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), constituindo-se em subespécie
de direitos coletivos.
4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos,
stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que,
conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção
finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas.
5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser
impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois, ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies
de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o
artigo 129, inciso III, da Constituição Federal.
5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como
dever do Estado e obrigação de todos (CF, art. 205), está o Ministério Público investido
da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se
busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema
delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal.
Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do
Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar
a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação.”
(STF, RE 163.231/SP, Pleno, Rel. Maurício Corrêa, DJU 29.06.2001, p. 55)
No último precedente transcrito, o STF reconheceu a legitimidade
ativa do Ministério Público para defesa de interesses homogêneos de
origem comum no campo da educação, em relação à qual a atuação estatal
nem sempre se dá de forma direta. Certamente levou em consideração, ao
decidir dessa maneira, que, a exemplo da previdência social, a educação
também está contemplada no Título VIII da Constituição Federal, que,
como salientado anteriormente, trata da Ordem Social. É de se afirmar,
assim, que com muito mais razão deve ser reconhecida a legitimidade
ativa do Ministério Público em matéria previdenciária, até porque a
atuação do Estado se dá, como regra, de forma direta.
No mesmo sentido da jurisprudência do STF, é o entendimento desta
Corte:
“PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO E REGIMENTAL. TUTELA ANTECIPADA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE
DO MINISTÉRIO PÚBLICO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. IRSM DE FEVEREIRO
DE 1994. RISCO DE DANO. AUSÊNCIA.
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Considerando que o tema referente à titularidade ativa da ação manejada em
primeiro grau tem assento constitucional (arts. 127, caput, e 129, III) e que a última
palavra pertence ao não menos egrégio STF, e tendo este, em hipótese análoga (igualmente versava sobre causa em que discutido um direito social, como são os benefícios
mantidos pela Previdência Social – art. 6º da CF), recentemente decidido que a Lei
Complementar nº 75/93 conferiu ao MPT legitimidade ativa, no campo da defesa dos
interesses difusos e coletivos, no âmbito trabalhista (STF, RE 213.015, 2ª Turma, Rel.
Min. Néri da Silveira, DJU 24.05.2002), não há como afastar a plausibilidade dessa
última em relação ao MPF – igualmente um dos ramos do Ministério Público da União
– em sede previdenciária. Inteligência, ademais, do disposto nos artigos 1º, 2º e 74, I, da
Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso).” (AI nº 2004.04.01.001232-6/RS, TRF4, 6ª Turma,
Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, u., DJU de 09.06.2004)
“APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGO 74 DA LEI Nº 8.213/91 COM
A REDAÇÃO QUE LHE DEU A LEI Nº 9.528/91. PAGAMENTO DO BENEFÍCIO.
DATA DO REQUERIMENTO. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
REJEITADA.
1. A atual posição do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que os direitos individuais homogêneos, considerados como espécie dos direitos coletivos, na medida em
que se revestirem de relevância social, poderão ser defendidos pelo Ministério Público
por ação coletiva. (...)” (AC nº 2000.04.01.097994-3/PR, TRF4, 6ª Turma, Rel. Juiz
Federal José Paulo Baltazar Junior, u., DJU de 13.04.2005)
“CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CABIMENTO. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. ABRANGÊNCIA
NACIONAL DA DECISÃO. HOMOSSEXUAIS. INSCRIÇÃO DE COMPANHEIROS
COMO DEPENDENTES NO REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL.
1. Possui legitimidade ativa o Ministério Público Federal em se tratando de ação civil
pública que objetiva a proteção de interesses difusos e a defesa de direitos individuais
homogêneos.” (AC nº 2000.71.00.009347-0/RS, TRF4, 6ª Turma, Rel. Des. Federal
João Batista Pinto Silveira, u., DJU de 10.08.2005)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO FEDERAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL.
CRITÉRIOS PARA CONCESSÃO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CRITÉRIO OBJETIVO DE AFERIÇÃO DE MISERABILIDADE DO GRUPO FAMILIAR (RENDA PER CAPITA DE ¼ DO SALÁRIO MÍNIMO) NÃO É A ÚNICA FORMA DE
DEMONSTRAR ESSA CONJUNTURA. MENOR QUE DEVE SER SUBMETIDA
A CUIDADOS ESPECIAIS. CONDIÇÕES DE VIDA PRECÁRIAS. INCAPACIDADE.
1. A União carece de legitimidade passiva nas ações em que se discute o direito ao
benefício assistencial.
180
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2. O Ministério Público Federal está legitimado a propor ação civil pública em
defesa de direitos individuais homogêneos dos idosos e portadoras de deficiência
incapacitante, desprovidos de condições de manter o seu próprio sustento ou de tê-lo
mantido por suas famílias, porquanto evidenciado relevante interesse social na defesa
de tais direitos.
3. Se é verdade que a constitucionalidade do critério objetivo previsto no art. 20,
§ 3º, da Lei 8.742/93 para demonstração da condição de miserabilidade, para fins de
concessão de benefício assistencial, já foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI nº 1.232-1/DF, a existência dessa possibilidade de comprovação trazida no referido dispositivo não elide outras maneiras de se certificar a conjuntura pessoal idônea
a garantir o recebimento do amparo pleiteado. (...)” (TRF4, AC 2002.71.04.000395-5,
Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, DJ 19.04.2006).
Deve ser salientado, ainda, que mesmo no âmbito do STJ admitiu-se
a legitimidade ativa do Ministério Público em matéria previdenciária,
consoante se depreende da seguinte ementa do ano de 2006:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE.
RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO
BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.
1 – A teor do disposto no art. 127 da Constituição Federal, ‘O Ministério Público
é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe
a defesa da ordem jurídica, do regime democrático de direito e dos interesses sociais
e individuais indisponíveis.’ In casu, ocorre reivindicação de pessoa, em prol de
tratamento igualitário quanto a direitos fundamentais, o que induz à legitimidade do
Ministério Público, para intervir no processo, como o fez.
2 – No tocante à violação ao artigo 535 do Código de Processo Civil, uma vez
admitida a intervenção ministerial, quadra assinalar que o acórdão embargado não
possui vício algum a ser sanado por meio de embargos de declaração; os embargos
interpostos, em verdade, sutilmente se aprestam a rediscutir questões apreciadas no v.
acórdão; não cabendo, todavia, redecidir, nessa trilha, quando é da índole do recurso
apenas reexprimir, no dizer peculiar de PONTES DE MIRANDA, que a jurisprudência
consagra, arredando, sistematicamente, embargos declaratórios, com feição, mesmo
dissimulada, de infringentes.
3 – A pensão por morte é: ‘o benefício previdenciário devido ao conjunto dos
dependentes do segurado falecido – a chamada família previdenciária – no exercício
de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou,
ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma
prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir ou,
pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas
dos dependentes.’ (ROCHA, Daniel Machado da; BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo.
Comentários à lei de benefícios da previdência social. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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Advogado, Esmafe, 2004. p. 251).
4 – Em que pesem as alegações do recorrente quanto à violação do art. 226, § 3º, da
Constituição Federal, convém mencionar que a ofensa a artigo da Constituição Federal
não pode ser analisada por este Sodalício, na medida em que tal mister é atribuição
exclusiva do Pretório Excelso. Somente por amor ao debate, porém, de tal preceito
não depende, obrigatoriamente, o desate da lide, eis que não diz respeito ao âmbito
previdenciário, inserindo-se no capítulo ‘Da Família’. Em face dessa visualização, a
aplicação do direito à espécie se fará à luz de diversos preceitos constitucionais, não
apenas do art. 226, § 3º, da Constituição Federal, levando a que, em seguida, se possa
aplicar o direito ao caso em análise.
5 – Diante do § 3º do art. 16 da Lei nº 8.213/91, verifica-se que o que o legislador
pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo
da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação
homoafetiva.
6 – Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as
necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a
subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta
Política de 1988, que assim estabeleceu, em comando específico: ‘Art. 201 – Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a: [...]
V – pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e
dependentes, obedecido o disposto no § 2º.’
7 – Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos
homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário,
configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do
direito.
8 – Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, por meio da Instrução
Normativa nº 25, de 07.06.2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício
ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial
expedida pela juíza Simone Barbisan Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto
Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0,
com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para
alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.
9 – Recurso Especial não provido.” (REsp 395904. Rel. Ministro Hélio Quaglia
Barbosa. Sexta Turma. DJ 06.02.2006)
Ainda que o precedente referido diga respeito a ação individual, se
ao Ministério Público se reconheceu legitimidade para tutelar direito de
uma pessoa, com muito mais razão se deve admitir sua legitimidade para
atuar em favor da coletividade.
Mais recentemente o STF teve oportunidade de se manifestar em hipótese análoga à dos autos e assentou a legitimidade do Ministério Público
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
para ajuizar ação civil pública com o objetivo de assegurar, aos segurados
da previdência social, a obtenção de certidão de tempo de serviço.
“DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. SEGURADOS DA PREVIDÊNCIA
SOCIAL. CERTIDÃO PARCIAL DE TEMPO DE SERVIÇO. RECUSA DA AUTARQUIA PREVIDENCIÁRIA. DIREITO DE PETIÇÃO E DIREITO DE OBTENÇÃO
DE CERTIDÃO EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS. PRERROGATIVAS JURÍDICAS
DE ÍNDOLE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL. EXISTÊNCIA DE RELEVANTE INTERESSE SOCIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMAÇÃO ATIVA
DO MINISTÉRIO PÚBLICO. A FUNÇÃO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO
PÚBLICO COMO ‘DEFENSOR DO POVO’ (CF, ART, 129, II). DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.
– O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como
a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou coletiva) de
direitos ou o esclarecimento de situações.
– A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais
adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública.
– O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e
interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social,
como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições
públicas. Doutrina. Precedentes.” (RE-AgR 472489/RS. Relator Min. Celso de Mello.
2ª Turma. DJU em 29.08.2008)
Não fossem todos os argumentos acima expostos, cabe ainda a consideração de que no caso dos autos discute-se sobre direito de pessoas
portadoras de deficiência mental, algumas das quais são as destinatárias
do benefício assistencial previsto no artigo 20 da Lei nº 8.742/93.
Ora, assim estabelece a Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência
Social): “Art. 31. Cabe ao Ministério Público zelar pelo efetivo respeito
aos direitos estabelecidos nesta lei”.
Por outro lado, a Lei nº 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas
portadoras de deficiência, preconiza em seu artigo 3º:
“Art. 3º As ações civis públicas destinadas à proteção de interesses coletivos ou
difusos das pessoas portadoras de deficiência poderão ser propostas pelo Ministério
Público, pela União, pelos Estados, pelos Municípios e pelo Distrito Federal; por associação constituída há mais de 1 (um) ano, nos termos da lei civil, autarquia, empresa
pública, fundação ou sociedade de economia mista que inclua, entre suas finalidades
institucionais, a proteção das pessoas portadoras de deficiência.”
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Parece claro, portanto, que, além da autorização que dimana da Constituição Federal para que o Ministério Público Federal proponha ação
civil pública quando presente interesse social relevante, a legitimidade
da referida instituição, no caso dos autos, está prevista expressamente
em legislação ordinária.
Portanto, também não prospera a alegação de ilegitimidade ativa do
Ministério Público Federal para propor a presente ação civil pública.
IV – Falta de interesse de agir
O INSS alegou a ausência de interesse processual do MPF por não
haver prova da resistência à pretensão. Porém, não procedem essas
alegações.
Conforme bem salientou o magistrado a quo, a presente ação foi
precedida de inquérito civil público, instaurado em 11.04.2008 (fl. 42),
no qual consta manifestação da Gerência Executiva do INSS em Blumenau (fl. 57), informando a adoção, por aquela agência da autarquia,
de procedimento diverso daquele propugnado pelo autor da ação. Há,
nesse caso, interesse processual, pois restou claramente demonstrada a
pretensão resistida.
V – Inadequação da via eleita
A Autarquia alega, também, inadequação da via eleita pela vedação
do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85, por não se tratar de
direitos difusos ou coletivos e por estar-se atacando lei em tese, sendo
impossível a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
em sede de ação civil pública.
O parágrafo único do art. 1º da Lei nº 7.347/85 veda a discussão, por
meio de ação civil pública, de pretensão relativa a fundos de natureza
institucional cujos beneficiários possam ser individualmente determinados.
“Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as
ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: (Redação dada
pela Lei nº 8.884, de 11.06.1994)
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – à ordem urbanística; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 10.07.2001) (Vide Medida
provisória nº 2.180-35, de 2001)
IV – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
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(Renumerado do Inciso III, pela Lei nº 10.257, de 10.07.2001)
V – por infração da ordem econômica e da economia popular; (Redação dada pela
Medida provisória nº 2.180-35, de 2001)
VI – à ordem urbanística. (Redação dada pela Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)
Parágrafo único. Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que
envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem
ser individualmente determinados. (Incluído pela Medida provisória nº 2.180-35, de
2001)”
No entanto, a pretensão dos autos não trata de fundo institucional,
mas do controle de legalidade da exigência de termo de curatela/tutela
como condição para pagamento de benefícios previdenciários e assistencial quando o beneficiário for portador de doença mental. Como
bem fundamentado na sentença, ainda que se pudesse considerar que
benefício previdenciário e de prestação continuada constituíssem fundo
institucional, conforme a disposição legal citada, ainda assim a vedação
não teria aplicação à espécie, pois não é o caso de discussão relativa a
esses benefícios, ou ao impacto econômico dessas concessões, mas ao
aspecto procedimental, concernente à forma de pagamento, por intermédio, ou sem a participação, de curador/tutor, afastando-se, dessa forma,
a vedação apontada pelo demandado.
Ao contrário da alegação do demandado, de não se tratar de direitos
difusos e coletivos, o MPF veiculou pretensão de natureza coletiva, na
forma prevista no art. 81, parágrafo único, II, do Código de Defesa do
Consumidor (transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular
grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base), e a transindividualidade do direito
postulado se verifica na pluralidade de destinatários da pretensão, pois
objetiva-se que o INSS se abstenha de exigir o termo de curatela como
condição para o pagamento dos benefícios previdenciários e de prestação
continuada para beneficiário portador de doença mental. A decisão, caso
procedente, atingirá integrantes da mesma categoria – beneficiários da
Previdência Social e da LOAS, que possuem uma relação jurídica base
com o INSS.
Conforme já foi dito, há manifesta adequação, pertinência e legitimidade do Ministério Público Federal para patrocinar a presente ação
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civil pública, especialmente porque se trata de interesse relevante, não
havendo defesa de interesse patrimonial, concernente a valor de benefício,
mas de caráter social (Previdência Social e LOAS), ou seja, um direito
social coletivo, relevante, atinente à legalidade da exigência de curador
para os titulares dos aludidos benefícios portadores de doença mental,
e que alcança significativa parcela da população da Subseção Judiciária
de Blumenau-SC.
No tocante à alegação de impropriedade da via para declaração de
inconstitucionalidade, saliento que estão previstos em nosso sistema o
controle concentrado e o controle difuso de constitucionalidade, e nada
impede que, se necessário, o reconhecimento de inconstitucionalidade
de lei seja feito incidentalmente, como fundamento para a decisão a ser
tomada, mesmo que em ação civil pública.
Nesse sentido tem decidido o STF:
“CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. OFENSA À CONSTITUIÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE.
I. – Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais.
II. – Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta
da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso
constitucional.
III. – O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou
incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente.
IV. - Agravo não provido.” (STF, AI 504856 AgR/DF, Segunda Turma, Rel. Min.
Carlos Velloso, julgado DJU 08.10.2004, p. 18)
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA VERSUS AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RECLAMAÇÃO. LIMINAR.
Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual continuo guardando reservas, não surge relevante a articulação em torno da usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, a partir da premissa de o acolhimento do pedido
formulado em ação civil pública pressupor, necessariamente e em primeiro lugar, a
conclusão sobre o conflito de certo ato normativo abstrato com a Constituição Federal.”
(STF, Rcl 2460 MC/RJ, Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 10.03.2004, DJ
06.08.2004, p. 21)
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTROLE DE
CONSTITUCIONALIDADE. OCUPAÇÃO DE LOGRADOUROS PÚBLICOS NO
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DISTRITO FEDERAL. PEDIDO DE INCONSTITUCIONALIDADE INCIDENTER
TANTUM DA LEI 754/1994 DO DISTRITO FEDERAL. QUESTÃO DE ORDEM.
RECURSO DO DISTRITO FEDERAL DESPROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL PREJUDICADO.
Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidenter
tantum da Lei distrital 754/1994, que disciplina a ocupação de logradouros públicos
no Distrito Federal.
Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração
de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal
não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde
que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar
a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes.
No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira causa de pedir.
Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal.”
(STF, RE, Processo 424993/DF, Relator JOAQUIM BARBOSA, DJ 19.10.2007, p.
00029)
Portanto, não há óbice ao controle de constitucionalidade em ação
civil pública, pois o pedido, nesse caso, seria a proteção do bem da vida
tutelado pela CF, tendo como causa de pedir a inconstitucionalidade do
regramento previdenciário ordinário, enquanto o pedido da ação Direta
de Inconstitucionalidade, privativa do STF, é a declaração de inconstitucionalidade da lei e sua retirada do ordenamento jurídico.
Ademais, da análise do pedido inicial (fls. 24 a 26) verifica-se que
não se pretende o reconhecimento de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo, mas o afastamento de exigência não prevista nas Leis nº
8.213/91 e nº 8.742/93.
Assim, afastam-se todas as preliminares.
Do mérito
A controvérsia devolvida a esta Corte se resume à exigência, por parte
do INSS, do termo de curatela ou da comprovação do ajuizamento da
respectiva ação, como condição para o pagamento dos benefícios previdenciários (Lei nº 8.213/91) e assistencial (Lei nº 8.742/93), quando
o titular for portador de doença mental.
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Para melhor análise do caso, necessário fazer breve escorço sobre a
evolução normativa do tema.
Em sua redação primitiva, o Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da
Previdência Social) assim rezava:
“Art. 162. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será
pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período
não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento.
§ 1º. É obrigatória a apresentação do termo de curatela, ainda que provisória, para
a concessão de aposentadoria por invalidez decorrente de doença mental (Parágrafo
acrescentado pelo Dec. nº 4.729, de 09.06.2003).
§ 2º. Verificada, administrativamente, a recuperação da capacidade para o trabalho
do curatelado de que trata o § 1º, a aposentadoria será encerrada (Parágrafo acrescentado
pelo Dec. nº 4.729, de 09.06.2003).”
Por força do Decreto nº 6.214, de 2007, os dois parágrafos foram
substituídos por um parágrafo único, com a seguinte redação:
“Art. 162. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será
pago ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período
não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento.
Parágrafo único. O período a que se refere o caput poderá ser prorrogado por iguais
períodos, desde que comprovado o andamento regular do processo legal de tutela ou
curatela.”
Quanto ao benefício assistencial, o mesmo Decreto nº 6.214/07 assim
dispõe:
“Art. 35. O benefício devido ao beneficiário incapaz será pago ao cônjuge, pai,
mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta, e por período não superior a seis
meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de compromisso firmado
no ato do recebimento.
§ 1º. O período a que se refere o caput poderá ser prorrogado por iguais períodos,
desde que comprovado o andamento regular do processo legal de tutela ou curatela.”
Examinando as leis regulamentadas pelos decretos citados, verifica-se
que a Lei nº 8.742/93 não faz menção à curatela ou à tutela para pagamento do benefício a portadores de doença mental, e a Lei de Benefícios,
quando faz referência à curatela (art. 110, parágrafo único da Lei nº
8.213/91), o faz para fins de aproveitamento do laudo médico que atesta
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a incapacidade na esfera administrativa, em processo da interdição do
beneficiário. Saliente-se que o dispositivo não exige a curatela para o
pagamento desse benefício, conforme se depreende da sua redação:
“Art. 110. O benefício devido ao segurado ou dependente civilmente incapaz será
feito ao cônjuge, pai, mãe, tutor ou curador, admitindo-se, na sua falta e por período
não superior a 6 (seis) meses, o pagamento a herdeiro necessário, mediante termo de
compromisso firmado no ato do recebimento.
Parágrafo único. Para efeito de curatela, no caso de interdição do beneficiário, a autoridade judiciária pode louvar-se no laudo médico-pericial da Previdência Social.”
Por serem normas hierarquicamente inferiores à Lei de Benefícios
e à Lei Orgânica da Assistência Social, os Decretos poderiam apenas
regulamentar a concessão do benefício na forma como prevista em lei,
e jamais contrariar dispositivo legal ou inovar exigência.
Conforme já foi referido na fundamentação do interesse processual
do autor, no ofício de nº 57/2008, juntado ao inquérito civil público (fl.
57), o chefe do setor de benefícios da gerência executiva do INSS de
Blumenau confirmou a conduta de exigir o termo de tutela ou de curatela
para o pagamento dos benefícios em questão:
“(...) informamos que para requerimento de benefícios por incapacidade e benefícios assistenciais da LOAS não são necessários nenhum documento além daquele
para identificação do representante legal ou da pessoa que está requerendo, uma vez
que requerimentos de benefícios por incapacidade pode ser requerido de ofício, e os
mesmos deverão passar por perícia médica junto ao instituto.
Para pagamento de benefícios assistenciais, auxílios doenças e pensões por morte,
são necessários cadastrar o representante legal, em face de que requerentes com deficiência mentais ou civilmente incapazes estão impedidos de receber o pagamento por
si próprios. Nesses casos necessita-se do termo de tutela ou curatela, dependendo do
caso, e na ausência destes solicita-se o protocolo do pedido de tutela/curatela junto
ao poder judiciário para cadastrarmos um administrador provisório, da qual deverá
apresentar comprovante da situação semestralmente até que a tutela/curatela seja
prolatada pelo juiz, e assim cadastrarmos definitivamente o representante legal como
tutor ou curador.” (Grifei)
A conduta da APS de Blumenau se enquadra, pois, na determinação
do parágrafo único do art. 162 do Decreto nº 3.048/99 (Regulamento da
Previdência Social), quanto aos benefícios previdenciários, e na determinação do parágrafo 1º do art. 35 do Decreto nº 6.214/07 (Regulamento
do benefício assistencial da Lei nº 8.742/93).
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Ademais, conforme se verifica da redação dos arts. 415 e 416 da Instrução Normativa nº 20, de 10.10.2007, que disciplina procedimentos
a serem adotados pela área de Benefícios, o próprio INSS já orientava
as APS a não exigirem a interdição judicial do beneficiário em caso de
doença mental:
“Art. 415. O pagamento do benefício devido ao segurado ou ao dependente civilmente incapaz será feito ao cônjuge, ao pai, à mãe, ao tutor ou ao curador, admitindo-se,
na sua falta e por período não superior a seis meses, o pagamento a herdeiro necessário,
mediante termo de compromisso firmado no ato do recebimento.
§ 1º Tutela é a instituição estabelecida por lei para proteção dos menores, cujos pais
faleceram, foram considerados ausentes ou decaíram do pátrio poder.
§ 2º Curatela é o encargo conferido a uma pessoa para que, segundo limites legalmente fundamentados, cuide dos interesses de alguém que não possa licitamente
administrá-los, estando, assim, sujeitos à curatela, segundo o Código Civil:
I – aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário
discernimento para os atos da vida civil;
II – aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;
III – os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;
IV – os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;
V – os pródigos.
§ 3º A interdição das pessoas indicadas no parágrafo anterior e incisos, será sempre
declarada por sentença judicial.
§ 4º Excepcionalmente, poderá ser deferida a guarda pela autoridade judiciária
competente, fora dos casos de tutela e adoção, para atender a situações peculiares ou
para suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, com direito de representação para
a prática de atos determinados.
Art. 416. Observado o contido no artigo anterior, no ato do requerimento do benefício
por titular ou beneficiário portador de doença mental, não será exigida a apresentação
do Termo de Curatela, ressaltando-se que a falta da apresentação do Termo de Tutela ou
do Termo de Curatela não impedirá a concessão de qualquer benefício do RGPS, desde
que apresentado termo de compromisso firmado no ato do requerimento. (Grifei)
§ 1º Para fins de recebimento de pagamento, caso seja alegado que o beneficiário
não possui condições de gerir o recebimento do benefício, a APS deverá orientar:
I – a constituição de procurador conforme dispõe o art. 156 do RPS, aprovado pelo
Decreto nº 3.048/1999, na hipótese de o beneficiário possuir discernimento para a
constituição de mandatário na forma dos incisos II e III do art. 3º e art. 654 do Código
Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002);
II – na impossibilidade de constituição de procurador, a família deve ser orientada
sobre a possibilidade de interdição parcial ou total do beneficiário, conforme o disposto
nos arts. 1.767 e 1.772 do Código Civil. (Grifei)
190
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§ 2º Na situação do caput, deverá ser exigida pela APS uma declaração da pessoa
que se apresenta no INSS, alegando a situação vivida pelo beneficiário.
§ 3º A interdição, seja ela, total ou parcial, não será exigência do INSS, e sim promovida pelos pais ou tutores, pelo cônjuge ou por qualquer outra pessoa da família, ou
ainda, pelo Ministério Público, conforme art. 1.768 do Código Civil. (Grifei)
§ 4º O INSS somente procederá à alteração do recebedor do benefício após a apresentação do comprovante do pedido de interdição, total ou parcial, perante a Justiça, o
que permitirá o recebimento do benefício, na condição de administrador provisório, por
um período de seis meses, sujeito a prorrogação, desde que comprovado o andamento
do respectivo processo judicial.”
Por essa razão, andou bem o MM. Juízo a quo quando do deferimento
da antecipação da tutela, confirmada na sentença ora apelada:
“Interpretando-se os dispositivos citados pode-se concluir o seguinte:
1º) não se exige, de regra, a comprovação da curatela para pagamento dos benefícios
previstos na Lei 8.213/91 e do benefício de prestação continuada (Lei 8.742/93) nos
casos de incapacidade do titular, pois, nessa hipótese, o valor ‘será pago [alternativamente] ao cônjuge, ao pai ou à mãe’;
2º) na ausência de cônjuge, pai ou mãe, o benefício será pago a herdeiro necessário,
e somente após o decurso de seis meses é que se exige a comprovação do andamento
do processo de tutela ou de curatela.
Assim, é possível afirmar que a exigência do INSS (fl. 57) não está de acordo com
a legislação acima mencionada, pois somente pode ser imposta a comprovação da
curatela ou da tutela de forma excepcional, vale dizer, quando o beneficiário incapaz
não possuir cônjuge, pai e mãe e estiver representado por herdeiro necessário por mais
de seis meses.
Nada obstante a ausência de previsão na Lei 8.742/93, o art. 35 do Decreto
6.214/2007 (transcrito na fl. 156-v) prevê a hipótese de recebimento do benefício assistencial por herdeiro necessário em caso de ausência de cônjuge, pai ou mãe, exigindo-se
a tutela ou a curatela, legitimamente, para assegurar os interesses do incapaz, após o
transcurso de seis meses.
Aqui, é invocável a regra ubi eadem ratio ibi eadem dispositio (onde houver o mesmo fato haverá o mesmo direito), porquanto nos dois benefícios (assistencial e aqueles
previstos na Lei 8.213/91) o titular está acometido de doença mental, existindo, assim,
similitude no suporte fático que autoriza a exigência, bem como identidade de substância
jurídica (por analogia, vide igual conclusão alcançada pelo Superior Tribunal de Justiça
no AgRg no REsp 760.445/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, j. 11.04.2006).
Além disso, nas duas situações, apenas na ausência de cônjuge, pai ou mãe o benefício será pago a herdeiro necessário e somente após o decurso de seis meses é que
se exige a comprovação do andamento do processo de tutela ou de curatela, denotando
que a determinação é excepcional, e mais, fixada única e exclusivamente para proteger
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os interesses do beneficiário que se enquadra, muitas vezes, nas hipóteses do art. 1.767
do CC/2002, conforme já mencionado na fl. 157.”
Assim, não há como ser acolhida a apelação do INSS, tendo em vista
a escorreita legalidade da liberação imposta pelo comando sentencial.
Em seguimento, cumpre verificar se deveria ir além a decisão, no
sentido de ser permitido o pagamento dos benefícios em questão por
intermédio de qualquer pessoa portadora de procuração por instrumento
público ou com suprimento judicial, com poderes específicos, conforme
pleiteado na apelação do douto Ministério Público Federal.
Também aqui, escorreita foi a decisão apelada, não merecendo qualquer censura:
“De outro lado, não há como acolher o pedido do autor para liberar o pagamento
dos benefícios de incapaz para toda e qualquer pessoa portadora de procuração, ante
a ausência de previsão legal, ressalvadas, por óbvio, as autorizações/determinações
judiciais.
Registre-se, obiter dictum, que muitas das incapacidades passíveis de percepção de
benefício previdenciário e de benefício de prestação continuada são enquadráveis nas
hipóteses de curatela previstas no art. 1.767 do CC/2002, mesmo assim, não se pode
exigir, como regra geral, a interdição do titular para percepção do benefício, como
mencionado anteriormente.
Em verdade, a experiência forense tem demonstrado que a interdição é promovida perante o Juízo de Direito tão somente para apresentar prova pré-constituída ao
requerimento proposto perante o INSS, a fim de facilitar a concessão do benefício
previdenciário ou do benefício assistencial. Isso não significa dizer, evidentemente,
que a aludida autarquia possa exigir, de plano, a comprovação da tutela como condição
para o pagamento do benefício concedido, conforme já exposto.”
Embora se reconheça que a motivação do parquet seja nobre, no sentido de ser reduzida a intromissão do comando estatal na vida privada,
no que, aliás, é amparada por igual preocupação do Conselho Federal de
Psicologia e pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara
dos Deputados, a verdade é que tal embaraço reveste-se de razoabilidade
e proporcionalidade, tendo em vista a necessidade de proteção da pessoa
portadora de deficiência mental. Lamentavelmente, em nossa sociedade
atual os débeis não são protegidos por uma cidadania eficaz, guiada pelo
espírito de solidariedade, mas convivem em um ambiente de malícia,
alimentado pela impunidade certa. Num sistema jurídico em que a presunção de inocência transforma a sentença penal condenatória em peça
192
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
de ficção, onde a pena, já fixada a partir do mínimo, é executada pela
sexta parte, onde os corruptos notórios renascem das cinzas, ungidos pelo
voto popular, onde os financiamentos das campanhas políticas garantem
o acesso futuro às contratações fraudulentas com o poder público, o canto
do Estado mínimo, em vez de sinfônico, soa utópico e ucrônico.
Por último, não é despiciendo gizar que o novo Código Civil amenizou os rigores da curatela, ao estabelecer que o juiz deve estipular seus
limites, segundo o estado ou o desenvolvimento mental do interdito
(art. 1.772), o que, no caso concreto, poderá redundar na autorização
para que o deficiente mental venha a receber pessoalmente o benefício
previdenciário ou assistencial.
Da multa pelo descumprimento da tutela
Não há o que alterar na r. sentença quanto ao particular:
“Por fim, anote-se, mais uma vez, que não há razão para a fixação de multa pelo
não cumprimento da decisão antecipatória, pois: a) não há indícios de que o INSS
deixará de descumprir a decisão de fls. 156-157, e isso restou demonstrado porque não
houve notícia de inobservância da tutela antecipatória; b) deve-se presumir a boa-fé
do destinatário da ordem judicial, na espécie, o INSS (aliás, de todos os litigantes), e
fomentar o seu cumprimento espontâneo (art. 14 V do CPC); c) a fixação de multa é
medida excepcional, aplicável como ultima ratio, diante de manifesta recalcitrância
da parte, inexistente no presente caso.”
Prequestionamento
Quanto ao pedido de prequestionamento, tenho que a presente decisão manifestou-se expressamente sobre todas as questões levantadas,
restando a matéria, portanto, prequestionada.
Dispositivo
Posto isso, voto por negar provimento à remessa oficial e às apelações
do INSS e do Ministério Público Federal.
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DIREITO PROCESSUAL CIVIL
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2007.04.00.005720-0/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira
Autor: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS
Advogado: Procuradoria Regional do INSS
Réu: Geraldo Alfredo Hallwass
Advogado: Dr. Hildo Wollmann
EMENTA
Ação rescisória. Cabimento. Decisão interlocutória. Questão incidental e não de mérito. Impossibilidade jurídica da demanda. Extinção
do processo.
A ação rescisória não tem cabimento em face de decisão interlocutória
que se limita a encaminhar a execução a seus regulares termos e assim
não se identifica, sequer remotamente, à sentença de mérito (e, por extensão, ao acórdão ou, em casos excepcionalíssimos, às decisões que se
ocupem de definir essencialmente questão de fundo).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, extinguir o processo sem julgamento do mérito e
condenar o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios de
10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
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do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de abril de 2010.
Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: O Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS ajuizou ação rescisória em face de
Geraldo Alfredo Hallwass, objetivando desconstituir, in verbis: “decisão
interlocutória proferida à fl. 92 do processo Execução de Sentença nº
2004.71.04.007568-9 (...) para que seja mantida a coisa julgada”.
Sustenta a Autarquia, em síntese:
a) o cabimento da ação rescisória contra decisão interlocutória que
verse sobre o mérito da ação, como no caso, pois a decisão objurgada
extrapola o quanto contido no título exequendo;
b) a procedência da ação com base no artigo 485, inciso IV, do CPC;
c) que o benefício requerido administrativamente foi o de aposentadoria por tempo de serviço, espécie 42, e não aposentadoria especial de
professor, espécie 57;
d) a necessidade de se assegurar a coisa julgada mediante a manutenção do benefício como sendo de aposentadoria proporcional, no
percentual de 70% do salário de benefício.
Em exame preambular, deferi o pedido de tutela antecipada (fls. 277
a 178-verso).
Contestou o réu (fls. 286 a 299), suscitando, preliminarmente, o
caráter recursal da presente demanda e, no mérito, a improcedência do
pedido.
Regularmente processado o feito, manifestou-se o Ministério Público
Federal (parecer de fls. 382 e verso) pela extinção sem julgamento do
mérito.
É o relatório. Dispensada a revisão (RITRF 4ª R., art. 37, inciso IX).
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal João Batista Pinto Silveira: Em melhor
exame, realizo que não cabe sequer ser conhecida a presente ação rescisória. Confiro.
O pedido, como precedentemente relatado, consiste na pretensão
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de desconstituir, in verbis: “decisão interlocutória proferida à fl. 92 do
processo Execução de Sentença nº 2004.71.04.007568-9(...) para que
seja mantida a coisa julgada”.
Um tal provimento, como já apontado na contestação e gizado no
Parecer do Ministério Público Federal, não se afeiçoa à previsão legal
(CPC, art. 485, caput), que exige, aos fins, sentença de mérito transitada
em julgado (e alcança por extensão, os acórdãos), a ela equiparada, em
casos excepcionalíssimos, decisões que se ocupem de definir essencialmente questão de mérito ou de fundo, com o que não se identifica, sequer
por aproximação, a espécie.
Confira-se o teor da r. decisão objurgada (fl. 92 do processo de Execução):
“(...) 2. Intime-se o INSS para que, no prazo de dez dias, efetue o enquadramento
do benefício do exequente (folha 81) como aposentadoria por tempo de serviço como
professor (art. 56 da Lei nº 8.213/91), bem como para que, no mesmo prazo, junte
planilha com os valores devidos ao exequente. (...)”
A decisão que a parte-autora pretende rescindir, como se observa
do relatado, não decidiu o mérito da ação, mas tão somente se limita a
encaminhar o prosseguimento do feito.
Nesse sentido, mutatis mutandis, os seguintes precedentes:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. FUNGIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL. CONHECIMENTO. AÇÃO RESCISÓRIA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO.
1. Pelo princípio da fungibilidade admite-se o recebimento dos embargos de declaração como agravo regimental.
2. O acórdão rescindendo, proferido em agravo de instrumento, decidiu questão
incidental referente à fase de execução de título judicial quanto a serem ou não devidos
honorários advocatícios nas execuções não embargadas e, desse modo, por encerrar
decisão interlocutória não de mérito, não se sujeita à ação rescisória. Mantida a decisão
agravada que extinguiu o processo sem julgamento do mérito.
3. Embargos de declaração conhecidos como agravo regimental. Agravo improvido.” (AGRAR nº 2006.04.00.013150-9, 3ª Seção, Relator Otávio Roberto Pamplona,
DJ 21.06.2006)
“AÇÃO RESCISÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL. INDEFERIMENTO DA
INICIAL.
– A teor do art. 485 do CPC, somente pode ser rescindida a sentença de mérito, que
permite a coisa julgada material, conceito no qual não se enquadra a decisão que deterR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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minou o cumprimento da sentença, decisão interlocutória que não pôs fim ao processo.”
(AGRAR nº 2004.04.01.049606-8, 3ª Seção, Relator Celso Kipper, DJ 07.06.2006)
“AÇÃO RESCISÓRIA. ACÓRDÃO PROFERIDO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. QUESTÃO TIPICAMENTE INTERLOCUTÓRIA. INCABIMENTO.
1. Embora a doutrina e a jurisprudência menos rígidas transijam em aceitar o cabimento da rescisória para desconstituir aresto proferido em agravo de instrumento, é
imprescindível que a matéria solvida envolva o mérito da ação, cuja definição acabe
por acarretar a própria extinção do processo.
2. Se a decisão limitou-se a pronunciamento acerca de índices de correção monetária da conta de liquidação apresentada para os fins do art. 604, do CPC, é incabível
a rescisória.” (AGRAR nº 2000.04.01.01.016092-9/RS, Rel. Des. Federal Luiz Carlos
de Castro Lugon, DJU 20.09.2000, p. 719)
De qualquer forma, ainda que assim não fosse compreendido, da
atenta análise do título sob execução na origem conclui-se que a decisão
interlocutória encaminha a execução a bom termo e em consonância com
o seu fundamento, assim ementado (fls. 160):
“PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO CONCOMITANTE DE ATIVIDADES VINCULADAS AO RGPS E AO REGIME PRÓPRIO. EMPREGADO E SERVIDOR
PÚBLICO. CONTAGEM RECÍPROCA. FRACIONAMENTO DO PERÍODO VINCULADO AO RGPS. ACUMULAÇÃO DOS BENEFÍCIOS. POSSIBILIDADE.
1. O exercício simultâneo de atividades vinculadas a regime próprio e ao regime
geral, havendo a respectiva contribuição, não obstaculiza o direito ao recebimento
simultâneo de benefícios em ambos os regimes.
2. O período contributivo não considerado para fins de contagem recíproca pode
ser utilizado para postulação de benefício no próprio RGPS, já que não há vedação da
acumulação de benefícios em regimes previdenciários diversos.
3. Embargos de declaração acolhidos.” (EDAC nº 2000.71.04.000005-2, 5ª Turma,
Relator Luiz Carlos Cervi, DJ 23.07.2003)
Impende ainda reproduzir o voto condutor, na parte que interessa:
“(...) Diante disso, tendo sido apurados em favor do autor 30 anos e 17 dias de tempo
de serviço, supro a omissão referida para condenar o INSS a conceder ao embargante
a aposentadoria proporcional por tempo de serviço, com fulcro no art. 201, § 8º, da
Constituição Federal, porquanto adimplidos os requisitos constitucionais exigíveis,
atribuindo efeitos infringentes ao presente recurso a fim de que seja mantida a r. sentença nesse aspecto. (...)”
É de se ter em conta, ainda, que a sentença do processo de conhecimento é explícita ao mencionar o preenchimento das condições, uma vez
que ultrapassa os 25 anos de magistério, período suficiente à concessão
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
da aposentadoria especial (fl. 105), tendo o apelo do INSS refutado exclusivamente a possibilidade de aproveitamento de tempo fracionado.
Logo, no que extrapolou o acórdão, o fez por evidente equívoco, não se
justificando, como já afirmei, alterar o bom encaminhamento da execução,
até mesmo em nome dos princípios da celeridade e razoabilidade.
São os fundamentos que adoto para decidir, certo de que as alegações
contidas na inicial não ostentam vigor suficiente para embasar decisão
em sentido diverso.
Nessa equação, ausente a possibilidade jurídica do pedido, impõese extinguir o processo sem resolução do mérito (CPC, art. 267,
inciso VI).
Condeno o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios,
que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação (R$
134.624,27 – cento e trinta e quatro mil, seiscentos e vinte e quatro reais
e vinte e sete centavos, em 26.02.2007).
Não há depósito a ser levantado (Lei nº 8.620/93, art. 8º, § 1º).
Sem custas.
Ante o exposto, voto por extinguir o processo sem julgamento do mérito e condenar o INSS/autor ao pagamento de honorários advocatícios
de 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído a esta ação.
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 2009.04.00.030605-0/RS
Relator: O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona
Autora: União Federal (Fazenda Nacional)
Procurador: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
Réu: Banco A. J. Renner S/A
Advogados: Drs. Claudio Merten e outro
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EMENTA
AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. INCRA. APRECIAÇÃO
DO MÉRITO PELO STJ. INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL.
1. Ainda que o STJ, ao apreciar o recurso, não tenha analisado o objeto
principal da rescisória, que no caso é a exigibilidade da contribuição
para o INCRA, porém, tendo adentrado no mérito, apreciando a possibilidade de compensação dessa exação com outras, a competência para
o julgamento da rescisória é do Superior Tribunal de Justiça, e não deste
Tribunal. Precedentes da 1ª Seção deste Tribunal, do STJ e do STF.
2. Extinta a ação rescisória, sem resolução de mérito.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 1ª Seção do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, julgar extinta, sem resolução de mérito, a ação rescisória,
nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo
parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de abril de 2010.
Des. Federal Otávio Roberto Pamplona, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: A União Federal
(Fazenda Nacional) ajuizou ação rescisória contra Banco A. J. Renner
S/A, com base no art. 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir
acórdão da 2ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, deu parcial
provimento à apelação da parte-autora e julgou prejudicado o recurso do
INSS, para que, em novo julgamento, seja desprovido o apelo do Banco
A. J. Renner S/A, afirmando-se a exigibilidade da contribuição prevista no
art. 6º, § 4º, da Lei nº 2.613/55 e em suas modificações legais, conforme
os arts. 149 e 195 do texto constitucional.
Sustenta, em síntese, que o acórdão rescindendo violou literalmente
os arts. 149 e 195, ambos da CF, e o art. 6º, § 4º, da Lei 2.613/55.
O réu foi citado, apresentando contestação nas fls. 628-702, tendo
a autora oferecido réplica nas fls. 849-872 e agravo regimental con202
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tra a decisão deste Relator que considerou tempestiva a contestação
(fls. 873-875).
Este Relator considerou manifestamente improcedente a interposição
de agravo regimental (fl. 877) e determinou a intimação para o oferecimento de razões pelas partes, as quais foram apresentadas pela autora
nas fls. 880-883 e pelo réu nas fls. 885-905.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, opina pela procedência
da ação rescisória.
VOTO
O Exmo. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona: Trata-se de ação
rescisória interposta pela Fazenda Nacional contra Banco A. J. Renner
S/A, com base no art. 485, inciso V, do CPC, objetivando desconstituir
acórdão da 2ª Turma deste Tribunal que, por unanimidade, deu parcial
provimento à apelação da parte-autora e julgou prejudicado o recurso do
INSS, para que, em novo julgamento, seja desprovido o apelo do Banco
A. J. Renner S/A, afirmando-se a exigibilidade da contribuição prevista no
art. 6º, § 4º, da Lei nº 2.613/55 e em suas modificações legais, conforme
os arts. 149 e 195 do texto constitucional.
Sustenta a autora, em síntese, que o acórdão rescindendo violou
literalmente os arts. 149 e 195, ambos da CF, e o art. 6º, § 4º, da Lei
2.613/55.
Representação processual
As partes são legítimas, decorrendo de lei a representação judicial
da autora.
Cumprimento de prazo decadencial
Verifico que o acórdão da 2ª Turma desta Corte transitou em julgado
em 20.02.2009 (fl. 596), e a ação rescisória foi ajuizada em 10.09.2009,
dentro do biênio legal previsto no art. 495 do CPC.
Depósito prévio
Em face do disposto no parágrafo único do art. 488 do CPC, descabe
o depósito prévio nas ações rescisórias propostas pela União.
Inaplicabilidade da Súmula 343 do STF
Inicialmente, cumpre afastar a aplicabilidade do teor da Súmula 343
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do STF em face do contido na Súmula 63 desta Corte, segundo a qual
“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal à rescisória
versando matéria constitucional”.
Incompetência do TRF para o julgamento da presente rescisória
Passo à análise da competência para o julgamento da presente rescisória.
Compulsando os autos, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça
apreciou o mérito ao prover o recurso especial do Banco A. J. Renner
S/A (fl. 445-446) e ao, depois, modificá-lo em sede de embargos de
divergência interpostos pela Fazenda Nacional, quando dispôs sobre
a possibilidade de compensação, conforme se percebe das respectivas
ementas a seguir transcritas:
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO DEVIDA AO INCRA.
COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. CONTRIBUIÇÕES ARRECADADAS PELO
INSS. PRECEDENTES DA PRIMEIRA TURMA DESTA CORTE.
1. Trata-se de ação ordinária ajuizada pelo BANCO A. J. RENNER S/A buscando
provimento jurisdicional para que se reconheça a inexigibilidade e a consequente restituição do adicional de 0,2% da contribuição sobre a folha de salários devida ao INSS
destinada ao Incra sobre a folha de salários, sob a alegação de que a exação discutida
não fora extinta com o advento da Lei nº 8.212/91. O douto julgador de primeiro grau
desacolheu o pleito. Irresignada, a autora interpõe apelação (fls. 313-332). O Tribunal
de origem reformou a decisão de Primeiro Grau julgando parcialmente procedente o
pleito declarando indevido o recolhimento dos valores da exação discutida a partir da
edição da Lei nº 8.212/91, reconhecendo, contudo, a impossibilidade de compensação
da exação discutida com outras contribuições incidentes sobre a folha de salários, por
não terem mesma espécie e destinação constitucional. Pela via especial, insurge-se a
Empresa-Autora, sustentando, além de divergência jurisprudencial, negativa de vigência do art. 66 da Lei nº 8.383/91. Em síntese, aduz que a legislação referida assegura
o direito à compensação de créditos tributários, desde que os tributos envolvidos
na operação sejam da mesma espécie e tenham igual destinação, como se apresenta
no caso do adicional destinado ao Incra com as contribuições devidas ao INSS, de
acordo com linha interpretativa adotada pelos precedentes apontados neste recurso.
Contrarrazões (fls. 512-518) pela Autarquia Agrária pugnando pelo improvimento do
recurso especial.
2. Entendimento jurisprudencial da Primeira Turma desta Corte no sentido da
possibilidade de compensação entre os valores recolhidos indevidamente a título de
contribuição do Incra, com outras contribuições arrecadadas pelo INSS que tenham o
mesmo escopo: financiar a seguridade social.
3. Precedentes: REsp 645518/RS, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de
204
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
23.08.2004, AgRg/REsp 636127/SC, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 23.08.2004;
REsp 678409/SC, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 19.04.2005; REsp 640497/
SC, Desta Relatoria, DJ de 04.04.2005.
4. Recurso especial provido.” (STJ – REsp nº 771.741, Relator Ministro José Delgado, DJU 17.10.2005)
“TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
CONTRIBUIÇÃO PARA O INCRA. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DEVIDAS AO INSS. COMPENSAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESTINAÇÃO DIVERSA.
INAPLICABILIDADE DO ART. 66, § 1º, DA LEI Nº 8.383/91.
1. A contribuição para o Incra não se destina a financiar a Seguridade Social. Os
valores recolhidos indevidamente a esse título não podem ser compensados com outras
contribuições arrecadadas pelo INSS que se destinam ao custeio da Seguridade Social.
Não se aplica, portanto, o § 1º do art. 66 da Lei nº 8.383/91. O encontro de contas só
pode ser efetuado com prestações vincendas da mesma espécie, ou seja, com a mesma
destinação orçamentária.
2. Embargos de divergência providos.” (STJ – Embargos de Divergência em REsp
nº 771.741-RS, Relator: Ministro Castro Meira, DJU 05.02.2007)
Cumpre referir que em rescisória idêntica à presente, tratando da
mesma questão, do mesmo tributo (Incra), e não tendo o STJ, tal qual
no presente caso, analisado o objeto principal da rescisória, que é a exigibilidade da contribuição para o Incra, mas tendo adentrado no mérito
apreciando a possibilidade de compensação, esta 1ª Seção deste Tribunal
decidiu que a competência para o julgamento da rescisória é do Superior
Tribunal de Justiça. Confira-se o precedente precitado:
“AÇÃO RESCISÓRIA. TRIBUTÁRIO. RECONHECIMENTO DA PRELIMINAR
DE INCOMPETÊNCIA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 249-STF.
I – A teor do prescrito no verbete Sumular 249-STF: ‘É competente o Supremo
Tribunal Federal para ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso
extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão
federal controvertida’.
II – Analogicamente, tendo o STJ adentrado no mérito da causa, quando do exame
de recurso interposto pela parte, é incompetente, para julgar a ação rescisória que tenha
por objeto rescindir esta decisão, o Tribunal Regional de apelação. Precedentes desta
Corte e do STJ.” (TRF4R – 1ª Seção, AR nº 2008.04.00.044073-4/SC, Rel. Desa.
Federal Luciane Amaral Corrêa Münch, DE 17.11.2009)
Assim, no presente caso, ainda que não tenham sido abordadas todas as questões
do acórdão rescindendo, houve apreciação de mérito no recurso especial no tocante
à possibilidade de compensação e, por conseguinte, a ação rescisória deveria ter sido
dirigida ao Superior Tribunal de Justiça, e não a este Tribunal, que é incompetente
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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para processá-la e julgá-la. O enquadramento se dá pelo estatuído na alínea e do inc. I
do art. 105 da CF, segundo a qual compete ao Superior Tribunal de Justiça processar
e julgar, originariamente, as ações rescisórias de seus julgados.
Nessa linha, confira-se o seguinte precedente, mutatis mutandis, do
Pleno do STF:
‘’PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 485, V E IX, DO CPC.
COMPETÊNCIA. CONSTITUCIONAL. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATUALIZAÇÃO. ART. 201, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO. CRITÉRIO DE
EQUIVALÊNCIA SALARIAL. INTEGRAÇÃO DA NORMA CONSTITUCIONAL.
ART. 58 DO ADCT. LIMITES. LEIS 8.212/91 E 8.213/91. PRECEDENTES. AÇÃO
RESCISÓRIA CONHECIDA E PROVIDA.
1. A competência do STF para conhecimento e julgamento da ação rescisória fica
firmada desde que o Tribunal tenha enfrentado uma das questões de mérito – ainda que
para não conhecer do recurso (Súmula STF nº 249).
2. Reajuste dos benefícios de prestação continuada mantidos pela Previdência Social
na data da Constituição de 1988 de acordo com o salário mínimo. Aplicação do art. 58
do ADCT. Limitação da norma constitucional transitória à edição das Leis 8.212/91 e
8.213/91, que regulamentaram, na forma do art. 201, § 2º, da Constituição Federal, os
critérios de revisão dos benefícios previdenciários.
3. Reajuste dos benefícios iniciados no período compreendido entre a promulgação
da Constituição e o início da vigência das leis de custeio e benefício, matéria disciplinada no art. 15 da Lei 7.787/89.
4. Ação rescisória conhecida e provida.” (STF, Pleno, AR 1572/RJ, Rel. Min. Ellen
Gracie, DJe 21.09.2007)
Assim, declarada a incompetência deste Tribunal para o julgamento
da presente ação rescisória, imperiosa é a extinção do processo sem
resolução de mérito.
Honorários advocatícios
Tendo havido processamento regular desta ação rescisória, com apresentação de contestação e razões finais, deve a parte-autora arcar com os
honorários advocatícios em favor da parte-ré no patamar de 1% sobre o
valor da causa (R$ 109.398,95 – fl. 11), a teor do preceituado pelo § 4º
do art. 20 do CPC e em consonância com a orientação jurisprudencial
deste Tribunal.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por extinguir a ação rescisória sem resolução de
mérito, em face de este Tribunal ser incompetente para o seu julgamento,
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condenando a parte-autora a arcar com os honorários advocatícios, nos
termos da fundamentação retro.
É o voto.
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO
Nº 2009.04.00.037166-2/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Agravante: Município de Rolante
Procurador: Dr. Marcos Alexandre Masera
Agravada: União Federal
Advogado: Procuradoria Regional da União
Agravada: Decisão de folhas
EMENTA
Constitucional e Processual Civil. Incidente de inconstitucionalidade.
Art. 97 da C.F. Interpretação. Quórum. Doutrina e jurisprudência.
1. Consoante dispõe o art. 97 da CF/88, somente pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público.
Essa norma, no Brasil, tem origem na Constituição de 1934 (art. 179),
sendo, posteriormente, repetida nas Constituições de 1937 (art. 96), de
1946 (art. 200), de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 116),
e na vigente, de 1988, em seu art. 97.
O procedimento estabelecido na Constituição, que diz com o modo de
julgamento do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público, adveio do direito norte-americano, onde se conferiu
ao juiz de primeira instância o poder de declarar a inconstitucionalidade,
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
207
exigindo-se, porém, por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, no julgamento pelos tribunais, a presença da totalidade de seus
membros, de modo a evitar que em questão de tal gravidade, e mesmo
em homenagem ao princípio da separação e da harmonia dos Poderes, tão
caro à democracia daquele País, fosse reconhecida a incompatibilidade
de uma lei com a Constituição pela maioria simples ou ocasional.
Nesse sentido, o depoimento de Nerincz, em seu estudo clássico acerca
da organização judiciária americana, quando noticia que,
“tratando-se de apreciar a constitucionalidade de uma lei federal, a Corte Suprema estabeleceu que se não invalidasse a lei senão pela maioria do número completo dos juízes
reunidos in a full bench e somente quando a oposição entre a Constituição e a lei era tal
que o magistrado devia convencer-se da sua inconstitucionalidade.” (In L’Organisation
Judiciaire aux États-Unis. Paris: V. Giard & E. Brière, 1909. p. 45-6)
Nesse sentido, também, a lição de Cooley, verbis:
“In view of the considerations which have been suggested, the rule which is adopted by some courts, that they will not decide a legislative act to be unconstitutional
by a majority of a bare quorum of the judges only – less than a majority of all – but
will instead postpone the argument until the bench is full, seems a very prudent and
proper precaution to be observed before entering upon questions so delicate and so
important.” (In Constitutional Limitations. 7. ed. Boston, 1903. p. 203, I)
A Suprema Corte – relata Willoughby – assentou que a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria do tribunal
pleno.
É o seu magistério, verbis: “(...) the court has made it a rule not to
render a decision invalidating a legislative act, unless it to be concurred
in by a majority, not of judges sitting, as is the usual rule, but of the entire
bench” (Westel W. Willoughby, in The Supreme Court Of The United
States. Baltimore: The Hopkins Press, 1890. p. 39).
Revelando a observância desses princípios pelos diversos Estados da
Federação Americana, noticia-nos John Mabry Mathews, verbis:
“(...) it has happened, in an appreciable number of cases, that legislative acts are
declared unconstitutional by a bare majority of the court. The fact that there is a large
dissenting minority would seem to cast some doubt upon the invalidity of the act. (...)
In order to check this tendency, some states have adopted express constitutional limitations designed to curb the unrestricted power of the courts to declare legislative acts
unconstitutional. Thus, in Ohio and North Dakota, having seven and five judges can be
208
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
declared unconstitutional only by the concurrence of six and four judges, respectively.
(...) In states where the supreme courts may meet in separate divisions for the decision
of ordinary cases, it is usually the rule that cases involving the constitutionality of laws
can only be decided by a majority of the full bench.” (In American State Government.
New York: D. Appleton and Company, 1931. p. 487-8)
Diverso não é o sistema que prevalece no direito constitucional europeu.
Ao comentar o procedimento de julgamento perante a Corte Constitucional da Itália, anota Enrico Redenti, verbis:
“Non c’è un numero fisso di giudici per la composizione del collegio decidente (o
..., delibante), come c’è per gli uffici giudicanti della magistratura ordinária, ma c’è
un numero minimo (almeno undici, compreso il presidente o il suo ff.: art. 16 della
legge ord. 11 marzo 53). Non pare sia ammessa se non de facto la astensione; esclusa
la ricusazione (art. 16 delle norme integrative). L’assenza dovrebbe esser giustificata.
Possono concorrere alle deliberazione solo i giudice che siano stati presenti a tutte le
udienze. In caso di parità di voti prevale quello del presidente.” (In Legitimità delle
Leggi e Corte Costituzionale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. p. 70, n. 49)
Ou seja, consoante observa Redenti, não há número fixo de juízes para
a composição do colégio julgador, como ocorre para a função judicial
da magistratura ordinária. Entretanto, exige-se um número mínimo de
pelo menos onze, inclusive o Presidente. Não parece ser admitida senão
de fato a abstenção, estando excluída a recusa. A ausência deve ser justificada. Podem concorrer às decisões somente os juízes que estiverem
presentes a todas as audiências. Em caso de paridade de voto, prevalece
o do Presidente.
Não é diverso o magistério de Franco Pierandrei (Corte Costituzionale,
in Enciclopedia Del Diritto, v. X, p. 960).
Da mesma forma, de maneira semelhante ao direito italiano, dispõe
o direito constitucional alemão, nos termos do magistério autorizado de
Ernest Friesenhahn, verbis:
“Le decisioni sono pronunciate in linea di principio dalla maggioranza dei giudici
che vi hanno preso parte. Nel caso di eguaglianza dei voti non è attribuito un voto
preponderante al presidente. Da ciò si ricava che in caso di eguaglianza dei voti deve
essere respinta la domanda proposta. In certi casi ciò potrebbe portare ad un risultato
impossible, poichè il risultato della controversia giuridica potrebbe dipendere dalla
formulazione positiva o negativa della domanda. La legge stabilisce perciò che in caso
di eguaglianza dei voti indifferentemente da come sia stata formulata la domanda, non
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
209
può essere accertata una violazione della legge fondamentale o altro diritto federale.”
(“As decisões serão tomadas primordialmente pela maioria dos juízes que delas participaram. Havendo número idêntico de votos, não cabe ao Presidente o desempate.
Decorre daí que, havendo empate na votação, o pedido deve ser rejeitado. Em certos
casos, isso pode levar, porém, a resultado impossível, porque a solução da lide poderia
depender da forma positiva ou negativa do pedido. Por isso determina a lei que, em
caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma
violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal.”) (In La Giurisdizione Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca. Ristampa. Milano: Dott. A. Guiffrè,
1973. p. 140, n. 13)
Ora, nos termos do art. 97 da Lei Maior, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público nos tribunais
somente poderá ocorrer quando preenchidos dois pressupostos: 1º) haja
votos acordes no reconhecimento da alegada inconstitucionalidade; 2º)
que a soma dos votos acordes perfaça a maioria absoluta dos membros
do tribunal, e não apenas dos juízes presentes à sessão de julgamento.
Define-se a maioria absoluta como o número imediatamente superior à
metade, na lição clara e precisa de Léon Duguit.
São suas palavras, verbis:
“La détermination de la majorité absolue peut présenter quelque difficulté. Si le
nombre des votants est un nombre pair, la majorité absolue est la moitié plus un de
ce nombre. Si les votants sont en nombre impair, la majorité absolue est la majorité
absolue du nombre pair immédiatement au-dessous: la majorité absolue de 1.001 est
501; et 501 est aussi la majorité absolue de 1.000.” (In Traité de Droit Constitutionnel.
2. ed. Paris: E. de Boccard, 1924. Tomo 4º. p. 91)
Por conseguinte, somente o Plenário da Corte, ou seu órgão especial,
nos termos do art. 97 da CF/88, poderá declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo.
Essa a jurisprudência pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal (RE
nº 55.378, rel. Min. Thompson Flores, in Ementário 830 do STF; RE nº
88.160/RJ, rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 96/1.188; RE nº 90.569/
RJ, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 99/273).
No mesmo sentido, o pensamento autorizado do Mestre Pontes de
Miranda, in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de
1969, 2. ed., Revista dos Tribunais, v. III, p. 590, verbis:
“Os membros do tribunal que votaram, em cognição da ação, ou de recurso, ou seus
substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade
210
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado mínimo para julgamento de
inconstitucionalidade da regra jurídica.
O art. 116 atende, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a Constituição exija a maioria absoluta dos membros do tribunal (não dos presentes) para a
decisão desconstitutiva, só a faz a respeito das regras legais ou de atos, que contenham
regras jurídicas ou não, porém não estende a exigência se a infração, de que se trata, é
a regra geral. O tribunal, ou a parte do tribunal, não precisa de maioria absoluta para
dizer ilegal o ato do poder público. À primeira vista, parece estranho que se possa
decretar a ilegalidade, sem maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa
decretar a inconstitucionalidade desse mesmo ato, se não se perfaz maioria absoluta dos
membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de legalidade são
menos graves e só atingem os decretos, regimentos, regulamentos, avisos, instruções,
portarias e outros atos menos importantes. As questões de inconstitucionalidade são
graves, porque se acusa o autor do ato de violar a Constituição de que provém qualquer
partícula de poder público que haja invocado.”
Dessa forma, indefiro o efeito suspensivo, pois a constitucionalidade
do artigo 1º da Lei nº 9.494/97 já restou afirmada pelo Egrégio STF e,
nesta Corte, somente poderia ser apreciada pela Corte Especial, nos termos do artigo 97 da CF/88, e não pelos seus órgãos fracionários.
Por outro lado, consoante demonstrado na decisão impugnada, já
transcrita no relatório, em juízo de liminar, não se encontram presentes
os pressupostos autorizadores para o deferimento do efeito suspensivo.
2. Agravo a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório,
votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de novembro de 2009.
Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
Trata-se de agravo onde o recorrente insurge-se contra o indeferimento
do efeito suspensivo.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
211
O decisum impugnado, a fls. 237-240, é do seguinte teor, verbis:
“(...)
2. Da antecipação dos efeitos da tutela:
Trata-se de pedido de antecipação de tutela, formulado em face da Fazenda Pública,
referente à liberação do montante de R$ 234.000,00 para dar cumprimento ao Convênio
firmado entre o Município e a União em 2006.
Saliento, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal, em tema de antecipação
de tutela contra o Poder Público, pacificou o entendimento de esta somente não poder
ser deferida nas hipóteses que importem em:
‘(a) reclassificação ou equiparação de servidores públicos; (b) concessão de aumento ou
extensão de vantagens pecuniárias; (c) outorga ou acréscimo de vencimentos; (d) pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor público ou (e) esgotamento,
total ou parcial, do objeto da ação, desde que tal ação diga respeito, exclusivamente,
a qualquer das matérias acima referidas.’ (Rcl 6138 MC, Relator(a): Min. CÁRMEN
LÚCIA, Presidente Min. GILMAR MENDES, julgado em 17.07.2008, publicado em
DJe-144 DIVULG 04.08.2008 PUBLIC 05.08.2008)
Logo, desde que o provimento de antecipação não incida em qualquer das situações
de pré-exclusão referidas, taxativamente, no art. 1º da Lei nº 9.494/97, é imprescindível
a apreciação do caso concreto.
O deferimento da referida medida antecipatória está sujeito aos requisitos previstos no art. 273 do Código de Processo Civil e, pois, é possível quando, demonstrada
a verossimilhança da alegação através de prova inequívoca, torna-se imprescindível
a antecipação dos efeitos de um futuro provimento de mérito em razão da urgência,
evitando-se, assim, o risco de seu perecimento no curso inevitável do processo.
Portanto, é necessário que as alegações da inicial sejam relevantes a ponto de, em
um exame perfunctório, possibilitar ao julgador prever a probabilidade de êxito na ação
(verossimilhança da alegação).
Deve estar presente, também, a indispensabilidade da concessão da medida (fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação), a fim de que não haja o risco de
perda do direito ou a sua ineficácia se deferida apenas ao final.
No caso concreto, não vislumbro, em sede de cognição sumária, a conjugação dos
pressupostos para o deferimento da medida antecipatória, com agravante de se tratar
de pedido de satisfatividade plena, com provável irreversibilidade. Senão vejamos.
As partes firmaram o Contrato de Repasse nº 0214616-50/2006, em 29.12.2006
(fls. 20-26), cujo objeto era a ‘transferência de recursos financeiros da União para a
execução de APOIO À MELHORIA DAS CONDIÇÕES DE HABITABILIDADE DE
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS’ (cláusula primeira, fl. 20).
Constou, dentre as obrigações do contratante, ‘transferir ao CONTRATADO os recursos financeiros, na forma do cronograma de execução financeira aprovado’ (cláusula
terceira, fl. 21) e, do contratado, ‘executar os trabalhos necessários à consecução do ob-
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
jeto, a que alude este Contrato de Repasse, observando os critérios de qualidade técnica,
os prazos e os custos previstos’, bem como ‘ter consignado no Orçamento do corrente
exercício ou, em prévia lei que autorize sua inclusão, os subprojetos ou as subatividades
decorrentes deste contrato de repasse e, no caso de investimento que extrapole o exercício,
consignar no Plano Plurianual os recursos para atender as despesas em exercícios futuros
que, anualmente, constarão do Orçamento’ (cláusula terceira, fl. 21).
Quanto à liberação e ao saque dos recursos, no que se refere à última parcela,
constou no Convênio: ‘O saque da última parcela, que não poderá ser inferior a 10%
do valor de repasse contratado, ficará condicionado ao ateste, pela CONTRATANTE,
da execução total do empreendimento objeto deste Contrato de Repasse, bem como à
aprovação, pelo CONTRATADO, da integral aplicação do valor relativo à contraprestação exigível’ (cláusula sexta, fl. 22).
Restou consignado no pacto, ainda, que ‘as despesas com a execução deste Contrato de Repasse correrão à conta de recursos alocados nos respectivos orçamentos dos
partícipes para o exercício de 2006’ (cláusula sétima, fl. 22).
Constou nos autos, ainda, memorial descritivo da obra, datado de 20.11.2007 (fls.
32-62), Edital de Tomada de Preços 007/2008, de 04.07.2008 (fls. 63-68), sendo que, em
07.08.2008, foi firmado Contrato com a empresa vencedora da licitação para a construção
das casas populares (fls. 140-142). O Laudo Social de fls. 168-169, datado de 24.08.2009,
atesta que as casas estão sendo construídas, assim como as fotografias de fls. 172-177.
Verifica-se, da análise documental, que o objeto do Convênio, caso concluído,
somente o foi no ano de 2009, motivo pelo qual as cláusulas terceira e sexta obstaram
o repasse das verbas.
Diante disso, é plausível a justificativa da União, de que a despesa foi inscrita em
restos a pagar e o Decreto nº 6.625/2008 prorrogou até 31.03.2009 o prazo de validade,
sendo que, a partir dessa data, foi suprimido do orçamento.
Em virtude disso, ao menos em uma análise perfunctória, não há como liberar a
quantia não mais prevista no orçamento, em homenagem ao princípio da universalidade,
mormente quando cabia à parte demandante atestar a execução total do empreendimento objeto do Contrato de Repasse, para o fim de fazer constar no próximo orçamento
atual a referida verba.
Acrescento, ainda, que não há risco de dano à população do Município, uma vez
que atestou a demandante que as casas já foram construídas, não havendo que se falar
no prejuízo ao direito à moradia da população beneficiada com a construção das casas
populares.
Ante o exposto, INDEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela.”
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz:
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
213
Consoante dispõe o art. 97 da CF/88, somente pelo voto da maioria
absoluta de seus membros, ou dos membros do respectivo órgão especial, poderão os Tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato
normativo do Poder Público.
Essa norma, no Brasil, tem origem na Constituição de 1934 (art. 179),
sendo, posteriormente, repetida nas Constituições de 1937 (art. 96), de
1946 (art. 200), de 1967, com a Emenda Constitucional nº 1/69 (art. 116),
e na vigente, de 1988, em seu art. 97.
O procedimento estabelecido na Constituição, que diz com o modo de
julgamento do incidente de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo
do Poder Público, adveio do direito norte-americano, onde se conferiu
ao juiz de primeira instância o poder de declarar a inconstitucionalidade,
exigindo-se, porém, por meio de construção da doutrina e da jurisprudência, no julgamento pelos tribunais, a presença da totalidade de seus
membros, de modo a evitar que em questão de tal gravidade, e mesmo
em homenagem ao princípio da separação e da harmonia dos Poderes, tão
caro à democracia daquele País, fosse reconhecida a incompatibilidade
de uma lei com a Constituição pela maioria simples ou ocasional.
Nesse sentido, o depoimento de Nerincz, em seu estudo clássico acerca
da organização judiciária americana, quando noticia que,
“tratando-se de apreciar a constitucionalidade de uma lei federal, a Corte Suprema estabeleceu que se não invalidasse a lei senão pela maioria do número completo dos juízes
reunidos in a full bench e somente quando a oposição entre a Constituição e a lei era tal
que o magistrado devia convencer-se da sua inconstitucionalidade.” (In L’Organisation
Judiciaire aux États-Unis. Paris: V. Giard & E. Brière, 1909. p. 45-6)
Nesse sentido, também, a lição de Cooley, verbis:
“In view of the considerations which have been suggested, the rule which is adopted by some courts, that they will not decide a legislative act to be unconstitutional
by a majority of a bare quorum of the judges only – less than a majority of all – but
will instead postpone the argument until the bench is full, seems a very prudent and
proper precaution to be observed before entering upon questions so delicate and so
important.” (In Constitutional Limitations. 7 ed. Boston, 1903. p. 203, I)
A Suprema Corte – relata Willoughby – assentou que a inconstitucionalidade de uma lei somente pode ser declarada pela maioria do tribunal
pleno.
É o seu magistério, verbis: “(...) the court has made it a rule not to
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
render a decision invalidating a legislative act, unless it to be concurred
in by a majority, not of judges sitting, as is the usual rule, but of the entire
bench” (Westel W. Willoughby, in The Supreme Court Of The United
States. Baltimore: The Hopkins Press, 1890. p. 39).
Revelando a observância desses princípios pelos diversos Estados da
Federação Americana, noticia-nos John Mabry Mathews, verbis:
“(...) it has happened, in an appreciable number of cases, that legislative acts are
declared unconstitutional by a bare majority of the court. The fact that there is a large
dissenting minority would seem to cast some doubt upon the invalidity of the act. (...)
In order to check this tendency, some states have adopted express constitutional limitations designed to curb the unrestricted power of the courts to declare legislative acts
unconstitutional. Thus, in Ohio and North Dakota, having seven and five judges can be
declared unconstitutional only by the concurrence of six and four judges, respectively.
(...) In states where the supreme courts may meet in separate divisions for the decision
of ordinary cases, it is usually the rule that cases involving the constitutionality of laws
can only be decided by a majority of the full bench.” (In American State Government.
New York: D. Appleton and Company, 1931. p. 487-8)
Diverso não é o sistema que prevalece no direito constitucional
europeu.
Ao comentar o procedimento de julgamento perante a Corte Constitucional da Itália, anota Enrico Redenti, verbis:
“Non c’è un numero fisso di giudici per la composizione del collegio decidente (o
..., delibante), come c’è per gli uffici giudicanti della magistratura ordinária, ma c’è
un numero minimo (almeno undici, compreso il presidente o il suo ff.: art. 16 della
legge ord. 11 marzo 53). Non pare sia ammessa se non de facto la astensione; esclusa
la ricusazione (art. 16 delle norme integrative). L’assenza dovrebbe esser giustificata.
Possono concorrere alle deliberazione solo i giudice che siano stati presenti a tutte le
udienze. In caso di parità di voti prevale quello del presidente.” (In Legitimità delle
Leggi e Corte Costituzionale. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1957. p. 70, n. 49).
Ou seja, consoante observa Redenti, não há número fixo de juízes para
a composição do colégio julgador, como ocorre para a função judicial
da magistratura ordinária. Entretanto, exige-se um número mínimo de
pelo menos onze, inclusive o Presidente. Não parece ser admitida senão
de fato a abstenção, estando excluída a recusa. A ausência deve ser justificada. Podem concorrer às decisões somente os juízes que estiverem
presentes a todas as audiências. Em caso de paridade de voto, prevalece
o do Presidente.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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Não é diverso o magistério de Franco Pierandrei (Corte Costituzionale,
in Enciclopedia Del Diritto, v. X, p. 960).
Da mesma forma, de maneira semelhante ao direito italiano, dispõe
o direito constitucional alemão, nos termos do magistério autorizado de
Ernest Friesenhahn, verbis:
“Le decisioni sono pronunciate in linea di principio dalla maggioranza dei giudici
che vi hanno preso parte. Nel caso di eguaglianza dei voti non è attribuito un voto
preponderante al presidente. Da ciò si ricava che in caso di eguaglianza dei voti deve
essere respinta la domanda proposta. In certi casi ciò potrebbe portare ad un risultato
impossible, poichè il risultato della controversia giuridica potrebbe dipendere dalla
formulazione positiva o negativa della domanda. La legge stabilisce perciò che in caso
di eguaglianza dei voti indifferentemente da come sia stata formulata la domanda, non
può essere accertata una violazione della legge fondamentale o altro diritto federale.”
(“As decisões serão tomadas primordialmente pela maioria dos juízes que delas participaram. Havendo número idêntico de votos, não cabe ao Presidente o desempate.
Decorre daí que, havendo empate na votação, o pedido deve ser rejeitado. Em certos
casos, isso pode levar, porém, a resultado impossível, porque a solução da lide poderia
depender da forma positiva ou negativa do pedido. Por isso determina a lei que, em
caso de paridade de votos, tal como foi ajuizado o pedido, não pode ser declarada uma
violação da Lei Fundamental ou de outro direito federal.”) (In La Giurisdizione Costituzionale nella Repubblica Federale Tedesca. Ristampa. Milano: Dott. A. Guiffrè,
1973. p. 140, n. 13)
Ora, nos termos do art. 97 da Lei Maior, a declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público nos tribunais
somente poderá ocorrer quando preenchidos dois pressupostos: 1º) haja
votos acordes no reconhecimento da alegada inconstitucionalidade; 2º)
que a soma dos votos acordes perfaça a maioria absoluta dos membros
do tribunal, e não apenas dos juízes presentes à sessão de julgamento.
Define-se a maioria absoluta como o número imediatamente superior à
metade, na lição clara e precisa de Léon Duguit.
São suas palavras, verbis:
“La détermination de la majorité absolue peut présenter quelque difficulté. Si le
nombre des votants est un nombre pair, la majorité absolue est la moitié plus un de
ce nombre. Si les votants sont en nombre impair, la majorité absolue est la majorité
absolue du nombre pair immédiatement au-dessous: la majorité absolue de 1.001 est
501; et 501 est aussi la majorité absolue de 1.000.” (In Traité de Droit Constitutionnel.
2. ed. Paris: E. de Boccard, 1924. Tomo 4º. p. 91)
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
Por conseguinte, somente o Plenário da Corte, ou seu órgão especial,
nos termos do art. 97 da CF/88, poderá declarar a inconstitucionalidade
de lei ou ato normativo.
Essa a jurisprudência pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal (RE
nº 55.378, rel. Min. Thompson Flores, in Ementário 830 do STF; RE nº
88.160/RJ, rel. Min. Leitão de Abreu, in RTJ 96/1.188; RE nº 90.569/
RJ, rel. Min. Moreira Alves, in RTJ 99/273).
No mesmo sentido, o pensamento autorizado do Mestre Pontes de
Miranda, in Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda nº 1 de
1969, 2. ed., Revista dos Tribunais, v. III, p. 590, verbis:
“Os membros do tribunal que votaram, em cognição da ação, ou de recurso, ou seus
substitutos, têm de votar em maioria absoluta para que se possa decretar a nulidade
da lei, ou do ato, por inconstitucionalidade. É o chamado mínimo para julgamento de
inconstitucionalidade da regra jurídica.
O art. 116 atende, em parte, à hierarquia das regras jurídicas: posto que a Constituição exija a maioria absoluta dos membros do tribunal (não dos presentes) para a
decisão desconstitutiva, só a faz a respeito das regras legais ou de atos, que contenham
regras jurídicas ou não, porém não estende a exigência se a infração, de que se trata, é
a regra geral. O tribunal, ou a parte do tribunal, não precisa de maioria absoluta para
dizer ilegal o ato do poder público. À primeira vista, parece estranho que se possa
decretar a ilegalidade, sem maioria absoluta dos membros do tribunal, e não se possa
decretar a inconstitucionalidade desse mesmo ato, se não se perfaz maioria absoluta dos
membros do tribunal. É que a ratio legis não está em que as questões de legalidade são
menos graves e só atingem os decretos, regimentos, regulamentos, avisos, instruções,
portarias e outros atos menos importantes. As questões de inconstitucionalidade são
graves, porque se acusa o autor do ato de violar a Constituição de que provém qualquer
partícula de poder público que haja invocado.”
Dessa forma, indefiro o efeito suspensivo, pois a constitucionalidade
do artigo 1º da Lei nº 9.494/97 já restou afirmada pelo Egrégio STF e,
nesta Corte, somente poderia ser apreciada pela Corte Especial, nos termos do artigo 97 da CF/88, e não pelos seus órgãos fracionários.
Por outro lado, consoante demonstrado na decisão impugnada, já
transcrita no relatório, em juízo de liminar, não se encontram presentes
os pressupostos autorizadores para o deferimento do efeito suspensivo.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo.
É o meu voto.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
217
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.042328-5/SC
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler
Agravante: Associação dos Moradores e Proprietários do Capri – AMPC
Advogada: Dra. Siloá Haynosz Merkle
Agravado: Ministério Público Federal
Agravados: Raquel da Silva Monteiro e outros
Advogado: Dr. Adoniran Pedroso de Oliveira
Agravado: Município de São Francisco do Sul/SC
Advogados: Dr. Ulf Anthony Eick e outros
Agravada: União Federal
Procurador: Procuradoria Regional da União
Agravada: Fundação de Amparo Tecnológico ao Meio Ambiente –
FATMA
Advogado: Dr. Carlos da Costa Soares
EMENTA
Processual civil. ACP. Remoção de aterro e estruturas físicas, visando
à recuperação de danos causados ao meio ambiente na região da Lagoa
do Capri (Município de São Francisco do Sul/SC). Ingresso de pessoa
jurídica (associação) na qualidade de assistente do associado, réu na
ação. Requisitos.
1. Ab initio é de se observar que a decisão impugnada analisou detidamente o cabimento do ingresso da Associação no feito, nos moldes
do Código de Processo Civil – que se volta, de maneira primordial, ao
processo individual –, e o requerimento da agravante foi veiculado, em
primeira instância, sob a denominação de “assistência”, com fundamento,
dentre outros, no § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (LACP) – que versa
sobre a intervenção de terceiro no processo coletivo (especificamente
na ação civil pública).
2. A despeito da divergência existente na doutrina sobre a caracterização ou não do instituto criado pela LACP como assistência, certo é
que o requerimento da agravante foi formulado com base em dispositivo
da LACP, portanto para ingresso na ação como litisconsorte (no caso,
da parte-ré), e é nesses termos e conforme os requisitos do instituto do
processo coletivo que o pleito deve ser analisado.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
3. Ao que se extrai dos documentos carreados ao instrumento, a
agravante foi criada em outubro de 2002 e teve seus atos constitutivos
registrados no Registro de Sociedades Civis em março de 2003. Cumprida está, portanto, a exigência imposta pela alínea a do inc. V do art.
5º da LACP.
4. A atuação da agravante está voltada à defesa do meio ambiente, em
seu sentido amplo, a compreender não apenas sua configuração natural,
mas também a artificial e a cultural (com a interação entre os recursos
naturais e os seres humanos – no caso, os moradores da região abrangida
na ação civil pública originária). Ressalte-se que a doutrina pátria acolhe
referida noção “holística” de meio ambiente.
5. O direito positivo brasileiro também contempla um conceito amplo
de meio ambiente. Nesse sentido, por exemplo, o Estatuto da Cidade (Lei
nº 10.257/2001, art. 2º, inciso XII) e a própria Constituição Federal de
1988 (art. 225, caput e § 2º, inciso V). Outra não é a situação no plano
internacional.
6. À vista de tais considerações, tem-se como atendidos os requisitos
legalmente impostos para a agravante figurar como parte em ações civis
públicas que guardem pertinência temática com o meio ambiente. Resta
verificar se se justifica admitir sua intervenção na ação coletiva. É que,
não obstante o § 2º do art. 5º da LACP preveja a possibilidade de os colegitimados habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes,
à primeira vista, poderia causar estranheza o ingresso da Associação no
polo passivo da demanda em que o autor (Ministério Público Federal)
busca, em tese, defender o mesmo direito metaindividual tutelado pela
agravante: o meio ambiente.
7. O que a AMPC sustenta é, justamente, que a pretensão deduzida
pelo Parquet Federal vem de encontro não só aos interesses particulares
dos moradores da região como também ao próprio direito ambiental, uma
vez que desconsidera a interdependência entre os recursos naturais da
região e a sua comunidade, voltando-se à destruição dos meios ambientes
artificial e cultural, sem promover a convivência harmônica destes com
o meio ambiente natural.
8. Em sendo assim, tenha ou não razão a agravante em relação à
inconveniência dos pedidos ministeriais – o que só poderá ser exaustivamente aferido quando do julgamento do mérito da ação –, é forçoso
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
219
reconhecer justificada e legalmente amparada sua inclusão no polo
passivo da ACP.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por
unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do
relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de abril de 2010.
Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler: Trata-se de
agravo de instrumento interposto em face de decisão em que foi indeferido
o pedido de ingresso, na qualidade de assistente do réu pessoa física, da
Associação dos Moradores e Proprietários do Capri – AMPC em ação
civil pública ajuizada com vistas à remoção de aterro e estruturas físicas
e à recuperação de danos causados ao meio ambiente, na localidade entre
a margem da Lagoa do Capri e a Rua Blandina Steiner Beckhauser (Município de São Francisco do Sul/SC), além da decretação de nulidade de
todas as licenças, alvarás e inscrições de ocupação das áreas localizadas
em frente à propriedade do possível assistido.
Em suas razões, a agravante teceu considerações históricas e atuais
sobre a urbanização do Balneário Capri, defendendo a improcedência
dos pedidos do MPF. Alegou que a população local deve participar do
planejamento e do gerenciamento urbano, o que torna importante que
os moradores e proprietários do Balneário em questão sejam assistidos
pela Associação – já que, até o presente momento, não foram chamados
a se manifestar, no feito, mesmo que sejam os principais prejudicados
na questão debatida. Destacou a existência de um abaixo-assinado feito
por mais de duzentos moradores contra as pretensões do Parquet. Aduziu
que a esfera jurídica da Associação e de seus integrantes está muito bem
delimitada no art. 3º de seu Estatuto, verbis:
“A Associação terá a finalidade de evitar a degradação da natureza, com a promoção de obras e esforços para preservar os recursos naturais sem perder de vista o ser
220
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
humano. O bem-estar dos associados e seus familiares é fim prioritário, sem perder de
vista a preservação.”
Repisou os prejuízos que os associados virão a sofrer com as medidas postuladas na ACP, o que faz com que estas tenham relação direta
e específica com as finalidades institucionais da agravante – tornando
evidente a conexão entre a relação jurídica de direito material discutida
em juízo e aquela existente entre a Associação e seus associados. Sublinhou que tem responsabilidade estatutária perante seus associados e
com todo o Balneário Capri, não havendo falar em mero interesse econômico e/ou moral. Aduziu que a justificativa para desatender o pedido
de assistência, tomando por fundamento a falta de interesse jurídico,
coaduna-se com um estado de negligência jurisdicional, pois é impossível
exigir que sejam abordados, pelo Estatuto Social, todos os eventos que
possam ter relação de interdependência ou conexão entre a associação
e seus membros. Argumentou que a defesa do bem-estar dos associados
e de seus familiares constitui gênero, do qual as pretensões ministeriais
são espécie. Sustentou que a esfera jurídica da própria Associação será
afetada pelas medidas postuladas na ACP, uma vez que os réus (pessoas
físicas) mantêm estrutura essencial para que os moradores, proprietários,
turistas etc. dela usufruam e aí resguardem suas embarcações. Concluiu
estar presente seu interesse jurídico para intervenção no feito. Ressaltou
que a imposição de ingresso de outra ação, com centenas de lesados,
em conexão à ACP, impediria o deslinde célere, ordenado e efetivo do
processo, sendo a admissão da assistência o caminho mais adequado.
Rechaçou o argumento de que a Associação só poderia se valer do art.
81 do Código de Defesa do Consumidor se pretendesse ingressar no
polo ativo da demanda.
O pedido de efeito suspensivo foi indeferido.
O MPF ofereceu contraminuta.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler: Ab initio, observo que, conquanto a decisão rechaçada tenha analisado, detidamente,
o cabimento do ingresso da Associação no feito, nos moldes do Código
de Processo Civil – que se volta, de maneira primordial, ao processo
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
221
individual –, o requerimento da agravante foi veiculado, em primeira
instância, sob a denominação de “assistência”, com fundamento, dentre
outros, no § 2º do art. 5º da Lei nº 7.347/85 (LACP) – que versa sobre
a intervenção de terceiro no processo coletivo (especificamente na ação
civil pública).
Diverge a doutrina sobre a caracterização ou não do instituto criado
pela LACP como assistência.
Para Fredie Didier,
“A intervenção de colegitimado é hipótese de assistência litisconsorcial, que nada
mais é do que um litisconsórcio ulterior unitário. Essa intervenção está autorizada
pelo § 2º do art. 5º da LAC, que, segundo entendemos, trata de hipótese de assistência
litisconsorcial, que é caso de intervenção litisconsorcial voluntária, só que sem ampliação do objeto do processo.” (DIDIER Jr., Fredie; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim
(coord.). Aspectos Polêmicos e Atuais sobre os Terceiros no Processo Civil e Assuntos
Afins. Assistência, Recurso de Terceiro e Denunciação da Lide em Causas Coletivas.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 424. Grifo nosso)
Todavia, o próprio doutrinador ressalta que
“Há autores, no entanto, que não tratam a assistência litisconsorcial como hipótese
de litisconsórcio ulterior. Para esses autores, a assistência, simples ou litisconsorcial,
não torna o assistente litisconsorte. Entendem tratar-se a intervenção de um colegitimado de intervenção litisconsorcial voluntária, seguindo a terminologia de José Carlos
Barbosa Moreira.” (id. ib. Grifo nosso)
A despeito da divergência existente, certo é que o requerimento da
agravante foi formulado com base em dispositivo da LACP, portanto
para ingresso na ação como litisconsorte (no caso, da parte-ré), e é nesses
termos e conforme os requisitos do instituto do processo coletivo que o
pleito será a seguir analisado.
O art. 5º, caput e § 2º, da Lei nº 7.347/85 assim reza:
“Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao
consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, es-
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
tético, histórico, turístico e paisagístico.
[...]
§ 2º. Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos
deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. [...]”
Com efeito, impõe-se, primeiramente, averiguar se a Associação
recorrente atende aos requisitos legais para gozar de legitimidade para
a ação civil pública.
Ao que se extrai dos documentos dos autos, a Associação de Moradores e Proprietários da Praia de Capri, também denominada, em seu
Estatuto, Associação dos Moradores e Proprietários do Capri (AMPC,
segundo adotado pela própria agravante na peça recursal), foi criada em
outubro de 2002 e teve seus atos constitutivos registrados no Registro de
Sociedades Civis em março de 2003. Cumprida está, portanto, a exigência
imposta pela alínea a do inc. V do art. 5º da LACP (associação que “esteja
constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil”).
No que se refere à alínea b do mesmo dispositivo (associação que
“inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao
patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico”), o art.
3º do seu Estatuto prevê que “A associação terá a finalidade de evitar a
degradação da natureza, com a promoção de obras e esforços para preservar os recursos naturais sem perder de vista o ser humano. O bem-estar
dos associados e seus familiares é fim prioritário, sem perder de vista a
preservação”.
Claro está, diante da previsão estatutária, que a atuação da agravante
está voltada à defesa do meio ambiente, em seu sentido amplo, a compreender não apenas sua configuração natural, mas também a artificial
e a cultural (com a interação entre os recursos naturais e os seres humanos – no caso, os moradores da região abrangida na ação civil pública
originária).
Ressalte-se que a doutrina pátria acolhe referida noção “holística” de
meio ambiente, verbis:
“Conceito de meio ambiente
Segundo o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, meio ambiente é o conjunto de condições,
leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga
e rege a vida em todas as suas formas.
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223
A doutrina considera que a interação de elementos naturais, artificiais e culturais
também integra o meio ambiente. [...]
Diante do conceito assaz abrangente, é possível considerar o meio ambiente sob
os seguintes aspectos:
a) meio ambiente natural (os bens naturais, como o solo, a atmosfera, a água,
qualquer forma de vida);
b) meio ambiente artificial (o espaço urbano construído);
c) meio ambiente cultural (a interação do homem com o ambiente, o que compreende não só o urbanismo, o zoneamento, o paisagismo e os monumentos históricos,
mas também os demais bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos,
históricos, arqueológicos etc.), neste último incluído o próprio meio ambiente do trabalho.” (MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. 20. ed.
São Paulo: Saraiva, 2007. p. 151. Grifo nosso)
“No que concerne ao meio ambiente, [...] o conteúdo dessa expressão não mais se
resume ao aspecto naturalístico (= biota) antes referido, mas comporta uma conotação
abrangente, ‘holística’, compreensiva de tudo o que cerca (e condiciona) o homem em
sua existência e no seu desenvolvimento na comunidade a que pertence e ainda na
integração com o ecossistema que o cerca. Nesse sentido, José Afonso da Silva conceitua o meio ambiente como ‘a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e
culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.
A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos
recursos naturais e culturais’. Fala então o autor em ‘três aspectos do meio ambiente’
– natural, cultural e artificial –, inserindo nesse último o meio ambiente do trabalho
[...].” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Civil Pública em Defesa do Meio
Ambiente, do Patrimônio Cultural e dos Consumidores: Lei 7.347/1985 e Legislação
Complementar. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 38. Grifo nosso)
O direito positivo brasileiro também contempla um conceito amplo
de meio ambiente. Nesse sentido, por exemplo, o Estatuto da Cidade
(Lei nº 10.257/2001), que prevê como uma das diretrizes da política urbana a “proteção, preservação e recuperação do meio ambiente natural
e construído, do patrimônio cultural, histórico, artístico, paisagístico e
arqueológico” (art. 2º, inc. XII. Grifo nosso). E a própria Constituição
Federal de 1988 estabelece que, para assegurar a efetividade do “direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (art. 225, caput), cabe ao
Poder Público, dentre outras medidas, “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem
risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” (art. 225, §
2º, inc. V. Grifo nosso).
Outra não é a situação no plano internacional, em que a Declaração
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano
(Declaração de Estocolmo), de 1972, reconhece que
“O homem é ao mesmo tempo criatura e criador do meio ambiente, que lhe dá
sustento físico e lhe oferece a oportunidade de desenvolver-se intelectual, moral, social
e espiritualmente. A longa e difícil evolução da raça humana no planeta levou-a a um
estágio em que, com o rápido progresso da Ciência e da Tecnologia, conquistou o poder
de transformar de inúmeras maneiras e em escala sem precedentes o meio ambiente.
Natural ou criado pelo homem, é o meio ambiente essencial para o bem-estar e para o
gozo dos direitos humanos fundamentais, até mesmo o direito à própria vida.”
À vista de tais considerações, tem-se como atendidos os requisitos
legalmente impostos para a agravante figurar como parte em ações civis
públicas que guardem pertinência temática com o meio ambiente.
Resta verificar se se justifica admitir sua intervenção na ação coletiva
que deu origem ao presente agravo de instrumento. É que, não obstante
o § 2º do art. 5º da LACP preveja a possibilidade de os colegitimados
habilitarem-se como litisconsortes de qualquer das partes, à primeira
vista, poderia causar estranheza o ingresso da Associação no polo passivo da demanda em que o autor (Ministério Público Federal) busca, em
tese, defender o mesmo direito metaindividual tutelado pela agravante:
o meio ambiente.
Sobre o assunto, a lição de Rodolfo Mancuso é esclarecedora:
“[...] O cúmulo subjetivo pode se estabelecer no polo passivo, mesmo porque o §
2º do art. 5º da Lei 7.347/85 fala que o Poder Público e as associações podem se habilitar como litisconsortes em relação a ‘qualquer das partes’, o que abrange a relação
processual em seus dois polos. Mas, com relação ao cúmulo subjetivo dos réus na ação
civil pública, há que se considerar uma particularidade própria das ações que objetivam
a tutela dos interesses difusos: é que, de ordinário, os portadores desses interesses, os
enti esponenziali – o Poder Público, o Ministério Público, a Defensoria Pública, as
associações ambientalistas ou de defesa dos consumidores –, atuarão, normalmente,
no polo ativo da ação – o que, aliás, bem se compreende, já que esses colegitimados
se vocacionam, em regra, a implementar a tutela dos interesses metaindividuais, e não
a responder por incúria ou leniência nesse mister.
Aliter, todavia, [...] não se pode descartar, no terreno das hipóteses, que uma ação
venha proposta não a favor, mas contra um interesse difuso, v.g.: objetiva-se impedir
que uma empresa construa uma usina de compostagem de resíduos urbanos, embora
os subsídios técnicos indiquem que tal solução é a melhor – num caso tal, nada impede
que o Poder Público ou uma associação ingressem na lide como litisconsortes passivos
ou assistentes da empresa-ré. [...]” (MANCUSO, op. cit., p. 237-9)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
225
Na mesma linha, Ada Pelegrini Grinover sublinha que “Talvez não
sejam frequentes as oportunidades em que os interesses institucionais
dos corpos intermediários coincidam com os do réu. Mas não se podem
excluir, a priori, ações intentadas não a favor, mas sim contra o interesse
coletivo” (GRINOVER, Ada Pelegrini apud MANCUSO, op. cit., p.
238).
Pois bem.
O que a AMPC sustenta é, justamente, que a pretensão deduzida pelo
Parquet Federal vem de encontro não só aos interesses particulares dos
moradores da região como também ao próprio direito ambiental, uma
vez que desconsidera a interdependência entre os recursos naturais da
região e a sua comunidade, voltando-se à destruição dos meios ambientes
artificial e cultural, sem promover a convivência harmônica destes com
o meio ambiente natural.
Em sendo assim, tenha ou não razão a agravante em relação à inconveniência dos pedidos ministeriais – o que só poderá ser exaustivamente
aferido quando do julgamento do mérito da ação –, é forçoso reconhecer justificada e legalmente amparada sua inclusão no polo passivo da
ACP.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo de instrumento.
É o voto.
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DIREITO TRIBUTÁRIO
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
AGRAVO LEGAL EM APELAÇÃO CÍVEL
Nº 2004.71.00.020018-7/RS
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik
Agravante: Município de Porto Alegre
Advogado: Dr. Luiz Antonio dos Reis Vizeu
Interessado: Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel
Advogado: Dr. Daniel Marchionatti Barbosa
Agravada: Decisão de folhas
EMENTA
Tributário. Embargos à execução fiscal. IPTU. Imóveis adquiridos
por autarquia federal. Imunidade reconhecida. Impossibilidade de
cobrança.
1. As normas relativas à imunidade tributária são regras que delimitam a competência tributária dos entes políticos, vedando, dessa forma,
a possibilidade de cobrança de impostos, mesmo quanto àqueles cujo
fato gerador já tenha se implementado em momento anterior à aquisição
do imóvel pela entidade imune. Precedentes.
2. No caso, a afetação dos imóveis às finalidades essenciais da entidade
– condição para gozo da imunidade em tela, na forma do § 2º do artigo
150, IV, combinado com a alínea a do mesmo dispositivo – já restou
reconhecida pelo próprio Município embargado, de forma que, uma vez
reconhecida tal condição, não se pode permitir a cobrança de impostos
relativos aos imóveis de propriedade da autarquia.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
229
3. Agravo legal improvido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao agravo legal, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante
do presente julgado.
Porto Alegre, 02 de dezembro de 2009.
Des. Federal Joel Ilan Paciornik, Relator.
RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: Trata-se de embargos à
execução fiscal opostos pela Anatel contra o Município de Porto Alegre/
RS. Sustenta, em síntese, prescrição porquanto os créditos tributários
se referem a exercícios anteriores a 2000. Aduziu a impossibilidade de
cobrança do imposto, tendo em vista que a Anatel possui imunidade
tributária, nos termos do art. 150, inciso VI, letra a, da Constituição
Federal.
Em abril de 2004 a causa foi valorada em R$ 603,21.
Sobreveio sentença que reconheceu a imunidade tributária da Anatel
desde 13.01.1999, sendo responsável pelos débitos do IPTU anteriores
à sua propriedade, em razão da obrigação propter rem, condenado o embargado em honorários advocatícios fixados em R$ 700,00 (setecentos
reais), corrigidos pelo IPCA-e. A decisão não foi submetida ao reexame
necessário, em 14.10.2004, fl. 165.
Irresignada, apelou a Anatel, defendendo a sua imunidade nos termos
da inicial.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
Contra a decisão que deu provimento ao recurso, atravessa o Município de Porto Alegre o presente agravo, na forma do artigo 557, § 1º,
do CPC.
É o relatório.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Joel Ilan Paciornik: A decisão ora agravada
230
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
assim examinou a controvérsia:
“O crédito exequendo é relativo a IPTU incidente sobre imóvel pertencente, a partir
de 13.01.1999, à Anatel. Vale registrar que o próprio Município de Porto Alegre-RS
reconhece a imunidade da Anatel, como autarquia federal, a partir do ano de 2000,
não aceitando os débitos pretéritos do imóvel como imunes. Assim, o imóvel sobre o
qual incidiu o IPTU é, atualmente, de propriedade da autarquia federal da União, que
goza da imunidade recíproca constitucional, a teor do disposto no artigo 150, VI, a,
da CF/88.
No momento em que o imóvel é transferido, a responsabilidade por sucessão afeta
os créditos tributários cujos fatos geradores ocorreram em data anterior. Desse modo,
a União assume a responsabilidade pelo pagamento do IPTU, em face da aquisição da
propriedade, nos termos do art. 130 do CTN:
‘Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a
propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis e, bem assim, os relativos a
taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria,
sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a
prova de sua quitação.’
Com a sucessão da Anatel na propriedade do imóvel, mesmo após o lançamento,
fica afastada a possibilidade de tributação em virtude da subsunção à hipótese de
norma negativa de competência tributária, a teor do disposto no artigo 150, VI, a, da
CF/88, in verbis:
‘Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)
§ 2º. A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas
e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços,
vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.’
Colaciono precedentes desta Corte:
‘EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. SUCESSÃO TRIBUTÁRIA DA
UNIÃO. IMUNIDADE RECÍPROCA. SUB-ROGAÇÃO. Com a transferência da
propriedade do imóvel, o IPTU sub-roga-se na pessoa do novo proprietário, nos termos
do art. 130 do CTN. Uma vez que a União goza de imunidade recíproca prevista no art.
150, VI, a, da CF/88, é inexigível o IPTU sobre imóvel incorporado a seu patrimônio,
ainda que os fatos geradores sejam anteriores à ocorrência da sucessão tributária.’
(TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2007.71.06.001917-6, 1ª Turma, Des. Federal VILSON
DARÓS, POR UNANIMIDADE, D.E. 15.10.2008)
‘EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. IPTU. AUTARQUIA FEDERAL. IMUR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
231
NIDADE. RESPONSABILIDADE POR SUCESSÃO. 1. Embora o Município tenha
reconhecido a imunidade da Embargante, autarquia federal, nos termos do artigo 150,
VI, a, § 2º, da CF/88, a execução fiscal trata da cobrança do IPTU referente ao anobase de 1999, considerando que o lançamento ocorreu em 1º.01.99, tendo a Executada
se tornado proprietária do imóvel apenas em 13.01.99. 2. Na data do lançamento, o
proprietário do bem era o antigo proprietário. Contudo, com a transferência da propriedade, o imposto sub-roga-se na pessoa do adquirente (art. 130 do CTN), o qual goza
da imunidade constitucional, não sendo exigível.’ (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº
2004.71.00.038341-5, 2ª Turma, Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAÚJO DOS
SANTOS, DJU 09.08.2006)
A Jurisprudência dos tribunais superiores é neste sentido:
‘EMENTA: Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. IPTU. Imunidade
recíproca. Art. 150, VI, a, § 2º, CF. Extensão às autarquias. Precedentes. 3. Agravo
regimental a que se nega provimento.’ (AI 626372 AgR, Relator(a): Min. GILMAR
MENDES, Segunda Turma, julgado em 01.04.2008, DJe-070 DIVULG 17.04.2008
PUBLIC 18.04.2008 EMENT VOL-02315-09 PP-01960)
Assim, indevida a cobrança de IPTU da Anatel por parte do Município de Porto
Alegre, mesmo anterior à propriedade do ente federal, merecendo ser reformada a
sentença no tópico.”
Como visto, a controvérsia recursal reside em saber se a imunidade tributária ostentada com fundamento na norma constitucional constante do parágrafo 2º do artigo
150, IV, combinado com a alínea a do mesmo dispositivo, alcança os fatos geradores
anteriores à data de aquisição do imóvel pela autarquia federal imune. Calha a transcrição dos dispositivos que fundamentam a referida imunidade tributária:
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
(...)
§ 2º – A vedação do inciso VI, a, é extensiva às autarquias e às fundações instituídas
e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços,
vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.”
Como se percebe, a imunidade tributária das autarquias relativamente
ao seu patrimônio é condicionada à vinculação dos bens às finalidades
essenciais ou às delas decorrentes. À autarquia embargante restou reconhecida pelo Município a imunidade tributária em relação à propriedade
dos imóveis em questão na data de 09.12.1999 (fl. 16). Segundo o fisco
municipal, contudo, a imunidade reconhecida apenas alcançaria os fatos
geradores posteriores, ainda não perfectibilizados, de modo que apenas
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estaria obstada a incidência do imposto do ano de 2000 em diante (fato
gerador em 1º de janeiro de 2000).
Neste ponto, deve-se observar que o tributo em cobrança (IPTU)
trata-se de imposto cujo fato gerador é classificado pela doutrina como
continuado, caracterizando-se por incidir em determinados períodos de
tempo (anualmente) sobre situação que se mantém – ou tende a se manter – no tempo (propriedade). Sobre essa categoria de fatos geradores,
valho-me da precisa lição de Luciano Amaro, verbis:
“Os impostos sobre a propriedade territorial e sobre a propriedade de veículos
automotores incidem uma vez a cada ano, sobre a mesma propriedade: se o indivíduo
‘A’ tiver um imóvel, e a lei determinar que o fato gerador ocorre todo dia 1º de cada
ano, a cada 1º de janeiro o titular da propriedade estará realizando um fato gerador
do tributo, não sobre as propriedades que tiver adquirido ou vendido ao longo do ano,
mas em relação àquelas em que for titular naquele dia. Observe-se que, diferentemente
do fato gerador periódico, não se busca computar fatos isolados ocorridos ao longo do
tempo, para agregá-los num todo idealmente orgânico. O fato gerador dito continuado
considera-se ocorrido, tal qual o fato gerador instantâneo, num determinado dia, sem
indagar se as características da situação se alteraram ao longo do tempo; importam
as características presentes no dia em que o fato se considera ocorrido.” (In Direito
Tributário Brasileiro, 7. ed., p. 258 – grifei)
No caso, a legislação municipal aplicável dispõe que “o imposto será
lançado, anualmente, tendo por base a situação do imóvel no exercício
imediatamente anterior” (artigo 16 da Lei Complementar Municipal nº
07/1973 – fl. 34). Nas execuções fiscais ajuizadas pelo Município de
Porto Alegre, busca-se a cobrança do IPTU do ano-base de 1999.
Dessa forma, forçoso concluir-se que o fato gerador dos tributos em
cobrança refere-se ao espaço de tempo em que os imóveis ainda pertenciam ao antigo proprietário, de quem a Anatel, autarquia imune, adquiriu
os bens na data de 13.01.1999. É inegável, portanto, que o fato gerador
dos tributos em cobrança efetivamente realizou-se, dando nascimento à
obrigação tributária, uma vez que não havia, à época, qualquer regra em
relação ao antigo proprietário que obstasse a plena incidência da norma
tributária, como se passaria acaso se tratasse de pessoa considerada imune
pela Constituição Federal.
O ponto nodal da controvérsia, contudo, reside em investigar se a
responsabilidade por sucessão (artigos 130 e 131, I, do CTN) pode suplantar a condição pessoal da atual proprietária do bem, autarquia imune,
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233
na forma do artigo 150, VI, § 2º, da CF/88.
Quanto a esse ponto, tenho que a resposta negativa se impõe. Com
efeito, as normas relativas à imunidade tributária são regras que delimitam a competência tributária dos entes políticos, vedando, dessa forma,
a possibilidade de cobrança de impostos, mesmo quanto àqueles cujo
fato gerador já tenha se implementado em momento anterior à aquisição
do imóvel pela entidade imune. Em casos análogos, relativos a imóveis
adquiridos pela União – ente imune, na forma do artigo 150, VI, a, da
CF/88 –, esta Corte vem esposando raciocínio idêntico ao ora desenvolvido. Neste sentido:
“EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS. UNIÃO. RFFSA. IPTU. IMUNIDADE
TRIBUTÁRIA. 1. A Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA) foi extinta em 22.01.2007
por força da Medida Provisória 353, posteriormente convertida na Lei 11.483/07. A
partir de então, sucede-lhe a União nas obrigações, nos direitos e nas ações judiciais,
conforme o artigo 2º da referida Lei. 2. A responsabilidade por sucessão afeta todos
os créditos tributários, inclusive aqueles com fato gerador anterior à transferência do
bem. In casu, tendo a União sucedido a extinta RFFSA em seus direitos, obrigações
e ações judiciais, por força da imunidade tributária constitucional do artigo 150, VI,
a, da Carta Magna, resta afastada a exigibilidade do IPTU.” (TRF4, APELREEX
2008.72.14.001233-8, Segunda Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E.
28.10.2009)
“EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IPTU. RFFSA. PRESCRIÇÃO. IMUNIDADE RECÍPROCA. ART. 150, VI, A, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BASE
DE CÁLCULO DO TRIBUTO. NULIDADE DA CDA. PRECEDENTES. 1. Em se
tratando do tributo IPTU, em que a notificação do contribuinte se dá por meio do recebimento do carnê para pagamento pelo contribuinte, o prazo prescricional quinquenal
tem início no dia posterior ao do seu vencimento, portanto está prescrito o direito à
cobrança do IPTU de 1997, com vencimento em 31.12.1997, pelo fato da citação ser
posterior à prescrição do crédito. 2. ‘A Rede Ferroviária Federal S/A foi extinta em
22 de janeiro de 2007, por disposição da MP 353, convertida na Lei nº 11.483/07,
sucedendo-lhe a União nos direitos, nas obrigações e nas ações judiciais, de modo a não
prosperar a alegação de ilegitimidade daquela para propor os presentes embargos.’ (AC
nº 2007.70.00.031611-5/PR. Rel. Juíza Federal Marciane Bonzanini. 2ª Turma do TRF
da 4ª Região. Publicado no D.E. em 15.01.2009) 2. O imposto sub-roga-se na pessoa
do novo proprietário. Inteligência do art. 130 do CTN. 3. É inexigível o IPTU sobre
imóvel incorporado ao patrimônio da União, forte no art. 150, VI, a, da Constituição
Federal, mesmo em se tratando de fatos geradores anteriores à sucessão tributária. 4.
É nula a CDA que titula a cobrança do IPTU por ser impossível atribuir valor venal ao
imóvel na sede municipal, por se tratar de leito sobre o qual se estende a ferrovia, meio
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de transporte que liga um ponto a outro do território nacional. 5. Sentença mantida.”
(TRF4, AC 2008.72.07.000202-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona,
D.E. 24.06.2009)
Nem mesmo o fato de ser condicionada a imunidade conferida à Anatel
no presente caso muda o raciocínio até aqui empregado. Veja-se que a
afetação dos imóveis às finalidades essenciais da entidade – condição
para gozo da imunidade em tela – já restou reconhecida pelo próprio
Município embargado, de forma que, uma vez reconhecida tal condição,
não se pode permitir a cobrança de impostos relativos aos imóveis de
propriedade da autarquia.
Em arremate, consigno que o enfrentamento das questões suscitadas
em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são
suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos
legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até
aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de
embargos de declaração tão somente para esse fim, o que evidenciaria
finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa
(artigo 538 do CPC).
Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao agravo legal.
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO LEGAL
Nº 2005.70.00.034985-9/PR
Relator: O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira
Embargante: Pinhopó Moagem de Madeiras Ltda.
Advogados: Drs. Luiz Rodrigues Wambier e outros
Embargado: Acórdão de fls. 526-530
Interessada: Centrais Elétricas Brasileiras S/A – Eletrobrás
Advogados: Drs. Ângelo Provesi e outro
Interessada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
EMENTA
Tributário. Embargos de declaração em ED em apelação cível. Empréstimo compulsório sobre energia elétrica. Adequação do julgado à
decisão do STJ em recurso repetitivo (art. 543-C do CPC). Prescrição.
Correção monetária. Juros remuneratórios e moratórios. Prequestionamento. Sucumbência.
1. O item 4 da ementa dos REsp 1.003.955/RS e 1.028.592/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), claramente
define que são devidos juros remuneratórios de 6% ao ano reflexos sobre
a diferença de correção monetária incidente sobre o principal, incluídos
os expurgos inflacionários, desde a data do recolhimento até 31/12 do
mesmo ano. O item 6.2 arrola entre os expurgos inflacionários os índices
de fevereiro/89 e maio/90. O item 6.3 determina, também, a incidência de
juros de mora de 6% ao ano, a partir da citação, até 11.01.2003, data em
que entrou em vigor o novo Código Civil, e, a partir daí, a Taxa SELIC,
exclusivamente, afastada a cumulação com correção monetária.
2. De acordo com os leading cases, merecem provimento os embargos
declaratórios da autora, nos pontos reclamados, pois, apesar da reforma do
julgado nos aclaratórios anteriores, remanesceu declaração da prescrição
do direito aos juros reflexos da correção monetária.
3. Prescrição da correção monetária do empréstimo compulsório
sobre energia elétrica a partir das datas das Assembleias Gerais Extraordinárias que decidiram sua conversão em ações. Precedentes deste
TRF4 e do STJ.
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4. Prescrito o direito à diferença de correção monetária sobre os juros
remuneratórios do compulsório recolhido também no período de 1987
a 1993, considerada a actio nata do direito de ação o mês de julho do
ano seguinte.
5. Afastada a prescrição do direito a diferenças de correção monetária e de juros remuneratórios reflexos sobre tais diferenças dos valores
recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993, desde a data
de cada recolhimento mensal até 31 de dezembro do ano do recolhimento (itens 2.1 e 4 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº
1.028.592/RS).
6. São devidos juros de mora e correção monetária, a incidir a partir
da citação (item 6.3 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp
nº 1.028.592/RS) até a data do efetivo pagamento, no caso dos autos,
aplicada exclusivamente a Taxa Selic, que cumula juros e correção
monetária.
7. A União é litisconsorte passivo necessário da Eletrobrás, por força
do art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62.
8. A responsabilidade solidária da União não se restringe ao valor
nominal dos títulos da Eletrobrás, abrangendo, também, a correção
monetária e os juros sobre as obrigações relativas à devolução do empréstimo compulsório.
9. Condenadas as rés, pro rata, em honorários advocatícios de 10%
sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º, do CPC, consideradas as alíneas do § 3º do mesmo dispositivo legal, a serem corrigidos
pelo IPCA-E.
10. Parcialmente provido os embargos declaratórios da autora.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar parcial provimento aos embargos declaratórios
da autora, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam
fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 24 de março de 2010.
Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, Relator.
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RELATÓRIO
O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Trata-se de
embargos de declaração opostos por Pinhopó Moagem de Madeiras
Ltda. visando suprir omissões e contradições em acórdão que deu parcial
provimento ao agravo legal, considerando as seguintes letras:
“(...) 1. O STJ pacificou entendimento no sentido de que a ação visando obter a
correção monetária e os respectivos juros sobre os valores recolhidos a título do empréstimo compulsório de energia elétrica sujeita-se à prescrição quinquenal prevista no
art. 1º do Dec. nº 20.910/1932, que deve ser contada a partir da lesão (o termo inicial
do prazo prescricional, em razão da actio nata).
2. Nos casos em que esse vencimento foi antecipado, o início da contagem do prazo
prescricional para corrigir monetariamente o montante principal se dá nas datas das
três assembleias gerais extraordinárias realizadas para a homologação da conversão
dos créditos em ações (20.04.1988, 26.04.1990 e 28.04.2005).
3. Incluem-se os expurgos inflacionários previstos nas Súmulas nº 32 e 37 deste
Tribunal.
4. Descabida a incidência da taxa Selic, pois a legislação já prevê juros de natureza
compensatória de 6% ao ano sobre as contribuições a serem devolvidas e o art. 39, §
4º, da Lei nº 9.250/95 rege somente os casos de compensação ou restituição de tributo
pago indevidamente ou a maior, não se aplicando ao caso presente.”
A embargante Pinhopó Moagem de Madeiras Ltda. sustenta que
deveria o acórdão ter se manifestado acerca dos seguintes pontos: a)
responsabilidade solidária da União Federal pelo pagamento de correção
monetária sobre o empréstimo compulsório; b) distribuição das verbas
de sucumbência pro rata entre a Eletrobrás e a União Federal; c) incidência dos juros moratórios (taxa Selic) e prequestionamento dos arts.
406 do CC, e 13 da Lei 9.065/95; d) correção monetária incidente sobre
os juros, juntamente com o prequestionamento dos arts. 5°, inciso XXII,
e 150, IV, da CF/88; e) forma de devolução dos valores decorrentes da
diferença da correção monetária, salientando que a devolução deve ser
feita em dinheiro; f) ausência de prescrição das diferenças relativas aos
juros reflexos da correção monetária; g) prescrição do direito de receber
a correção monetária paga a menor.
VOTO
O Exmo. Sr. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira: Para melhor
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elucidar a questão, transcrevo a decisão da Primeira Seção do STJ no
julgamento do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS, submetidos ao rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), que pacificou
o entendimento quanto ao prazo prescricional e aos índices de juros e
correção monetária aplicáveis na restituição do empréstimo compulsório
sobre energia elétrica:
“TRIBUTÁRIO E ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. DECRETO-LEI 1.512/76 E LEGISLAÇÃO CORRELATA. RECURSO ESPECIAL: JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. INTERVENÇÃO
DE TERCEIRO NA QUALIDADE DE AMICUS CURIAE. PRESCRIÇÃO: PRAZO
E TERMO A QUO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS REMUNERATÓRIOS.
JUROS MORATÓRIOS. TAXA SELIC.
I. AMICUS CURIAE: As pessoas jurídicas contribuintes do empréstimo compulsório, por não contarem com a necessária representatividade e por possuírem interesse
subjetivo no resultado do julgamento, não podem ser admitidas como amicus curiae.
II. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE: Não se conhece de recurso especial: a) quando
ausente o interesse de recorrer; b) interposto antes de esgotada a instância ordinária
(Súmula 207/STJ); c) para reconhecimento de ofensa a dispositivo constitucional; e d)
quando não atendido o requisito do prequestionamento (Súmula 282/STJ).
III. JUÍZO DE MÉRITO DOS RECURSOS
1. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO DA ELETROBRÁS: CONVERSÃO DOS
CRÉDITOS PELO VALOR PATRIMONIAL DA AÇÃO:
1.1 Cabível a conversão dos créditos em ações pelo valor patrimonial e não
pelo valor de mercado, por expressa disposição legal (art. 4º da lei 7.181/83) e por
configurar-se critério mais objetivo, o qual depende de diversos fatores nem sempre
diretamente ligados ao desempenho da empresa. Legalidade do procedimento adotado
pela Eletrobrás reconhecido pela CVM.
1.2 Sistemática de conversão do crédito em ações, como previsto no DL 1.512/76,
independentemente da anuência dos credores.
2. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O PRINCIPAL:
2.1 Os valores compulsoriamente recolhidos devem ser devolvidos com correção
monetária plena (integral), não havendo motivo para a supressão da atualização no
período decorrido entre a data do recolhimento e o 1° dia do ano subsequente, que
deve obedecer à regra do art. 7°, § 1°, da Lei 4.357/64 e, a partir daí, o critério anual
previsto no art. 3° da mesma lei.
2.2 Devem ser computados, ainda, os expurgos inflacionários, conforme pacificado
na jurisprudência do STJ, o que não importa em ofensa ao art. 3° da Lei 4.357/64.
2.3 Entretanto, descabida a incidência de correção monetária em relação ao período compreendido entre 31/12 do ano anterior à conversão e a data da assembleia de
homologação.
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3. CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE JUROS REMUNERATÓRIOS:
Devida, em tese, a atualização monetária sobre juros remuneratórios em razão da
ilegalidade do pagamento em julho de cada ano, sem incidência de atualização entre
a data da constituição do crédito em 31/12 do ano anterior e o efetivo pagamento,
observada a prescrição quinquenal. Entendimento não aplicado no caso concreto por
ausência de pedido da parte autora. Acórdão reformado no ponto em que determinou
a incidência dos juros de 6% ao ano a partir do recolhimento do tributo, desvirtuando
a sistemática legal (art. 2°, caput e § 2°, do Decreto-Lei 1.512/76 e do art. 3° da Lei
7.181/83).
4. JUROS REMUNERATÓRIOS SOBRE A DIFERENÇA DA CORREÇÃO
MONETÁRIA:
São devidos juros remuneratórios de 6% ao ano (art. 2° do Decreto-Lei 1.512/76)
sobre a diferença de correção monetária (incluindo-se os expurgos inflacionários) incidente sobre o principal (apurada da data do recolhimento até 31/12 do mesmo ano).
Cabível o pagamento dessas diferenças à parte autora em dinheiro ou na forma de
participação acionária (ações preferenciais nominativas), a critério da Eletrobrás, tal
qual ocorreu em relação ao principal, nos termos do Decreto-Lei 1.512/76.
5. PRESCRIÇÃO:
5.1 É de cinco anos o prazo prescricional para cobrança de diferenças de correção
monetária e juros remuneratórios sobre os valores recolhidos a título de empréstimo
compulsório à Eletrobrás.
5.2 TERMO A QUO DA PRESCRIÇÃO: o termo inicial da prescrição surge com o
nascimento da pretensão (actio nata), assim considerada a possibilidade do seu exercício
em juízo. Conta-se, pois, o prazo prescricional a partir da ocorrência da lesão, sendo
irrelevante seu conhecimento pelo titular do direito. Assim:
a) quanto à pretensão da incidência de correção monetária sobre os juros remuneratórios de que trata o art. 2° do Decreto-Lei 1.512/76 (item 3), a lesão ao direito do
consumidor ocorreu, efetivamente, em julho de cada ano vencido, no momento em que
a Eletrobrás realizou o pagamento da respectiva parcela, mediante compensação dos
valores nas contas de energia elétrica;
b) quanto à pretensão de correção monetária incidente sobre o principal (item 2),
e dos juros remuneratórios dela decorrentes (item 4), a lesão ao direito do consumidor
somente ocorreu no momento da restituição do empréstimo em valor “a menor”.
Considerando que essa restituição se deu em forma de conversão dos créditos em
ações da companhia, a prescrição teve início na data em que a Assembleia Geral Extraordinária homologou a conversão, a saber:
a) 20.04.1988 – com a 72ª AGE – 1ª conversão; b) 26.04.1990 – com a 82ª AGE –
2ª conversão; e c) 30.06.2005 – com a 143ª AGE – 3ª conversão.
6. DÉBITO OBJETO DA CONDENAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA:
6.1 CORREÇÃO MONETÁRIA: Os valores objeto da condenação judicial ficam
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sujeitos à correção monetária, a contar da data em que deveriam ter sido pagos:
a) quanto à condenação referente às diferenças de correção monetária paga a menor
sobre o empréstimo compulsório, e os juros remuneratórios dela decorrentes (itens
2 e 4 supra), o débito judicial deve ser corrigido a partir da data da correspondente
assembleia geral de homologação da conversão em ações;
b) quanto à diferença de juros remuneratórios (item 4 supra), o débito judicial
deve ser corrigido a partir do mês de julho do ano em que os juros deveriam ter sido
pagos.
6.2 ÍNDICES: observado o Manual de Cálculos da Justiça Federal e a jurisprudência do STJ, cabível o cômputo dos seguintes expurgos inflacionários em substituição aos índices oficiais já aplicados: 14,36% (fevereiro/86), 26,06% (junho/87),
42,72% (janeiro/89), 10,14% (fevereiro/89), 84,32% (março/90), 44,80% (abril/90),
7,87% (maio/90), 9,55% (junho/90), 12,92% (julho/90), 12,03% (agosto/90), 12,76%
(setembro/90), 14,20% (outubro/90), 15,58% (novembro/90), 18, 30% (dezembro/90),
19,91% (janeiro/91), 21,87% (fevereiro/91) e 11,79% (março/91). Manutenção do
acórdão à míngua de recurso da parte interessada.
6.3 JUROS MORATÓRIOS: Sobre os valores apurados em liquidação de sentença
devem incidir, até o efetivo pagamento, correção monetária e juros moratórios a partir
da citação:
a) de 6% ao ano, até 11.01.2003 (quando entrou em vigor o novo Código Civil) –
arts. 1.062 e 1.063 do CC/1916;
b) a partir da vigência do CC/2002, deve incidir a taxa que estiver em vigor para a
mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. Segundo a jurisprudência
desta Corte, o índice a que se refere o dispositivo é a taxa Selic.
7. NÃO CUMULAÇÃO DA TAXA Selic: Considerando que a taxa Selic, em sua
essência, já compreende juros de mora e atualização monetária, a partir de sua incidência
não há cumulação desse índice com juros de mora. Não aplicação de juros moratórios
na hipótese dos autos, em atenção ao princípio da non reformatio in pejus.
8. EM RESUMO:
Nas ações em torno do empréstimo compulsório da Eletrobrás de que trata o DL
1.512/76, fica reconhecido o direito às seguintes parcelas, observando-se que o prazo
situa-se em torno de três questões, basicamente:
a) diferença de correção monetária sobre o principal e os juros remuneratórios dela
decorrentes (itens 2 e 4);
b) correção monetária sobre os juros remuneratórios (item 3);
c) sobre o valor assim apurado, incidem os encargos próprios dos débitos judiciais
(correção monetária desde a data do vencimento – item 6.1 e 6.2 e juros de mora desde
a data da citação – item 6.3).
9. CONCLUSÃO
Recursos especiais da Fazenda Nacional não conhecidos. Recurso especial da
Eletrobrás conhecido em parte e parcialmente provido. Recurso de fls. 416-435 da
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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parte autora não conhecido. Recurso de fls. 607-623 da parte autora conhecido, mas
não provido.” (REsp 1003955/RS e REsp nº 1028592/RS, Rel. Min. Eliana Calmon,
Primeira Seção, j. em 12.08.2009, DJe 27.11.2009)
Em decorrência, no julgamento dos aclaratórios anteriores, no julgado
foram introduzidas as seguintes modificações:
“Assim, em relação à prescrição quinquenal para requerer diferenças referentes à correção monetária sobre o principal conta-se a partir da conversão em ações
(20.04.1988 – 1ª conversão; 26.04.1990 – 2ª conversão; e 30.06.2005 – 3ª conversão).
Assim, se ocorreu o pagamento da dívida de maneira antecipada, com a conversão da
dívida em ações da companhia, o início do prazo prescricional é a data de realização
das Assembleias Gerais Extraordinárias.
Logo, seguindo a orientação pacificada do STJ, observo que a atualização do
montante principal (do valor emprestado), através da conversão em ações na última
AGE, não foi atingida pela prescrição quinquenal. Isso significa que a embargante não
perdeu o direito de reclamar judicialmente a correção referente a esses últimos créditos.
Frise-se, no entanto, que o referido direito somente diz respeito à correção monetária
sobre o principal, estando definitivamente prescrito o direito de pleitear as diferenças
relativas aos juros anuais e aos juros reflexos da correção monetária que, repiso, tem
como termo inicial do prazo prescricional a data de cada pagamento a menor.”
O item 4 da ementa acima transcrita dos REsp 1.003.955/RS e
1.028.592/RS claramente define que são devidos juros remuneratórios
de 6% ao ano, reflexos sobre a diferença de correção monetária incidente
sobre o principal, incluídos os expurgos inflacionários, desde a data do
recolhimento até 31/12 do mesmo ano. O item 6.2 arrola entre os expurgos inflacionários os índices de fevereiro/89 e maio/90. O item 6.3
determina, também, a incidência de juros de mora de 6% ao ano, a partir
da citação, até 11.01.2003, data em que entrou em vigor o novo Código
Civil, e, a partir daí, a Taxa Selic, exclusivamente, afastada a cumulação
com correção monetária.
Assim, de acordo com os leading cases, merecem provimento os
embargos declaratórios da autora, nos pontos reclamados, pois, apesar
da reforma do julgado nos aclaratórios anteriores, aquela decisão
havia declarado a prescrição do direito aos juros reflexos da correção
monetária.
Com base nos poderes outorgados pelo Decreto-Lei nº 1.512/76, a
Eletrobrás houve por bem transformar em ações preferenciais os valores
do empréstimo compulsório tomados do consumidor, antes do transcurso
242
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
dos vinte anos para a devolução do empréstimo compulsório.
Assim, ante a autorização legal, a Eletrobrás procedeu à conversão
do crédito em ações em três etapas, abaixo descritas:
1ª Conversão: 72ª Assembleia Geral Extraordinária, em 20.04.1988,
foram convertidos os créditos constituídos entre 1978 e 1985, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1977 e 1984;
2ª Conversão: 82ª Assembleia Geral Extraordinária, em 26.04.1990,
foram convertidos os créditos constituídos entre 1986 e 1987, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1985 e 1986;
3ª Conversão: 143ª Assembleia Geral Extraordinária, em 30.06.2005,
foram convertidos os créditos constituídos entre 1988 e 1994, correspondentes aos pagamentos efetuados entre 1987 e 1993, quando o tributo
não foi mais exigido.
A 1ª Seção deste Tribunal Regional decidiu, por maioria, que a prescrição do direito de postular a correção monetária do empréstimo compulsório sobre energia elétrica, conta-se das Assembleias Gerais Extraordinárias
que decidiram sua conversão em ações (EIAC nº 2002.71.08.013835-5,
Rel. Juiz Artur Cesar de Souza, julgado em 1º.03.2007), corroborada
essa decisão, posteriormente, em 12.08.2009, pelo STJ, no julgamento
do REsp 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS.
Assim, antecipada a restituição do empréstimo compulsório sobre
energia elétrica, prevista inicialmente para 20 anos, pela sua transformação em ações da Eletrobrás pelas Assembleias Gerais Extraordinárias
(AGE), realizadas em 20.04.1988, 26.04.90 e 30.06.2005, também ficou
antecipada a prescrição quinquenal do direito de ação, a partir dessas
datas, pelo que está prescrito o direito à diferença de correção monetária e
dos juros remuneratórios, relativamente às duas primeiras conversões.
Também está prescrito o direito à diferença de correção monetária
sobre os juros remuneratórios relativos aos valores recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993, entre dezembro do ano de
recolhimento até julho do ano seguinte, mês em que foram creditados
os juros na conta de energia elétrica, considerada esta data como a actio
nata para o direito de ação. Assim, creditado o último valor relativo aos
juros remuneratórios no mês de julho de 1994, a prescrição fulminou o
direito de ação à diferença de juros em julho de 1999.
Todavia, não está prescrito o direito a diferenças de correção moneR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
243
tária e de juros remuneratórios reflexos sobre tais diferenças dos valores
recolhidos compulsoriamente no período de 1987 a 1993.
Assim, tem direito a autora à diferença de correção monetária e juros
remuneratórios sobre essa diferença desde a data de cada recolhimento
mensal até 31 de dezembro do ano do recolhimento (itens 2.1 e 4 da
ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp nº 1.028.592/RS).
Também são devido juros de mora e correção monetária, a incidir a
partir da citação (item 6.3 da ementa do REsp nº 1.003.955/RS e do REsp
nº 1.028.592/RS) até a data do efetivo pagamento. No caso dos autos,
em razão da data do ajuizamento e da citação, aplicada exclusivamente
a Taxa Selic, que cumula juros e correção monetária.
Forma de devolução dos valores decorrentes da diferença de correção
monetária
Em relação ao alegado direito da embargante de receber as diferenças
de correção monetária exclusivamente em dinheiro, tenho que não merece prosperar tal fundamento. Os artigos em que sustenta tal pleito nada
mencionam acerca da obrigatoriedade de devolução de tais diferenças
se realizarem em pecúnia.
Assim preveem os artigos 2º e 3º do DL 1.512/76, in verbis:
“Art. 2º O montante das contribuições de cada consumidor industrial, apurado sobre
o consumo de energia elétrica verificado em cada exercício, constituirá, em primeiro
de janeiro do ano seguinte, o seu crédito a títulos de empréstimo compulsório que será
resgatado no prazo de 20 (vinte) anos e vencerá juros de 6% (seis por cento ao ano).
(grifamos)
§ 1º O crédito referido neste artigo será corrigido monetariamente, na forma do
artigo 3º, da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1966, para efeito de cálculo de juros e de
resgate.
§ 2º Os juros serão pagos anualmente, no mês de julho, aos consumidores industriais
contribuintes, pelos concessionários distribuidores, mediante compensação nas contas
de fornecimento de energia elétrica, com recursos que a Eletrobrás lhes creditará.
§ 3º O pagamento do empréstimo compulsório, aos consumidores, pelos concessionários distribuidores, será efetuado em duodécimos, observando o disposto no
parágrafo anterior.
Art. 3º No vencimento do empréstimo, ou antecipadamente, por decisão da Assembleia Geral da Eletrobrás, o crédito do consumidor poderá ser convertido em
participação acionária, emitindo a Eletrobrás ações preferenciais nominativas de seu
capital social.
Parágrafo único. As ações de que trata este artigo terão as preferências e vantagens
244
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
mencionadas no parágrafo 3º, do artigo 6º, da Lei nº 3.890-A, de 25 de abril de 1961,
com a redação dada pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 644, de 23 de junho de 1969 e
conterão a cláusula de inalienabilidade até o vencimento do empréstimo, podendo a
Eletrobrás, por decisão de sua Assembleia Geral, suspender essa restrição.”
O parágrafo 3º do artigo 6º da Lei 3.890-A, por sua vez, assim
dispõe:
“Art. 6º A Eletrobrás terá inicialmente o capital de Cr$ 3.000.000.000,00 (três bilhões
de cruzeiros), divididos em 3.000.000 (três milhões) de ações ordinárias nominativas,
no valor de Cr$ 1.000,00 (mil cruzeiros) cada uma.
(...)
§ 3º As ações preferenciais terão prioridade no reembolso do capital e na distribuição de dividendos de 6% (seis por cento) ao ano e não terão direito de voto, salvo nos
casos dos arts. 81, parágrafo único, e 106 do Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro
de 1940. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 644, de 1969)”
Não é diverso o entendimento jurisprudencial, tanto desta Corte quanto
do Superior Tribunal de Justiça, a saber:
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. FORMA DE DEVOLUÇÃO.
VIOLAÇÃO DOS ARTS. 110 DO CTN E 1.256 DO CÓDIGO CIVIL. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Conforme decidido no REsp 590414/RJ (Rel. Min. Eliana Calmon, D.J.U. de
11.10.04, p. 290), o empréstimo compulsório sobre energia elétrica tem natureza jurídica tributária e administrativa, razão por que não há como prosperar a pretensão de
fazer prevalecer as regras de direito civil, sob a alegação de violação aos arts. 1256 do
Código Civil e 110 do CTN.
2. Inexistente qualquer norma legal obrigando que a devolução dos créditos decorrentes de empréstimo compulsório se dê em dinheiro, e havendo previsão legal a
autorizar a conversão dos respectivos valores em ações preferenciais (art. 3º do DL
1.512/76), há de prevalecer a decisão singular que manteve a forma de devolução
determinada no acórdão recorrido.
3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 443782 / RS Agravo Regimental
no Recurso Especial 2002/0079827-0, Relator(a) Ministra Denise Arruda (1126), Órgão
Julgador T1 – Primeira Turma, Data do Julgamento 24.11.2004, Data da Publicação/
Fonte DJ 17.12.2004, p. 418)
“EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO. ENERGIA ELÉTRICA. LEI Nº 4.156/62.
CONSTITUCIONALIDADE. SÚM 23 TRF. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA FAZENDA NACIONAL. PRESCRIÇÃO. CONVERSÃO EM AÇÕES.
CORREÇÃO MONETÁRIA PLENA. JUROS. TAXA SELIC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
245
1. (...)
5. É cabível a conversão do crédito em participação acionária, pois o tributo em
questão tem como característica a devolução, não exigindo nenhuma norma, constitucional ou infraconstitucional, que a obrigue ser em dinheiro. A própria legislação
que regula este empréstimo compulsório determina, no art. 3º do DL nº 1.512/76, a
conversão em ações.
6. A correção monetária deve ser integral e desde o efetivo recolhimento, pois é mera
recomposição do poder de compra da moeda decorrente de perdas inflacionárias.
7. Os juros incidirão sobre o valor corrigido à razão de 6% ao ano, forte no art. 2º
do Decreto-Lei nº 1.512/76.
8. Inaplicável a taxa Selic, pois a presente ação discute a satisfação de um crédito
ou eventual diferença de correção monetária, não referindo-se a tributo pago indevidamente ou a maior, devendo a restituição se dar nos moldes da legislação que rege o
empréstimo compulsório.
9. Os honorários advocatícios invertidos.” (Acórdão Classe: AC – Apelação Cível.
Processo: 2001.71.07.005152-2, UF: RS, Data da Decisão: 06.08.2003, Órgão Julgador:
Primeira Turma, Inteiro Teor: Citação: Fonte DJ 27.08.2003, p. 499, Relatora Maria
Lúcia Luz Leiria)
“TRIBUTÁRIO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. REGIME DL 1.512/76. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS. CONVERSÕES EM AÇÕES.
1. Para o valor principal da dívida (devolução do empréstimo compulsório), o prazo prescricional inaugura-se no vencimento do prazo para resgate, ou com a ciência
do credor da antecipação do vencimento, pela Eletrobrás, mediante a conversão dos
créditos e a emissão de ações, conforme autorização legal. 1.1. As assembleias gerais
extraordinárias da Eletrobrás que homologaram as conversões de créditos relativos ao
empréstimo compulsório em participação acionária, ocorridas em 1988 e 1990, eram de
conhecimento dos credores. 1.2. Como a parte-autora não alegou desconhecimento da
conversão ou sequer o não recebimento das ações a que fez jus, não precisava a parte
ré demonstrar esse fato, pois tal não restou controvertido. Portanto, para essas duas
conversões, o prazo prescricional, relativamente à devolução do principal do empréstimo, iniciou-se com as respectivas assembleias homologatórias das conversões.
2. Para a parcela de juros incidente sobre o empréstimo, a cada ano vencido, com
a compensação nas contas de energia elétrica, era patente o descompasso dos critérios
de atualização monetária aplicados pela Eletrobrás e os pretendidos, abrindo-se o prazo
prescricional para o reclamo da diferença ora pleiteada.
3. Aplica-se, à devolução do principal e aos juros, a prescrição quinquenal (DL
644/69, Dec. 20.910/32 e DL 4.597/42).
4. O valor patrimonial denota a correlação entre a situação econômico-financeira
global da sociedade e o número de ações emitidas, representando um critério objetivo
de aferição e menos suscetível a manipulações.
246
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
5. Por ser fato superveniente, e por economia processual, as diferenças relativas
ao compulsório pago entre 1987 e 1993, não vencido ao tempo da propositura da demanda, mas convertido em ações em 2005, durante o curso processual, deve integrar
a condenação.
6. A diferença de correção monetária é obtida com a aplicação dos índices oficiais,
que incidem desde o pagamento de cada parcela do empréstimo compulsório, acrescida
dos expurgos inflacionários reconhecidos, subtraídos os valores convertidos.
7. A diferença de juros compensatórios será obtida confrontando-se o valor decorrente da aplicação do percentual de 6% sobre o empréstimo compulsório atualizado no
mês de julho de cada ano, pelos critérios antes definidos, subtraído dos valores pagos
anualmente a título de juros.
8. Incidem juros moratórios civis sobre a diferença de correção monetária e sobre
os valores referentes aos juros compensatórios.
9. Os créditos resultantes poderão, a critério da Eletrobrás, ser pagos em dinheiro,
compensados nas contas de energia elétrica da autora, ou convertidos em ações preferenciais sem cláusula restritiva de disponibilidade.” (Classe: AC – Apelação Cível,
Processo: 2005.70.00.011326-8, UF: PR, Data da Decisão: 01.08.2006, Órgão Julgador:
Segunda Turma, Inteiro Teor: Citação: Fonte DJ 09.08.2006, p. 655, Relator Marcos
Roberto Araújo dos Santos)
Portanto, verifico que não assiste razão à embargante nos pontos
acima referidos.
Correção monetária paga a menor
Sobre a prescrição do direito da embargante de receber a correção
monetária paga a menor, o tema já foi plenamente abordado no acórdão
recorrido, não restando assim omissão a ser sanada, indo apenas ao encontro dos interesses da embargante.
Responsabilidade solidária da União
A União é litisconsorte passivo necessário da Eletrobrás, por força
do art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62, in verbis:
“Art. 4º Até 30 de junho de 1965, o consumidor de energia elétrica tomará obrigações
da Eletrobrás, resgatáveis em 10 (dez) anos, a juros de 12% (doze por cento) ao ano,
correspondentes a 20% (vinte por cento) do valor de suas contas. A partir de 1º de julho
de 1965, e até o exercício de 1968, inclusive, o valor da tomada de tais obrigações será
equivalente ao que for devido a título de imposto único sobre energia elétrica.
(...)
§ 3º. É assegurada a responsabilidade solidária da União em qualquer hipótese,
pelo valor nominal dos títulos de que trata este artigo.” (grifo nosso)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
247
Apesar de ter sido instituído em favor da Eletrobrás, a União manteve sob sua responsabilidade e controle a arrecadação e o emprego dos
recursos. Além disso, sua responsabilidade não é meramente subsidiária,
mas solidária, como visto acima, o que implica numa comunidade de
interesses ou corresponsabilidade, nas palavras de Plácido e Silva (in
Vocabulário Jurídico, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1991, 4v., p. 262266). Em virtude dessa solidariedade legal que se sobrepõe à regra do
art. 242 da Lei nº 6.404/76, por ser norma especial, é a União legitimada
para responder à demanda, em litisconsórcio passivo necessário.
A responsabilidade solidária da União Federal em relação ao empréstimo compulsório de energia elétrica não se restringe apenas ao valor
nominal dos títulos, na forma referida no art. 4º, § 3º, da Lei nº 4.156/62.
O art. 34, § 12, do ADCT recepcionou o empréstimo compulsório instituído em benefício da Eletrobrás, mantendo, entretanto, as disposições
da Constituição Federal de 1967 até a entrada em vigor do sistema tributário nacional. Ou seja, o disposto na lei instituidora do empréstimo
compulsório, nos idos de 1962, somente ficou convalidada naquilo em
que não contrariou o novo ordenamento jurídico constitucional, o qual
prevê como direito inalienável do contribuinte a restituição dos valores a
que tem direito de forma plena, ou seja, com juros e correção monetária
integral.
Nesse sentido, a jurisprudência pacífica do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. PRESCRIÇÃO. MATÉRIA PACIFICADA PELA
PRIMEIRA SEÇÃO (RESP 1.208.592/RS). TERCEIRA ASSEMBLEIA DE CONVERSÃO. FATO SUPERVENIENTE. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO.
(...)
5. As Turmas que compõem a Primeira Seção do STJ firmaram o entendimento
de que a responsabilidade solidária da União não se restringe ao valor nominal dos
títulos da Eletrobrás, abrangendo, também, a correção monetária e os juros sobre as
obrigações relativas à devolução do empréstimo compulsório. Esse entendimento não
afasta a aplicação do mencionado artigo 4º, § 3º da Lei 4.156/62, mas apenas conduz
à sua interpretação, em conformidade com os demais diplomas que regem o empréstimo compulsório e com a Constituição Federal, o que não demanda a realização do
procedimento previsto no artigo 97 da CF/88.
6. Agravo regimental da Eletrobrás e da Fazenda Nacional não providos.” (AgRg
248
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
no AgRg no REsp 933358/PR, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em
09.02.2010, unânime, DJe 18.02.2010) (grifo nosso)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. DECRETO-LEI 1.512/76. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
VÍCIO NÃO EVIDENCIADO.
(...)
2. O acórdão embargado decidiu que a responsabilidade solidária da União não se
restringe ao valor nominal dos títulos emitidos pela Eletrobrás, abrangendo, também, a
correção monetária e os juros sobre as obrigações relativas à devolução do empréstimo
compulsório. Esse entendimento não pressupõe declaração de inconstitucionalidade do
artigo 4º, § 3º, da Lei 4.156/62, uma vez que, na espécie, não se discute a responsabilidade da União com relação aos valores dos títulos emitidos pela Eletrobrás, mas, sim,
a insuficiência da constituição dos créditos em favor dos contribuintes que deu origem
às ações emitidas para fins de devolução do empréstimo compulsório.
3. Embargos de declaração rejeitados.” (EDcl no AgRg no Ag 1093798/PR, Rel.
Min. Benedito Gonçalves, Primeira Turma, j. em 04.02.2010, unânime, DJe 12.02.2010)
(grifo nosso)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. DIREITO TRIBUTÁRIO E
ADMINISTRATIVO. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SOBRE O CONSUMO DE
ENERGIA ELÉTRICA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DA UNIÃO. DIFERENÇA DE CORREÇÃO MONETÁRIA SOBRE O PRINCIPAL E REFLEXO NOS
JUROS REMUNERATÓRIOS. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO
N. 20.910/32. TERMO INICIAL. TEMA JÁ JULGADO PELO REGIME DO ART.
543-C, DO CPC, E DA RESOLUÇÃO STJ 08/08 QUE TRATAM DOS RECURSOS
REPRESENTATIVOS DE CONTROVÉRSIA.
1. Proposta a ação contra a União, não há que se negar o seu interesse nas causas
em que se discute o empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica,
instituído pela Lei nº 4.156/1962, visto que a Eletrobrás agiu na qualidade de sua
delegada, devendo ser reconhecida a sua responsabilidade solidária não só pelo valor
nominal dos créditos como também pelos juros e correção monetária. Precedentes:
AgRg no REsp Nº 813.232 – RS, Primeira Turma, Rel. Min. José Delgado, julgado em
27.05.2008; AgRg no REsp. Nº 972.266 – SC, Segunda Turma, Rel. Min. Humberto
Martins, julgado em 04.03.2008; AgRg no CC Nº 83.169 – RJ, Primeira Seção, Rel.
Min. Luiz Fux, julgado em 12.03.2008.
2. Entendimento que não implica em afastamento da aplicação de lei ou declaração
de inconstitucionalidade, uma vez que se trata de mera interpretação da norma. Nesse
sentido: AgRg no Ag 939.703/RS, Rel. Min. Castro Meira, julgado em 04.12.2007,
DJ 17.12.2007 p. 163. (...)” (AgRg no REsp 515301/PR, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, j. em 02.02.2010, unânime, DJe 18.02.2010)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
249
Considerando que os embargos de declaração são instrumento de
aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e tendo em vista o disposto
nas Súmulas nos 282 e 356 do STF e 98 e 211 do STJ, dou por prequestionados os artigos 406 do CC, 13 da Lei 9.065/95, 5°, XXII, e 150, IV,
da CF/88.
Sucumbência
Condeno as rés, pro rata, a pagarem honorários advocatícios às autoras de 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 4º,
do CPC, consideradas as alíneas do § 3º do mesmo dispositivo legal, a
serem corrigidos pelo IPCA-E.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento aos embargos declaratórios da autora.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.70.02.010414-6/PR
Relatora: A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida
Apelante: Mariano Rios Seijas
Advogado: Dr. Manoel Monteiro de Andrade
Apelada: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
EMENTA
Tributário. Imposto de Renda Pessoa Física. Despesas médicas.
Dedução. Medicamentos para o tratamento de câncer. Interpretação
analógica. Finalidade da lei. Princípios constitucionais.
1. O rol de despesas médicas listadas na alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 não pode ser interpretado como taxativo, do
250
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contrário a norma padeceria de vícios insuperáveis por afronta direta aos
princípios da isonomia e da razoabilidade.
2. A finalidade da norma que permite a dedução de despesas médicas
da base de cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos contribuintes
que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar despesas não
custeadas pelo Estado.
3. A interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária, uma vez que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, dar provimento ao apelo, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 23 de fevereiro de 2010.
Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Mariano Rios
Seijas ajuizou ação ordinária em face da União, objetivando o afastamento do entendimento de que os valores desembolsados na aquisição
de medicamentos específicos para o tratamento de patologia crônica, não
incluída em conta hospitalar, destinada à dependente do contribuinte, não
podem ser deduzidos da base do cálculo do imposto de renda das pessoas
físicas. Requereu a declaração de nulidade da notificação de lançamento
n° 2006/609450235044031, por se tratar de medicamento de alto custo,
de procedência estrangeira e não distribuído pelo SUS, bem como a
restituição dos valores pagos, com juros e correção monetária. Atribuiu
à causa o valor de R$ 26.000,00 (vinte e seis mil reais).
A União defendeu a legalidade do lançamento, aduzindo que as despesas dedutíveis no imposto de renda, previstas no Decreto nº 3.000/1999,
devem ser interpretadas restritivamente, e que não há lacuna na lei que
permita a utilização das técnicas de interpretação do art. 108 do CTN.
Afirma que há, sim, “silêncio eloquente” da lei, omissão proposital, e
que, ademais, o emprego da equidade não pode resultar na dispensa do
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
251
pagamento de tributo devido.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido, extinguindo o processo com resolução de mérito, com fundamento
no art. 269, I, do CPC. Condenou o autor ao pagamento das custas e dos
honorários, fixados em 10% sobre o valor atribuído à causa.
Apelou o autor sustentando que, embora na legislação específica
(alínea a do inciso II do art. 8º da Lei 9.250/95) não conste a palavra
medicamento, é possível a sua dedução em face do entendimento da Coordenação do Sistema Tributário, fixado no Parecer Normativo 36/1977,
publicado no DOU de 03.06.1977, no sentido de que o valor dos medicamentos fornecidos por hospitais são dedutíveis da base de cálculo do
imposto de renda. Ademais, alega que, havendo tal permissão, estariam
sendo feridos os princípios da igualdade e da proporcionalidade ao não
se dar o mesmo tratamento aos medicamentos comprados em farmácias.
Afirma que também não há falar em incompetência do juízo, porquanto
prevê a Constituição Federal que, em casos como o dos autos, não há
invasão de esfera de atribuição dos Poderes Legislativo e Executivo pelo
juiz ao aplicar a analogia e/ou os princípios gerais do direito para fazer
valer o direito adquirido pela parte-postulante.
Sem contrarrazões e com parecer do Ministério Público Federal pela
sua não intervenção na lide, vieram conclusos os autos.
É o relatório.
VOTO
A Exma. Sra. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida: Postula o autor
o reconhecimento do direito de deduzir da base de cálculo do imposto
de renda, no ano-calendário de 2005, as despesas com a importação de
medicamentos, não distribuídos pelo SUS, destinados ao tratamento
da esposa, portadora de câncer avançado de intestino, e a consequente
anulação da notificação de lançamento n° 2006/609450235044031 (fls.
58-63).
Dispõe a Lei nº 9.250/95:
“Art.8 – A base de cálculo do imposto devido no ano-calendário será a diferença
entre as somas:
I – de todos os rendimentos percebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos,
os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os sujeitos à tributação de-
252
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
finitiva;
II – das deduções relativas:
a) aos pagamentos efetuados, no ano-calendário, a médicos, dentistas, psicólogos,
fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e hospitais, bem como as
despesas com exames laboratoriais, serviços radiológicos, aparelhos ortopédicos e
próteses ortopédicas e dentárias;
b) a pagamentos efetuados a estabelecimentos de ensino relativamente à educação
pré-escolar, de 1º, 2º e 3º graus, cursos de especialização ou profissionalizantes do
contribuinte e de seus dependentes, até o limite anual individual de R$ 1.700,00 (um
mil e setecentos reais);
c) à quantia de R$ 1.080,00 (um mil e oitenta reais) por dependente;
d) às contribuições para a Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;
e) às contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País,
cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares
assemelhados aos da Previdência Social;
f) às importâncias pagas a título de pensão alimentícia em face das normas do Direito de Família, quando em cumprimento de decisão judicial ou acordo homologado
judicialmente, inclusive a prestação de alimentos provisionais;
g) às despesas escrituradas no Livro Caixa, previstas nos incisos I a III do art. 6º da
Lei nº 8.134, de 27 de dezembro de 1990, no caso de trabalho não assalariado, inclusive
dos leiloeiros e dos titulares de serviços notariais e de registro.
§ 1º A quantia correspondente à parcela isenta dos rendimentos provenientes de
aposentadoria e pensão, transferência para a reserva remunerada ou reforma, pagos
pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
por qualquer pessoa jurídica de direito público interno, ou por entidade de previdência
privada, representada pela soma dos valores mensais computados a partir do mês em
que o contribuinte completar sessenta e cinco anos de idade, não integrará a soma de
que trata o inciso I.
§ 2º – O disposto na alínea a do inciso II:
I – aplica-se, também, aos pagamentos efetuados a empresas domiciliadas no País,
destinados à cobertura de despesas com hospitalização, médicas e odontológicas, bem
como a entidades que assegurem direito de atendimento ou ressarcimento de despesas
da mesma natureza;
II – restringe-se aos pagamentos efetuados pelo contribuinte, relativos ao próprio
tratamento e ao de seus dependentes;
III – limita-se a pagamentos especificados e comprovados, com indicação do nome,
endereço e número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro
Geral de Contribuintes – CGC de quem os recebeu, podendo, na falta de documentação,
ser feita indicação do cheque nominativo pelo qual foi efetuado o pagamento;
IV – não se aplica às despesas ressarcidas por entidade de qualquer espécie ou
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cobertas por contrato de seguro;
V – no caso de despesas com aparelhos ortopédicos e próteses ortopédicas e
dentárias, exige-se a comprovação com receituário médico e nota fiscal em nome do
beneficiário.
§ 3º As despesas médicas e de educação dos alimentandos, quando realizadas pelo
alimentante em virtude de cumprimento de decisão judicial ou de acordo homologado
judicialmente, poderão ser deduzidas pelo alimentante na determinação da base de cálculo do imposto de renda na declaração, observado, no caso de despesas de educação,
o limite previsto na alínea b do inciso II deste artigo.”
O Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/1999, por sua
vez, repete o teor do dispositivo supratranscrito em seu artigo 80.
Como se vê, a lei fala em deduções com gastos relacionados a despesas
médicas, ou seja, os gastos com medicamentos, a princípio, não poderiam
ser deduzidos da declaração anual do imposto de renda.
Contudo, tenho que o rol de despesas médicas listadas na alínea a
do inciso II do artigo 8º da Lei nº 9.250/95 não pode ser interpretado
como taxativo, do contrário a norma padeceria de vícios insuperáveis
por afronta direta aos princípios da isonomia e da razoabilidade.
Com efeito, a finalidade da norma que permite a dedução de despesas
médicas da base de cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos
contribuintes que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar
despesas não custeadas pelo Estado. Ora, seria totalmente irrazoável
e contrário ao princípio da isonomia supor que a norma permite, sem
restrições, a dedução de despesas de medicamentos indispensáveis para
manutenção da vida quando incluídos na conta do hospital – mas não
permitiria a dedução das despesas com o mesmo tipo de medicamento
quando adquirido diretamente pelo contribuinte ou, como no caso dos autos, pelo seu dependente, que não se encontra internado. Assim, considero
que a interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária,
uma vez que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional.
Saliento que a taxatividade do rol da alínea a do inciso II do artigo 8º
da Lei nº 9.250/95 já foi afastada por esta Corte, em caso semelhante,
em voto de minha lavra, inclusive, cuja ementa reproduzo abaixo:
“TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO DE RENDA
PESSOA FÍSICA. DESPESAS MÉDICAS. DEDUÇÃO. PRÓTESE CARDÍACA.
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA. FINALIDADE DA LEI. PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS.
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
1. O rol de despesas médicas listadas na alínea a do inciso II do artigo 8º da Lei nº
9.250/95 não pode ser interpretado como taxativo, do contrário a norma padeceria de
vícios insuperáveis por afronta direta dos princípios da isonomia e da razoabilidade.
2. A finalidade da norma que permite a dedução de despesas médicas da base de
cálculo do IR é possibilitar uma compensação aos contribuintes que enfrentem problemas de saúde e necessitem efetuar despesas não custeadas pelo Estado.
3. A interpretação analógica, in casu, não só é possível como necessária, uma vez
que interpretação literal e restritiva seria inconstitucional.” (Apelação/Reexame Necessário nº 2008.70.01.005264-2/PR, DJU 01.10.2009)
Observe-se que o medicamento importado pelo autor foi prescrito para
tratamento quimioterápico por oncologista do Hospital Santa Catarina
(fl. 33-35), ainda que não utilizado nas dependências daquela instituição.
Assim, tenho que a opção de receber tratamento no domicílio ou em
instituição privada – aliviando, inclusive, o já sobrecarregado sistema
público de saúde – não pode implicar tratamento desigual pela lei a
quem assim o faz.
Do mesmo modo, o fato de o medicamento Avastin 300mg não ser
fornecido pelo SUS, em função do seu alto custo, e de a parte-autora
não ter movimentado a máquina do Judiciário para obrigar o Estado a
fornecê-lo não pode ser invocado em seu desfavor, porquanto, premida
pela urgência e munida dos recursos financeiros necessários para realizar a importação do medicamento, optou pelo meio menos dispendioso
para o Estado.
Neste sentido, pela clareza e percuciência transcrevo excertos da decisão proferida pela juíza Maria Isabel do Prado, da 2ª Vara Federal Cível de
São Paulo, no Mandado de Segurança Coletivo nº 2001.61.00.028654-5,
impetrado pelo Núcleo de Apoio ao Paciente com Câncer (Napacan)
contra o Superintendente da Receita Federal de São Paulo, os quais adoto
como razões de voto:
“Entendo que, in casu, há malferimento aos princípios constitucionais insculpidos
nos artigos 1º, III, 6º, 196 e 197, todos da Constituição Federal, verbis:
‘Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de
Direito, e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana.’
‘Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho (...).’
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‘Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos
e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder
Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle,
devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.’ (g.n.)
(...)
Argumenta Claus-Wilhelm Canaris, in Pensamento Sistemático e Conceito de
Sistema na Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, tradução da 2ª
edição alemã, 1996, p. 227, verbis:
‘(...) o princípio da igualdade é violado quando não se possa apontar um fundamento razoável, resultante da natureza das coisas ou materialmente informado para
a diferenciação legal ou para quando a disposição possa ser caracterizada como
arbitrária’ – destaques nossos.
Donde me parece, portanto, que a proposição em foco encontra-se em total dissonância com o atual momento evolucional de nossa dogmática processual, deixando de trilhar, como consectário, os caminhos pavimentados pelo princípio da razoabilidade.
(...)
Assentadas essas considerações, dessumo que, sob os aspectos legal e factual, não se
afigura razoável e harmônico com a mens legis permitir-se a dedução relativa a gastos
com medicamentos e remédios emitidos por conta hospitalar e simplesmente nada ser
preconizado quanto a deduções relativas a medicamentos utilizados no tratamento
da doença degenerativa denominada câncer para as pessoas que não se encontram
internadas em estabelecimento hospitalar.
Mas a saúde dos pacientes com câncer internados ou tratados em suas residências não
é a mesma? Os remédios não são os mesmos? A proteção não deve ser a mesma?
(...)
Isso posto, julgo procedente o pedido, pelo que concedo a segurança pleiteada e
determino à autoridade impetrada que não puna, multe ou aplique quaisquer espécies de
sanções que restrinjam a aplicação do Princípio da Capacidade Contributiva às declarações
de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza dos associados da impetrante
e autorizo, por via de consequência, que as despesas com remédios e medicamentos
necessários ao tratamento da doença possam ser dedutíveis das respectivas declarações
individuais, desde que haja a devida comprovação de ser o paciente portador de câncer
e ainda que as respectivas notas fiscais sejam emitidas em seu nome.
Esclareço que apesar do questionamento quanto à constitucionalidade do art. 16
da Lei da Ação Civil Pública, em sua atual redação, data venia aplico seu comando,
no sentido de restringir o alcance dos efeitos da presente sentença ao âmbito territorial
do E. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, abrangendo, desse modo, todos os in-
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teressados, portadores de câncer, residentes nos Estados de São Paulo e Mato Grosso
do Sul, com as limitações retro delineadas.”
No tocante à prova, verifico que foram juntados relatório e outros
documentos descrevendo o estado de saúde da dependente do autor e que
comprovam que Rosemari de Paula Rios Feijas é portadora de câncer (fls.
30-32 e 35), além disso, foram juntados comprovantes de transferências
eletrônicas e faturas (invoices), provando a aquisição dos medicamentos
(fls. 36-54), bem como cópias dos comprovantes de inscrição e situação
cadastral junto ao CNPJ das empresas que intermediaram a importação
dos medicamentos (fls. 55-56).
Assim, tenho que deve ser afastado o entendimento do Fisco de que
os valores desembolsados na aquisição de medicamentos específicos, não
incluídos em conta hospitalar, destinados à dependente do contribuinte,
não podem ser deduzidos da base do cálculo do imposto de renda das
pessoas físicas e, por conseguinte, anulada a notificação de lançamento
n° 2006/609450235044031.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2008.71.14.000348-7/RS
Relatora: A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas
Labarrère
Apelante: Coml. Buffon Combustíveis e Transportes Ltda.
Advogado: Drs. Christian Stroeher e outros
Dr. Fabiano Nicola Machado
Dr. Fabricio Nedel Scalzilli
Apelante: União Federal (Fazenda Nacional)
Advogado: Procuradoria Regional da Fazenda Nacional
Apelados: (Os mesmos)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
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EMENTA
Tributário. Cautelar. Certidão positiva com efeitos de negativa. Caução. Possibilidade. Exclusão do nome do autor dos registros do Cadin.
Necessidade de atendimento dos requisitos previstos no art. 7º da Lei
10.522/2002. Sucumbência recíproca.
1. Admissível o caucionamento intentado com o fito de antecipar o
efeito da penhora atinente ao preenchimento dos requisitos previstos no
art. 206 do CTN, sem, contudo, suspender a exigibilidade do crédito
tributário, naquelas situações em que, inscrito em dívida ativa, não há
movimento do credor no sentido de promover a respectiva execução.
2. Não autoriza a suspensão do registro do devedor no Cadin, por si só,
o mero oferecimento de garantia, tendo em vista a exigência do art. 7º da
Lei 10.522/2002, que condiciona essa eficácia suspensiva a dois requisitos
comprováveis pelo devedor: I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de
discutir a natureza da obrigação ou o seu valor, com o oferecimento de
garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei; II – esteja suspensa
a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei.
3. Reconhecida a sucumbência como recíproca e equivalente, devem
os honorários e as custas processuais ser distribuídos e compensados
entre si, nos termos do art. 21 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
decide a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,
por unanimidade, negar provimento ao recurso interposto por Comercial
Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. e dar parcial provimento ao
apelo da União Federal e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente
julgado.
Porto Alegre, 27 de janeiro de 2010.
Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère, Relatora.
RELATÓRIO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère: Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. ajuizou ação cautelar, com
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
pedido liminar, contra a União Federal, objetivando antecipar os efeitos da
penhora a ser realizada em execução fiscal ainda não ajuizada, para fins de
obter certidão positiva com efeitos de negativa (CPD-EN) e a não inclusão
ou exclusão do seu nome do Cadin, mediante a oferta de contracautela.
A inicial não referiu discriminadamente quais os débitos que se
pretende garantir. Em manifestação de fls. 135-136, a União afirmou
corresponderem aos processos administrativos nº 13005-001415/200787, nº 13005-001416/2007-21 e nº 13005-901646/2006-10, somados no
valor de R$ 227.854,99, e também aos débitos previdenciários apontados
na fl. 135v., no montante de R$ 59.399,01, em 07.04.2008, cujo total,
naquela data, perfez R$ 287.253.99.
Em garantia, foram ofertados dois caminhões (fls. 123-124 e 141141v.), avaliados, conjuntamente, em R$ 375.000,00.
A liminar foi concedida tão somente em relação à CPD-EN, restando
indeferido o pedido relativo ao Cadin (fls. 142-145, 196-197, 218-219
e 224-229).
O juízo sentenciante julgou procedente a ação e condenou a ré no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados
em 10% sobre o valor da causa (R$ 5.000,00) (fls. 270-277).
Irresignada, a autora apresentou recurso de apelação postulando a
majoração dos honorários advocatícios para, no mínimo, R$ 2.000,00
(fls. 279-284).
Já a União apelou, asseverando, em síntese, que o contribuinte não
tem direito a ser executado; que a caução não está arrolada dentre as
causas suspensivas do crédito tributário, previstas taxativamente no art.
151 do CTN; e que a aceitação de tal modalidade de garantia implicaria
benefício à empresa que não cumpre suas obrigações tributárias em
detrimento de outras que se encontram em regular situação com o Fisco
(fls. 291-294).
Com contrarrazões apenas da União (fls. 287-289), pois transcorrido
in albis o prazo para a empresa manifestar-se sobre o recurso interposto
pela ré (fl. 306), vieram-me os autos conclusos.
Sentença sujeita ao reexame necessário.
VOTO
A Exma. Sra. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère:
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1. Acerca do cabimento da ação cautelar autônoma objetivando a
antecipação dos efeitos da penhora a ser realizada em processo executivo fiscal, a irretocável doutrina de Ovídio Baptista da Silva, afirmando
existirem as “cauções cautelares principais”, que dispensam, embora não
impeçam, a propositura de posterior ação principal:
“Alcançamos agora uma outra questão importante: o eventual caráter acessório
e dependente das cauções e a possibilidade de haver cauções principais, quer dizer,
cauções nas quais a pretensão do requerente exaure-se no interesse em obter apenas
a garantia, sem ficar obrigado a ingressar, simultaneamente ou depois, com uma ação
principal.
3.2 Cauções cautelares principais
O direito caucional é um dos setores mais propícios à admissão de medidas cautelares autônomas, ou seja, daquelas medidas que dispensam a propositura simultânea
ou posterior de um ‘processo principal’ satisfativo, em que a medida cautelar venha a
ser confirmada ou revogada.
São incontáveis os exemplos de medidas cautelares consistentes em cauções que,
sem perderem os traços essenciais da cautelaridade, tornam-se principais, por não
carecerem de um ‘processo principal’ satisfativo.
Voltamos a insistir, neste ponto, onde todo o cuidado é pouco: dizemos que as
‘cauções cautelares principais’ não carecem de um ‘processo principal’ satisfativo.
Não dissemos que elas o impeçam, nem que lhe vedem a propositura por qualquer das
partes. Tanto o autor da ação cautelar autônoma quanto o réu poderão promover um
‘processo principal’ com a função que a essa demanda satisfativa lhe dão os arts. 796,
806, 807 e 808, I, do CPC. Como insistentemente temos dito, a autonomia da ação cautelar resolve-se na transferência do ônus de promover a ação satisfativa correspondente
ao demandado que antes sofrera, como réu, a medida cautelar. Antes escrevêramos:
‘A admissão de uma ação cautelar autônoma, fundada no direito material, em termos
de pura técnica processual, resume-se num singelo expediente de inversão das partes,
em que o futuro autor da ação satisfativa possa não ser o autor da ação cautelar, mas o
demandado na ação assegurativa’ (A ação cautelar inominada, 1. ed., p. 244, 4. ed., p.
234).” (Curso de Processo Civil, v. 2 – Processo cautelar [tutela de urgência], Forense,
2007, p. 221-222)
Corroborando o exposto, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel
Mitidiero:
“Existem cauções que devem ser prestadas em processo autônomo especialmente
estabelecido para esse fim (por exemplo, art. 1400 do CC). Outras podem ser prestadas
incidentalmente (por exemplo, art. 475-O, III, do CPC). A jurisprudência registra que
é possível obter cautelarmente – quer por tutela cautelar inominada, quer por caução,
nos termos dos arts. 826 e seguintes, CPC – a expedição de certidão positiva com
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efeitos de negativa de débito fiscal (STJ, 1ª Turma, AgRg no REsp 734.777/SC, rel.
Min. Luiz Fux, j. em 04.05.2006, DJ 18.05.2006, p. 192). Registra igualmente que a
caução requerida pelo nunciado (art. 1280 do CC) pode ser deferida liminarmente, sem
a necessidade de processo autônomo (STJ, 4ª Turma, REsp 155.683/PR, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, j. em 07.05.1998, DJ 29.06.1998, p. 201).” (Código de Processo
Civil: Comentado artigo por artigo, RT, 2008, p. 774)
Além disso, o provimento postulado tem sido amplamente acolhido
pela jurisprudência do STJ, como ilustram os seguintes precedentes:
“PROCESSO CIVIL E TRIBUTÁRIO. GARANTIA REAL. DÉBITO VENCIDO
MAS NÃO EXECUTADO. PRETENSÃO DE OBTER CERTIDÃO POSITIVA COM
EFEITO DE NEGATIVA (ART. 206 DO CTN).
1. É possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e antes da
execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão positiva
com efeito negativo (art. 206 CTN).
2. O depósito pode ser obtido por medida cautelar e serve como espécie de antecipação de oferta de garantia, visando futura execução.
3. Depósito que não suspende a exigibilidade do crédito.
4. Embargos de divergência conhecidos, mas improvidos.” (EREsp 815.629/RS,
Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministra Eliana Calmon, 1ª Seção, julgado
em 11.10.2006, DJ 06.11.2006, p. 299) (grifei)
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO
CAUTELAR. OFERECIMENTO DE CAUÇÃO REAL PARA FINS DE OBTENÇÃO
DE CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE.
ART. 206 DO CTN.
1. É cediço que a caução real não suspende a exigibilidade do crédito tributário por
não estar prevista nas hipóteses do art. 151 do CTN. Contudo, é possível ao devedor,
em autos de ação cautelar, oferecer caução real antes do ajuizamento do executivo
fiscal, antecipando, assim, os efeitos da penhora, com o fim de obter certidão positiva
com efeitos de negativa nos termos do art. 206 do CTN.
2. Estando o acórdão recorrido em consonância com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, corretamente foi aplicado o Enunciado nº 83 da Súmula desta Corte.
3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 642.248/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 19.02.2009, DJe 25.03.2009) (grifei)
2. Não há notícia nos autos, até a presente data, do ajuizamento da
respectiva execução fiscal, que tornaria prejudicado o pleito em face da
própria penhora.
3. A recorrida assevera não consistir a caução causa de suspensão
da exigibilidade do crédito tributário, cujas hipóteses estão elencadas
no art. 151.
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
261
Ocorre, contudo, que a ora apelante não pretende a suspensão da
exigibilidade do crédito tributário, muito pelo contrário, afirma expressamente na inicial que não se está a postular provimento que retire qualquer
faculdade legal da Administração Pública, “especialmente o direito de
propor as competentes Execuções Fiscais” (fl. 19).
4. Estabelecem os arts. 205 e 206 do CTN, in verbis:
“Art. 205. A lei poderá exigir que a prova da quitação de determinado tributo,
quando exigível, seja feita por certidão negativa, expedida à vista de requerimento
do interessado, que contenha todas as informações necessárias à identificação de sua
pessoa, domicílio fiscal e ramo de negócio ou atividade e indique o período a que se
refere o pedido.
Parágrafo único. A certidão negativa será sempre expedida nos termos em que
tenha sido requerida e será fornecida dentro de 10 (dez) dias da data da entrada do
requerimento na repartição.
Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que
conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que
tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.”
Uma interpretação teleológica indica como principal finalidade a ser
alcançada pelo art. 206 a segurança do crédito tributário, a qual se tem
por atendida com a caução de bem avaliado em montante superior ao
da dívida.
Assim, garantido o débito fiscal, seja por caução, antes de proposta
a execução fiscal, seja pela penhora, após tal ajuizamento, a norma terá
atingido seu fim, equivalendo-se as situações, de modo a fazer o contribuinte jus à concessão da CPD-EN, sendo que a negativa em fornecê-la
configurará ofensa ao princípio da isonomia, insculpido na Constituição
Federal, no art. 5º, caput, e particularizado no âmbito tributário no art.
150, II:
“Art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação
equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função
por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos;” (grifei)
Acerca da igualdade tributária, a doutrina de Leandro Paulsen:
262
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
“A diferença de tratamento entre pessoas ou situações é absolutamente presente
em qualquer ramo do Direito, assim como no Direito Tributário. A questão não é a
prescrição de tratamento diferenciado que, em si mesma, não evidencia qualquer vício.
Há normas, inclusive, vocacionadas à diferenciação, como as normas de isenção, que
identificam pessoas ou situações que de outro modo estariam normalmente sujeitas à
imposição tributária e excluem, apenas quanto a elas, o respectivo crédito, desonerandoas. O problema está, pois, não em saber se há ou não tratamento diferenciado, mas
em analisar a razão e os critérios que orientam a sua instituição. Identifica-se ofensa à
isonomia apenas quando sejam tratados diversamente contribuintes que se encontrem
em situação equivalente, sem que o tratamento diferenciado esteja alicerçado em critério justificável de discriminação ou sem que a diferenciação leve ao resultado que
a fundamenta.
(...)
‘A equivalência é uma igualdade mais ampla, a que se poderia chamar de equipolência... ‘Equivalente’ é um vocábulo de densidade ôntica mais abrangente do que ‘igual’.
A igualdade exige absoluta consonância em todas as partes, o que não é da estrutura do
princípio da equivalência. Situações iguais na equipolência, mas diferentes na forma,
não podem ser tratadas diversamente. A equivalência estende à similitude de situações
a necessidade de tratamento igual pela política impositiva, afastando a tese de que os
desiguais devem ser tratados, necessariamente, de forma desigual. Os desiguais, em
situação de aproximação devem ser tratados, pelo princípio da equivalência, de forma
igual, em matéria tributária, visto que a igualdade absoluta, na equivalência, não existe,
mas apenas a igualdade na equiparação de elementos...’ (MARTINS, Ives Gandra da
Silva, Direito Constitucional Interpretado, RT, 1992, p. 166).” (Direito Tributário:
Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, Livraria do
Advogado, 2009, p. 200 e 203)
Em consonância com o exposto, o seguinte julgado:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CAUTELAR. CAUÇÃO. ART.
206 DO CTN. CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE.
1. É lícito ao contribuinte oferecer, antes do ajuizamento da execução fiscal, caução
no valor do débito inscrito em dívida ativa com o objetivo de, antecipando a penhora
que garantiria o processo de execução, obter certidão positiva com efeitos de negativa.
Precedentes.
2. Entendimento diverso do perfilhado pelo Tribunal de origem levaria à distorção
inaceitável: o contribuinte que contra si já tivesse ajuizada execução fiscal, garantida
por penhora, teria direito à certidão positiva com efeitos de negativa; já quanto àquele
que, embora igualmente solvente, o Fisco ainda não houvesse proposto a execução, o
direito à indigitada certidão seria negado.
3. Embargos de divergência providos.” (EREsp 779121/SC, Rel. Ministro Castro
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Meira, 1ª Seção, julgado em 28.03.2007, DJ 07.05.2007, p. 271) (grifei)
Assim, diversamente do alegado pela União, no sentido de que a garantia implicaria benefício à empresa que não cumpre suas obrigações
tributárias em detrimento de outras que se encontram em regular situação
com o Fisco, a aceitação da caução idônea, como forma de garantir o
crédito tributário ainda não executado, unicamente para fins de obtenção
de CPD-EN, só vem a concretizar o princípio da igualdade.
5. Sobre a função das certidões negativas e, por consequência, das positivas com efeitos de negativas, a valiosa lição do Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, no julgamento da AC 2005.70.00.028818-4:
“As certidões negativas, em direito tributário, não têm como única função o registro da inexistência de débitos do sujeito passivo para com o Fisco. São elas usadas,
também, com finalidades políticas, impondo ao devedor restrições em seu patrimônio
jurídico. Se examinarmos, por exemplo, o rol de hipóteses em que a certidão negativa
de débitos previdenciários é indispensável (art. 47 da Lei nº 8.212/91), veremos que
sua falta pode inviabilizar o funcionamento de uma empresa, o mesmo ocorrendo em
relação aos Estados, o Distrito Federal e os Municípios (idem, art. 56).
Por esse mecanismo, portanto, o Fisco tem o poder de aniquilar seus devedores.
Exatamente para que esse poder seja exercido dentro dos estritos limites de suas finalidades, não desbordando para a opressão fiscal, é que o Código Tributário Nacional
trouxe as disposições de seus artigos 205 e 206 (...).
(...)
A disposição do art. 206 constitui um claro limite ao uso político das certidões negativas: elas não podem se prestar para constranger o devedor quando o crédito esteja
suspenso (o que remete ao art. 151 do CTN) e quando o crédito já esteja garantido. E
aqui fica claro que o CTN não admite o uso das certidões negativas como mero instrumento de pressão sobre o devedor. As restrições ao sujeito passivo em débito para
com o Fisco devem se limitar ao estritamente necessário à garantia do crédito e, por
reflexo, à segurança de terceiros que contratam com o devedor. Uma vez garantido o
crédito, não poderá o devedor sofrer quaisquer constrições, que já se caracterizariam
como típico abuso de direito.”
Com efeito, embora inexista o direito subjetivo do contribuinte a
ser executado, não pode o Estado se utilizar das mencionadas certidões
como meio a compelir os devedores ao pagamento, ou seja, como um
instrumento de cobrança dos créditos tributários por via oblíqua: ou paga,
ou não lhe é fornecida a certidão de que necessita.
Se certo é que o Estado pode exercer seu direito subjetivo de exigir
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.41-268, 2010
pela via judicial o pagamento do seu crédito a qualquer tempo, dentro do
prazo prescricional, igualmente certo é que a possibilidade de, enquanto
credor, deixar a seu alvedrio de promover a execução fiscal poderá acarretar embaraços ao contribuinte, que fica impedido de, por ausência da
certidão, contratar determinados negócios jurídicos.
A negativa da CPD-EN, quando garantida de forma satisfatória a dívida, com o intuito de compelir o contribuinte ao pagamento do tributo
constitui verdadeira sanção política, já rechaçada pelo STF em diversas
ocasiões.
Como bem colocado pelo Min. Joaquim Barbosa, Relator na ADI nº
173-6:
“O Supremo Tribunal Federal possui uma venerável linha de precedentes que
considera inválidas as sanções políticas. Entende-se por sanção política as restrições
não razoáveis ou desproporcionais ao exercício de atividade econômica ou profissional
lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos.
Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções
políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a
proibição total do exercício de atividade profissional são apenas os exemplos mais
conspícuos.”
Conforme explica a veneranda decisão da Corte Suprema, “a sanção
política também viola o substantive due process of law na medida em
que implica o abandono dos mecanismos previstos no sistema jurídico
para apuração e cobrança de créditos tributários (e.g., ação de execução
fiscal), em favor de instrumentos oblíquos de coação e indução”. Ora, não
há como se permitir que o Estado, sob a égide da Constituição Federal
de 1988, impute sanção política para receber tributos, apenas abrindo
margem ao afastamento desse mecanismo com o ajuizamento de ação
individual pelo contribuinte.
6. Impende ainda referir que o valor total dos bens caucionados (R$
375.000,00) supera o da dívida (R$ 287.253,99) e que, instada a manifestar-se sobre o primeiro bem ofertado (fls. 135-136), a União limitou-se a
alegar a insuficiência da garantia ante o valor, nada aduzindo acerca da
sua qualidade, vindo a autora a complementar a caução com outro bem
de mesma natureza, razão pela qual tenho por idônea a garantia.
7. Quanto ao registro no Cadin, reformo a sentença valendo-me dos
fundamentos da decisão desta Corte, de fls. 224-228, da qual transcrevo
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o excerto a seguir:
“A possibilidade de oferecimento de caução relativamente a valores objeto de
inscrição em dívida ativa da Fazenda Pública, impeditivos de obtenção de CND, cuja
execução ainda não tenha sido manejada, tem sido, sistematicamente, reconhecida por
esta Turma (AG 2004.04.01.007186-0/PR, Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira, DJU
de 15.09.2004; AG 2003.04.01.049338-5/RS, Rel. Des. Federal Wellington Mendes de
Almeida, DJU de 25.02.2004; AC 2004.70.04.003994-4/PR, DJU data: 26.10.2005,
página: 399, Relator Des. Federal Vilson Darós). Assim, garantidos os créditos tributários mediante referida caução, deve ser expedida certidão positiva com efeitos de
negativa – artigo 206 do CTN – em favor da contribuinte, salvo se existirem outros
débitos impeditivos, além dos abrangidos pela demanda originária.
O caucionamento de bens, no entanto, não suspende a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do artigo 151 do CTN, limitando-se a garanti-lo, para o fim previsto
no artigo 206 do CTN. Desse modo, pode o Fisco dar seguimento a ação executiva
para a cobrança de seus créditos, na qual a caução de bens converter-se-á em penhora,
podendo, inclusive, requerer a sua substituição (artigo 11 da Lei nº 6.830/80).
Com relação à não inclusão do nome da empresa no Cadin, entendem as Turmas
Tributárias deste Tribunal que a suspensão do registro no Cadastro de Inadimplentes
somente é possível quando presentes os requisitos do artigo 7º da Lei nº 10.522/2002,
que assim dispõe:
‘Será suspenso o registro no Cadin quando o devedor comprove que:
I – tenha ajuizado ação, com o objetivo de discutir a natureza da obrigação ou o seu
valor, com o oferecimento de garantia idônea e suficiente ao Juízo, na forma da lei;
II – esteja suspensa a exigibilidade do crédito objeto do registro, nos termos da lei.’
(...) No caso dos autos, há caução oferecida a fim de garantir o juízo, mas não há
notícia do ajuizamento de ação em que se discute a existência, a natureza ou a extensão
do débito, motivo pelo qual não resta preenchido o suporte fático da regra em questão.
Assim, inviável a determinação de não inclusão ou de exclusão do nome da empresa
do Cadin.”
Na mesma linha, a jurisprudência do STJ:
“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSOS ESPECIAIS. OFERECIMENTO DE CAUÇÃO PARA OBTENÇÃO DE CERTIDÃO POSITIVA COM
EFEITOS DE NEGATIVA. POSSIBILIDADE. PRETENDIDA SUSPENSÃO DA
EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO MEDIANTE OFERECIMENTO DE
CAUÇÃO EM AÇÃO CAUTELAR. IMPOSSIBILIDADE. EXCLUSÃO DO NOME
DO AUTOR DOS REGISTROS DO CADIN. NECESSIDADE DE ATENDIMENTO
DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ART. 7º DA LEI Nº 10.522/2002.
1. A Primeira Seção desta Corte, ao apreciar os EREsp 815.629/RS (Rel. Min. José
Delgado, Rel. p/ acórdão Min. Eliana Calmon, DJ de 06.11.2006), firmou orientação
no sentido de que ‘é possível ao contribuinte, após o vencimento da sua obrigação e
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antes da execução, garantir o juízo de forma antecipada, para o fim de obter certidão
positiva com efeito de negativa (art. 206 CTN)’.
2. É juridicamente impossível o pedido de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário fora das hipóteses previstas no art. 151 do CTN, mediante simples oferecimento de caução em ação cautelar.
3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firmado no sentido de que
não é devida a suspensão do registro do devedor no Cadin, por força da mera existência
de demanda judicial, haja vista a exigência do art. 7º da Lei nº 10.522/2002.
4. Recurso especial da UNIÃO (Fazenda Nacional) desprovido. Recurso especial
da empresa parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.” (REsp 870.566/RS,
Rel. Ministra Denise Arruda, 1ª Turma, julgado em 18.12.2008, DJe 11.02.2009)
8. Por fim a questão dos honorários.
A empresa apresentou recurso de apelação postulando a majoração
dos honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa (R$
5.000,00) para, no mínimo, R$ 2.000,00 (fls. 279-284).
O percentual sobre o valor da causa aplicado pelo juiz (10%) não é
ínfimo. A autora fixou o valor da causa em R$ 5.000,00, não obstante a
demanda pretendesse a garantia de dívida fiscal em montante superior
a R$ 200.000,00, sendo, portanto, descabida a condenação no patamar
mínimo de R$ 2.000,00 (quase 50% do valor da causa), principalmente
por tratar-se de questão singela, já examinada por esta Corte e pelo STJ
inúmeras vezes, como a própria apelante reconhece, além de ser matéria
de direito, que não demandou instrução.
Logo, com fulcro no art. 20, § 4º, do CPC, mantenho os honorários
advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, atualizado pelo
IPCA-E.
Havendo sucumbência recíproca e equivalente, em virtude da parcial
reforma da sentença, os honorários deverão ser compensados pelas partes,
segundo autoriza o art. 21 do Código de Processo Civil, corroborado pelo
enunciado da Súmula 306 do STJ.
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso interposto
por Comercial Buffon Combustíveis e Transportes Ltda. e dar parcial
provimento ao apelo da União Federal e à remessa oficial.
Reconheço a sucumbência como recíproca e equivalente, determinando que os honorários e as custas processuais sejam distribuídos e
compensados entre si, nos termos do art. 21 do CPC.
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SÚMULAS
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SÚMULA Nº 1
“É inconstitucional a exigência do empréstimo compulsório instituído pelo artigo
10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986, na aquisição de veículos de passeio e utilitários.”
(DJ 02.10.91, p. 24.184)
SÚMULA Nº 2
“Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime
precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários de contribuição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN.”
(DJ 13.01.92, p. 241)
SÚMULA Nº 3
“Os juros de mora, impostos a partir da citação, incidem também sobre a soma das
prestações previdenciárias vencidas.” (DJ 24.02.92, p. 3.665)
SÚMULA Nº 4
“É constitucional a isenção prevista no art. 6° do Decreto-Lei n° 2.434, de 19.05.88.”
(DJ 22.04.92, p. 989)
SÚMULA Nº 5
“A correção monetária incidente até a data do ajuizamento deve integrar o valor da
causa na ação de repetição de indébito.” (DJ 01.05.92, p. 12.081)
SÚMULA Nº 6
“A autoridade administrativa não pode, com base na Instrução Normativa n° 54/81
– SRF, exigir a comprovação do recolhimento do ICMS por ocasião do desembaraço
aduaneiro.” (DJ 20.05.92, p. 13.384)
SÚMULA Nº 7
“É inconstitucional o art. 8° da Lei n° 7.689 de 15 de dezembro de 1988.” (DJ
20.05.92, p. 13.384)
SÚMULA Nº 8
“Subsiste no novo texto constitucional a opção do segurado para ajuizar ações
contra a Previdência Social no foro estadual do seu domicílio ou no do Juízo Federal.”
(DJ 20.05.92, p. 13.385)
SÚMULA Nº 9
“Incide correção monetária sobre os valores pagos com atraso, na via administrativa,
a título de vencimento, remuneração, provento, soldo, pensão ou benefício previdenciário, face à sua natureza alimentar.” (DJ 06.11.92, p. 35.897)
SÚMULA Nº 10
“A impenhorabilidade da Lei n° 8.009/90 alcança o bem que, anteriormente ao seu
advento, tenha sido objeto de constrição judicial.” (DJ 20.05.93, p. 18.986)
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SÚMULA Nº 11
“O desapropriante está desobrigado de garantir compensação pelo deságio que os
títulos da dívida agrária venham a sofrer, se levados ao mercado antecipadamente.”
(DJ 20.05.93, p.18.986) (Rep. DJ 14.06.93, p. 22.907)
SÚMULA Nº 12
“Na execução fiscal, quando a ciência da penhora for pessoal, o prazo para a
oposição dos embargos de devedor inicia no dia seguinte ao da intimação deste.” (DJ
20.05.93, p. 18.986)
SÚMULA Nº 13
“É inconstitucional o empréstimo compulsório incidente sobre a compra de gasolina e álcool, instituído pelo artigo 10 do Decreto-Lei 2.288, de 1986.” (DJ 20.05.93,
p. 18.987)
SÚMULA Nº 14 (*)
“É constitucional o inciso I do artigo 3° da Lei 7.787, de 1989.” (DJ 20.05.93,
p. 18.987) (DJ 31.08.94, p. 47.563 (*)CANCELADA)
SÚMULA Nº 15
“O reajuste dos benefícios de natureza previdenciária, na vigência do Decreto-Lei
n° 2.351, de 7 de agosto de 1987, vinculava-se ao salário mínimo de referência, e não
ao piso nacional de salários.” (DJ 14.10.93, p. 43.516)
SÚMULA Nº 16
“A apelação genérica, pela improcedência da ação, não devolve ao Tribunal o exame
da fixação dos honorários advocatícios, se esta deixou de ser atacada no recurso.” (DJ
29.10.93, p. 46.086)
SÚMULA Nº 17 (*)
“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 70,28%
relativo à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 02.12.93, p. 52.558) (DJ
19.06.95, p. 38.484 (*)REVISADA)
SÚMULA Nº 18
“O depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário
somente poderá ser levantado, ou convertido em renda, após o trânsito em julgado da
sentença.” (DJ 02.12.93, p. 52.558)
SÚMULA Nº 19
“É legítima a restrição imposta pela Portaria DECEX n° 8, de 13.05.91, no que
respeita à importação de bens usados, dentre os quais pneus e veículos.” (DJ 15.12.93,
p. 55.316)
SÚMULA Nº 20
“O art. 8°, parágrafo 1°, da Lei 8.620/93 não isenta o INSS das custas judiciais,
quando demandado na Justiça Estadual.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)
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SÚMULA Nº 21
“É constitucional a Contribuição Social criada pelo art. 1° da Lei Complementar
n° 70, de 1991.” (DJ 15.12.93, p. 55.316)
SÚMULA Nº 22
“É inconstitucional a cobrança da taxa ou do emolumento para licenciamento de
importação, de que trata o art. 10 da Lei 2.145/53, com a redação da Lei 7.690/88 e da
Lei 8.387/91.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)
SÚMULA Nº 23
“É legítima a cobrança do empréstimo compulsório incidente sobre o consumo de
energia elétrica, instituído pela Lei 4.156/62, inclusive na vigência da Constituição
Federal de 1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.933)
SÚMULA Nº 24
“São autoaplicáveis os parágrafos 5° e 6° do art. 201 da Constituição Federal de
1988.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)
SÚMULA Nº 25
“É cabível apelação da sentença que julga liquidação por cálculo, e agravo de
instrumento da decisão que, no curso da execução, aprecia atualização da conta.” (DJ
05.05.94, p. 20.934)
SÚMULA Nº 26
“O valor dos benefícios previdenciários devidos no mês de junho de 1989 tem
por base o salário mínimo de NCz$ 120,00 (art. 1° da Lei 7.789/89).” (DJ 05.05.94,
p. 20.934)
SÚMULA Nº 27
“A prescrição não pode ser acolhida no curso do processo de execução, salvo se superveniente à sentença proferida no processo de conhecimento.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)
SÚMULA Nº 28
“São inconstitucionais as alterações introduzidas no Programa de Integração Social
(PIS) pelos Decretos-Leis 2.445/88 e 2.449/88.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)
SÚMULA Nº 29
“Não cabe a exigência de estágio profissionalizante para efeito de matrícula em
curso superior.” (DJ 05.05.94, p. 20.934)
SÚMULA Nº 30
“A conversão do regime jurídico trabalhista para o estatutário não autoriza ao servidor o saque dos depósitos do FGTS.” (DJ 09.06.94, p. 30.113)
SÚMULA Nº 31
“Na ação de repetição do indébito tributário, os juros de mora incidem a partir do
trânsito da sentença em julgado.” (DJ 29.05.95, p. 32.675)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
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SÚMULA Nº 32 (*)
“No cálculo de liquidação de débito judicial, inclui-se o índice de 42,72% relativo
à correção monetária de janeiro de 1989.” (DJ 19.06.95, p. 38.484 (*)REVISÃO DA
SÚMULA 17)
SÚMULA Nº 33
“A devolução do empréstimo compulsório sobre combustíveis (art. 10 do Decreto-Lei n° 2.288/86) independe da apresentação das notas fiscais.” (DJ 08.09.95,
p. 58.814)
SÚMULA Nº 34
“Os municípios são imunes ao pagamento de IOF sobre suas aplicações financeiras.”
(DJ 22.12.95, p. 89.171)
SÚMULA Nº 35
“Inexiste direito adquirido a reajuste de vencimentos de servidores públicos federais
com base na variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de
1990.” (DJ 15.01.96, p. 744)
SÚMULA Nº 36
“Inexiste direito adquirido a reajuste de benefícios previdenciários com base na
variação do IPC – Índice de Preços ao Consumidor – de março e abril de 1990.” (DJ
15.01.96, p. 744)
SÚMULA Nº 37
“Na liquidação de débito resultante de decisão judicial, incluem-se os índices
relativos ao IPC de março, abril e maio de 1990 e fevereiro de 1991.” (DJ 14.03.96,
p. 15.388)
SÚMULA Nº 38
“São devidos os ônus sucumbenciais na ocorrência de perda do objeto por causa
superveniente ao ajuizamento da ação.” (DJ 15.07.96, p. 48.558)
SÚMULA Nº 39
“Aplica-se o índice de variação do salário da categoria profissional do mutuário
para o cálculo do reajuste dos contratos de mútuo habitacional com cláusula PES,
vinculados ao SFH.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)
SÚMULA Nº 40
“Por falta de previsão legal, é incabível a equivalência entre o salário de contribuição
e o salário de benefício para o cálculo da renda mensal dos benefícios previdenciários.”
(DJ 28.10.96, p. 81.959)
SÚMULA Nº 41
“É incabível o sequestro de valores ou bloqueio das contas bancárias do INSS para
garantir a satisfação de débitos judiciais.” (DJ 28.10.96, p. 81.959)
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R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
SÚMULA Nº 42 (*)
“A União e suas autarquias estão sujeitas ao adiantamento das despesas do oficial de
justiça necessárias ao cumprimento de diligências por elas requeridas.” (DJ 16.04.97,
p. 24.642-43) (DJ 19.05.97, p. 34.755 (*)REVISÃO)
SÚMULA Nº 43
“As contribuições para o FGTS não têm natureza tributária, sujeitando-se ao prazo
prescricional de trinta anos.” (DJ 14.01.98, p. 329)
SÚMULA Nº 44
“É inconstitucional a contribuição previdenciária sobre o pro labore dos administradores, autônomos e avulsos, prevista nas Leis nos 7.787/89 e 8.212/91.” (DJ
14.01.98, p. 329)
SÚMULA Nº 45
“Descabe a concessão de liminar ou de antecipação de tutela para a compensação
de tributos.” (DJ 14.01.98, p. 329)
SÚMULA Nº 46
“É incabível a extinção do processo de execução fiscal pela falta de localização do
devedor ou inexistência de bens penhoráveis (art. 40 da Lei n° 6.830/80).” (DJ 14.01.98,
p. 330) (Rep. DJ 11.02.98, p. 725)
SÚMULA Nº 47
“Na correção monetária dos salários de contribuição integrantes do cálculo da renda
mensal inicial dos benefícios previdenciários, em relação ao período de março a agosto
de 1991, não se aplica o índice de 230,40%.” (DJ 07.04.98, p. 381)
SÚMULA Nº 48
“O abono previsto no artigo 9°, § 6°, letra b, da Lei n° 8178/91 está incluído no
índice de 147,06%, referente ao reajuste dos benefícios previdenciários em 1° de setembro de 1991.” (DJ 07.04.98, p. 381)
SÚMULA Nº 49
“O critério de cálculo da aposentadoria proporcional estabelecido no artigo 53 da
Lei 8.213/91 não ofende o texto constitucional.” (DJ 07.04.98, p. 381)
SÚMULA Nº 50
“Não há direito adquirido à contribuição previdenciária sobre o teto máximo de 20
salários mínimos após a entrada em vigor da Lei n° 7.787/89.” (DJ 07.04.98, p. 381)
SÚMULA Nº 51
“Não se aplicam os critérios da Súmula n° 260 do extinto Tribunal Federal de
Recursos aos benefícios previdenciários concedidos após a Constituição Federal de
1988.” (DJ 07.04.98, p. 381)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
275
SÚMULA Nº 52 (*)
“São devidos juros de mora na atualização da conta objeto de precatório complementar.” (DJ 07.04.98, p. 382) (DJ 07.10.2003, p. 202 (*) CANCELADA)
SÚMULA Nº 53
“A sentença que, independentemente de pedido, determina a correção monetária
do débito judicial não é ultra ou extra petita.” (DJ 07.04.98, p. 382)
SÚMULA Nº 54
“Os valores recebidos a título de incentivo à demissão voluntária não se sujeitam
à incidência do imposto de renda.” (DJ 22.04.98, p. 386)
SÚMULA Nº 55
“É constitucional a exigência de depósito prévio da multa para a interposição de recurso
administrativo, nas hipóteses previstas pelo art. 93 da Lei n° 8.212/91 – com a redação
dada pela Lei n° 8.870/94 – e pelo art. 636, § 1°, da CLT.” (DJ 15.06.98, p. 584)
SÚMULA Nº 56
“Somente a Caixa Econômica Federal tem legitimidade passiva nas ações que objetivam a correção monetária das contas vinculadas do FGTS.” (DJ 03.11.98, p. 298)
SÚMULA Nº 57
“As ações de cobrança de correção monetária das contas vinculadas do FGTS
sujeitam-se ao prazo prescricional de trinta anos.” (DJ 03.11.98, p. 298)
SÚMULA Nº 58
“A execução fiscal contra a Fazenda Pública rege-se pelo procedimento previsto
no art. 730 do Código de Processo Civil.” (DJ 18.11.98, p. 518)
SÚMULA Nº 59
“A UFIR, como índice de correção monetária de débitos e créditos tributários,
passou a viger a partir de janeiro de 1992.” (DJ 18.11.98, p. 519)
SÚMULA Nº 60
“Da decisão que não recebe ou que rejeita a denúncia cabe recurso em sentido
estrito.” (DJ 29.04.99, p. 339)
SÚMULA Nº 61 (*)
“A União e o INSS são litisconsortes passivos necessários nas ações em que seja
postulado o benefício assistencial previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, não sendo caso
de delegação de jurisdição federal.” (DJ 27.05.99, p. 290) (DJ 07.07.2004, p. 240 (*)
CANCELADA)
SÚMULA Nº 62 (*)
“Nas demandas que julgam procedente o pedido de diferença de correção monetária
sobre depósitos do FGTS, não são devidos juros de mora relativamente às contas não
movimentadas.” (DJ 23.02.2000, p. 578) (DJ 08.10.2004, p. 586 (*) CANCELADA)
276
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
SÚMULA Nº 63
“Não é aplicável a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal nas ações rescisórias
versando matéria constitucional.” (DJ 09.05.2000, p. 657)
SÚMULA Nº 64
“É dispensável o reconhecimento de firma nas procurações ad judicia, mesmo
para o exercício em juízo dos poderes especiais previstos no art. 38 do CPC.” (DJ
07.03.2001, p. 619)
SÚMULA Nº 65
“A pena decorrente do crime de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias não constitui prisão por dívida.” (DJ 03.10.2002, p. 499)
SÚMULA Nº 66
“A anistia prevista no art. 11 da Lei nº 9.639/98 é aplicável aos agentes políticos, não
aproveitando aos administradores de empresas privadas.” (DJ 03.10.2002, p. 499)
SÚMULA Nº 67
“A prova da materialidade nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias pode ser feita pela autuação e notificação da fiscalização, sendo
desnecessária a realização de perícia.” (DJ 03.10.2002, p. 499)
SÚMULA Nº 68
“A prova de dificuldades financeiras, e consequente inexigibilidade de outra conduta, nos crimes de omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, pode
ser feita através de documentos, sendo desnecessária a realização de perícia.” (DJ
03.10.2002, p. 499)
SÚMULA Nº 69
“A nova redação do art. 168-A do Código Penal não importa em descriminalização
da conduta prevista no art. 95, d, da Lei nº 8.212/91.” (DJ 03.10.2002, p. 499)
SÚMULA Nº 70
“São devidos honorários advocatícios em execução de título judicial, oriundo de
ação civil pública.” (DJ 06.10.2003, p. 459)
SÚMULA Nº 71
“Os juros moratórios são devidos pelo gestor do FGTS e incidem a partir da citação
nas ações em que se reclamam diferenças de correção monetária, tenha havido ou não
levantamento do saldo, parcial ou integralmente.” (DJ 08.10.2004, p. 586)
SÚMULA Nº 72
“É possível cumular aposentadoria urbana e pensão rural.” (DJ 02.02.2006, p. 524)
SÚMULA Nº 73
“Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade
rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo
parental.” (DJ 02.02.2006, p. 524)
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
277
SÚMULA Nº 74
“Extingue-se o direito à pensão previdenciária por morte do dependente que atinge
21 anos, ainda que estudante de curso superior.” (DJ 02.02.2006, p. 524)
SÚMULA Nº 75
“Os juros moratórios, nas ações previdenciárias, devem ser fixados em 12% ao ano,
a contar da citação.” (DJ 02.02.2006, p. 524)
SÚMULA Nº 76
“Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente
sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que
reforme a sentença de improcedência.” (DJ 02.02.2006, p. 524)
SÚMULA Nº 77
“O cálculo da renda mensal inicial de benefício previdenciário concedido a partir
de março de 1994 inclui a variação integral do IRSM de fevereiro de 1994 (39,67%).”
(DJ 08.02.2006, p. 290)
SÚMULA Nº 78
“A constituição definitiva do crédito tributário é pressuposto da persecução penal
concernente a crime contra a ordem tributária previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90.”
(DJ 22.03.2006, p. 434)
SÚMULA Nº 79
“Cabível a denunciação da lide à Caixa Econômica Federal nas ações em que os
ex-procuradores do Banco Meridional buscam o pagamento de verba honorária relativamente aos serviços prestados para a recuperação dos créditos cedidos no processo
de privatização da instituição.” (DE 26.05.2009)
278
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.269-278, 2010
RESUMO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010
279
280
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010
Resumo
Trata-se de publicação oficial do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, com periodicidade trimestral e distribuição nacional. A Revista
contém inteiros teores de acórdãos recentes selecionados pelos Excelentíssimos Desembargadores, abordando as matérias de sua competência.
Traz, ainda, discursos oficiais, arguições de inconstitucionalidade e as
súmulas editadas pelo Tribunal, além de artigos doutrinários nacionais
e internacionais de renomados juristas e, principalmente, da lavra dos
Desembargadores Federais integrantes desta Corte.
Summary
This is about an official trimestrial publication of Tribunal Regional
Federal da 4ª Região (Federal Regional Court of Appeals of the 4th Circuit) in Brazil, distributed nationally. The periodical contains the entire
up-to-date judgments selected by the federal judges, concerning to the
matters of the federal competence. It also brings the official speeches,
the arguings unconstitutionality and the law summarized cases edited
by the Court, as well as the national and the international doctrinal
articles, written by renowned jurists and mainly those written by the
Judges of this Court.
Resumen
Esta es una publicación oficial del Tribunal Regional de la 4ª Región,
con periodicidad trimestral y distribución nacional. La Revista contiene
la íntegra de recientes decisiones, seleccionadas por Magistrados comR. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010
281
ponentes de esta Casa, abordando materias de su competencia, también
discursos oficiales, cuestiones sobre control de constitucionalidad, súmulas editadas por el propio Tribunal, artículos de doctrina nacional y
internacional escritos por renombrados jurisconsultos y, principalmente,
aquellos proferidos por Jueces que pertenecen a esta Corte.
Sintesi
Si tratta di pubblicazione ufficiale del Tribunale Regionale Federale
della Quarta Regione, con periodicità trimestrale e distribuizione nazionale. La Rivista riproducce l’integra di sentenze recenti selezionate
dai egregi Consiglieri della Corte d’Appello Federale, relazionate alle
materie della sua competenza. Riproducce, ancora, pronunciamenti
ufficiali, ricorsi di incostituzionalità, la giurisprudenza consolidata
publicata dal Tribunale e testi dottrinali scritti dai Consiglieri di questa
Corte d’Appello e da rinomati giuristi nazionali ed internazionali.
Résumé
Il s’agit d’une publication officielle du Tribunal Regional Federal
da 4ª Região (Tribunal Régional Fédéral de la 4ème Région), dont la
périodicité est trimestrielle et la distribution nationale. Cette Revue
publie les textes complets des arrêts les plus récents, sélectionnés par
les Juges Conseillers de la Cour d’Appel, concernant des matières de
leur compétence. En plus ce périodique apporte aussi bien des discours
officiels, des argumentations d’inconstitutionnalité, des arrêts édités par
le Tribunal, des articles doctrinaires, y compris des textes redigés par les
Juges Conseillers de cette Cour de Justice et par des juristes nacionaux
et internationaux renommés.
282
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.279-282, 2010
ÍNDICE NUMÉRICO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010
283
284
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010
DIREITO ADMINISTRATIVO E DIREITO CIVIL
2005.71.00.016492-8/RS (AC)
Rel. Desa. Federal Silvia Goraieb...........................................45
2006.70.00.009929-0/PR (AC)
Rel. Juiz Federal Márcio Antônio Rocha................................63
2008.72.10.001467-1/SC (AC)
Rel. Desa. Federal Maria Lúcia Luz Leiria.............................77
DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL
2001.70.00.013395-0/PR (ENUL)
Rel. Des. Federal Néfi Cordeiro..............................................85
2001.70.03.001572-3/PR (ACR)
Rel. Juiz Federal Sebastião Ogê Muniz...................................95
2009.04.00.019539-2/RS (MS)
Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz............................105
2009.04.00.041388-7/RS (HC)
Rel. Des. Federal Tadaaqui Hirose........................................115
2009.04.00.042727-8/PR (MS)
Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus.....................122
2009.70.00.006691-0/PR (AGEXP)
Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado................139
DIREITO PREVIDENCIÁRIO
2002.04.01.050791-4/RS (AR)
Rel. Des. Federal Celso Kipper.............................................147
2005.70.00.018333-7/PR (EINF)
Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti.....................................162
2008.72.05.001963-0/SC (APELREEX) Rel. Des. Federal Luís Alberto d’Azevedo Aurvalle.............172
DIREITO PROCESSUAL CIVIL
2007.04.00.005720-0/RS (AR)
Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira........................197
2009.04.00.030605-0/RS (AR)
Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona.........................201
2009.04.00.037166-2/RS (AGVAG)
Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz...207
2009.04.00.042328-5/SC (AG)
Rel. Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler........................218
2004.71.00.020018-7/RS (AGVAC)
2005.70.00.034985-9/PR (EDAGR)
2008.70.02.010414-6/PR (AC)
2008.71.14.000348-7/RS (AC)
DIREITO TRIBUTÁRIO
Rel. Des. Federal Joel Ilan Paciornik....................................229
Rel. Des. Federal Álvaro Eduardo Junqueira........................236
Rel. Juíza Federal Vânia Hack de Almeida...........................250
Rel. Desa. Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère..........257
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010
285
286
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.283-286, 2010
ÍNDICE ANALÍTICO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
287
288
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
A
ABANDONO DA CAUSA
Advogado constituído – Vide MULTA
AÇÃO CAUTELAR
Caução – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
Animal de circo – Vide MAUS TRATOS
Associação de moradores – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO
Ministério Público Federal – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
AÇÃO RESCISÓRIA
Dispositivo constitucional – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
Extinção do processo sem resolução de mérito. Incompetência, TRF.
Irrelevância, STJ, não, apreciação, objeto, ação rescisória, exigibilidade, contribuição, incidência, folha de salários, arrecadação, INSS, destinação, Incra.
STJ, anterior, apreciação, mérito, possibilidade, compensação, mesma, exação, com,
outra. ....................................................................................................................... 201
Não conhecimento. Incidente processual, não, caracterização, como, mérito. Pedido,
desconstituição, decisão interlocutória, execução de sentença, para, manutenção, coisa julgada. Impossibilidade jurídica do pedido.
Extinção do processo sem resolução de mérito.
Condenação, INSS, pagamento, honorários advocatícios. ..................................... 197
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
289
ADVOGADO CONSTITUÍDO
Abandono da causa – Vide MULTA
ANATEL
Sucessão tributária – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
ANIMAL DE CIRCO
Ação civil pública – Vide MAUS TRATOS
APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
Violação, dispositivo constitucional, decorrência, não reconhecimento, exercício, atividade rural, período, trabalhador rural, idade, menor de catorze anos.
Cabimento, ação rescisória, decisão rescindenda, com, fundamentação, interpretação
controvertida, tribunal. Inaplicabilidade, súmula, STF. .......................................... 147
APRENDIZ
Regime de economia familiar – Vide TEMPO DE SERVIÇO
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES
Ação civil pública – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO
ATIVIDADE RURAL
Menor de catorze anos – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
AUTARQUIA FEDERAL
Imunidade recíproca – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
B
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
Ou, benefício previdenciário, legitimidade, pagamento, segurado, doente mental,
sem, comprovação, existência, curatela. Admissibilidade, pagamento, para, pai, mãe,
ou, cônjuge. Herdeiro necessário, possibilidade, recebimento, hipótese, inexistência,
pai, mãe, ou, cônjuge. Necessidade, demonstração, andamento do processo, curatela,
após, prazo, seis meses, concessão, benefício previdenciário.
Ação civil pública, Ministério Público Federal, legitimidade ativa, defesa, direito individual homogêneo. Desnecessidade, litisconsórcio passivo, com, União Federal......172
C
CADIN
Exclusão – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA
290
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
CAUÇÃO
Ação cautelar – Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA
CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA
Possibilidade, obtenção, decorrência, realização, caução, em, ação cautelar. Observância, princípio da isonomia.
Descabimento, exclusão, nome, devedor, Cadin, pelo, não, preenchimento, requisito,
previsão legal. Não ocorrência, ajuizamento, ação judicial, objetivo, discussão, existência, débito tributário. .......................................................................................... 257
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Aplicação – Vide MEDIDA CAUTELAR
COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
Justiça Estadual. Roubo, contra, empresa, franquia, ECT, ou, Banco do Brasil, ou,
instituição financeira privada.
Anulação, sentença judicial, Justiça Federal. Suscitação, conflito negativo de competência, STJ. ................................................................................................................ 95
CONCURSO PÚBLICO
Cargo técnico, Seguridade Social. Manutenção, candidato, lista, destinação, portador,
deficiência física. Necessidade, comparação, com, padrão, homo medius.
Comprovação, deformidade permanente, membro superior. Irrelevância, Carteira Nacional de Habilitação, não, indicação, condição, portador, deficiência física.
Legitimidade passiva, INSS. ..................................................................................... 77
CONTRIBUIÇÃO
Incra – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
CONVÊNIO
Município – Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE
CORREÇÃO MONETÁRIA
Prescrição quinquenal – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
CORRETORA DE SEGURO
Fraude – Vide GESTÃO FRAUDULENTA
CURATELA
Doente mental – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
291
D
DANO MORAL
Indenização, arbitramento. Responsabilidade objetiva do Estado. Indeferimento, pedido, salário-maternidade, decorrência, registro, óbito, nome, segurado. Demora,
INSS, correção, irregularidade.
Após, publicação, imprensa, erro, autarquia federal, regularização, registro, nome,
segurado.
Suficiência, comprovação, situação fática. Doutrina, jurisprudência, entendimento,
presunção relativa, dano moral. ................................................................................ 45
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
Não conhecimento – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE
Necessidade, apreciação, pela, Corte Especial, TRF. Quorum. Exigência, soma, votos,
com, concordância, maioria absoluta, membro, Órgão Especial.
Descabimento, concessão, efeito suspensivo, decisão agravada, juízo a quo. Indeferimento, tutela antecipada, pedido, liberação, valor, referência, última parcela, para,
cumprimento, convênio, entre, município, União Federal, objetivo, construção, casa
popular.
Não, comprovação, execução, totalidade, projeto, conformidade, previsão, contrato,
repasse. Atraso, término, obra.
Impossibilidade, liberação, valor, não, mais, previsão, orçamento, União Federal. Inscrição, despesa, como, restos a pagar.
Juízo, liminar, não, preenchimento, requisito, para, deferimento, tutela antecipada...207
DEFORMIDADE PERMANENTE
Candidato – Vide CONCURSO PÚBLICO
DEVIDO PROCESSO LEGAL
Violação – Vide MULTA
DOENTE MENTAL
Curatela – Vide BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
292
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
E
EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
Energia elétrica, devolução, valor, com, correção monetária, incidência, valor principal, inclusão, expurgo inflacionário. Prescrição quinquenal, termo inicial, data, Assembléia Geral Extraordinária, decisão, conversão, crédito, em, ações.
Juros remuneratórios, fixação, 6%, ano, referência, diferença, correção monetária,
incidência, valor principal, com, inclusão, expurgo inflacionário. Possibilidade, pagamento, em, dinheiro, ou, conversão, ações preferenciais.
Juros de mora, incidência, 6%, ano, até, data, início, vigência, novo, Código Civil.
Data, posterior, aplicação, apenas, Taxa Selic.
Observância, recurso repetitivo, STJ.
Responsabilidade solidária. União Federal, formação, litisconsórcio passivo necessário, com, Eletrobrás. ................................................................................................ 236
ERRO
INSS – Vide DANO MORAL
EXECUÇÃO DA PENA
Preso, tentativa, lesão corporal, contra, outro, preso, caracterização, falta grave, previsão, Lei de Execução Penal. Admissibilidade, diretoria, presídio, aplicação, sanção
administrativa. Desnecessidade, instauração, processo penal, com, recebimento, denúncia. ..................................................................................................................... 139
EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO
Vide AÇÃO RESCISÓRIA
F
FALTA GRAVE
Lesão corporal – Vide EXECUÇÃO DA PENA
Sanção administrativa – Vide EXECUÇÃO DA PENA
FRAUDE
Corretora de seguro – Vide GESTÃO FRAUDULENTA
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
293
G
GESTÃO FRAUDULENTA
Empresa, corretora de seguro, enquadramento, conceito, instituição financeira, por,
equiparação. Aplicação, lei, crime contra o sistema financeiro.
Fraude, administração, corretora de seguro, objetivo, apropriação, valor, pagamento,
cliente, como, prêmio. ............................................................................................... 85
H
HOMO MEDIUS
Comparação – Vide CONCURSO PÚBLICO
I
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Decisão interlocutória – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
IMPOSTO DE RENDA
Pessoa física. Necessidade, anulação, notificação de lançamento.
Direito, dedução, base de cálculo, despesa, dependente, contribuinte, com, importação, medicamento, para, neoplasia maligna, não, inclusão, conta, hospital.
Tratamento médico, domicílio, com, relevância, custo, medicamento, não, distribuição, pelo, SUS.
Previsão legal, ano, 1995, lista, sem, caráter taxativo, hipótese, dedução, base de cálculo, Imposto de Renda, medicamento, emissão, conta, hospital. Necessidade, interpretação analógica. Observância, princípio da razoabilidade, princípio da isonomia.
Inconstitucionalidade, interpretação literal, interpretação restritiva. ...................... 250
IMUNIDADE RECÍPROCA
Autarquia federal – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
Inexigibilidade, IPTU, exercício, anterior, aquisição, imóvel, pela, Anatel. Imposto,
sub-rogação, adquirente, gozo, imunidade tributária. Irrelevância, implementação,
fato gerador, anterior, sucessão tributária. Imunidade recíproca, extensão, autarquia
federal.
Município, reconhecimento, afetação, imóvel, para, finalidade essencial, Anatel. .229
INCOMPETÊNCIA
TRF – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
294
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
INCRA
Contribuição – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
INSS
Erro – Vide DANO MORAL
INSTITUIÇÃO FINANCEIRA
Corretora de seguro – Vide GESTÃO FRAUDULENTA
INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA
Vide IMPOSTO DE RENDA
IRMÃO
Sociedade de fato (comercial) – Vide TEMPO DE SERVIÇO
J
JUROS DE MORA
Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
JUROS REMUNERATÓRIOS
Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
L
LESÃO CORPORAL
Falta grave – Vide EXECUÇÃO DA PENA
LITISCONSÓRCIO PASSIVO
Inclusão, associação de moradores, pessoa jurídica, atuação, meio ambiente, polo passivo, ação civil pública, objeto, recuperação, dano ambiental, região, lagoa, localização, Santa Catarina.
Réu, associado, associação de moradores.
Doutrina, divergência, sobre, caracterização, ou, não, como, assistência, instituto, lei,
ação civil pública, criação. ...................................................................................... 218
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
295
M
MAUS-TRATOS
Animal de circo. Ação civil pública. Condenação, Ibama, totalidade, território, estado,
Paraná, promoção, licenciamento, guarda, manutenção, animal de circo, observância,
instrução normativa, ano, 1998.
Fixação, prazo, trinta dias, proprietário, adequação, guarda, animal silvestre, em,
cativeiro.
Concessão, terceiro, condição, fiel depositário, hipótese, proprietário, descumprimento, dever, guarda, com, observância, mesma, instrução normativa.
Propriedade, animal, não, direito adquirido, manutenção, hipótese, inadequação, custódia. Necessidade, publicidade, característica, animal, para, sociedade civil, aceitação, custódia. Descabimento, repatriamento, animal de circo, decorrência, necessidade, participação, governo, país estrangeiro. .............................................................. 63
MEDICAMENTO
Neoplasia maligna – Vide IMPOSTO DE RENDA
MEDIDA CAUTELAR
Revogação, decorrência, prolação, sentença absolutória. Desnecessidade, ocorrência,
trânsito em julgado. Observância, princípio da presunção de inocência. Aplicação,
Código de Processo Penal. ...................................................................................... 105
MEIO AMBIENTE
Ação civil pública – Vide LITISCONSÓRCIO PASSIVO
MENOR DE CATORZE ANOS
Atividade rural – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
MULTA
Descabimento, cobrança. Advogado constituído, não, apresentação, defesa prévia,
após, intimação, recebimento, denúncia. Descaracterização, como, abandono da causa. Não ocorrência, afastamento, com, caráter permanente. Comprovação, pedido,
prorrogação, prazo, realização, defesa.
Violação, devido processo legal. Juízo, não, oferecimento, oportunidade, acusado,
apresentação, justificativa, para, não, elaboração, defesa prévia.............................122
N
NEOPLASIA MALIGNA
Medicamento – IMPOSTO DE RENDA
296
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
P
PORTADOR
Deficiência física – Vide CONCURSO PÚBLICO
PRESCRIÇÃO QUINQUENAL
Correção monetária – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Vide CERTIDÃO POSITIVA COM EFEITO DE NEGATIVA
PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA
Vide MEDIDA CAUTELAR
Q
QUORUM
Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE
R
RECURSO REPETITIVO
STJ – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR
Aprendiz – Vide TEMPO DE SERVIÇO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
União Federal – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
ROUBO
Banco do Brasil – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
Instituição financeira privada – Vide COMPETÊNCIA JURISDICIONAL
S
SALÁRIO-MATERNIDADE
Indeferimento – Vide DANO MORAL
SANÇÃO ADMINISTRATIVA
Falta grave – Vide EXECUÇÃO DA PENA
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
297
SENTENÇA ABSOLUTÓRIA
Trânsito em julgado – Vide MEDIDA CAUTELAR
SOCIEDADE DE FATO (COMERCIAL)
Irmão – Vide TEMPO DE SERVIÇO
SUCESSÃO TRIBUTÁRIA
Anatel – Vide IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
SÚMULA
STF – Vide APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO
SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO
Revogação, decorrência, instauração, outro, processo penal, contra, réu. Irrelevância,
objeto, nova, denúncia, inclusão, mesma, situação fática, ação penal, anterior. .... 115
T
TEMPO DE SERVIÇO
Impossibilidade, reconhecimento, período, trabalho, cartório de registro de imóveis,
titularidade, pai, após, idade, doze anos, até, vinte anos. Caracterização, atividade,
aprendiz, regime de economia familiar. Inexistência, qualidade, segurado, período,
condição, dependente previdenciário.
Descabimento, contagem, tempo de serviço, período, posterior, decorrência, sociedade de fato (comercial), com, irmão. Inexistência, vínculo empregatício. Não ocorrência, recolhimento, contribuição previdenciária, como, trabalhador autônomo. ...... 162
TRF
Incompetência – Vide AÇÃO RESCISÓRIA
TUTELA ANTECIPADA
Indeferimento – Vide DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE
U
UNIÃO FEDERAL
Responsabilidade solidária – Vide EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO
298
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.287-298, 2010
ÍNDICE LEGISLATIVO
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
299
300
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
Código Civil de 1916
Artigo 384................................................................................................................ 162
Código Civil
Artigo 186.................................................................................................................. 45
Artigo 406.................................................................................................................. 45
Artigo 944.................................................................................................................. 45.
Código Penal
Artigo 14.................................................................................................................. 139
Artigo 129................................................................................................................ 139
Artigo 157.................................................................................................................. 95
Código de Processo Civil
Artigo 20.................................................................................................................. 201
Artigo 267................................................................................................................ 197
Artigo 273................................................................................................................ 207
Artigo 334.................................................................................................................. 45
Artigo 485................................................................................................................ 147
Artigo 488................................................................................................................ 201
Código de Processo Penal
Artigo 265................................................................................................................ 122
Artigo 386................................................................................................................ 105
Artigo 396................................................................................................................ 122
Código Tributário Nacional
Artigo 161.................................................................................................................. 45
Artigo 205................................................................................................................ 257
Artigo 206................................................................................................................ 257
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
301
Constituição Federal/1988
Artigo 1º................................................................................................................... 250
Artigo 5º....................................................................................................... 45/105/257
Artigo 6º................................................................................................................... 250
Artigo 7º................................................................................................................... 147
Artigo 37.................................................................................................................... 45
Artigo 97.................................................................................................................. 207
Artigo 105................................................................................................................ 201
Artigo 109.................................................................................................................. 95
Artigo 127................................................................................................................ 172
Artigo 129................................................................................................................ 172
Artigo 150......................................................................................................... 229/257
Artigo 196................................................................................................................ 250
Artigo 197................................................................................................................ 250
Artigo 201................................................................................................................ 147
Artigo 225........................................................................................................... 63/218
Artigo 227.................................................................................................................. 77
Convenção da ONU sobre Direito das Pessoas com Deficiência.......................... 77
Declaração de Estocolmo de 1972......................................................................... 218
Declaração Universal dos Direitos dos Animais
Artigo 3º..................................................................................................................... 63
Decreto nº 20.910/32
Artigo 1º................................................................................................................... 236
Decreto nº 3.000/99
Artigo 80.................................................................................................................. 250
Decreto nº 3.298/99
Artigo 3º..................................................................................................................... 77
Artigo 4º..................................................................................................................... 77
Decreto nº 6.049/2007
Artigo 45.................................................................................................................. 139
Decreto Federal nº 24.645/34
Artigo 1º..................................................................................................................... 63
Artigo 3º..................................................................................................................... 63
302
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
Decreto-Lei nº 1.512/76
Artigo 2º................................................................................................................... 236
Artigo 3º................................................................................................................... 236
Emenda Constitucional nº 1/69
Artigo 165................................................................................................................ 147
Instrução Normativa INSS/PRES nº 20/2007 ..................................................... 172
Instrução Normativa do Ibama nº 169/2008 ......................................................... 63
Lei nº 4.156/62
Artigo 4º................................................................................................................... 236
Lei nº 4.357/64
Artigo 3º................................................................................................................... 236
Artigo 7º................................................................................................................... 236
Lei nº 6.938/81
Artigo 3º................................................................................................................... 218
Lei nº 7.181/83
Artigo 3º................................................................................................................... 236
Lei nº 7.210/84
Artigo 49.................................................................................................................. 139
Artigo 52.................................................................................................................. 139
Lei nº 7.347/85
Artigo 5º................................................................................................................... 218
Lei nº 7.492/86
Artigo 1º..................................................................................................................... 85
Artigo 4º..................................................................................................................... 85
Lei nº 7.853/89 ......................................................................................................... 77
Artigo 3º................................................................................................................... 172
Lei nº 8.213/91
Artigo 110................................................................................................................ 172
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
303
Lei nº 8.742/93
Artigo 20.................................................................................................................. 172
Artigo 31.................................................................................................................. 172
Lei nº 8.906/94
Artigo 34.................................................................................................................. 122
Lei nº 9.099/95
Artigo 89...................................................................................................................115
Lei nº 9.250/95
Artigo 8º................................................................................................................... 250
Lei nº 9.494/97
Artigo 1º................................................................................................................... 207
Lei nº 9.605/98
Artigo 32.................................................................................................................... 63
Lei nº 9.711/98 .......................................................................................................... 45
Lei nº 10.257/2001
Artigo 2º................................................................................................................... 218
Lei nº 10.522/2002
Artigo 7º................................................................................................................... 257
Lei nº 11.690/2008 .................................................................................................. 105
Medida Provisória 1.415/96 .................................................................................... 45
Súmula do Supremo Tribunal Federal
Nº 343 ..................................................................................................................... 147
Súmula do Superior Tribunal de Justiça
Nº 54 ......................................................................................................................... 45
Nº 362........................................................................................................................ 45
Súmula do Tribunal Regional Federal da 4ª Região
Nº 63 ....................................................................................................................... 201
304
R. Trib. Reg. Fed. 4ª Reg. Porto Alegre, a. 21, n. 76, p.299-304, 2010
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QUARTA REGIÃO - Tribunal Regional Federal da 4ª Região