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S.
R.
TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL
Processo nº 5235/11
Acórdão de: 22-05-2012
DESCRITORES:
IVA. RENÚNCIA A ISENÇÃO. DEDUÇÃO.
SUMÁRIO:
1. São incompletas, simples, parciais, todas as isenções do art. 9.º CIVA, onde o sujeito
passivo beneficiário não liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a
deduzir o IVA suportado para a respectiva realização.
2. Na medida em que esta dual impossibilidade, nomeadamente no que concerne à
dedução do imposto pago para que se possa efetivar a atividade, pode resultar deveras
penalizante, prejudicial, para o agente económico, a lei (art. 12.º CIVA), em moldes
nitidamente excecionais e para situações específicas, faculta o direito de renúncia à
isenção.
3. A renúncia à isenção, possibilitada pelo art. 12.º n.º 1 CIVA, em circunstância alguma é
susceptível de ser presumida, pelo que, se o sujeito passivo não apresenta
pedido/declaração de renúncia, tem de ser considerado submetido ao regime de isenção,
por, originariamente, o seu próprio.
4. O direito comunitário, no que tange à Sexta Diretiva, encontra-se aplicado corretamente
pelo art. 12.º n.º 1 (e n.º 2) CIVA, não persistindo qualquer dúvida razoável que imponha
reenvio prejudicial para o TJUE (ex-TJCE).
C.........., S.A., contribuinte n.º ..... e com os demais sinais constantes dos autos,
impugnou judicialmente liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios, do período
compreendido entre janeiro de 2002 e junho de 2006.
Pelo Tribunal Tributário de Lisboa, foi prolatada sentença que decidiu: «
1) Julgar a impugnação parcialmente procedente e anular as liquidações do
exercício de 2005 na parte em que resultaram da correcção de € 14.610,24 por
falta de liquidação do IVA sobre a transferência de bens da casa-mãe para a
sucursal;
2) Julgar a impugnação improcedente quanto ao demais;
3) Reconhecer à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre a parte da
impugnação julgada procedente e cujas liquidações se encontrem pagas.
(…) »
Insatisfeita, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cuja alegação sumula nas
seguintes conclusões: «
A) O Tribunal a quo decidiu erradamente ao manter as liquidações de IVA
impugnadas respeitantes aos períodos de 2006-2006, as quais haviam sido
efectuadas na sequência de decisão do Fisco em impedir a ora Recorrente de
deduzir IVA nas duas operações passivas com o suposto fundamente de que
não havia renunciado formalmente à isenção (cfr. Introdução e apreciação e
censura da sentença recorrida - secções I e II supra);
B) O Tribunal a quo incorreu em erro na apreciação das provas, assim como
contradição do julgado com os concretos meios probatórios constantes do
processo, que impunham uma decisão diferente da tomada sobre a matéria de
facto e de direito, designadamente no que respeita à relevância da conduta
formal e materialmente consentânea com a opção de renúncia à isenção da ora
Recorrente (cfr. Apreciação e censura da sentença recorrida - secções II e II.I i)
supra).
C) A sentença recorrida não especificou nem apreciou prova documental relevante
produzida nos autos, prescindindo o Tribunal a quo da especificação de factos
invocados e documentalmente provados dos quais resulta não ter havido por
parte
da
Recorrente
incumprimento
das
normas
fiscais
materiais,
designadamente as que regulam o direito à dedução do IVA, em oposição com
os fundamentos da decisão, devendo em consequência ser ampliada e
reapreciada a matéria de facto ao abrigo do disposto no artigos 280.º n.º 1 do
CPPT, 712.º n.º 1 do CPC e 38.º do ETAF;
D)
Desde logo, o documento junto aos autos - declaração de início de actividade o qual atesta que 1) a quadrícula da renúncia à isenção não foi preenchida único facto que está na base dos actos de liquidação impugnados e da decisão
que julgou ser se os manter; e 2) a quadrícula que atesta a opção pela
afectação real foi preenchida (cfr. secção II.II. supra)
E)
Factos não atendidos pela sentença recorrida, e que determinam a
necessidade de revogar a sentença e a ilegalidade da aplicação do «prorata»
na base dos actos de liquidação em crise, determinando a sua anulação;
F) A sentença recorrida não especificou nem apreciou prova documental relevante
assim como não apreciou factos que demonstram que a ora recorrente nunca
agiu em contradição com a tributação integral das operações, i.e. desde 2002
até ao 4.º trimestre de 2004 (cfr. secção II II supra), e em particular:
2
G) Que o formalismo omitido, por lapso do sujeito passivo, limita-se ao
preenchimento de uma quadrícula no campo 1 do quadro 13 do formulário de
declaração de início/alteração de actividade (i.e. não assinalou com uma
“cruzinha” essa opção);
H) Que a Recorrente adoptou um comportamento declarativo inequívoco de
cumprimento da opção pela tributação - comportando-se como sujeito passivo
integral - no preenchimento das suas declarações periódicas de IVA desde o
início da sua actividade e, consequentemente, do conteúdo da obrigação
declarativa que cumprira defeituosamente, visto que liquidou IVA em todas as
suas operações activas e fazendo-o o constar das suas facturas (com excepção
da actividade de odontologia a partir do último trimestre de 2004);
I)
Que a Recorrente expressamente comunicou essa opção ainda no decurso da
acção inspectiva em sede de audição prévia - logo antes de confirmadas as
propostas de correcção arbitradas exclusivamente com base nessa falta de
comunicação;
J) Que a Recorrente, no âmbito da sua actividade, agiu materialmente de acordo
com esse comportamento no que respeita à obrigação de liquidar IVA em todas
as suas operações activas de modo contínuo, tendo efectivamente liquidado,
repercutido o imposto e procedido à respectiva entrega nos cofres do Estado,
pelo menos até último trimestre de 2004);
K) Acresce que a Recorrente regularizou formalmente a situação, tendo sanado a
falta em 27.04.2007 com a entrega de Declaração de Alterações ainda antes de
apresentar reclamação graciosa através do preenchimento da quadrícula de
opção do quadro 13 já devidamente preenchida reiterando expressamente essa
opção pela “renúncia à isenção que já vem sendo aplicada desde o exercício de
2002” (cfr. secção II.II supra).
L) A citada opção da Recorrente, consagrada na Sexta Directiva, designadamente
no seu artigo 28.º n.º 3, alínea c) quanto à isenção de certas operações de
interesse geral, conforme transposta para o artigo 12.º do Código do IVA não
pode ser restringida ou subordinada a um formalismo declarativo em termos tais
que ignorem os demais factos que inequivocamente atestam aquela opção, o
seu comportamento efectivo - como sujeito passivo integral - maxime traduzido
na liquidação de IVA durante vários anos, sem que o Fisco tenha corrigido essa
situação (cfr. secção II.I ii) supra).
M) Razão pela qual o seu direito à dedução não pode ser posto em causa
exclusivamente pelo deficiente formalismo declarativo dessa opção, implicando
a anulação das liquidações de IVA em crise no presente recurso, por ofensa das
normas e princípios que consagram o direito à dedução do IVA;
3
N) Nas circunstâncias dos presentes autos, deve prevalecer a substância sobre a
forma, não se podendo pôr em causa o direito à dedução do IVA suportado para
realização
de
operações
efectivamente
tributadas,
exclusivamente
por
deficiente formalismo declarativo da opção pela tributação, contrariamente à
lógica de funcionamento do imposto e às normas e princípios estruturantes do
sistema comum do IVA (cfr. secção II. III supra);
O) Em caso de dúvida sobre a prevalência das citadas normas e princípio da Sexta
Directiva sobre tal formalismo deve proceder-se à suspensão da instância e ao
reenvio dessa questão a título prejudicial ao Tribunal de Justiça da União
Europeia, designadamente sobre se tal formalismo deve prevalecer em
qualquer caso sobre a substância das operações efectivamente realizadas e o
comportamento do sujeito passivo, que materialmente confirmou tal opção ab
initio;
P) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação das disposições
conjugadas dos artigos 12.º nº 1, e 19.º n.º 1 Código do IVA bem como os
correspondentes artigos 28.º 3 c) e 17.º da Sexta Directiva do IVA, violando a
letra e espírito destas normas e os princípios estruturantes sistema comum do
IVA consagrados naquela Directiva, designadamente os princípios da
neutralidade, da dedução e da proporcionalidade.
Q) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto no
artigos 28 º n.º 3 c) conjugado com o artigo 17.º, n.º 2 da Sexta Directiva do IVA,
violando a letra e espírito destas normas e os princípios estruturantes sistema
comum do IVA nela consagrados, designadamente os princípios da neutralidade
e da dedução, bem como as correspondentes normas dos artigos 12.º, n. 1
conjugado com o disposto no n.º 2 em função dos seus fins, e o artigo 19.º n.º 1
a) do Código do IVA, em ofensa ao princípio da proporcionalidade, legal e
constitucionalmente consagrado nos termos do artigo 55.º da LGT e 266.º da
Constituição da República Portuguesa;
R) A interpretação que foi feita do disposto no artigo 12.º n.º 1 do Código do IVA
pela decisão recorrida também não respeitou os normativos constitucionais ao
manter os actos de liquidação de IVA em crise na presente impugnação em
ofensa aos princípios consagrados na Sexta Directiva do IVA, na medida em
que excedeu os limites da discricionariedade na transposição das disposições
da mesma Directiva face aos seus objectivos e princípios estruturantes,
designadamente os princípios da proporcionalidade, neutralidade e do direito à
dedução e as próprias normas transpostas, designadamente os artigos 28.º n.º
3 c) e 17.º, n.º 2 daquela Directiva, gerando um vício de inconstitucionalidade
4
por violação do princípio do primado do direito comunitário ínsito no artigo 8.º,
n.º 4 da Constituição da República Portuguesa (cfr. secção III. I A) supra).
S) A norma do artigo 12.º, n.º 2, do Código do IVA, na redacção introduzida pelo
Decreto-lei n.º 185/86, de 14 de Julho fora do âmbito da autorização legislativa
nela invocada (Lei n.º 9/86, de 30 de Abril), interpretada e aplicada pela decisão
recorrida, em termos de eliminar liminarmente o direito à dedução consagrado
no sistema comum do IVA, nas circunstâncias dos presentes autos viola o
princípio de reserva de lei formal nos termos dos artigos 103.º, n.º 2 e 165.º, n.º
1 alínea i) da Constituição da República Portuguesa (cfr. secção III. I B) supra);
T) Por outro lado, a sentença recorrida não especificou nem apreciou prova
documental relevante assim como não apreciou factos que demonstram a
violação de normas fiscais pelos actos de liquidação e juros compensatórios
impugnados, designadamente o artigo 23.º, n.º 2 do Código do IVA, ao
arbitrarem o método de dedução proporcional em função do volume de
negócios, ao arrepio da lei e da declaração expressa do sujeito passivo de
opção método da afectação real, formulada pelo meio próprio e adequado;
U) A sentença recorrida fez incorrecta interpretação e aplicação do disposto no
artigo 23.º do Código do IVA, nomeadamente o seu n.º 2, violando frontalmente
a letra e o espírito desta norma;
V)
Ainda que a Recorrente tivesse passado a enquadrar-se como sujeito passivo
misto (desde o último trimestre de 2004 em relação aos serviços de
odontologia), não pode ser-lhe “aplicada a disciplina do prorata” (muito menos a
toda a actividade e com retroactividade) em virtude de expressamente ter
optado pelo método de afectação real (cfr. secção II.I ii) supra).
W) O facto de a Recorrente ter realizado, a partir do 4.º trimestre de 2004
operações nas quais indevidamente não liquidou IVA - sujeitando-se à
respectiva correcção e liquidação adicional ou ao ajustamento da dedução
apenas proporcional às mesmas operações (que indevidamente do imposto
isentou) - não obsta à continuidade da opção pela tributação e à manutenção do
enquadramento como sujeito passivo de IVA que realiza exclusivamente
operações com direito à dedução, ao contrário do que decidiu a sentença a quo,
pelo que deve ser revogada (cfr. III.I. B));
X)
Esse mesmo facto de a Recorrente ter realizado, a partir do 4.º trimestre de
2004 operações nas quais indevidamente não liquidou IVA, apenas permite o
ajustamento da dedução proporcional a essas mesmas operações que
indevidamente isentou nesse período, mas não pode ter como consequência a
transformação das restantes operações efectivamente tributadas em operações
5
isentas para efeitos de dedução proporcional (cálculo do “prorata”), como
decidiu a sentença a quo, pelo que deve ser revogada (cfr. III.I. B));
Y) Acresce que, ao contrário do que decidiu a sentença a quo em caso algum esse
mesmo facto - realização a partir do 4.º trimestre de 2004 de operações nas
quais indevidamente não foi liquidado IVA - poderia afectar a dedução praticada
no período desde 2002 até ao último trimestre de 2004, em que foi sempre
liquidado IVA em todas as operações activas da Recorrente, pelo que também
por essa razão se impunha a anulação dos actos de liquidação de IVA
estruturados a título de pretenso excesso de dedução nesse período;
Z) Finalmente, a sentença recorrida não considerou ou apreciou acriticamente a
prova documental, da qual resulta não ter havido incumprimento das normas
fiscais materiais, designadamente as que regulam o direito à dedução do IVA,
por parte da Recorrente, prescindindo o Tribunal a quo da culpa como
pressuposto da responsabilidade por juros compensatórios em violação do
disposto nos artigos 89.º do Código do IVA, 35.º e 59.º, n.º 2 e 35.º da Lei Geral
Tributária.
Termos em que a sentença recorrida merece inteira censura na parte em
que decidiu não anular os actos de liquidação de IVA e juros
compensatórios em crise no presente recurso, devendo em consequência V.
Exas.
dignarem-se
proceder,
concedendo
provimento
ao
recurso
jurisdicional, nos termos que se seguem:
a)
revogar a sentença a quo e anular totalmente os actos de
liquidação de imposto e de juros compensatórios impugnados, pelos apontados vícios de
violação de lei, designadamente o disposto nos artigos 12.º, 19.º e 23.º do Código do IVA e
correspondente normativos da Sexta Directiva do IVA, por erro nos respectivos
pressupostos de facto e de direito ou ainda por errónea quantificação da matéria colectável
decorrente da aplicação de uma fórmula de dedução inaplicável, tudo nos termos supra
mencionados e nos demais de direito que V. Exas. entendam convenientes;
b)
ordenar que a Administração tributária restitua à ora Recorrente
o imposto e os juros compensatórios que indevidamente pagou, acrescido dos juros
indemnizatórios contados desde a data do pagamento indevido até à emissão da respectiva
nota de crédito, com todas as consequências legais.
Ou, no caso assim não ser desde logo entendido e a título subsidiário,
requer-se a V. Exas. a suspensão da instância e o reenvio ao TJUE das
questões prejudiciais de interpretação do direito da U.E. acima sugeridas
sobre a compatibilidade do artigo 12.º n.º 2 do Código do IVA com a Sexta
Directiva, designadamente as disposições conjugadas dos artigos 13.º A) e
6
28.º 3 c) e 17.º, n.º 2, assim como com os princípios da proporcionalidade
da neutralidade e os objectivos do sistema comum do IVA, se interpretado e
aplicado no sentido de que o formalismo prescrito na citada norma de direito
interno deve prevalecer em qualquer caso sobre a substância das
operações efectivamente realizadas e o comportamento do sujeito passivo,
que materialmente confirmou tal opção ab initio.
Só assim decidindo, será respeitado o DIREITO e farão V. Exas. JUSTIÇA. »
*
Não há registo da apresentação de contra-alegações.
*
A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que o recurso
deve improceder e manter-se o julgado.
*
Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se exarado, na sentença: «
MATÉRIA DE FACTO
Com interesse para a decisão, fixo a seguinte matéria de facto:
1. A impugnante tem como objecto social a realização, a título principal, das
actividades de medicina estética, cirurgia estética, plástica e reparadora, assim
como nutrição, dietética e odontologia; exploração de centros relacionados com
tais actividades ou, inclusivamente, a exploração de centros hospitalares, com
todo o tipo de serviços médicos e cirúrgicos; exploração de laboratórios clínicos;
fabricação, comercialização e venda de todo o tipo de próteses; comercialização
e venda de produtos cosméticos, encontrando-se enquadrada para efeitos de
IVA, no regime normal, de periodicidade trimestral nos exercícios de 2002 a
2004 e mensal a partir de 01/01/2005;
2. Foi sujeita a uma acção de inspecção externa abrangendo, nomeadamente, o
IVA e o IRC e incidente sobre os anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e Janeiro a
Junho/2006, que culminou com o relatório de 08/11/2006, que constitui fls.
94/131 e damos aqui por integralmente reproduzido, bem como os anexos que
o integram, face à sua extensão;
3. Consta daquele relatório, textual, expressa e, designadamente, o seguinte:
«III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES
MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
IVA
7
As correcções em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado propostas em
resultado da presente acção inspectiva, adiante melhor especificadas, surgem
em três vertentes:
a) dedução excessiva de IVA, resultante do errado enquadramento, a qual se
consubstancia em
- Exercícios de 2002 a 2005:
- não aplicação do PRO-RATA, obrigatório por força do nº 1 do artº 23º do
CIVA, nem do critério da “afectação real”, conforme declarado pelo contribuinte
na Declaração de Início de Actividade, o que se traduziu na dedução do imposto
na totalidade.
- Exercício de 2006:
- aplicação de um PRO-RATA de 92%, percentagem esta obtida com base nas
prestações de serviços consideradas isentas pelo contribuinte em 2005 (apenas
os serviços de odontologia), tendo os serviços isentos nesse ano um âmbito
mais extenso, motivo pelo qual a percentagem de dedução permitida é inferior à
praticada.
b)…….
c) falta de liquidação de IVA (e correspondente dedução) na factura nº ....., de
10/05/2005, da C.......... de Espanha, relativas à aquisição de imobilizado, as
quais constituem aquisições intracomunitárias de bens, o que constitui infracção
ao disposto no artº 1º nº 1 alínea c) do CIVA e artº 1º alínea a), do RITI,
aprovado pelo DL 290/92, de 28 de Dezembro,
Deste modo, as correcções propostas são as que a seguir se indicam e
fundamentam:
(…)
1.1.2.Versão Final
(…)
Concluiu-se, pois, que o contribuinte se enquadra no artº 9º nº 2 do CIVA.
Como tal, o enquadramento da sua actividade é o de sujeito passivo misto, que
pratica operações:
- isentas de IVA (serviços médicos e cirúrgicos, facturados pela empresa aos
clientes independentemente do local da prática das operações e do vínculo dos
profissionais à empresa) - artº 9º nº 2 do CIVA
- sujeitas a taxa reduzida (produtos incluídos na lista I - verba 2.5)
- sujeitas a taxa normal (serviços de estética e beleza).
Assim, para efeitos de dedutibilidade do imposto, deverá ser-lhe aplicada a
disciplina constante do artº 23º do CIVA - PRO-RATA, calculado em função da
8
percentagem de facturação isenta, tal como acabou de ser definida,
relativamente à facturação total emitida.
É de referir novamente o comportamento adoptado pelo s.p. quanto à renúncia
à isenção, em que liquidou 5% sobre a grande maioria das prestações de
serviços (excepto estética, em que usou a taxa normal, e odontologia (isenta) a
partir do 4º trimestre de 2004) e em que deduziu a totalidade do imposto até
final de 2005, e aplicou um PRO-RATA de 92% em 2006, do qual ficaram
excluídas as aquisições intracomunitárias de bens e serviços, em que a
dedução foi total.
Não se compreende a aplicação deste PRO-RATA de 92%, uma vez que o
mesmo se comportou como se tivesse renunciado à isenção, devendo, então, a
renúncia ser aplicada à globalidade das operações, e não manter como isentos
os serviços de odontologia (iniciados no 4º trimestre de 2004).
Como corolário, concluiu-se que, de facto, o contribuinte não efectuou qualquer
renúncia à isenção de IVA, pois, não só não detectámos nenhuma Declaração
de Alterações em que se prove o exercício desse direito (…), como o próprio
contribuinte, quando notificado para o efeito, não apresentou qualquer
documento comprovativo dessa opção (…).
Nestas circunstâncias, sendo o contribuinte um s.p. misto e não tendo
efectuado a renúncia à isenção, confirma-se a necessidade de aplicação do
PRO-RATA, nos termos do artº 23º, para efeitos do cálculo do imposto com
direito a dedução e das correcções que se mostram necessárias, face ao
imposto efectivamente deduzido.
Refira-se que, sobre os serviços considerados isentos, nos termos do artº 9º nº
2, o contribuinte liquidou IVA à taxa de 5%, o qual, apesar de indevidamente
liquidado, é devido, nos termos do artº 2º nº 1 alínea c), e artº 26º nº 2, ambos
do CIVA.
1.2. Correcções - Cálculos
As correcções proposta e que se descrevem de seguida, resultam da análise
efectuada à facturação da empresa, a qual nos foi integralmente fornecida em
suporte informático (…)
1.2.1. Determinação dos serviços a 5%
Conforme já referido, foi efectuada liquidação de IVA à taxa de 5% sobre a
generalidade da facturação, procedimento que consideramos incorrecto, devido
à inexistência de renúncia à isenção de IVA. Porém, analisados os itens
facturados, constatou-se que alguns dos produtos se enquadram na verba 2.5
da Lista I anexa ao CIVA, sendo, para esses casos, correcta a aplicação da taxa
de 5%.
9
Efectuou-se um expurgo desses produtos (bodies, bandas, cintas, coletes,
ligaduras, próteses, soutiens, calções) (…).
1.2.2. Determinação do PRO-RATA
Determinados os montantes de facturação sujeitos à taxa de 5% de IVA, e
aceites os montantes de facturação sujeita à taxa normal declarados pelo
contribuinte, resulta que toda a restante facturação é isenta nos termos do artº
9º nº 2 do CIVA.
(…)
Refira-se que, relativamente aos montantes de facturação total (…), tomou-se
por base os valores das Declarações Periódicas de IVA (…).
Foram, assim, apuradas as seguintes percentagens de PRO-RATA:
2002: 17%
2003: 18%
2004: 21%
2005: 20%
2006: 20% (provisório)
1.2.3. Apuramento das Correcções
Segue-se a aplicação destas percentagens às deduções efectivamente
praticadas pelo contribuinte, conforme Declarações Periódicas, as quais, como
já foi referido, foram efectuadas pela totalidade do imposto incidente sobre
inputs até final de 2005
Assim, nos quadros das págs. 26 e 26 apresentam-se os cálculos para
apuramento do imposto cuja dedução é permitida, em função da aplicação do
PRO-RATA, para os exercícios de 2002 a 2005, bem como os montantes
deduzidos indevidamente, que serão objecto de correcção.
Relativamente a 2006, em que foi deduzido 92% do IVA nas aquisições no
mercado nacional e 100% nas aquisições intracomunitárias, o procedimento foi
(…)
(…)
FALTA DE LIQUIDAÇÃO (e correspondente dedução em AICB)
Na factura nº ......, da C.......... de Espanha, relativa à aquisição de imobilizado,
o contribuinte não efectuou a necessária liquidação de IVA, assim como a
correspondente dedução (…), operações devidas por se tratar de aquisições
intracomunitárias de bens, o que constitui infracção ao disposto no artº 1º nº 1
alínea c) do CIVA e artº 1º alínea a) do RITI, aprovado pelo DL nº 290/92, de 28
de Dezembro.
Assim, o montante do IVA em falta é o seguinte:
Valor da factura: 96.120,00
10
IVA não liquidado (19%): 18.262,80
IVA não deduzido - PRO-RATA 20%: 3.652,56
Total a corrigir: 14.610,24».
4. Em sequência, foram propostas correcções no montante total de € 1.913.647,75
referenciadas a períodos de tributação de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, entre
outras, correspondendo € 1.898.762,15 a deduções indevidas nos termos do
artº 23º, do CIVA e € 18.262,80 por falta de liquidação do imposto, nos termos
do artº 1º nº 1 alínea c) do CIVA e 1º alínea a), do RITI, a que foi subtraído o
montante de € 3.652,56 de imposto não deduzido - PRORATA 20% - vd. mapa
a fls. 126 e “mapas resumo das correcções resultantes da acção inspectiva”, a
fls. 95/101, todas do apenso administrativo;
5. Aquelas correcções originaram as liquidações adicionais de IVA e Juros
Compensatórios que constituem fls. 126 a 185 do apenso de reclamação
graciosa, todas com data limite de pagamento em 31/01/2007 e referenciadas a
períodos de tributação compreendido entre Janeiro/2002 e Junho/2006;
6. A impugnante deduziu reclamação graciosa das liquidações em 03/05/2007 (fls.
4 do apenso);
7. A presente impugnação judicial foi remetida ao Tribunal Tributário por correio
registado em 31/01/2008 (vd. talão de registo postal, fls. 170/172), onde deu
entrada em 04/02/2008, conforme carimbo aposto na petição inicial;
8. Na data de apresentação da impugnação judicial, nenhuma decisão expressa
recaíra sobre a reclamação graciosa.
Factos não provados: Com interesse para a decisão a proferir, nada mais se provou
de relevante.
Motivação: Assenta a convicção do tribunal no conjunto da prova dos autos e
apensos, administrativo e de reclamação graciosa, com destaque para a assinalada.
»
*
O inicial (e prioritário) núcleo de questões despoletadas, pela Recorrente/Rte,
dirigem-se e envolvem o julgamento factual acabado de reproduzir, sustentando, em
resumo, haver necessidade de, aos factos julgados provados, serem acrescidos os que são
mencionados nas conclusões D) a K).
Desde logo, por suportados em documentação oficial, disponível no processo, não
oferece dificuldade o reconhecimento de factos que integram o conteúdo das conclusões
D) e K).
Quando, perscrutadas as conclusões G) a J), com o complemento da
correspondente alegação - cfr. fls. 235, imediatamente, emerge a constatação de, em
11
alguma medida, se pretender inscrever, como factualidade, meros juízos de valor,
afirmações conclusivas, referentes a determinada conduta que terá sido assumida pela
impugnante, o que, óbvia e legalmente, é inviável, porquanto, “factos”, para efeitos de
fixação da base instrutória 1 de uma qualquer causa, demanda, judicial, são, sinteticamente,
as “ocorrências concretas da vida real, bem como o estado, a qualidade ou situação real
das pessoas ou das coisas”, englobando “não apenas os acontecimentos do mundo
exterior, mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional
do indivíduo” 2.
Dito isto, com eventual interesse para a decisão do mérito desta causa, importa
aferir se se pode dar por comprovado que a impugnante liquidou IVA em todas as suas
operações ativas, fazendo-o constar das competentes facturas, circunstancialismo que,
segundo a Rte, é mencionado no relatório de inspeção tributária; sua pág. 19 3. Estando em
causa pronunciamento/informação prestada por serviço de inspeção tributária, cujo valor
probatório se mostra estabelecido, conformado, pelo art. 76.º n.º 1 LGT, em vez da
conclusão proposta pela Rte, é seguro e consciencioso, adiante, reproduzir o
correspondente conteúdo do respectivo relatório inspetivo.
Com respeito à conclusão I) (e motivação do ponto iii) de fls. 235), cumpre registar
que a impugnante, no exercício de direito de audição, anterior à emissão do relatório
definitivo do procedimento de inspeção, entre o mais, fez menção: “…: liquidou IVA nos
serviços prestados, que entrou nos cofres do Estado, e procedeu ao apuramento dos
valores de IVA dedutível nessa conformidade.”. Ora, como é possível conferir, no ponto, do
relatório final, com a epígrafe V. DIREITO DE AUDIÇÃO, o argumento em apreço foi,
explicitamente, considerado e valorado
4
, sem, contudo, merecer acolhimento pela
administração tributária/at, pelo que, não se encontra qualquer interesse no aditamento
deste circunstancialismo à factualidade provada.
Em sintonia com estes considerandos, presente, ainda, o disposto no art. 712.º n.º
1 al. a) CPC, aos factos fixados como provados na sentença, aditam-se os seguintes
(seguindo a respectiva numeração):
9. Em 29.12.2000, a impugnante entregou, no Serviço de Finanças Lisboa 10,
declaração de início de atividade, em que, entre outros, preencheu, no seu
quadro 11, os campos 1 e 2, respeitantes, respectivamente, a: “Transmissões
de bens e ou prestações de serviços que conferem o direito à dedução” e
“Transmissões de bens e ou prestações de serviços isentas que não conferem o
direito à dedução” - cfr. documentação de fls. 206 segs. PA.
1
No caso do processo judicial tributário, corresponde, no presente, à discriminação entre a matéria de facto provada
e a não provada, exigida pelo n.º 2 do art. 123.º CPPT.
2
Cfr. Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, pág. 406 segs.
3
Alínea ii) de fls. 235 e conclusão H).
4
Cfr. fls. 128/129 PA/Processo Administrativo.
12
10. Nesse mesmo quadro 11, preencheu, ainda, os campos 3 e 5, declarando ir
efetuar a dedução do imposto suportado segundo a afectação real (art. 23.º n.º
2), relativamente, a todos os bens e serviços utilizados - idem.
11. Quanto à declaração em apreço, verifica-se não ter sido preenchido qualquer
dos campos do respectivo quadro 13, nomeadamente, o referente à
possibilidade de pretender exercer o direito à opção, pela renúncia à isenção,
prevista no art. 12.º n.ºs 1 e 2 CIVA - idem.
12. Em 27.4.2007, a impugnante consumou a entrega de declaração de alterações,
onde procedeu ao preenchimento do campo 1 do quadro 13, com renúncia à
isenção e opção pelo regime normal, mais, tendo feito constar do quadro 40 a
seguinte observação: «Reafirma-se no pedido formal de renúncia à isenção que
já vem sendo aplicada desde o exercício de 2002» - cfr. documentação de fls.
370 segs..
13. Além do conteúdo transcrito, supra, no ponto 3. da matéria de facto fixada na
sentença, do relatório de inspeção consta a seguinte passagem: «(…). Ora, …,
o contribuinte comportou-se como tendo renunciado à isenção, embora não o
tivesse feito, e não só deduziu a totalidade do imposto, como liquidou IVA em
todos os proveitos facturados (com excepção da odontologia, que surgiu a partir
do 4º trimestre de 2004), tendo aplicado a taxa de 5% sobre a grande maioria
das prestações de serviços e taxa normal apenas aos serviços da estética e
beleza, os quais têm pouca representatividade» - cfr. fls. 19 do relatório
inspetivo.
14. Nas declarações periódicas, de todos os trimestres de 2000 e até ao 3.º
trimestre de 2004, a impugnante/sujeito passivo declarou operações ativas
(vendas e prestações de serviços) a maioria tributadas à taxa reduzida e
nenhuma operação sem direito a dedução, enquanto, nas declarações
periódicas, do 4.º trimestre de 2004, inclusive, e seguintes, passou a declarar
operações ativas à taxa reduzida, à taxa normal e operações isentas que não
conferem o direito a dedução referentes a serviços médicos de odontologia, no
campo 9 de cada declaração - pontos 12.2.e 12.3 da informação de fls. 94 segs.
***
Estabilizado o enquadramento factual, temos de volver atenções para os aspectos
jurídicos da lide, quanto aos quais a Rte aponta errado julgamento, em 1.ª instância,
consubstanciado, sobretudo, na violação do disposto nos arts. 12.º, 19.º e 23.º CIVA.
Antes, para clarificar e perceber o que está em discussão, cumpre registar terem os
serviços da at, no seguimento do apurado em ação inspetiva, corrigido, através da aplicação
13
do método da percentagem de dedução, vulgo, pro rata 5, a dedução de IVA, efetuada pela
impugnante, no período de janeiro de 2002 a junho de 2006, do que resultou o apuramento
de imposto deduzido em excesso, no valor de € 1.898.762,15. Esta correção suportou-se no
entendimento de que a impugnante não podia ter deduzido IVA incidente sobre bens e
serviços adquiridos para o exercício de operações suas por natureza isentas, dada a
ausência de prévio exercício do direito de opção de renúncia à isenção em apreço. Por
outras palavras, prestando a impugnante, nos seus estabelecimentos (“unidades privadas
de saúde”), além de outros, serviços médicos e sanitários, isentos do imposto, nos termos
do art. 9.º 2) CIVA, para que pudesse deduzir o IVA referente a bens e serviços adquiridos
para o exercício dessa parcela do seu objeto social, impunha--se ter renunciado à isenção e
optado pela aplicação do IVA a esses serviços, em sintonia com o estatuído no art. 12.º n.º
1 al. b) e n.º 2 CIVA.
O primeiro e nuclear motivo de crítica avançado pela Rte - cfr. conclusões L) a N),
reconduz-se à ideia de que, embora a impugnante não tenha cumprido, atempadamente, na
declaração de início de atividade, o formalismo relativo à opção pela renúncia da isenção de
IVA, aplicável aos serviços médicos e sanitários a prestar, na prática, em concreto, sempre
atuou como tendo renunciado à identificada isenção do imposto, que liquidou e fez constar
das facturas emitidas, respeitantes às suas vendas/prestações de serviços. Na expressão
da própria Rte, no caso destes autos, “deve prevalecer a substância sobre a forma”.
Como dá apontamento Clotilde Celorico Palma
6
, no IVA, considerando a
7
possibilidade do exercício do direito à dedução , encontramos duas modalidades de
isenções; por um lado, as completas, totais, plenas ou que conferem o exercício do direito à
dedução do IVA suportado e, por outro, as isenções incompletas, simples, parciais, entre as
quais se encontram todas as do art. 9.º CIVA, onde o sujeito passivo beneficiário não
liquida imposto nas suas operações ativas e não tem o direito a deduzir o IVA suportado
para a respectiva realização. Ora, na medida em que esta dual impossibilidade,
nomeadamente no que concerne à dedução do imposto pago para que se possa efetivar a
atividade, pode resultar deveras penalizante, prejudicial, para o agente económico, a lei (art.
12.º CIVA), em moldes nitidamente excecionais e para situações específicas, faculta o
direito à renúncia à isenção; esta concedida de forma automática, unicamente, por efeito do
sujeito passivo exercer alguma das atividades, taxativamente, inscritas nos diversos
números daquele art. 9.º.
5
No pressuposto de que a impugnante exercia uma atividade mista, praticando operações tributáveis (serviços de
estética e beleza, venda de bens/aparelhos medicinais/ortopédicos) e operações isentas que não conferem direito a deduzir
IVA (serviços médicos e cirúrgicos).
6
Introdução ao Imposto Sobre o Valor Acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º I - 2.ª Edição, Almedina, pág. 122 segs.
7
Este direito consubstancia uma das principais características do IVA, íntima e intrinsecamente, ligado ao chamado
“método subtractivo indirecto, das facturas, do crédito de imposto ou sistema dos pagamentos fraccionados”, pelo qual se
assegura e concretiza a incidência do imposto sobre todas as fases do processo produtivo.
14
Presente esta explicitação doutrinal sobre as características das isenções do IVA,
nas operações internas, positivadas no art. 9.º CIVA, não se olvidando a qualidade de
isenções automáticas, cuja aplicação o sujeito passivo não tem de solicitar, nem carecem
de um ato de reconhecimento por parte da at, sendo, também, certo que, regra geral, é
impossível renunciar às mesmas, com a ressalva legal de contados casos, julgamos
insustentável entender que reveste a natureza de mero “formalismo declarativo”, o facto de
a lei, explicitamente, impor, para se renunciar à isenção e exercer o direito de opção pela
aplicação do imposto às operações do sujeito passivo renunciante, a entrega, em serviços
da at ou outros devida e legalmente autorizados, de certo e determinado tipo de declaração.
Face à extrema importância, delicadeza, que o direito à dedução do IVA encerra,
traduzindo, mesmo, uma das principais características do mecanismo essencial de
funcionamento do tributo, assente, no supra identificado, método subtrativo indireto, somos
obrigados a reputar a imposição de ser comunicada a opção, expressa, do sujeito passivo,
de serem tributadas as suas operações, em princípio, isentas, como condicionante para que
a renúncia possa ser conhecida e reconhecida pelos competentes serviços da at. Ademais,
só tratando-se de uma condição, a exigida entrega de declaração comprova que foi exercido
o direito de opção e permite estabelecer o período de permanência obrigatória no regime de
tributação escolhido - art. 12.º n.º 3 CIVA.
Concluindo, na esteira do Ac. STA de 30.6.1999, rec. 20.940, entendemos que a
renúncia à isenção, possibilitada pelo art. 12.º n.º 1 CIVA, em circunstância alguma é
susceptível de ser presumida, pelo que, se o sujeito passivo não apresenta
pedido/declaração de renúncia, tem de ser considerado submetido ao regime de isenção,
por, originariamente, o seu próprio.
Não obstante o entendimento, acabado de expressar, exibir suficientes razões para,
sem mais, rejeitar o argumento, da Rte, em apreço, porque foi aditada, por este tribunal de
recurso, matéria de facto com potencial relevo para a decisão do mérito, justifica-se
aquilatar da possibilidade de a sua motivação encerrar algum significado no sentido do
veredicto a emitir. Fundamentalmente, importa determinar se a impugnante, não tendo, pela
forma prevista na lei, renunciado à isenção de IVA, que cobria grande parte dos serviços
prestados, na prática, agiu como se o tivesse feito, ou seja, se aplicou, exerceu, a omitida
renúncia desde o início do ano de 2002, mediante a liquidação de imposto em todas as suas
operações ativas.
Sendo certo, como realça e enfatiza a Rte, patentear o relatório da inspeção a
circunstância de a impugnante, no período inspecionado, haver liquidado imposto em todos
os proveitos facturados, com exceção dos serviços de odontologia, a partir do 4.º trimestre
de 2004, atuação traduzida nas competentes declarações periódicas - ponto 14. dos
factos provados, também, verificaram e apontaram, os funcionários da at, que, para a
quase generalidade das prestações de serviços, o IVA havia sido facturado à taxa reduzida
15
em vez de, como devido, à taxa normal. Por outro lado, sem prejuízo de a referência feita no
relatório mencionar “todos os proveitos facturados”, não se pode esquecer que, no último
trimestre de 2004, ano de 2005 e 1.º semestre de 2006, a impugnante facturou, sem liquidar
IVA, valores elevados, correspondentes a prestações, isentas, de serviços de odontologia,
tendo, no mesmo período temporal, contudo, apesar de não liquidar e entregar imposto, de
parte significativa da sua atividade, continuado a deduzir a totalidade do IVA suportado.
Posto isto, apresenta-se-nos inviável acolher o argumento da Rte, no sentido de
que, em substância, adoptou e exerceu atitude correspondente à renúncia do direito à
isenção. Como decorre, sobretudo, do mencionado nas declarações periódicas, a
impugnante, nos anos de 2000 a 2004 (3.º trimestre), registou “nenhuma operação sem
direito a dedução”, pelo que, o facto de, nesses anos, ter liquidado IVA nas suas operações
ativas, se mostra inócuo para efeitos de comprovar uma vontade inequívoca, impressiva, de
renunciar a aplicável isenção do imposto. Ora, a partir do 4.º trimestre de 2004, quando
passou a incluir, nas declarações, operações isentas, não conferentes de direito a dedução,
a impugnante optou por, para estes serviços, não liquidar IVA, atitude antagónica e
incompatível com a propalada renúncia à isenção. Doutro modo, quando o exercício da sua
atividade comercial, por envolver a prestação de serviços, objetiva e obrigatoriamente,
isenta de IVA, pressupunha a inexistência de quaisquer serviços sem liquidação de imposto,
para, ainda que de forma indireta, se poder descortinar um propósito de, na prática, não
aceitar o funcionamento automático da isenção, a impugnante adoptou comportamento
contrário ao de renúncia, isto é, nunca liquidou e entregou IVA, relativo a tais operações
isentas.
Em suma, além de, seguramente, não ter cumprido o estatuído no art. 12.º n.º 1 al.
b) e n.º 2 CIVA, condição para que pudesse não ficar sujeita ao regime de isenção, quanto
a parte da sua atuação, a impugnante assumiu comportamento inadequado, incapaz de
possibilitar a afirmação, conscienciosa, de ter agido como “sujeito passivo integral”, durante
todo o tempo, compreendido entre janeiro de 2000 e junho de 2006.
Dirimido o principal e mais abrangente motivo de censura à sentença recorrida,
impõe-se, por conexa, desde já, avaliar da proposta de suspensão desta instância e
reenvio, a título prejudicial, da questão inscrita na conclusão O) e no pedido subsidiário
deste apelo.
O art. 267.º do, atual, Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia/TFUE
(ex-artigo 234.º TCE) aponta ser o Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE competente
para decidir, a título prejudicial, sobre, além da interpretação dos Tratados, a validade e a
interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União,
estabelecendo, como regras: «
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão
jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão
16
sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela
se pronuncie.
Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente
perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam susceptíveis de recurso
judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.
»
Antes de nos debruçarmos sobre a concreta pretensão da Rte, cumpre, ainda, fazer
menção da reiterada jurisprudência, produzida pelo TJUE (ex-TJCE), no sentido da
afirmação de três exceções à obrigação de reenvio: falta de pertinência, irrelevância da
questão despoletada, no processo, para a decisão da causa, existência de interpretação já
anteriormente fornecida pelo TJCE e total clareza da norma disputada (“teoria do ato claro”).
No presente processo impugnatório, a Rte defende que a interpretação do art. 12.º
CIVA, assumida pelos serviços da at e aconchegada pela sentença recorrida, é
incompatível com, entre outros, o art. 28.º n.º 3 al. c) da Diretiva 77/388/CEE, do
Conselho, de 17.5.1977 (Sexta Diretiva) 8.
Como é possível retirar, com segurança, da argumentação coligida pela Rte, a
apontada incompatibilidade pressupõe que a impugnante, na qualidade de sujeito passivo,
não tendo declarado a opção pela tributação das suas operações isentas, na prática,
procedeu como se tal tivesse ocorrido, liquidando e fazendo constar IVA de todas as suas
facturas. Ora, acabámos de concluir ter esta assumido comportamento inadequado, incapaz
de possibilitar a afirmação, conscienciosa, de ter agido como “sujeito passivo integral”,
durante todo o tempo, compreendido entre janeiro de 2000 e junho de 2006, pelo que,
desde logo, não se mostra preenchido o pressuposto sustentador da questão pretendida
submeter à jurisdição do TJUE.
Termos em que concluímos encontrar-se o direito comunitário, no que tange à
coligida Diretiva, aplicado corretamente pelo art. 12.º n.º 1 (e n.º 2) CIVA, não persistindo
qualquer dúvida razoável no sentido da pronúncia deste tribunal, pelo que, em
conformidade, se desatende e indefere o pedido de reenvio prejudicial em apreço.
A solução conferida ao aspecto, imediatamente, supra, induz a resposta aos
motivos de discordância patenteados pelas conclusões P) a S), em particular, quanto a
uma eventual violação ou desrespeito pela força do direito comunitário.
O art. 12.º n.º 1 CIVA, de forma explícita e objetiva, como preconizado pelo art. 28.º
n.º 3 c) da Sexta Diretiva, concede, a determinados sujeitos passivos, a faculdade,
possibilidade, de, renunciando à isenção, poderem optar pela aplicação do IVA às suas
operações, originariamente, isentas. Deste modo, não se vislumbra onde possa residir
violação do princípio do primado do direito comunitário e inerente inconstitucionalidade, uma
8
«Durante o período transitório a que se refere o n.º 4, os Estados-membros podem: c) Conceder aos sujeitos
passivos a faculdade de optarem pela tributação das operações isentas, nas condições fixadas no Anexo G;»
17
vez que o normativo nacional transpôs a imposição internacional, relativa, apenas, à opção
pela tributação em lugar da isenção; alguns sujeitos passivos, a atuar em Portugal,
beneficiam de escolha entre a tributação ou não de certas operações.
Realidade próxima prende-se com a exigência, feita pelo n.º 2 do mesmo art. 12.º,
de o exercício do direito de opção, previsto no n.º 1, obedecer a estrito, específico,
formalismo declarativo.
Em primeira linha, da, simples, leitura do normativo, resulta claro não se estar na
presença de qualquer eliminação do direito de dedução, enquanto elemento central de
funcionamento do IVA. Obviamente, se o sujeito passivo exercer, pela forma instituída, a
opção para que sejam tributadas operações, suas, isentas e que não dão direito a deduzir o
IVA suportado para a respectiva realização, ficam reunidas condições para poder agir como
um sujeito passivo integral, deduzindo, na plenitude, o imposto pago. Por outro lado, de
forma alguma decorre do versado 28.º n.º 3 c) da Sexta Diretiva a proibição, para os
sistemas jurídicos nacionais, de sujeitarem a faculdade de opção pela tributação das
operações isentas ao cumprimento de condições, requisitos, por parte dos interessados
beneficiários. Aliás, são vários os exemplos de formalidades, designadamente, de cariz
declarativo, impostas aos sujeitos abrangidos pela incidência do IVA, sem que se cogite
qualquer violação do direito comunitário pertinente.
Assim, para concluir, a obrigatoriedade de o versado direito de opção ser exercido
através da entrega de uma declaração, não se nos afigura contrária ao regime e espírito da
Sexta Diretiva, justificativo para que tenha sido imposta, desde o início, pelo DL. 394-B/84
de 26.12. (diploma aprovador do CIVA), imposição que a redação conferida, ao art. 12.º n.º
2 CIVA, pelo DL. 185/86 de 14.7., apenas, retocou, quanto ao tipo de declaração exigida,
sem, salvo o devido respeito, contender com princípios ou regras constitucionais.
A consideração do teor das conclusões T) a Y) e respectiva alegação, leva-nos a
identificar o apontamento, à sentença, de erro, decorrente do julgado violar o estatuído no
art. 23.º CIVA. Resumidamente, para a Rte, o sentido do veredicto da 1.ª instância não
considerou e valorou o facto de a impugnante, na declaração de início de atividade, haver
optado pelo método da afectação real, a coberto da possibilidade atribuída pelo n.º 2 do
citado art. 23.º.
Não existindo qualquer tipo de dúvida quanto à opção feita pela impugnante - ponto
10. dos factos provados, que, em princípio, lhe permitiria deduzir a totalidade do imposto
suportado na aquisição de bens e/ou serviços utilizados em atividades tributadas ou isentas
com direito a dedução (ficando excluídas as operações isentas sem direito a dedução, como
são todas as do art. 9.º CIVA) constataram (e mencionaram no relatório) os serviços de
fiscalização da at que aquela não tinha processado, contabilisticamente, os documentos por
forma a apurar o imposto dedutível segundo a escolhida via da afectação real. Por outras
palavras, apesar de ter comunicado, atempada e legalmente, o propósito de utilizar o
18
método da afectação real, a impugnante omitiu a assunção dos procedimentos
contabilísticos adequados e necessários para assegurar a exequibilidade prática da
metodologia escolhida, com vista à dedução do IVA, ou seja, além do mais, não organizou a
sua contabilidade em “centros de custos”, capazes de, pela inerente individualização,
facultarem a correta identificação e controlo das deduções respeitantes a cada uma das
atividades exercidas.
Como se não bastasse esta conduta de apontar um caminho que, na prática, o
próprio caminhante torna intransitável, há, ainda, a circunstância de o sujeito passivo,
declarante de escolha pelo método da afectação real, para o ano de 2006, ter procedido,
por sua exclusiva iniciativa, a dedução do IVA, mediante operância da metodologia da
percentagem de dedução (pro rata).
Por este conjunto de razões, somos levados a afirmar ser irrelevante,
inconsequente, no contexto da situação julganda, a declaração, da impugnante, aquando do
começo da atividade, no sentido de ir utilizar o método da afectação real, para deduzir o IVA
incorrido, pelo que, nenhuma crítica merece o, nesta conformidade, julgado no tribunal
recorrido. Resta acrescentar não detectarmos patente ilegalidade no cálculo do pro rata,
acionado pela at e acolhido na sentença, sendo certo que, a ter existido alguma
desconformidade com a realidade, foram apontados motivos para tal, decorrentes da
conduta irregular e incongruente do sujeito passivo.
A derradeira questão com que nos confrontamos diz respeito à exigência do
pagamento de juros compensatórios - conclusão Z).
Por força do preceituado nos arts. 35.° LGT e 89.° CIVA, constituem requisitos
essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de
um atraso na efetivação de uma liquidação desse imposto e a imputabilidade (culposa) do
atraso à atuação do contribuinte. Traduz entendimento jurisprudencial reiterado e pacífico
9
que a responsabilidade por juros compensatórios tem a natureza de uma reparação civil e,
por isso, depende do nexo de causalidade adequada entre o atraso na liquidação e a
atuação do contribuinte e da possibilidade de formular um juízo de censura à sua conduta (a
título de dolo ou negligência). Ou seja, depende da existência de culpa, a qual, como é
sabido, consiste na omissão reprovável de um dever de diligência, que é de aferir em
abstrato (face à diligência de um bom pai de família), tendo de ser apreciada segundo os
deveres gerais de diligência, aptidão, conhecimento e, mesmo, de perícia, de um bonus
pater famílias 10.
Deste modo, e apesar de a doutrina e a jurisprudência também sufragarem a tese
de que quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito
9
Neste sentido, v.g., Acs. STA de 16.2.2005, rec. 1006/04, de 12.7.2005, rec. 12649 e de 19.11.2008, rec. 325/08.
Cfr. Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, Vislis,
pág. 143 segs.
10
19
se deve fazer decorrer dessa conduta - por ilação lógica - a existência de culpa (não porque
a culpa se presuma, mas por ser algo que, em regra, se liga ao carácter ilícito-típico do facto
praticado) e que, por essa via, se deve partir do pressuposto de que existe culpa sempre
que a atuação do contribuinte integra a hipótese de qualquer infracção tributária, o certo é
que essa culpa pode e deve ser excluída quando se mostre, à luz das regras de experiência
e das provas obtidas, que o contribuinte atuou com a diligência normal no cumprimento das
suas obrigações fiscais.
E, por essa razão, a jurisprudência firmou-se no entendimento de que não são
devidos juros compensatórios quando o retardamento da liquidação ficou a dever-se, por
exemplo, a compreensível divergência de critérios entre a at e o contribuinte, quanto ao
enquadramento e/ou qualificação de determinada situação tributária (como, por exemplo, a
nível de custos fiscais) ou a erro desculpável do contribuinte.
Apesar de não o dizer explicitamente, percebe-se dos motivos invocados que o
julgador, em 1.ª instância, manteve a liquidação de juros compensatórios, dirigida à
impugnante, na consideração de que esta ao ter, por sua única e exclusiva
responsabilidade, promovido deduções excessivas, ilegítimas, de IVA, perpetrou ilegalidade,
transgressão tributária, da qual decorre a imprescindível culpa. Acresce, avaliada a crítica
produzida pela Rte, concluirmos assentar, a mesma, na tese de que a impugnante não
violou “normas fiscais materiais”, ou seja, atuou sempre como “sujeito passivo integral”, a
qual não logrou acolhimento neste areópago.
*******
III
Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal
Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao recurso.
*
Custas a cargo da recorrente.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 22 de maio de 2012
ANÍBAL FERRAZ
PEDRO VERGUEIRO
PEREIRA GAMEIRO
20
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Acórdão do TCASul - Base de Dados Jurídicos da DATAJURIS