A PROBLEMÁTICA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO
ESTADO E A OMISSÃO LEGISLATIVA: O DANO E AS SUAS
CONSEQUÊNCIAS IMEDIATAS NO DIREITO POSITIVO MOÇAMBICANO
E PORTUGUÊS
Virgílio Saúl Serra de Carvalho 1
Sumário: Introdução. CAPÍTULO I – Considerações Preliminares.1.Responsabilidade Civil.
2.Dano 3.Omissão Legislativa. CAPÍTULO II – O Dano e as suas Consequências no Sistema
Jurídico-Constitucional Português e Moçambicano.1.O Dano e a Responsabilização Civil por
omissão legislativa. 2.A Problemática do Dano na Jurisprudência Moçambicana. 2.1.O “Caso Paiol.
Conclusão.
Palavras-chave: Dano, Responsabilidade Civil, omissão legislativa, jurisprudência.
O Direito é um poder passivo ou pacificado pelo Estado e é sinónimo de
poder, pois sem esta participação e legitimação democrática, só resta a
violência, a descrença e a barbárie.
Hannah Arendt
Introdução
O tema a que nos propomos discutir tem que ver com A Problemática Jurídica Da
Responsabilidade Civil do Estado e a Omissão Legislativa: O Dano e as suas
Consequências Imediatas no Direito Positivo Moçambicano e Português.
A responsabilidade civil do Estado por actos danosos, consequentes da sua acção ou
omissão, tem sido um problema grave em muitos Estados, sendo esta uma questão que
perpassa o tempo. Os Estados, desde a antiguidade, sempre se depararam com este
1
Virgílio Saúl Serra de Carvalho, doutorando em Direito na Universidade Autónoma de Lisboa
(UAL); Mestre em Direito pelo Instituto Superior de Ciências e Tecnologia de Moçambique (ISCTEMMZ) coadjuvada pela Universidade Nova de Lisboa (UNL-PT); Docente a tempo inteiro na
Universidade São Tomás de Moçambique (USTM) desde 2008 nas disciplinas de Filosofia do Direito e
Direitos Humanos. Técnico Jurídico no Ministério da Justiça. À Deus. Aos meus queridos pais Raúl de
Carvalho e Fátima Serra de Carvalho, os quais tenho a maior dívida. Estendem-se os mesmos ao Prof.
Doutor Diogo Campos, douto homem, de sabedoria inefável, o qual me honra tê-Lo como eterno
Professor.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
tipo de situações. Com efeito, a moldagem dos Estados modernos para sistemas menos
viciados, como os sistemas democráticos veio assegurar e consagrar direitos
indispensáveis à pessoa humana, os chamados direitos fundamentais dos cidadãos,
intitulando-se, assim, o Estado de Direito que se responsabiliza pelos danos causados
aos cidadãos por culpa, risco ou até mesmo por negligência. Passa-se, assim, de uma
fase em que o Estado era irresponsável para uma nova fase, a da responsabilidade civil
eximindo-se por meio da Constituição, a anterior figura em que o Estado agia com a
máxima força, ou seja, eximindo-se a acção do Estado forte, igual à figura do Leviatã,
defendido por Thomas Hobbes. Proclama-se, uma nova era, a era dos direitos
fundamentais, e um novo princípio, o princípio democrático republicano.
Este trabalho visa fundamentalmente analisar, por intermédio da Constituição, do
Código Civil e da legislação o impacto da responsabilidade civil do Estado por
omissão legislativa-constitucional e desrespeito pelos direitos fundamentais. À este
último assunto consagraremos, no último ponto, do capítulo II, um caso que
acontecera em Moçambique, que reflecte a responsabilidade civil do Estado mormente
de actos causados a terceiros. Será responsabilidade por acto lícito ou ilícito, ou por
culpa senão mesmo por negligência? Essa análise consumou-se graças a visão de
alguns ordenamentos jurídicos que, em matéria de responsabilidade civil, encontramse num estádio mais avançado. É o caso do ordenamento jurídico português, francês
italiano, brasileiro, etc.
CAPÍTULO I - Considerações Preliminares
Sumário: 1. Responsabilidade Civil;
2. Dano;
3. Omissão Legislativa
1.Responsabilidade Civil
É impossível falar de responsabilidade civil sem fazer referência ao ente público, o
Estado. O Estado, como pessoa jurídica de direito público, é figura impar no
ordenamento jurídico. Por vivermos em um Estado democrático de direito e em face
do elenco de direitos que foram garantidos aos cidadãos com o advento da
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Constituição de 19762 e o de 19903, o Estado foi imbuído de uma série de obrigações
que não encontra comparação em nenhum outro ente jurídico.
Para que tenha condições de cumprir tais obrigações, o Estado foi dotado de uma
vasta série de “poderes-deveres”, como podemos observar em alguns doutrinários da
administração pública e do constitucionalismo. 4
Justamente por haver tantas distinções, a responsabilidade civil estatal, de igual
forma, difere do modelo de responsabilidade civil cabível a qualquer outro ente
jurídico. Desta forma, a análise da responsabilidade civil do Estado e sua extensão é
um objecto de estudo tão instigante, absolutamente necessário, e ainda muito longe de
apaziguamento.
Os serviços prestados pelo Estado, que visam à materialização dos direitos
positivados na Constituição, têm como destinatário, o cidadão. Exactamente, nesta
prestação de serviços é que se pode notar a incidência da responsabilidade civil do
Estado, uma vez que toda actividade, seja ela estatal ou privada, trás consigo uma
carga de risco inerente. Assim, a responsabilidade civil do Estado se estende cada vez
mais, nos mais diversos campos de actuação em que sua presença se faz necessária.
A nível do ordenamento jurídico moçambicano o Estado é tutelar de
responsabilidades civis de várias ordens relativamente aos direitos de personalidade 5,
quer seja político quer seja económico ou jurídico. O Código Civil Moçambicano no
art. 65.º ss., faz alusão aos direitos de personalidade os quais merecem
reconhecimento pelo ordenamento jurídico moçambicano.
2
A Constituição Portuguesa de 1976 significou um momento ímpar e marcante onde o legislador
constituinte proclama os direitos, liberdades, e garantias pessoais (vide arts. 24.º e ss. da Constituição da
República de Portugal).
3
O Estado Moçambicano, pela primeira vez intitula-se como Estado democrático e de Direito
apregoando os direitos básicos e garantias fundamentais (para melhor aprofundamento observe-se arts.
40.º e ss. da Constituição da República de Moçambique de 2004).
4
Neste diapasão importa referir que fundamentalmente as funções do Estado se cingem nas três
funções tradicionalmente defendidas por Montesquieu: função política, legislativa e a função
jurisdicional “…esta consiste na administração da justiça, que por sua vez compreende a defesa dos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, a dirimição de conflitos de interesses públicos
e privados e a repressão da violação da legalidade democrática.” (vide SOUSA, Marcelo Rebelo et
MATOS, André Salgado (2008) Direito Administrativo Geral, pp. 38-40).
5
“Os direitos da personalidade são, em princípio, “direitos subjectivos privados”, porque, respeitando
as pessoas, como simples seres humanos, se propõem a assegurar-lhes a satisfação do próprio ser, físico
e espiritual; são “direitos não patrimoniais, extrapatrimoniais, tipicamente pessoais, porque não visam
uma utilidade de ordem económica e financeira; são “direitos originários ou inatos”, porque se
adquirem, naturalmente, sem o concurso de formalidades externas; são “direitos absolutos ou de
exclusão”, visto que são oponíveis (…) intransmissíveis (…) irrenunciáveis”, porque não podem ser
desprezados ou destruídos (…); e são imprescritíveis, porque podem ser exercidos a qualquer tempo.”
(Cfr. CAMPOS, Diogo Leite et alii (2009) Pessoa Humana e Direito, pp. 7-8).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
É dentro deste panorama que se deve procurar entender a responsabilidade Civil
dentro de um quadro jurídico-constitucional assegurado pelo Estado de Direito, aliás,
como bem expressa GUILHERME MOREIRA: “a responsabilidade civil resulta da
própria natureza do direito subjectivo, que sendo um interesse tutelado pela lei
relativamente a todos os poderes que esta reconheça, é garantido contra qualquer
ofensa, tendo assim o tutelar do direito, quando este seja violado e haja dano
consequente, a faculdade de proceder contra o autor do dano que injustamente lhe foi
causado para que o restitua ao estado anterior à lesão...6”
Podemos afirmar que “responsabilidade civil consiste (…) na necessidade imposta
por lei a quem causa prejuízos a outrem de colocar o ofendido na situação em que
estaria, sem a lesão, seja mediante uma reconstituição natural, seja mediante uma
indemnização em dinheiro.”7 Por conseguinte, “…a responsabilidade civil configurase como fonte de uma obrigação, a obrigação de indemnizar, e é assim colocada no
Código Civil (arts. 483.º e 562.º), pois o que se passa é que o devedor, isto é, o agente
que incorreu em responsabilidade, deve reparar os danos causados, ainda que pagando
uma indemnização ao credor ou lesado.”8
2.Dano
Essa figura jurídica é ressaltada no âmbito do Direito civil, sendo responsabilidade
de todos, sem excepção, não causar danos a ninguém, quer seja intencionalmente ou
não, como observa o civilista GABA, citado por RUI GANGER: “todos nós temos o
dever de não causar dano a pessoa alguma, e não só intencionalmente, mas ainda
involuntariamente, isto é por culpa ou negligência…”9
Note-se que quando nos referimos a dano não nos atemos apenas no âmbito da
responsabilidade civil porque ele pode também ocorrer no âmbito criminal “…em que
aqui a lesão ou dano tem por fim reparar ou acautelar directa e imediatamente a
sociedade como lesada, nos seus sentimentos de segurança e confiança pública (…).
Pode haver responsabilidade civil sem responsabilidade criminal; responsabilidade
6
MOREIRA, Guilherme (1977) Estudo Sobre a Responsabilidade Civil, in Antologia do BFDUC, p.
116.
7
FONSECA, Guilherme et MIGUEL, Bettencourt da Câmara (2013) A Responsabilidade Civil dos
Poderes Públicos – A Responsabilidade do Legislador, do “Juiz” e da Administração Pública, A Acção
Contra o Estado, p. 17.
8
Ibidem.
9
Cfr. RANGEL, Manuel de Freitas (2006) A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade Civil
– Um Olhar sobre a Jurisprudência, p. 15.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
criminal sem responsabilidade civil; e responsabilidade civil conexa com
responsabilidade criminal.”10 Portanto, pelo sim ou pelo é sempre a sociedade que
sofre, em última instância, a lesão ou o dano.
Mesmo sendo cega, a Lei já prevê sanções, condicionando, à prior, a obrigação de
indemnizar à determinada prática de um acto não lícito. Assim, por achar justo obriga
ao lesador à indemnização quando, dum modo voluntário, causar dano a outrem. Com
efeito, para que se exija responsabilidade a alguém por danos causados a outrem é
necessários que este facto preencha todos os requisitos atinentes à responsabilidade
civil, existindo para o efeito, como afirma MARIO COSTA, o facto, a ilegalidade, a
impugnação do facto lesante, dano e nexo de causalidade entre o facto e o dano 11.
Não obstante, assegura ANTUNES VARELA que “não basta que o facto ilícito
praticado pelo agente seja considerado em abstracto, causa adequada do dano, para
que o mesmo agente seja obrigado a indemnizá-Lo: o facto além da causa adequada
tem de ser causa concreta do dano…”12
Sem descurar a teoria da responsabilidade civil apontados por ANUNTES
VARELA, entendemos nós que a problemática do dano deve, sem embargo, merecer
grande destaque sobre as demais figuras de responsabilidade civil, posto que esta
figura é simbiótico a qualquer sistema de responsabilidade civil, facto que, por
exemplo não acontece com as demais figuras. Com efeito, a responsabilidade
decorrente de factos ilícitos implica, necessariamente um dano 13
3.Omissão Legislativa
A temática atinente a omissão legislativa constitucional vem sendo, nos últimos
anos, alvo de muita discussão no âmbito doutrinal, principalmente, ante a ineficácia
dos seus instrumentos de controlo no sentido de implementar a aplicabilidade da
norma legal e constitucional. Com efeito, a omissão legislativa gera profunda
perplexidade no tecido social, sendo esta quotidianamente resolvida por via judicial.
É patente a importância desta problemática no âmbito jurídico, tanto no aspecto da
materialização legislativa e concretização da Constituição, considerando que a
10
Idem, p. 14.
Cfr. COSTA, Mário Júlio de Almeida (1999) Direito das Obrigações, p. 500.
12
Vide VARELA, Antunes in RLJ, n.º 104, p. 271. Refira-se que essa teoria, a teoria da causalidade
adequada, acaba sendo partilhada por muitos doutrinários.
13
A este despeito, veja-se o n.º 1, art. 483.º do CC Português e Moçambicano que, infelizmente, não
engloba também a responsabilidade pelo risco que, apesar de dispensar a culpa, mantêm o dano. Esses
traços serão detalhados, neste trabalho, mais abaixo. Não obstante, o legislador português, quanto a
responsabilidade pelo risco, em termos de legislação, já avançou ao criar uma Lei específica.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
11
situação de inércia gera a erosão da própria consciência constitucional, quanto ao
aspecto da realização dos direitos individuais eventualmente violados diante da apatia
de quem faz as leis. É, pois, neste último aspecto onde reside a discussão acerca da
responsabilidade do Estado pelos danos causados aos particulares em razão da
conduta omissiva constitucional.
Este relatório procura demonstrar a sistemática jurídica da omissão constitucional,
demonstrando sua importância, especificidades e repercussões no âmbito jurídico. Por
conseguinte, considerando os problemas reflectidos pela síndrome da inefectividade
das normas do direito constitucional, foi desenvolvido uma análise sistematizada
quanto a responsabilização do Estado perante a omissão legislativa constitucional,
colocando em relevo as posições atuais da doutrina e da jurisprudência sobre cada
tópico analisado.
Acerca da problematização da pesquisa, o presente estudo pretende responder a
seguinte questão: Existe responsabilidade civil do Estado perante a omissão legislativa
constitucional?
Sendo assim, este estudo tem por objectivo geral: verificar se há responsabilidade
civil do Estado perante a sua omissão legislativa constitucional. E como objectivos
específicos: Descrever as peculiaridades no tocante a omissão constitucional, bem
como sobre a responsabilidade do Estado perante esta omissão.
No entanto, “…o dano pode definir-se como a supressão de uma situação favorável
tutelada ou reconhecida pelo Direito.”14
CAPÍTULO II – O Dano e as suas Consequências no Sistema JurídicoConstitucional Português e Moçambicano
Sumário: 1. O Dano e a Responsabilidade Civil por Omissão legislativa;
2. A Problemática do Dano na Jurisprudência Moçambicana;
2.1. O “Caso Paiol”
1.O Dano e a Responsabilização Civil por omissão legislativa
O Estado tem desempenhado um papel importante na tutela dos direitos dos seus
concidadãos. Portanto, situações atinentes aos danos causados à particulares estão no
14
Vide FONSECA, Guilherme et MIGUEL, Bettencourt da Câmara (2013) Op. Cit., p. 21.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
cerne da responsabilidade civil15. Desde muito tempo, e dum modo significativo, a
questão da responsabilidade civil do Estado é debatida tendo em conta alguns períodos
em que o Estado não tinha quaisquer responsabilidades sobre os particulares no que
tange aos danos causados a terceiros, pois, a evolução “…fez-se de forma marcante e
rápida com a passagem de uma antiga fase de irresponsabilidade quase íntegra para
uma progressiva responsabilidade quase total.” 16
A responsabilidade civil, como antes afirmara, ganha o seu cunho em Estados não
despóticos mas sim democráticos, pois, “num Estado Democrático de Direito, a lei
tem a preocupação de regular não só os interesses individuais, como os colectivos,
impondo protecção às vítimas, que sofrem na sua esfera jurídica patrimonial e pessoal
(moral e ética) os actos cometidos por outrem que lesem os seus direitos, banindo o
favoritismo de que gozava o réu na antiguidade.” 17
A máquina administrativa estadual, a Administração Pública, tem nas suas
actividades, uma maior responsabilidade na salvaguarda dos direitos básicos dos
cidadãos, pois, “é neste momento que assume particular importância o instituto da
responsabilidade civil, especialmente vocacionado, sobretudo quando encarado da
perspectiva dos administradores face a actividades lesivas praticadas no âmbito da
Administração Pública, para a defesa dos direitos fundamentais dos cidadãos…” 18.
O Sistema Jurídico Português prevê a responsabilidade civil do Estado para com os
particulares, resultante de danos causados pelos seus agentes, no exercício das suas
funções, ou seja, que resulte violações dos direitos, liberdades e garantias ou até
mesmo prejuízos19, in verbis:
15
Notoriamente a responsabilidade civil vem plasmado, tanto no Código Civil Português e
Moçambicano, no art. 483.º, dispondo o número 1.º o seguinte:
“Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição
legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes
da violação.” E o número 2.º do mesmo artigo suaviza, pois, “só há obrigação de indemnizar
independentemente de culpa nos casos especificados na lei.” (No Direito Moçambicano não temos uma
Lei específica a assistir esse direito, como abaixo veremos).
16
RANGEL, Rui Manuel de Freitas (2006) A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade
Civil, Um Olhar sobre a Jurisprudência, p. 6.
17
Ibidem.
18
MONIZ, Ana Raquel Gonçalves (2003) Responsabilidade Civil Extracontratual Por Danos
Resultantes da Prestação de Cuidados de Saúde em Estabelecimentos Públicos: O Acesso à Justiça
Administrativa, p. 9.
19
“Destaque especial, neste contexto, é dado ao enquadramento constitucional da responsabilidade
civil do Estado e demais entidades públicas e, em especial, ao artigo 22.º da Constituição, assumindo no
texto como o epicentro normativo da responsabilidade civil dos poderes públicos.” (Cfr. FONSECA,
Guilherme da et CAMARA, Miguel Bettencourt da (2013) Op. Cit., p. 3).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
“O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma
solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou
omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que
resulte violações dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.”20
É de notar que a responsabilidade civil do Estado estende-se a todos os órgãos
estaduais realçando a obrigatoriedade dela ser observada também pelos funcionários
ou agentes que a pratiquem por actos evidentes ou omissos na sequência do seu
exercício. Saliente-se que que esses actos ou omissões podem resultar em violações
dos princípios básicos e fundamentais que atentam os direitos dos particulares. 21
Assim, o legislador constituinte português reserva um dispositivo legal específico para
tutelar os danos que o Estado, por meio dos seus órgãos, instituições e agentes pode
causar aos particulares22.
Na escalada do ápice constitucional, a Assembleia da República portuguesa aprova o
Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades
Públicas por intermédio da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, significando, assim, um
grande marco “…seja em relação à responsabilidade civil da Administração, seja no
que se refere à obrigação de indemnizar os danos resultantes do exercício da função
jurisdicional, seja, por fim, em matéria de responsabilidade pelo chamado ilícito
legislativo, incluindo a referência às dúvidas que suscita a regulamentação legal da
responsabilidade civil por omissão de medidas legislativas necessárias para tornar
exequíveis normas constitucionais.” 23 Com efeito, a existência deste diploma, a Lei
67/2007, que se ocupara, dum modo substantivo, da responsabilidade civil pública ou
da responsabilidade dos poderes públicos, significou um salto do direito privado para
o direito público consumado em pleno século XXI24.
A Lei n.º 67/2007, de 31 de dezembro sofreu alteração através da Lei n.º 31/2008, de
17 de Julho que revê o n.º 2.º do art. 7.º. A existência de legislação específica, em
matéria de responsabilidade civil do Estado não significou, in veritas, uma fuga
completa do direito privado, pois, alguns artigos da Lei 67/2007 ainda aparecem
20
Vide, art. 22.º da CRP.
Cfr. art. 562.º do Código Civil de Portugal.
22
Importa aludir que a Assembleia da República Portuguesa decreta, nos termos da alínea c) do artigo
161.º da Constituição, o Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais
Entidades Públicas, que se publica em anexo à presente lei e que dela faz parte integrante.
23
FONSECA, Guilherme et CAMARA, Miguel Bettencourt da (2013) Op. Cit., p. 3
24
Idem, 13.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
21
expressos na Lei 31/2008. São, portanto os artigos 3.º, 4.º, 5.º, 9.º e 10.º
nomeadamente.
O quadro jurídico-constitucional em Moçambique não é passivo dessa realidade
tendo o legislador constituinte integrado no texto fundamental a estatuição de um
artigo que responsabiliza, civilmente, o Estado por meio dos seus múltiplos agentes,
funcionário e órgãos quando estes, no exercício das suas funções, causem danos a
terceiros, senão vejamos: “O Estado é responsável pelos danos causados por actos
ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de
regresso nos termos da lei.” 25 E, nesta ordem de ideias, o direito à indemnização é um
direito de todos sem excepção, pois, “a todos é reconhecido o direito de exigir, nos
termos da lei, indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos
seus direitos fundamentais.” 26
Ao observar o n.º 2.º, do artigo 58.º da CRM podemos concluir que no actual
quadro constitucional é impossível responsabilizar o Estado pelos danos causados a
terceiros. Com efeito, para que tal ocorra, tem que se pensar numa responsabilidade do
Estado pelo risco27, onde se desenharia um cenário em que o Estado seria chamado à
responsabilidade independentemente de culpa.
Ora, como se pode facilmente constatar, é necessário que o acto praticado seja ilegal
para chamar o Estado à responsabilidade. Todavia o quadro instituído dificulta o
chamamento do Estado à responsabilidade. Com efeito, seria necessário num acto de
responsabilização ao Estado que o cidadão provasse com A mais B que o acto
praticado é ilegal28.
25
Vide n.º 2.º, do art. 58.º da CRM
Cfr. n.º 1.º do art. 58 da CRM.
27
A respeito da responsabilidade do Estado pelo risco, o Sistema jurídico português já prevê esta
situação através da Lei 67/2007 de 31 de dezembro, alterada pela Lei 3/2008, de 17 de julho, quando
nos números 1.º e 2.º do art. 11.º estatui-se o seguinte: “O Estado e as demais pessoas colectivas de
direito público respondem pelos danos decorrentes de actividades, coisas ou serviços administrativos
especialmente perigosos, salvo quando, nos termos gerais, se prove que houve força maior ou
concorrência de culpa do lesado, podendo o tribunal, neste último caso, tendo em conta todas as
circunstâncias, reduzir ou excluir a indemnização.” Assim diz o n.º 2:
“ Quando um facto culposo de terceiro tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos, o
Estado e as demais pessoas colectivas de direito público respondem solidariamente com o terceiro, sem
prejuízo do direito de regresso.”
28
“O que significa, ainda que pareça uma redundância grosseira, que não se provando (…) a existência
de danos não há responsabilidade civil.” (Cfr. GONZÁLEZ, José Alberto (2013) Responsabilidade
Civil, p. 15). Adiante adverte o autor “…ainda que o devedor (autor da lesão) sinta a realização da
obrigação de indemnizar como uma penalização, não é esta, nem objetivamente nem juridicamente, a
respetiva função…” (Cfr. GONZÁLEZ, José Alberto (2013) Op. Cit., p. 15).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
26
Na verdade, reconhecemos na senda de alguns doutrinários que acontece, muitas
vezes, não ser fácil, ou até mesmo impossível, apurar de quem foi a culpa de uma
actuação de um serviço público num certo caso concreto.29
Por conseguinte, se o legislador português, através do nº 1.º do art. 11.º da Lei
67/2007, de 31 de dezembro, alterada pela Lei 3/2008, de 17 de julho, invoca a
responsabilidade civil do Estado, por risco, mormente de um facto lícito 30, consumado
por serviço público, entendemos nós, modesta parte, que o legislador moçambicano
tinha que rever o actual quadro jurídico-constitucional que norteia a responsabilidade
civil moçambicana, por pautar apenas por responsabilidade civil advindos dos seus
serviços públicos, agentes, órgãos e funcionários do Estado que na sequência das suas
actividades lícitas resultar danos a terceiros, inibindo-se da responsabilidade pelo
risco, como abaixo bem o ilustraremos.
2.A Problemática do Dano na Jurisprudência Moçambicana
2.1.O “Caso Paiol”
A Constituição da República de Moçambique consagra, no âmbito dos direitos,
deveres e garantias fundamentais, o art. 40.º31, atinente ao direito à vida, assegurando
à todos este direito como um imperativo: “Todo o cidadão tem direito à vida e à
29
Nesta vertente o Código Civil, no seu art. 497.º irá chamar atenção para uma responsabilidade
solidária, pois, diz o número 1.º: “Se forem várias as pessoas responsáveis pelos danos, é solidária a sua
responsabilidade.” Com efeito, se se constatar tal facto, circunda o n.º 2.º que “o direito de regresso
entre os responsáveis existe na medida das respectivas culpas e das consequências que delas advieram,
presumindo-se iguais as culpas das pessoas responsáveis.”
30
No actual quadro jurídico português, relativamente a responsabilização civil do Estado por actos
lícitos, tem havido ainda alas que se opõem, pois, alguns doutrinários da corrente constitucionalista
afirmam que em termos materiais não há uma materialização efectiva da responsabilidade civil do
Estado por actos lícitos senão apenas o contrário, a outra ala se distancia destes pronunciamentos, senão
vejamos: “o art. 22.º apenas considera a responsabilidade civil por factos ilícitos? Para alguns autores a
resposta é positiva, em virtude de estar expressamente consignada a regra da solidariedade,
argumentando não fazer sentido aplicar o regime da solidariedade no caso de actuações lícitas (…).
Veja-se MARCELO REBELO DE SOUSA e MARIA DA GLÓRIA GARCIA (…), defendem que o art.
22.º está pensado para a responsabilidade civil por factos ilícitos. Em sentido contrário, encontramos
MARIA JOSÉ RANGEL MESQUITA, JORGE MIRANDA E FAUSTO DE QUADROS. Contudo,
mesmo os autores que entendem que o art. 22.º não cobre a responsabilidade por factos lícitos e pelo
risco, para além da responsabilidade por factos ilícitos, defendem que este preceito consagra o
fundamento para uma responsabilidade civil do Estado pelo exercício ilícito da função legislativa a
responsabilidade por factos lícitos também é admitida, por força dos princípios do Estado de Direito, a
fim de se conferir o maior efeito útil ao art. 22.º da CRP, na opinião de alguns autores. Quem defende a
aplicação do art. 22.º a casos de responsabilidade civil por factos lícitos argumenta que o Decreto-Lei nº
48 051 contemplava não só a responsabilidade por factos ilícitos (…) como a responsabilidade pelo
risco ou por factos casuais (…) e a responsabilidade por factos lícitos da Administração que
provocassem danos especiais e anormais...” (Cfr. FONSECA, Guilherme et CAMARA, Miguel
Bettencourt da (2013) Op. Cit., p. 36).
31
“O primeiro apelo dirigido aos outros foi o “não matarás”, acompanhado da promessa de não matar,
pois se reconhecia nos outros a mesma dignidade do que no eu.” (Cfr. CAMPOS, Diogo Leite (2004)
Nós – Estudo Sobre o Direito das Pessoas, p. 15).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
integridade física e moral e não pode ser sujeito à tortura ou tratamentos cruéis ou
desumanos.”32 Com efeito, esse artigo assegura, dum modo indiscritível, o direito do
cidadão moçambicano e a sua dignidade 33, como pessoa34, colocando-o acima de
qualquer espécie, ou seja, absolutizando-o.35
Aliado aos ditames do ápice jurídico, a Constituição, existe outros dispositivos de
ordem supra-estaduais e intra-estaduais, nomeadamente, a Declaração Universal sobre
os Direitos Humanos36 (DUDH), a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos
Povos37(CADHP), entre outras. Importa-nos fazer um pequeno bosquejo sobre DUDH
e a CADHP para melhor delinearmos este ponto atinente a problemática do dano.
A DUDH, constitui uma enumeração dos direitos e das liberdades a que, segundo o
consenso da comunidade internacional, faz jus todo e qualquer ser humano, sendo
importante que os estados-membros a respeitem. 38 Portanto, a DUDH surge como um
instrumento indispensável, o qual “…os povos das Nações Unidas reafirmaram, na
Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa
humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram
promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais
ampla.”39
Por sua vez a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos reforça essa
necessidade de se salvaguardar os direitos de personalidade respeitante a quaisquer
danos que lhes forem causados, quando alerta para o seguinte:
32
Vide o o n.º 1, do art. 40.º da CRM
O art. 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos vai afirmar que “Todos os seres humanos
nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em
relação uns aos outros com espírito de fraternidade.”
34
“…o homem só ia ser definitivamente transformado em pessoa pelo humanismo cristão.” (Cfr.
CAMPOS, Diogo Leite (2004) Op. Cit., p. 14)
35
No mesmo diapasão importa frisar sobre o Direito absoluto que é “o direito oponível erga omnes,
isto é, aquele que impõe a todos os outros sujeitos jurídicos um dever geral de respeito.” (vide PRATA,
Ana et al (2013) Dicionário Jurídico, p. 498). Com efeito, “…a violação deste dever, quando cause
danos ao titular de direito, constitui o lesante em responsabilidade civil extracontratual.” (vide art. 483.º,
n.º 1, do CC).
36
Adoptada e proclamada pela resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de
dezembro de 1948.
37
Adoptada pela décima-oitava Conferência dos Chefes de Estado e de Governo dos Estados
Africanos membros da Organização de Unidade Africana a 26 de Junho de 1981, em Nairobi, no
Quénia. Esta Carta também é conhecida como Carta de Banjul.
38
Vide o Preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos: “A presente Declaração
Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as
nações, com o objectivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta
Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e
liberdades, e, pela adopção de medidas progressivas de carácter nacional e internacional, por assegurar o
seu reconhecimento e a sua observância universais e efectivos, tanto entre os povos dos próprios
Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.”
39
Ibidem.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
33
“Os Estados membros da Organização da Unidade Africana, Partes na presente Carta,
reconhecem os direitos, deveres e liberdades enunciados nesta Carta e comprometem-se
a adoptar medidas legislativas ou outras para os aplicar.”40 Assim, “todo indivíduo tem
direito ao respeito da dignidade inerente à pessoa humana e ao reconhecimento da sua
personalidade jurídica. Todas as formas de exploração e de aviltamento do homem,
nomeadamente a escravatura, o tráfico de pessoas, a tortura física ou moral e as penas
ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes são proibidos.”41
Com efeito, a par deste dispositivo de teor continental o ordenamento moçambicano,
para além da Constituição, reserva no Código Civil estatuições comprometedoras da
salvaguarda dos direitos da personalidade quando existir danos.
É na sequela deste ditame, do Código Civil42 e, da Constituição da República de
Moçambique e do Direito internacional que os Direitos do homem adjacentes à sua
personalidade devem ser tutelados sendo certo que os Estados têm maior
responsabilidade civil para com as pessoas, suas cidadãs, sobretudo, quando estão em
causa os seus direitos fundamentais.
Como já afirmamos acima sobre a responsabilidade civil do Estado, Moçambique
dispõe, na sua Constituição, de um artigo específico43 que tutela esse direito, porém,
este facto apenas acontece quando se trata de danos causados por seus agentes a
terceiros, no exercício das suas actividades profissionais, sendo este acto ilegal. 44
Ora à luz destas premissas nos apraz analisar um caso que marcou pela negativa o
Estado Moçambicano em 2007, caso que foi, sobejamente, transmitido pelas Mídias
que nos serve, nesta pequena análise jurídica, como um exemplo de responsabilização
do Estado por omissão legislativa constitucional mormente dos danos causados a
terceiros.
Em Janeiro de 2013 houve explosões de engenhos bélicos no Paiol de Malhazine, na
Capital do País (Moçambique). Estas explosões causaram dor e luto, a muitas famílias
40
Vide o n.º 1.º, do art, 1.º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos.
Cfr. art. 5.º da CADHP.
42
O Código Civil moçambicano, a par do Código Civil Português, dispõe no eu artigo 483.º, como
princípio geral que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou
qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado
pelos danos resultantes da violação.” Assim, excepciona o n.º 2.º do mesmo artigo que “só existe
obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos específicos na lei.”)
43
Cfr. art. 58.º da CRM.
44
O sublinhado é nosso. (Cfr. o então n.º 2 do art. 58.º da CRM).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
41
moçambicanas45. Mormente deste facto, traz-se à ribalta a questão da responsabilidade
do Estado pelos danos causados por estas explosões. Com efeito, o que defendemos, é
o seguinte: no actual quadro constitucional moçambicano é impossível responsabilizar
o Estado dos danos causados pelo Paiol. Tal responsabilização para que ocorra, tem
que se pensar numa responsabilidade do Estado pelo risco, onde se desenharia um
cenário em que o Estado seria chamado à responsabilidade independentemente de
culpa no dano. Pretendemos com tal afirmação abrir uma possibilidade de
responsabilização do Estado pelos danos causados pelas explosões do Paiol a partir
duma leitura incidida na CRM e legislações pertinentes.
O n.º 2.º do artigo 58.º da Constituição da República de Moçambique, estabelece o
seguinte e passo a citar: “O Estado é responsável pelos danos causados por actos
ilegais dos seus agentes, no exercício das suas funções, sem prejuízo do direito de
regresso nos termos da lei.” Com efeito, sem prejuízo do disposto no n.º 2.º, o n.º 1.º,
do art. 58.º dispõe: “A todos é reconhecido o direito de exigir, nos termos da lei,
indemnização pelos prejuízos que forem causados pela violação dos seus direitos
fundamentais.”
Ora, como se pode facilmente constatar, é necessário que o acto praticado seja ilegal
para chamar o Estado à responsabilidade. Este quadro dificulta o chamamento do
Estado à responsabilidade posto que o cidadão tem que provar que o acto praticado é
ilegal46.
Na verdade tal como reconhecem alguns doutrinários acontece muitas vezes que não
é fácil, ou mesmo é impossível, apurar de quem foi a culpa de uma actuação de um
serviço público num certo caso material47.
Olhando, por exemplo, para alguns ordenamentos jurídicos da lusofonia notaremos
que no Direito brasileiro esta situação foi ultrapassada a partir da Constituição Federal
de 1946. Com efeito, a responsabilidade objectiva da Administração sucedeu à
responsabilidade fundada na culpa.48
45
É de referir que tivemos no Estado Moçambicano, em matéria de engenhos explosivos, uma situação
de danos consequentes da explosão do PAIOL (Espaço onde o Governo Moçambicano, através do
Ministério da defesa, guardava uma concentração enorme de engenhos explosivos) que causara a morte
e danos a muitos moçambicanos na capital do País, Maputo, em 2007 pelo facto destes engenhos se
encontrarem próximo das populações e terem explodido.
46
A este respeito importa referir o n.º 2.º do art. 487.º do CC, a saber: “É ao lesado que incumbe
provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.”
47
A respeito disso importa fazer alusão ao Professor Diogo Freitas do Amaral (2008) Curso de Direito
Administrativo, Vol. I, pp. 550 e ss.
48
MEIRELLES, Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, pp. 619 e ss
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Em Portugal49, a responsabilidade da administração fundada na culpa não foi
substituída, mas sim foi acrescida pela responsabilidade não fundada na culpa, isto é, a
objectiva. Neste sentido o ordenamento luso deu um passo bastante significativo, ou
seja, Portugal fê-lo através do decreto-Lei 48051, portanto, uma lei específica, a Lei
que supramencionamos.50
Assim, para responsabilizar o Estado pelos danos causados a terceiros, propomos
que não apenas seja revisto o artigo 58.º da Constituição da República de
Moçambique como também sugerimos que o legislador moçambicano crie uma
legislação específica, como se observa no caso Português, quando a consequência do
facto é danosa. No que tange a CRM achamos que o legislador constituinte poderia
acrescer um hipotético nº 3.º e teríamos o seguinte cenário, a saber: O Estado e demais
pessoas colectivas públicas respondem pelos prejuízos especiais e anormais
resultantes do funcionamento de serviços administrativos, excepcionalmente,
perigosos ou de coisas e actividades da mesma natureza, salvo se, nos termos gerais,
se provar que houve força maior estranha ao funcionamento desses serviços 51 ou ao
exercício dessas actividades, ou culpa das vítimas ou de terceiro, sendo neste caso a
responsabilidade determinada segundo o grau de cada um.
Destarte, constituiriam fonte de responsabilidade objectiva fundada no risco, (uma
situação em que o Estado assumiria a responsabilidade pelo risco justamente pelo
facto de colocar, por exemplo, engenhos explosivos em locais habitados 52, e outros
males que poderiam ser, previamente evitados), casos como os seguintes:
i) Danos causados pela explosão de paióis militares ou de centrais nucleares;
ii) Danos causados por manobras, exercícios nos treinos com armas de fogo por
parte das Forças Armadas de Moçambique (FADEM) ou das Forças da Polícia da
República de Moçambique (PRM;
49
Refira-se que ao nível dos Estados-membros da União Europeia, a responsabilidade extracontratual
da Comunidade vem expressamente consagrada no Tratado da Comunidade Europeia. (Cfr. OTERO,
Paulo et alii (2013) Tratado de Direito Administrativo Especial, p. 521). Com efeito, a este respeito art.
288.º do Tratado da Comunidade Europeia é claro ao afirmar o seguinte: “a Comunidade deve
indemnizar, de acordo com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados-Membros, os danos
causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no exercício das suas funções.”
50
Como já vimos trata-se da Lei 67/2007, de 31 de dezembro, alterada pela Lei 3/2008 de 17 de julho,
diploma que revoga expressamente o Decreto-Lei 48051.
51
No caso em análise podia acontecer que interviesse uma causa natural, um raio, por exemplo, para a
explosão dos engenhos bélicos aquartelados, pese embora, no nosso entender, o Estado deveria agir por
risco.
52
Como no caso em análise.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
iii) Danos causados, involuntariamente, por agentes da polícia em operações de
manutenção de ordem pública ou de captura de criminosos. 53
No entanto, seria interessante, a nosso ver, fazer-se uma revisão ao artigo 58.º da
CRM, todavia se a tal revisão54 acontecer deverá ter reflexos também a nível da Lei
n.º 9/2001, de 7 de Julho 55. Note-se que esta Lei 9/2001 é a Lei que trata do processo
Administrativo e Contencioso no direito moçambicano, concretamente na parte
relativa ao contencioso por atribuição.
Dadas as circunstâncias, atrás urdidas, reitero na necessidade de consagrarmos, no
âmbito do nosso quadro, político, jurídico-constitucional, a teoria da responsabilidade
civil extracontratual do Estado fundada no risco quando dos factos atinentes ao
exercício desse ente público advierem danos a terceiros.
Acreditamos que este suplemento permitirá responder, vindouramente, diversas
situações, como o caso, em análise, o da explosão dos artefactos bélicos no Paiol de
Malhazine em Maputo (Moçambique), assim como outros casos, como por exemplo, o
das balas perdidas por agentes do Estado, no exercício das suas funções. Com efeito,
independentemente, de ter havido culpa ou não por parte do Estado, por se tratar de
um bem indisponível, não patrimonial56, a vida, entendemos nós que deve haver
espaço à indemnização57 pelo facto do acto danoso ser causador delituoso de um bem
53
Refira-se que aqui podemos enquadrar as famosas balas perdidas por parte dos agentes do Estado (A
Polícia) no exercício das suas funções (tiroteio com os bandos).
54
Importa recordar que em Moçambique, actualmente, há uma grande discussão em torno da revisão
constitucional. É, pois, um período ímpar para se questionar certos princípios que dado o dinamismo do
Direito e das Constituições a nível interno e internacional já não fazem sentido por acharmos que são
obsoletas.
55
Refira-se que “o Contencioso administrativo constitui um instrumento manifestamente válido para a
implementação do Direito Administrativo, carecendo de alterações de fundo quanto ao seu conteúdo
jurídico, designadamente por motivos de desadequação da anterior legislação e também pela introdução
de novas figuras e institutos criados pela Lei n.º 5/92, de 6 de Maio, a Lei Orgânica do Tribunal
Administrativo.
Aliás, esta mesma lei impõe a referida necessidade, no seu artigo 46, de se proceder à sua
complementação com uma lei relativo ao processo do contencioso administrativo.” (vide Prefácio da Lei
n.º 9/2001, de 7 de Julho, Lei do Contencioso Administrativo).
56
Sobre os bens não patrimonial relembre-se DIOGO CAMPOS: “O dano da morte é não patrimonial,
seja qual for a noção que se escolha destes últimos de entre as correntes na doutrina e na
jurisprudência…” (vide CAMPOS, Diogo (1975) A Indemnização do Dano da Morte, p. 9).
57
Importa, nesse ponto, fazer alusão ao Acórdão de 08/07/2009, Acórdão n.º 357/2009, Proc. N.º
969/08, 2ª Secção, Conselheiro Benjamim Rodrigues (Conselheiro Cura Mariano) Acordam na 2.ª
Secção do Tribunal Constitucional. A recorrente do acidente perdera a causa, ou seja, o recurso atinente
à indemnização pelos danos não patrimoniais foi interdito declarando inconstitucional, por violação do
disposto nos artigos 2.º e 24.º, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 66.º, do
Código Civil, quando interpretada no sentido de que a morte de um nascituro concebido não é um dano
indemnizável.
(disponível em: http://www.codices.coe.int/NXT/gateway.dll/CODICES/full/eur/por/por/por-2009-2008).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
sagrado, a vida, pois, “quanto ao 1º dano, é hoje predominantemente reconhecido que
o dano não patrimonial da perda da vida é autonomamente indemnizável”, ou seja, “é
um facto constitutivo, por a morte poder constituir relações jurídicas novas:
indemnização pelo dano da morte…”58. Assim, o que parece evidente é que a vida é o
bem supremo…”59, aliás, o direito individual à própria vida é, no âmbito jurídico,
tutelado.60 Acentuadamente, circunda LEITE DE CAMPOS que tendo em conta que a
vida é um bem supremo sendo o mais valioso e importante bem da pessoa a
indemnização deve avaliar-se “pelo valor da vida para a vítima enquanto ser…”.
Portanto, dado que “o prejuízo é o mesmo para todos os homens, bem pode defenderse que a indemnização deve ser a mesma para todos…” Com efeito, realça CAMPOS,
“porque a morte absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais, o montante da
sua indemnização deve ser superior a soma dos montantes de todos os outros danos
imagináveis”. Em contrapartida acrescenta o grande Catedrático61 que “a análise da
jurisprudência permitirá fixar o montante médio da indemnização (…). A
indemnização do dano da morte deve ser fixada sistematicamente a um nível superior
– pois a morte é um dado acrescido e isto tem de ser feito sentir economicamente ao
culpado”62
Ainda na senda das explosões de Malhazine que causou danos patrimoniais 63 e não
patrimoniais 64, ou seja, à morte a centenas de moçambicanos pensamos que em
Moçambique há normas que devem ser observadas para a conservação do material
bélico aí armazenado e, se os agentes do Estado obrigados a respeitar tais normas não
o fizeram, portanto, omitindo voluntariamente o seu cumprimento, então, nos termos
58
Cfr. CAMPOS, Diogo (2012) Lições de Direito da Família e das Sucessões, p. 475.
RANGEL, Rui Manuel de Freitas (2006) A Reparação Judicial dos Danos na Responsabilidade
Civil, Um Olhar sobre a Jurisprudência, p. 40.
60
Vimos que a CRP consagra o artigo 24.º o Direito à vida, a CRM fá-lo no art. 40.º, o mesmo cenário
é reiterado nos dois números do art. 70.º do Código Civil dos ordenamentos acima referenciados:
“1. A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à personalidade
física ou moral.
2. Independentemente da responsabilidade civil a que haja lugar, a pessoa ameaçada ou ofendida pode
requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, com o fim de evitar a consumação da
ameaça ou atenuar os efeitos da ofensa já cometida.”
61
Prof. Doutor Diogo José Paredes Leite Campos – Professor Catedrático Jubilado (vide em
http://www.uc.pt/fduc/corpo_docente/dlcampos).
62
Cfr. CAMPOS, Diogo, (2009) A vida, a morte e a sua indemnização, BMJ 365.º/5, pp. 5 e ss.
(vide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, n.º VII ).
63
Destruição de infra-estruturas: bens imóveis (casa, etc) e bens móveis.
64
É de referir que “de entre os danos não patrimoniais são de destacar os resultantes das ofensas aos
direitos da personalidade, das quais resultam normalmente sofrimentos físicos e morais (dor, emoção,
vergonha, perturbação psíquica, etc.” (Cfr. CAMPOS, Diogo (1975) Op. Cit., p. 9).
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
59
do art. 58.º da CRM, há lugar à responsabilidade do Estado por risco65. Assim,
insistimos na necessidade de consagrarmos no nosso ordenamento 66 a teoria da
responsabilidade extracontratual do Estado fundada no risco. Aliás, como bem ensina
QUADROS advertindo para os contornos desta responsabilidade estadual, in verbis:
“…O carácter constante, duradoiro e persistente da omissão do dever de vigilância, e
por via disso, a previsibilidade ou, pelo menos, o elevado grau de probabilidade dos
prejuízos, transporta-nos no domínio do risco para o da culpa por negligência, leve ou
grave, da parte da administração. Ou então, começando no risco, depressa passamos
para a culpa: por exemplo, se numa estrada se abre um buraco na faixa de rodagem por
efeito do mau tempo, o acidente que aí ocorra logo a seguir fica a dever-se ao factor
risco; mas se o buraco não for, em tempo adequado, vedado e, depois, tapado pelos
serviços públicos competentes, saímos do risco para entrarmos na negligência, até por
ventura grave.” Acrescenta o autor fazendo um estudo comparado que em países como
Alemanha, Inglaterra a observância é restrita, pois, observa QUADROS, “quem já
circulou, por exemplo, por estradas inglesas, alemãs ou austríacas sabe como essas
coisas são levadas a sério pela Administração Pública desses países.”67
Isto permitirá cobrir, no futuro, situações de explosões de paióis militares
independentes de culpa por parte do Estado. Por conseguinte, no caso concreto do
paiol, pensamos nós, modesta parte, que à luz do artigo 58.º da CRM é possível
responsabilizar o Estado pelos danos, por um lado por acharmos que saímos de uma
responsabilização, meramente, do risco e entramos numa negligência 68, por outro
lado, há normas internacionais para conservação daquele tipo de engenhos, que,
quanto a nós, não foram observadas 69. Com efeito, se o Estado Moçambicano tiver
ratificado, logo nos termos do art. 18.º70 da Lei fundamental de Moçambique,
65
Interessante será aludir que a responsabilidade pelo risco cinge-se nas “relações entre o Estado e os
particulares e a medida de protecção da esfera jurídico-patrimonial dos cidadãos perante as ingerências,
intencionais ou acidentais, dos poderes públicos...”. (Cfr. CANOTILHO, J. G. (1974) O problema da
responsabilidade do Estado por actos lícitos, p. 122).
66
Falo do Ordenamento Jurídico Moçambicano, na Constituição e/ou numa Lei específica.
67
Vide QUADRO, Fausto (2004) Responsabilidade Civil Extracontratual da Administração Pública,
p. 14. Em Moçambique, por exemplo podia-se prevenir as explosões do material bélico afastando estes
engenhos para distante da população mas o governo moçambicano pelo Ministério da defesa ficou
passivo à situação. Aqui podia-se sair de uma responsabilidade do Estado por risco para entrarmos na
negligência.
68
O Estado Moçambicano, através do Ministério da Defesa poderia ter transportado os engenhos
explosivos a tempo, mas não o fez, pois, esperou que estes explodissem e criassem danos para o fazer.
69
A respeito disso não investiguei, mas penso que Moçambique sujeita-se a tal obrigação.
70
“1. Os tratados e acordos internacionais, validamente aprovados e ratificados, vigoram na ordem
jurídica moçambicana após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado
de Moçambique.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
esclarece-se que fica adstrito à sua observância na ordem interna. Não o tendo feito,
logo há ilegalidade, o que obriga o Estado a indemnizar as vítimas. Portanto, para nós,
e salvo douto entendimento em contrário, há lugar à responsabilidade do Estado por
risco. Nesse diapasão, temos que ter na ordem interna uma disposição que obrigue o
Estado a indemnizar nos casos em que não tenha culpa 71, como no caso em análise ou,
por exemplo, em casos das balas perdidas.
Por conseguinte, teríamos muito gosto em esgotar este tema, porém, não o seria
possível em relatório como este. Pensamos, modesta à parte, que tempos e espaços
oportunos reservaremos para um estudo mais acurado desta problemática que a nível
do ordenamento Moçambicano e Português é ainda muito actual, pois, note-se que
quando se comete danos a terceiros, como o foi aquando as explosões dos engenhos
do Paiol de Malhazine (Moçambique-Maputo), a única responsabilidade civil do
Estado, neste facto em concreto, foi reflectida nas expressões: apoio, ajuda, etc,
todavia dificilmente, em Moçambique, para o caso do Paiol se falou em
indemnização72. E acrescido a isso, existe sim um vazio no que toca a
responsabilidade do Estado por actos de gestão pública.
2. As normas de direito internacional têm na ordem jurídica interna o mesmo valor que assumem os
actos normativos infraconstitucionais emanados da Assembleia da República e do Governo, consoante a
sua respectiva forma de recepção.”
71
Servimo-nos das alegações de algumas figuras do Estado que depois das explosões afirmaram que o
Estado agiu por mera culpa, ou seja, por risco, pese embora no nosso entender achamos e reiteramos a
posição que o Estado agiu por negligência. (vide a este respeito o inquérito que refere ter havido erro
humano
nas
explosões
do
Paiol,
disponível
em:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2007/04/inqurito_refere.html).
72
Infelizmente até hoje quando se fala de responsabilidade civil do Estado por acto lícito ou por risco
não se tem em conta o factor indemnização no seu verdadeiro sentido.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Conclusão
Mais do que conclusão pela análise em debate ao longo deste trabalho que procurou
reflectir sobre a responsabilidade civil do Estado e a problemática do dano no Direito
positivo Moçambicano e Português ficam, abaixo, alguns pontos que achamos
pertinentes, a saber:
1- O artigo 58.º da CRM, responsabiliza, civilmente, o Estado apenas por actos
ilegais. Ora, isto pressupõe que haja culpa. Imagine-se, uma situação de explosão de
engenhos de um Paiol e subsequentes danos patrimoniais e não patrimoniais. Será que
tal facto não abre espaço para responsabilização do Estado pelo risco? Modesta parte,
pensamos que sim.
2- Se alterarmos o artigo 58º da Constituição e, acrescermos uma responsabilidade
do Estado que independa da culpa, aí cobriremos este tipo de situações.
3- No caso concreto dos danos que o Estado causara as populações circunvizinhas
do Paiol, à luz do artigo 58.º, é possível responsabilizar o Estado, por meio de normas
internacionais que assista este direito, pois, se Moçambique o tiver ratificado, nos
termos do artigo 18.º da CRM, evidencia-se que fica adstrito à sua observância na
ordem interna. E, se não o tiver observado, logo há ilegalidade, o que obriga o Estado
a indemnizar as vítimas. Portanto, para nós e salvo entendimento em contrário, há
lugar a uma responsabilização civil do Estado pelo risco, como aliás analisamos.
4- Achamos que a responsabilização do Estado pelo risco e por omissão legislativa
deve constituir um imperativo categórico em Moçambique e deve aparecer, como em
Portugal, França, Itália, Brasil, etc, vincado na Lei fundamental tendo o seu reflexo
numa Lei específica ou acrescida no âmbito da Lei do Processo Administrativo e
Contencioso, a Lei 9/2001, de 7 de Julho.
5- O Estado sendo um ente público, com mais responsabilidade dos demais entes,
caminha à margem deste facto que lhe é próprio, pois, existe, na nossa óptica, a
prevalência de um vazio no que toca a responsabilidade do Estado (em Moçambique)
por actos de gestão pública.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
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CAMPOS, Diogo (1975) A Indemnização do Dano da Morte, Ed. Coimbra.
______________ (2009) A vida, a morte e a sua indemnização, BMJ 365.º/5, pp. 5 e
ss
______________ (2012) Lições de Direito da Família e das Sucessões, Ed.
Almedina, 2ª edição.
______________ (2004) Nós – Estudo Sobre o Direito das Pessoas, Ed. Almedina.
______________ (2009) Pessoa Humana e Direito, Ed. Almedina.
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SOUSA, Marcelo Rebelo et MATOS, André Salgado (2008) Direito Administrativo
Geral, Ed. Dom Quixote, 3ª edição.
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
Legislação pertinente
ACÓRDÃO N.º 357/2009, Proc. n.º 969/08, 2.ª Secção, Conselheiro Benjamim
Rodrigues, (Conselheiro Cura Mariano) Acordam na 2.ª Secção do Tribunal
Constitucional.
Constituição da República de Moçambique aprovada pela Resolução nº 17/2004 de
22 de Setembro
Constituição da República Portuguesa aprovada a 2 de Abril de 1976.
Código Civil de Moçambique aprovada pelo Decreto-Lei n.º 47 344 de 25 de
Novembro de 1966.
Código Civil de Portugal aprovada pelo Decreto-Lei n.º 47 344 de 25 de Novembro
de 1966.
Declaração Universal dos Direitos Humanos Adoptada e proclamada pela resolução
217 A (III) da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948.
Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, aprovada pela Conferência
Ministerial da Organização da Unidade Africana (OUA) em Banjul, Gâmbia, em
janeiro de 1981, e adoptada pela XVIII assembleia dos Chefes de Estado e Governo
da Organização da Unidade Africana (OUA) em Nairobi, Quênia, em 27 de julho de
1981.
Lista de Abreviaturas
Arts. – Artigo/s
CADHP – Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos
CC – Código Civil Português/ Moçambicano
CRM – Constituição da República de Moçambique
CRP – Constituição da República Portuguesa
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos
N.ºs – Número/s
TCE – Tratado da Comunidade Europeia
NOTA: Os Working Papers são textos resultantes do trabalho de investigação dos doutorandos em
Direito da UAL em curso ou primeiras versões de textos destinados a posterior publicação.
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A PROBLEMÁTICA JURÍDICA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO