A C Ó R D Ã O
7ª Turma
PPM/aps
RECURSO DE REVISTA. CONVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO.
CONCURSO
PÚBLICO.
TRIBUNAL
DE
CONTAS.
CRITÉRIOS
INCONSTITUCIONAIS NO EDITAL. PROFESSORES. Não procede a
intenção do Estado do Rio Grande do Sul, em anular o
concurso público realizado no ano de 1989, em face de o
edital ter imposto restrições aos candidatos. Não obstante
eventual discussão discriminatória do referido ato, ao
excluir a inscrição de professores que já exercessem a função pública ou que não
residissem no Município, deve-se considerar que as nomeações ocorreram quase
21 anos atrás. A reversão ao -status quo ante- certamente
será mais onerosa ao ente público, em vista de prováveis
ações de indenização a serem postuladas pelos autores, bem
como pela realização de novo concurso e, posteriormente,
com a adaptação (treinamentos e afins) de novos servidores.
Também deve ser ponderado o evidente desemprego de tais
professores, que de forma legítima, realizaram o certame
público. Por isso, tantos anos após, a pretensão do Estado
não pode obter guarida no Poder Judiciário, prejudicando
pessoas que em momento algum participaram na elaboração do
edital maculado de vícios. Igualmente não restou consignado
no acórdão regional lesão ao erário público ou a terceiros.
Em face da peculiaridade do caso, a manutenção dos cargos
se impõe, à luz do princípio da segurança jurídica, e,
consequentemente, o ato deve ser convalidado.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA COMUM.
INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 219 DO TST. PEDIDO SUCESSIVO
DE FIXAÇÃO DO VALOR, COM BASE NO VALOR LÍQUIDO DA
CONDENAÇÃO. Nos termos do atual posicionamento adotado pela
SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, o fato de a ação
ter sido proposta na Justiça comum, em que inexiste o -jus
postulandi-, assegura o direito à concessão dos honorários
advocatícios, em decorrência do princípio da sucumbência.
Inaplicável ao caso o teor da Súmula nº 219 desta Corte. No
que diz respeito ao valor arbitrado, verifica-se que a
decisão regional diverge da Orientação Jurisprudencial nº
348 da SBDI-1 desta Corte. Recurso de revista de que se
conhece parcialmente e a que se dá provimento.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de
Recurso de Revista n° TST-RR-90600-66.2005.5.04.0451, em
que é Recorrente ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL e são
Recorridos ALVACI MARGARETE DE OLIVEIRA AGAPITO e MUNICÍPIO
DE BUTIÁ.
Em face do acórdão às fls. 365/372, oriundo do
Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, complementado
pelo de embargos de declaração anexado às fls. 380/381, o
Estado do Rio Grande do Sul interpõe recurso de revista
(fls. 384/389).
Despacho de admissibilidade às fls. 392/393.
Contrarrazões ausentes (certidão à fl. 395).
Parecer da Procuradoria-Geral,
parcial do apelo (fls. 398/401).
pelo
provimento
É o relatório.
V O T O
Presentes os pressupostos de admissibilidade, passo
ao exame do recurso de revista.
CONVALIDAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO - CONCURSO
PÚBLICO - TRIBUNAL DE CONTAS - CRITÉRIOS INCONSTITUCIONAIS
NO EDITAL - PROFESSORES
CONHECIMENTO
O recorrente alega que deve prevalecer a decisão do
Tribunal de Contas, que considerou nulo o concurso público
realizado para a admissão de professores ao Município de
Butiá. Aduz ser inconstitucional a restrição imposta no
edital: -a) não aceitação da inscrição de candidatos que já
exercessem função pública; b) não aceitação da inscrição de
que não residisse no Município de Butiá-RS-. Defende que
ocorreu
afronta
aos
princípios
da
legalidade,
da
impessoalidade, da moralidade e da igualdade. Assevera que
o ato não pode ser convalidado, porque se trata de nulidade
insanável. Aponta violação dos artigos 5º, II, 37, -caput-,
I, XVI e 71, III e 75 da Constituição Federal.
Eis o teor da decisão regional (fls. 367/370):
-O Tribunal de Contas do Estado negou registro às admissões decorrentes do concurso
público realizado para provimento do cargo de professor do Município de Butiá (Edital
02/89), considerando violados os princípios da impessoalidade e da moralidade, que
devem reger a Administração Pública, tendo em vista que o Edital 02/89 impediu a
inscrição de professores que já exercessem a função pública ou que não residissem no
Município (fls. 44/50).
Os reclamantes, professores do Município atingidos pela invalidação do ato
administrativo, ajuizaram ação na Justiça Comum, insurgindo-se contra o ato do Tribunal
de Contas que, em face de vício no edital de abertura do concurso, rejeitou os registros de
suas
nomeações.
A Juíza de Direito Rosana Broglio Garbin deferiu a antecipação de tutela, suspendo a
decisão do Tribunal de Contas, e determinando que o Município se abstivesse de praticar
atos demissionários contra os reclamantes (fl. 136). Na sentença, a medida liminar passou
a ser definitiva, pois a ação foi julgada procedente.
Em sede de recursos de apelação e reexame necessário, a sentença foi declarada nula,
pois proferida por juiz incompetente, considerando-se que a controvérsia decorria da
relação de trabalho, tendo sido determinada a remessa dos autos à Vara do Trabalho de
São Jerônimo (fls. 262/263).
O Juízo de origem manteve a antecipação de tutela já deferida na Justiça Comum e
proferiu decisão às fls. 287/312 desconstituindo o ato do Tribunal de Contas do Estado, e
determinando que o Município se abstenha de exonerar os reclamantes pelos motivos que
levaram o órgão fiscalizador a indeferir o registro dos reclamantes como empregados
públicos.
Observe-se, inicialmente, que tanto o Parecer da Promotora de Justiça, às fls. 187/193,
quanto o do Procurador da Justiça, às fls. 225/234, foram no mesmo sentido da sentença
anulada, de que a situação dos autores 'encontra-se consolidada no tempo e merece ser
prestigiada pelo poder público fundado nos princípios da boa-fé, da segurança jurídica
e da confiança que devem nortear a relação jurídica entre Administração e
administrados' (trecho do parecer do Exmo. Procurador de Justiça Eduardo Roth Dalcin à
fl. 233).
Neste sentido, também, a decisão de primeiro grau e o parecer do Ministério Público
do Trabalho.
A Administração pode anular seus próprios atos, quando ilegais. Tal faculdade, no
entanto, não deve ser utilizada simplesmente para que se cumpra a ordem jurídica sem
avaliar, os efeitos do ato e o respeito à estabilidade das relações jurídicas, à boa-fé e a
outros princípios também merecedores de igual proteção.
... No caso dos autos, não se tem notícia de nenhuma impugnação administrativa ou
judicial por terceiro que se sentisse prejudicado pelas irregularidades do edital. O ato de
invalidação partiu do próprio Tribunal de Contas do Estado no âmbito de sua
competência, nos termos do artigo 71 da Constituição. Embora não se possa falar de
'prescrição' pois, conforme documento da fl. 44, o Tribunal de Contas instaurou o
processo administrativo em 1991 (o prazo previsto na Lei 9.784/99, artigo 54, é de cinco
anos), o fato é que somente após 14 anos de efetivo exercício da função os reclamantes
foram intimados para defender-se no processo administrativo instaurado pelo Município
de Butiá (fl. 96). Desse modo, o ato considerado inválido pela Administração gerou
conseqüências jurídicas que não podem simplesmente ser desconsideradas, em face da
segurança jurídica e da boa-fé dos administrados. Observe-se que não há qualquer
demonstração nos autos de que o patrimônio público tenha sido de alguma forma lesado.
Além disso, é inequívoco que a invalidação do ato ensejaria a abertura de novo concurso
público, o que seria dispendioso e causaria insatisfação para os que se vissem
prejudicados pela ausência de professores. Não se pode esquecer, ainda, a provável
responsabilização civil do Estado pelos danos causados aos professores cuja nomeação
restou invalidada.
Cite-se, ainda, como subsídio jurisprudencial, trecho do acórdão do RE 300.116 SP
(2001/0005309-2) do STJ, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, D. J.
25/02/2002:
'Na avaliação da nulidade do ato administrativo, é necessário temperar a rigidez do
princípio da legalidade para que se coloque em harmonia com os cânones da
estabilidade das relações jurídicas, de boa-fé e outros valores necessários à perpetuação
do
Estado
de
Direito.
A regra enunciada no verbete 473 da Súmula do STF deve ser entendida com algum
temperamento. A Administração pode declarar a nulidade dos seus atos, mas não deve
transformar esta faculdade, no império do arbítrio'.
Por estes fundamentos, em reexame necessário, mantém-se a decisão de primeiro grau,
inclusive quanto à medida liminar deferida, negando provimento ao recurso voluntário do
Estado do Rio Grande do Sul-.
Adoto como razões de decidir, o voto da lavra do
Exmo. Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho (RR232200-11.2006.5.15.0071; Data de Julgamento: 03/02/2010;
1ª Turma; DEJT 19/02/2010), o qual remete ao voto proferido
pelo Exmo. Desembargador Convocado Douglas Alencar (TST-RR-2328/2006-07115-00.0; DJ de 31 de julho de 2009), que de forma abalizada discorre sobre
a mesma controvérsia dos autos:
-O reclamante, em seu arrazoado, sustenta a necessidade de reforma da decisão
recorrida, aduzindo que fora contratada mediante a prévia realização de concurso
público, conforme estabelece o art. 37, inciso II, da Constituição da República e que,
embora o Tribunal de Contas do Estado tenha negado o registro do ato de admissão, não
existiu a decretação de nulidade do concurso. Alega que o Município, como integrante da
Administração Pública, não poderia dispensá-la sem motivação do ato administrativo,
nos termos dos arts. 37 e 41 da Constituição da República, por ter mais de três anos de
serviços prestados à municipalidade. Aponta, assim, a violação dos arts. 37, inciso II, e
41 da Constituição da República, contrariedade a Súmula nº 21 do TST, à Orientação
Jurisprudencial nº 22 da Subseção 1 da Seção Especializada em Dissídios Individuais do
Tribunal Superior do Trabalho e à Súmula Vinculante nº 3 do Supremo Tribunal Federal,
bem como indica divergência jurisprudencial.
Para a solução da presente controvérsia, pedirei vênia para adotar, como razões de
decidir, precedente de formidável lavra do Exmo. Sr. Juiz Convocado Douglas Alencar
exarado nos autos do Processo TST -RR-2328/2006-071-15-00.0, publicado no DJ de 31
de julho de 2009, nos seguintes termos:
'Para além da questão alusiva à existência efetiva de vício de ordem constitucional no
edital do concurso em que logrou aprovação a postulante, pelos exatos motivos
considerados pela Corte de Contas referida, fato é que não se pode conceber que tal
irregularidade seja motivo suficiente para tornar nulas todas as contratações, notadamente
após mais de sete anos da conclusão do concurso público.
Vale consignar, ainda, por oportuno, que não se noticiou, sequer, a insurgência de
eventuais prejudicados em relação ao critério adotado no certame público, circunstância
que apenas ensejou a constatação de irregularidade pelo Tribunal de Contas do Estado,
sem que tenha havido a nulidade do concurso público, na forma compreendida pelo
Município Reclamado.
Nesse contexto, prejuízo maior para a Administração seria dispensar professores que
contam com mais de sete anos de experiência profissional na rede pública municipal,
comprometendo a qualidade do ensino local e obrigando-a a realizar novo concurso para
admissão de outros professores.
A situação posta nos autos autoriza a adoção da Teoria do Fato Consumado, que
permite estabilizar os efeitos já concretizados do ato viciado perante terceiros de boa-fé,
como é o caso da Reclamante.
Nesse sentido, valiosos os fundamentos adotados nos seguintes julgados:
'ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVIMENTO DERIVADO.
ASCENSÃO FUNCIONAL E TRANSFERÊNCIA. ADI. EFEITO EX NUNC. FATO
CONSUMADO. 1. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento, a partir da ADI
nº 231, que teve relatoria do Ministro Moreira Alves, de que são inconstitucionais as
formas de provimento derivado representadas pelas ascensão ou acesso, transferência e
aproveitamento no tocante a cargos ou empregos públicos, contudo, vem entendendo ser
desaconselhável a desconstituição da situação de fato que se consumou ao longo do
tempo, devido às inconvenientes conseqüências de seu desfazimento.
2. Em hipóteses que tais, faz-se necessário aderir à teoria do fato consumado, com o
reconhecimento da consolidação da situação de fato, prestigiando-se o princípio da
segurança jurídica, a fim de assegurar aos réus o direito aos cargos por eles ocupados.
3. De fato, os atos que resultaram na ascensão funcional dos réus ocorreram a mais de
dez anos, tendo sido feitos de boa-fé, por parte dos apelantes e devido ao tempo
transcorrido, a situação de fato se consolidou.
4. Caso haja a reversão dos réus à situação funcional pretérita à edição dos indigitados
atos administrativos, a Administração Pública terá um transtorno ainda maior, não apenas
porque investiu na formação profissional dos réus, mas também porque a experiência por
eles adquirida ao longo do exercício da função a beneficia.
5. Apelações e remessa oficial providas.' (TRF 1.ª Região; Apelação Cível n.º
1998.01.00.036581-4-MG; Ac. 2.ª Turma Suplementar; Relator CARLOS ALBERTO
SIMOES DE TOMAZ; DJU 04.08.2005)
'EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL - APLICAÇÃO DA
TEORIA DO FATO CONSUMADO EM CONCURSO PÚBLICO - POSSIBILIDADE PRECEDENTES - PREVALÊNCIA E RELEVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS DA
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DA BOA-FÉ E DA SEGURANÇA JURÍDICA
SOBRE O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE ESTRITA - EMBARGOS ACOLHIDOS.
1. A aplicação da 'a teoria do fato consumado', em concurso público, é possível, uma
vez que corresponde à convalidação de uma situação de fato ilegal, que se perdurou ao
longo do tempo, dada a relevância e a preponderância dos princípios da dignidade da
pessoa humana, da boa-fé e da segurança jurídica, sobre o próprio princípio da legalidade
estrita.
Precedentes.
2. Urge se conceber o princípio da primazia da norma mais favorável ao cidadão,
juntamente com a 'teoria do fato consumado', quando o jurisdicionado, de boa-fé,
permanece no cargo, ao longo de vários anos, dada a demora da prestação jurisdicional e
a inércia da Administração. Efetividade à garantia prevista no art. 5º, inciso LXXVIII,
CR/88, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004.
3. Embargos de divergência acolhidos'.(STJ; Embargos de Divergência no RESP n.º
446.077-DF; Ac. 3.ª Seção do STJ; Relator Ministro Paulo Medina; DJU 28.06.2006)
Não bastassem esses fundamentos para ensejar a invalidade da dispensa da
Reclamante, deve-se ressaltar ainda a superveniência de sua estabilidade.
Por força do disposto no art. 41, I, II e III, da Constituição Federal, o servidor público
estável só perderá o cargo: I) em virtude de sentença judicial transitada em julgado; II)
mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa; III) mediante
procedimento de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar,
assegurada ampla defesa.
Conforme se extrai do acórdão do Tribunal Regional, a Reclamante apenas ficou
sabendo da sua dispensa com a decisão do Reclamado, que, por intermédio do seu
Secretário de Negócios Jurídicos, reuniu todos os servidores que estavam na mesma
condição e os informou de que seriam demitidos.
Como se percebe, a conduta do Reclamado não encontra abrigo no Texto
Constitucional, que só permite exceção à regra da estabilidade nas hipóteses
expressamente previstas, sempre garantido o contraditório e a ampla defesa.
Vale destacar que o fato de o Tribunal de Contas não ter registrado o exame de
admissão, por ter constatado a irregularidade do concurso, não obsta a aquisição da
estabilidade, pois a Constituição, no caput do art. 41, afirma que -são estáveis após 3
(três) anos de efetivo exercício os servidores nomeados para cargo de provimento
efetivo em virtude de concurso público-.(g.n.)
Portanto, o que importa para efeitos de aquisição da estabilidade é o efetivo exercício
das funções alusivas ao emprego e não o registro do ato de admissão pelo Tribunal de
Contas. Tal entendimento é o que se infere também dos seguintes precedentes oriundos
do Superior Tribunal de Justiça:
'ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ESTÁGIO
PROBATÓRIO. REPROVAÇÃO. AVALIAÇÃO HOMOLOGADA APÓS O FIM DO
ESTÁGIO
PROBATÓRIO.
ILEGALIDADE.
EXONERAÇÃO.
IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. Durante o estágio probatório, o servidor público não possui a garantia
da estabilidade no serviço público, podendo ser exonerado desde que não demonstre os
requisitos próprios para o exercício da função pública, tais como idoneidade moral,
aptidão, disciplina, assiduidade, eficiência e outros, aferíveis com a observância das
formalidades legais de apuração de sua capacidade. 2. Hipótese em que tanto a
homologação do resultado final da avaliação do estágio probatório quanto o ato de
exoneração do servidor deram-se após ultrapassados os 2 (dois) anos previstos no
art. 20, § 1º, da Lei 8.112/90, quando já alcançada a estabilidade.' (REsp 550717 /
CE; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; Quinta Turma; DJ 27/11/2006 p. 305) - (g. n)
'DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE
SEGURANÇA.
SERVIDOR
PÚBLICO
EM
ESTÁGIO
PROBATÓRIO.
EXONERAÇÃO. EXIGÊNCIA DOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA
AMPLA DEFESA. EXONERAÇÃO APÓS AQUISIÇÃO DA ESTABILIDADE.
NÃO-CABIMENTO.
ART. 41 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO
PROVIDO.
(...) 3. Adquire estabilidade o servidor após exercer efetivamente por 3 (três) anos
cargo provido mediante concurso público, razão por que, transcorrido esse prazo,
não mais se cogita de avaliação de desempenho em estágio probatório, exceto se
houver justificativa plausível para a demora da Administração. Inteligência do art.
41 da Constituição Federal. 4. A eventual demora na publicação de um ato
normativo local, disciplinando a avaliação de servidores públicos estaduais, porque
destituído de poderes para alterar o texto constitucional, não se apresenta capaz de
dilatar o prazo peremptório em tela. 5. Hipótese em que o recorrente tomou posse e
entrou em exercício em 29/7/02 e foi exonerado do cargo de Professor de Educação
Física do Estado de Minas Gerais em 11/2/06, por ter sido reprovado na avaliação
do estágio probatório, quando, no entanto, já alcançara estabilidade no serviço
público.' (RMS 24602 / MG; Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima; Quinta Turma; DJe
01/12/2008) - (g. n.)
Nesses casos, o STJ fixou o entendimento de que o efetivo exercício é que, de fato,
garante a estabilidade - interpretação que se nos afigura importante por firmar a posição
de que o aperfeiçoamento da estabilidade não está subordinado à ocorrência de outros
requisitos.
Tal orientação não se incompatibiliza com a competência do Tribunal de Contas, inscrita
no art. 71, III, da Constituição Federal e referida no julgado regional, notadamente
porque a invalidade da admissão, decorrente do juízo negativo de constitucionalidade
acerca de um dos requisitos do edital, pode até macular o certame, mas não interfere na
aquisição da estabilidade. Ou seja, o fato de o concurso ter sido invalidado não obsta, em
tese , que o servidor estável possa perder o cargo ou emprego, mas, todavia,
considerando a ocorrência da estabilidade, impõe-se que a exoneração ou dispensa
obedeça ao disposto no art. 41 da Constituição Federal, que assegura a ampla defesa e o
contraditório.
Nesse ponto, vale consignar que a estabilidade materializa o princípio da segurança
jurídica e não pode ficar na contingência de um ato futuro - o registro da admissão -, cuja
ocorrência não se sabe quando efetivamente ocorrerá.
Nesse ponto, vale consignar o princípio da máxima efetividade das normas
constitucionais que, segundo J.J. Gomes Canotilho -pode ser formulado da seguinte
maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe
dê- (Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Editora Almedina, 1997,
p.
1.149).
Portanto, não se pode atribuir ao aperfeiçoamento da estabilidade condições não previstas
na Constituição, de modo tal que a obnubile e retire o alcance que o constituinte
pretendeu lhe conferir.
Ressalte-se, por oportuno, que não há como objetar à aquisição da estabilidade o
argumento de que se trata de servidor público celetista, uma vez que, nos termos da
Súmula n.º 390, I, do TST, -O servidor público celetista da administração direta,
autárquica ou fundacional é beneficiário da estabilidade prevista no art. 41 da
CF/1988-.
Por esses motivos, não fosse a superveniência da estabilidade bastante para invalidar a
rescisão do contrato de trabalho, as noções fundamentais de segurança jurídica - segundo
a qual a força inexorável do tempo consolida situações cuja reversão ao estado de origem
implicaria em desnecessário prejuízo aos interessados - igualmente fariam impositiva a
retificação do julgado regional.
De fato, a convalidação dos atos administrativos que apresentam defeitos sanáveis é
plenamente possível em determinadas situações, embora suscite inúmeras considerações
de ordem política, filosófica e jurídica. Para a perfeita compreensão da matéria,
entretanto, é preciso revisitar os princípios e garantias inscritos no Texto Constitucional.
Afinal, como pano de fundo do sistema democrático vigente, prepondera a noção de
segurança jurídica, que é afirmada como essencial ao desenvolvimento harmônico e
profícuo da sociedade e que é assim compreendida pela doutrina:
'O homem precisa de segurança para conduzir, planificar e conformar autônoma e
responsavelmente a sua vida. (...) o indivíduo têm o direito de poder confiar em que aos
seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições ou relações
jurídicas alicerçadas em normas jurídicas vigentes e válidas se ligam os efeitos jurídicos
previstos e prescritos por essas mesmas normas'. (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito
Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Editora Almedina, 1997, p. 250).
'O princípio da segurança jurídica não está expresso na Constituição, mas, além de ser
decorrência lógica da isonomia, pois só poderá haver igualdade (perante a lei e na lei)
onde houver segurança jurídica, ele vem implementado pelo princípio da legalidade, pela
garantia à coisa julgada, ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, cujo corolário é a
irretroatividade das leis. Vem ainda implementado pelo princípio da separação dos
poderes e pela possibilidade de recurso à Justiça, exercida por magistratura
independente.- (LACOMBE, Américo. Princípios Constitucionais Tributários. São Paulo:
Malheiros Editores, 1996, p. 50).
Aliás, nas palavras de Pontes de Miranda:
'O conteúdo da segurança do direito e bem assim o da justiça devem adaptar-se um ao
outro; não podem ferir-se mutuamente, desmentir-se, anular-se. (...) o conteúdo da justiça
é liberdade, cultura, felicidade relativa; o da segurança, ordem e paz. (...) O que é preciso
é que vigore determinado sistema jurídico e haja a convicção de que será aplicado nos
casos particulares, pois é isto o que dá a segurança jurídica. (...) Se a solução é
imprevisível, é que não há sistema, mas variação ou, pelo menos, incerteza e vacilação.
(...) A atividade humana encontraria empecilhos e desalentos se não soubesse que do ato
A surgiriam os fatos a, b e c, que são os efeitos dele no mundo das relações sociais. É por
isto que as revoluções prejudicam toda a vida econômica e produtiva. A ordem é a mais
objetiva revelação do bem, porque representa a revelação experimental.' (Cf. Sistema de
Ciência Positiva do Direito. Rio de Janeiro: Editor Borsói, 1972, t. IV, pp. 193 e ss. Apud
LACOMBE, Américo, ob. cit., p. 51).
A tutela da estabilidade das relações jurídicas, questão de relevante significado social e
político, tem justificado modificações substanciais na ordem jurídica federal.
Nesse sentido, a Lei n.º 9.784, de 29/1/1999, aplicável em âmbito federal, estabeleceu
o prazo de cinco anos para a administração "... anular os atos administrativos de que
decorram efeitos favoráveis para os destinatários (...) contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada a má-fé.' (art. 54).
Como ensina Raquel de Melo Urbano de Carvalho, em sua obra, verbis:
'...é o interesse público que fundamenta o entendimento de que há dois institutos aptos
a recompor a legalidade violada por um determinado vício. Isto porque, se uma
desconformidade pode ser sanada, não se justificaria a supressão do ato, à luz do próprio
interesse social. (...)
A Lei Federal n.º 9.784/99, após fixar no artigo 53 que a Administração deve anular
seus próprios atos quando eivados de vício de legalidade, demonstrou no artigo 55 clara
preocupação com a segurança e consistência das relações jurídicas ao estabelecer: -Em
decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a
terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela
própria Administração'.( in Curso de Direito Administrativo; p. 433/434)
Também a Lei n.º 9.868, de 10/11/1999, que disciplina o processo e julgamento de
ADIN's, introduziu novidade antes presente apenas no direito comparado, outorgando
autorização à Excelsa Corte para, ao reconhecer o vício de inconstitucionalidade de lei ou
ato normativo, 'e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional
interesse social, ... por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos
daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em
julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.' (art. 27).
Ainda pedindo vênia para aduzir novos argumentos, registro que o STF vem
analisando a questão, como se observa do recente julgamento lavrado nos autos do MS
24.268, cuja ementa tem o seguinte teor:
'EMENTA: 1. Mandado de Segurança. 2. Cancelamento de pensão especial pelo
Tribunal de Contas da União. Ausência de comprovação da adoção por instrumento
jurídico adequado. Pensão concedida há vinte anos. 3. Direito de defesa ampliado com a
Constituição de 1988. Âmbito de proteção que contempla todos os processos, judiciais ou
administrativos, e não se resume a um simples direito de manifestação no processo. 4.
Direito constitucional comparado. Pretensão à tutela jurídica que envolve não só o direito
de manifestação e de informação, mas também o direito de ver seus argumentos
contemplados pelo órgão julgador. 5. Os princípios do contraditório e da ampla defesa,
assegurados pela Constituição, aplicam-se a todos os procedimentos administrativos. 6.
O exercício pleno do contraditório não se limita à garantia de alegação oportuna e eficaz
a respeito de fatos, mas implica a possibilidade de ser ouvido também em matéria
jurídica. 7. Aplicação do princípio da segurança jurídica, enquanto subprincípio do
Estado de Direito. Possibilidade de revogação de atos administrativos que não se pode
estender indefinidamente. Poder anulatório sujeito a prazo razoável. Necessidade de
estabilidade das situações criadas administrativamente. 8. Distinção entre atuação
administrativa que independe da audiência do interessado e decisão que, unilateralmente,
cancela decisão anterior. Incidência da garantia do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal ao processo administrativo. 9. Princípio da confiança como
elemento do princípio da segurança jurídica. Presença de um componente de ética
jurídica. Aplicação nas relações jurídicas de direito público. 10. Mandado de Segurança
deferido para determinar observância do princípio do contraditório e da ampla defesa (CF
art. 5º LV).- (MS 24268/MG, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:
Min. GILMAR MENDES, Julgamento em 05/02/2004, DJU de 17-09-2004, p. 53).
Do excelente voto lavrado pelo Ministro Gilmar Mendes, colho os seguintes trechos:
'A propósito do direito comparado, vale a pena ainda trazer à colação clássico estudo
de Almiro do Couto e Silva sobre a aplicação do princípio da segurança jurídica:
É interessante seguir os passos dessa evolução. O ponto inicial da trajetória está na
opinião amplamente divulgada na literatura jurídica de expressão alemã do início do
século de que, embora inexistente, na órbita da Administração Pública, o principio da res
judicata, a faculdade que tem o Poder Público de anular seus próprios atos tem limite não
apenas nos direitos subjetivos regularmente gerados, mas também no interesse em
proteger a boa fé e a confiança (Treue und Glauben)dos administrados.
(...)
Esclarece OTTO BACHOF que nenhum outro tema despertou maior interesse do que
este, nos anos 50 na doutrina e na jurisprudência, para concluir que o princípio da
possibilidade de anulamento foi substituído pelo da impossibilidade de anulamento, em
homenagem à boa fé e à segurança jurídica. Informa ainda que a prevalência do princípio
da legalidade sobre o da proteção da confiança só se dá quando a vantagem é obtida pelo
destinatário por meios ilícitos por ele utilizados, com culpa sua, ou resulta de
procedimento que gera sua responsabilidade. Nesses casos não se pode falar em proteção
à confiança do favorecido. (Verfassungsrecht, Verwaltungsrecht, Verfahrensrecht in der
Rechtssprechung des Bundesverwaltungsgerichts, Tübingen 1966, 3. Auflage, vol. I, p.
257 e segs.; vol. II, 1967, p. 339 e segs.).
Embora do confronto entre os princípios da legalidade da Administração Pública e o
da segurança jurídica resulte que, fora dos casos de dolo, culpa etc., o anulamento com
eficácia ex tunc é sempre inaceitável e o com eficácia ex nunc é admitido quando
predominante o interesse público no restabelecimento da ordem jurídica ferida, é
absolutamente defeso o anulamento quando se trate de atos administrativos que
concedam prestações em dinheiro, que se exauram de uma só vez ou que apresentem
caráter duradouro, como os de índole social, subvenções, pensões ou proventos de
aposentadoria.- (SILVA, Almiro do Couto e. Os princípios da legalidade da administração
pública e da segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da
Procuradoria-Geral do Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado
do Rio Grande do Sul, V. 18, No 46, 1988, p. 11-29)
Depois de incursionar pelo direito alemão, refere-se o mestre gaúcho ao direito
francês,
rememorando
o
clássico
affaire
Dame
Cachet-:
'Bem mais simples apresenta-se a solução dos conflitos entre os princípios da legalidade
da Administração Pública e o da segurança jurídica no Direito francês. Desde o famoso
affaire Dame Cachet, de 1923, fixou o Conselho de Estado o entendimento, logo
reafirmado pelos affaires Vallois e Gros de Beler, ambos também de 1923 e pelo affaire
Dame Inglis, de 1935, de que, de uma parte, a revogação dos atos administrativos não
cabia quando existissem direitos subjetivos deles provenientes e, de outra, de que os atos
maculados de nulidade só poderiam ter seu anulamento decretado pela Administração
Pública no prazo de dois meses, que era o mesmo prazo concedido aos particulares para
postular, em recurso contencioso de anulação, a invalidade dos atos administrativos.
HAURIOU, comentando essas decisões, as aplaude entusiasticamente, indagando:
`Mas será que o poder de desfazimento ou de anulação da Administração poderá exercerse indefinidamente e em qualquer época? Será que jamais as situações criadas por
decisões desse gênero não se tornarão estáveis? Quantos perigos para a segurança das
relações sociais encerram essas possibilidades indefinidas de revogação e, de outra parte,
que incoerência, numa construção jurídica que abre aos terceiros interessados, para os
recursos contenciosos de anulação, um breve prazo de dois meses e que deixaria à
Administração a possibilidade de decretar a anulação de ofício da mesma decisão, sem
lhe impor nenhum prazo-. E conclui: `Assim, todas as nulidades jurídicas das decisões
administrativas se acharão rapidamente cobertas, seja com relação aos recursos
contenciosos, seja com relação às anulações administrativas; uma atmosfera de
estabilidade estender-se-á sobre as situações criadas administrativamente.' (La
Jurisprudence Administrative de 1892 a 1929, Paris, 1929, vol. II, p. 105-106.)- (COUTO
E SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da
segurança jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do
Estado. Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul,
V.
18,
no
46,
1988,
p.11-29)
Na mesma linha, observa Couto e Silva em relação ao direito brasileiro:
'MIGUEL REALE é o único dos nossos autores que analisa com profundidade o tema, no
seu mencionado `Revogação e Anulamento do Ato Administrativo - em capítulo que tem
por título `Nulidade e Temporalidade-. Depois de salientar que `o tempo transcorrido
pode gerar situações de fato equiparáveis a situações jurídicas, não obstante a nulidade
que originariamente as comprometia-, diz ele que `é mister distinguir duas hipóteses: (a)
a de convalidação ou sanatória do ato nulo e anulável; (b) a perda pela Administração do
benefício da declaração unilateral de nulidade (le bénéfice du préalable)-. (COUTO E
SILVA, Almiro do. Os princípios da legalidade da administração pública e da segurança
jurídica no estado de direito contemporâneo. Revista da Procuradoria-Geral do Estado.
Publicação do Instituto de Informática Jurídica do Estado do Rio Grande do Sul, V. 18,
no 46, 1988, p. 11-29).
Registre-se que o tema é pedra angular do Estado de Direito sob a forma de proteção à
confiança.
É o que destaca Karl Larenz, que tem na consecução da paz jurídica um elemento
nuclear do Estado de Direito material e também vê como aspecto do princípio da
segurança
o
da
confiança:
-O ordenamento jurídico protege a confiança suscitada pelo comportamento do outro e
não tem mais remédio que protegê-la, porque poder confiar (...) é condição fundamental
para uma pacífica vida coletiva e uma conduta de cooperação entre os homens e,
portanto, da paz jurídica.' (Derecho Justo - Fundamentos de Ética Jurídica. Madri.
Civitas, 1985, p. 91).
O autor tedesco prossegue afirmando que o princípio da confiança tem um
componente de ética jurídica, que se expressa no princípio da boa fé. Diz:
'Dito princípio consagra que uma confiança despertada de um modo imputável deve ser
mantida quando efetivamente se creu nela. A suscitação da confiança é imputável,
quando o que a suscita sabia ou tinha que saber que o outro ia confiar. Nesta medida é
idêntico ao princípio da confiança. (...) Segundo a opinião atual, [este princípio da boa fé]
se aplica nas relações jurídicas de direito público.' (Derecho Justo - Fundamentos de
Ética
Jurídica.
Madri.
Civitas,
1985,
p.
95
e
96)
Na Alemanha, contribuiu decisivamente para a superação da regra da livre revogação dos
atos administrativos ilícitos uma decisão do Tribunal Administrativo de Berlim, proferida
em 14.11.1956, posteriormente confirmada pelo Tribunal Administrativo Federal.
Cuidava-se de ação proposta por viúva de funcionário público que vivia na Alemanha
Oriental. Informada pelo responsável pela Administração de Berlim de que teria direito a
uma pensão, desde que tivesse o seu domicílio fixado em Berlim ocidental, a interessada
mudou-se para a cidade. A pensão foi-lhe concedida. Tempos após, constatou-se que ela
não preenchia os requisitos legais para a percepção do benefício, tendo a Administração
determinado a suspensão de seu pagamento e solicitado a devolução do que teria sido
pago indevidamente. Hoje a matéria integra a complexa regulação contida no § 48 da Lei
sobre processo administrativo federal e estadual, em vigor desde 1977 (Cf. Erichsen,
Hans-Uwe, in: Erichsen, Hans-Uwe/Martens, Wolfgang, Allgemeines Verwaltungsrecht,
9a
edição,
Berlim/Nova
York,
1992,
p.
289)
Considera-se, hodiernamente, que o tema tem, entre nós, assento constitucional
(princípio do Estado de Direito) e está disciplinado, parcialmente, no plano federal, na
Lei no 9.784, de 29 de janeiro de 1999, (v.g. art. 2º).
Como se vê, em verdade, a segurança jurídica, como subprincípio do Estado de
Direito, assume valor ímpar no sistema jurídico, cabendo-lhe papel diferenciado na
realização
da
própria
idéia
de
justiça
material.
Nesse sentido, vale trazer passagem de estudo do professor Miguel Reale sobre a revisão
dos atos administrativos:
'Não é admissível, por exemplo, que, nomeado irregularmente um servidor público,
visto carecer, na época, de um dos requisitos complementares exigidos por lei, possa a
Administração anular seu ato, anos e anos volvidos, quando já constituída uma situação
merecedora de amparo e, mais do que isso, quando a prática e a experiência podem ter
compensado a lacuna originária. Não me refiro, é claro, a requisitos essenciais, que o
tempo não logra por si só convalescer, ¾ como seria, por exemplo, a falta de diploma
para ocupar cargo reservado a médico, ¾ mas a exigências outras que, tomadas no seu
rigorismo
formal,
determinariam
a
nulidade
do
ato.
Escreve com acerto José Frederico Marques que a subordinação do exercício do poder
anulatório a um prazo razoável pode ser considerado requisito implícito no princípio do
due process of law. Tal princípio, em verdade, não é válido apenas no sistema do direito
norte-americano, do qual é uma das peças basilares, mas é extensível a todos os
ordenamentos jurídicos, visto como corresponde a uma tripla exigência, de regularidade
normativa, de economia de meios e forma e de adequação à tipicidade fática. Não
obstante a falta de termo que em nossa linguagem rigorosamente lhe corresponda,
poderíamos traduzir due process of law por devida atualização do direito, ficando
entendido que haverá infração desse ditame fundamental toda vez que, na prática do ato
administrativo, por preterido algum dos momentos essenciais à sua ocorrência; porém
destruídas, sem motivo plausível, situações de fato, cuja continuidade seja
economicamente aconselhável, ou se a decisão não corresponder ao complexo de notas
distintivas da realidade social tipicamente configurada em lei.- (Miguel Reale,
Revogação e anulamento do ato administrativo. 2ª ed. Forense. Rio de Janeiro. 1980.)
(...)'.
Há, portanto, inequívoca preocupação com a segurança jurídica, valor cujo significado
tem assumido importância singular, na medida exata em que as relações jurídicas e
sociais se tornam cada vez mais complexas.
Tal é o caso concreto, em que a manutenção da dispensa da Reclamante lhe imporia
um ônus assaz pesado, não se vislumbrando nenhum benefício material à Administração
Pública
com
essa
medida.Assim, conheço do recurso de revista, por violação do art. 41, caput, da Constituição da
República.
2 - MÉRITO
2.1 - SERVIDOR PÚBLICO CONCURSADO - ESTABILIDADE - ART. 41 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - APLICABILIDADE . Como corolário lógico
do conhecimento por violação do art. 41, caput, da Constituição Federal, dou provimento
ao recurso de revista para restabelecer a sentença que determinara a permanência da
reclamante no emprego para o qual foi contratada após a aprovação em concurso público
realizado pelo reclamado-.
Assim, tendo em vista que as nomeações ocorreram no
ano de 1989, ou seja, quase 21 anos atrás e, em decorrência
do
princípio
da
segurança
jurídica,
conforme
acima
retratado, a manutenção dos cargos se impõe.
Tal conclusão advém do fato de que a reversão ao
-status quo ante- certamente será mais onerosa ao ente
público, em face de prováveis ações de indenização a serem
postuladas pelos autores, bem como pela realização de novo
concurso e, posteriormente, com a adaptação (treinamentos e
afins) de novos servidores.
Deve ser considerado, principalmente, o desemprego
de tais professores, que de forma legítima, realizaram o
certame público.
Por isso, tantos anos após, a pretensão do Estado
não pode obter guarida no Poder Judiciário, prejudicando
pessoas que em momento algum participaram na elaboração do
edital maculado de vícios.
Frise-se, ainda, que não restou consignado no
acórdão regional prejuízo ao erário público ou a terceiros.
Destarte, em face da peculiaridade do caso, entendo
que o ato deve ser convalidado.
Com essas razões, não conheço do apelo.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA
COMUM
CONHECIMENTO
O reclamado busca a exclusão da condenação em
epígrafe, com base na indicação de contrariedade às Súmulas
nºs 219 e 329 do TST. Aponta violação dos artigos 5º, II e 37, -caput-, da
Constituição Federal e 14 da Lei nº 5.584/70. Transcreve
jurisprudência.
Faz
pedido
sucessivo
de
redução
da
condenação, com base na Orientação Jurisprudencial nº 348
da SBDI-1 desta Corte.
Da leitura do acórdão regional, à fl. 370, observase que a concessão do referido benefício pautou-se apenas
no princípio da sucumbência, conforme o disposto no artigo
20 do Código de Processo Civil.
Nos termos do atual posicionamento adotado pela
SBDI-1 do Tribunal Superior do Trabalho, o fato de a ação
ter sido proposta na Justiça comum, em que inexiste o -jus
postulandi-, garante o direito à concessão dos honorários
advocatícios baseado meramente na sucumbência.
Portanto, inaplicável o teor da Súmula nº 219 desta
Corte, em vista de referida peculiaridade.
Eis os precedentes desta Corte acerca da questão:
-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO
AJUIZADA NA JUSTIÇA COMUM. INEXISTÊNCIA DE JUS POSTULANDI.
INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 219 DO C. TST. Não se verifica a contrariedade à
Súmula 219 do C. TST da decisão do Eg. Tribunal Regional que mantém honorários
advocatícios, porque ausente o jus postulandi quando do ajuizamento da ação na Justiça
Comum, em que se buscou indenização por dano moral em razão do acidente de trabalho.
(-) Não há cabimento para a aplicação da Súmula 219 do C. TST, a determinar a
exigência de assistência pelo sindicato da categoria, nos casos em que -a ação foi
ajuizada na Justiça comum, onde é obrigatória a representação da parte por advogado,
aplicando o princípio da sucumbência-.
Bastando apenas a sucumbência da reclamada para que sejam deferidos aos
reclamantes os honorários advocatícios, porque quando ajuizou ação a parte o fez em
momento em que não era da competência desta c. Corte a matéria sobre o qual se fundou
a pretensão.
Assim, não há como se confundir as matérias. Uma coisa é o empregador ajuizar ação
trabalhista sem cumprir os requisitos a que remete a Lei 5584/70, outra coisa diversa, são
os casos trazidos a apreciação desta Corte em face da alteração da competência em
relação à matéria.
Verifica-se nesses casos que a parte não poderia ir a juízo perante a Justiça Comum a
cumprir uma regra processual inexistente, eis que a assistência sindical apenas é devida,
com o fim de se atribuir honorários advocatícios, na Justiça do Trabalho, conforme as
Súmulas 219 e 329 do C. TST.
Nesses casos, é de se manter a condenação em honorários advocatícios, pela mera
sucumbência-. (Processo: E-ED-RR - 9954400-51.2005.5.09.0091; Data de Julgamento:
27/05/2010; Redator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Subseção I Especializada em
Dissídios Individuais, Data de Divulgação: DEJT 28/06/2010)
-RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 11.496/2007.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. AÇÃO ANTERIORMENTE
PROPOSTA NA JUSTIÇA COMUM. NECESSIDADE DE PREENCHIMENTO DOS
REQUISITOS PREVISTOS NA LEI N.º 5.584/1970. In casu, discute-se se o fato de a
presente demanda ter sido ajuizada inicialmente na Justiça Comum afasta a necessidade
do preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 5.584/1970 para o deferimento dos
honorários advocatícios. De acordo com o entendimento firmado por esta Subseção,
tendo havido o ajuizamento da ação perante a Justiça Comum, em virtude da controvérsia
quanto à competência para apreciação das demandas relativas à indenização por dano
moral decorrente de acidente de trabalho, o deferimento dos honorários advocatícios não
está sujeito ao preenchimento dos requisitos previstos na Lei n.º 5.584/1970 (TST-E-EDRR-9954400-51.2005.5.09.0091, Redator Designado Aloysio Corrêa da Veiga). Recurso
de Embargos conhecido e provido-. (Processo: E-ED-RR - 139000-41.2007.5.09.0245;
Data de Julgamento: 22/06/2010; Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing; Subseção I
Especializada em Dissídios Individuais; Data de Divulgação: DEJT 06/08/2010)
-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA COMUM
ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. INDENIZAÇÃO POR
DANOS MORAIS E MATERIAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. Nos casos em que
ajuizada na Justiça Comum ação de indenização por danos morais e materiais decorrente
de acidente de trabalho antes da EC nº 45/2004, a remessa dos autos à Justiça do
Trabalho por força de alteração de competência não afasta o direito aos honorários
advocatícios pela mera sucumbência. Isso porque na Justiça do Trabalho o regime de
assistência judiciária é diferenciado, sendo prestado pelo sindicato da categoria do
trabalhador e a parte poderá demandar em nome próprio em razão do jus postulandi
autorizado pelo artigo 791 da CLT, sendo facultativa a representação por advogado.
Como não era possível que os reclamantes demandassem em nome próprio na Justiça
Comum e por não contarem com o benefício da assistência sindical, inviável a exigência
do preenchimento dos requisitos contidos na Lei 5.584/70 para o deferimento dos
honorários advocatícios. Precedentes. Recurso de revista parcialmente conhecido e
provido-. (Processo: RR - 84241-83.2007.5.03.0055; Data de Julgamento: 08/09/2010;
Relator Ministro: Horácio Raymundo de Senna Pires; 3ª Turma; Data de Divulgação:
DEJT 17/09/2010).
-HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AÇÃO AJUIZADA NA JUSTIÇA COMUM
ANTES DO ADVENTO DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45/2004. Na Justiça do
Trabalho, os honorários de sucumbência somente são cabíveis nas lides que não
decorram de relação de emprego, prevalecendo, quanto a estas, o entendimento
consagrado na Súmula 219 e referendado pela Súmula 329, ambas do Tribunal Superior
do Trabalho. A orientação contida em tais verbetes, contudo, não alcança as ações
propostas, originalmente, na Justiça Comum, antes da Emenda Constitucional nº
45/2004, que migraram para a Justiça do Trabalho, em razão da ampliação da
competência material. Recurso de revista não conhecido. 5. HONORÁRIOS
ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. -Os honorários advocatícios, arbitrados nos
termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor
líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos
descontos fiscais e previdenciários- (Orientação Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1/TST).
Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: RR - 104500-21.2005.5.04.0030;
Data de Julgamento: 18/08/2010; Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan
Pereira; 3ª Turma; Data de Divulgação: DEJT 17/09/2010).
Destarte, a benesse deve ser mantida, em face do
disciplinado pela Súmula nº 333 do TST.
No que diz respeito ao valor arbitrado, à fl. 380,
o TRT afirmou que seria o importe de 15% sobre o valor
bruto da condenação.
Assim, o julgamento do TRT dissente da Orientação
Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1 desta Corte, razão pela
qual conheço, nos moldes do artigo 896, -a-, da CLT.
MÉRITO
A consequência lógica do conhecimento do apelo, por
divergência da Orientação Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1
desta Corte é o seu provimento para determinar que os
honorários assistenciais incidam sobre o valor líquido da
condenação, nos termos de referido entendimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal
Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso
de revista, apenas quanto à -base de cálculo dos honorários
advocatícios-,
por
divergência
da
Orientação
Jurisprudencial nº 348 da SBDI-1 do Tribunal Superior do
Trabalho, e, no mérito, dar-lhe provimento, para determinar
que os referidos honorários incidam sobre o valor líquido
da condenação, nos exatos termos da referida orientação
jurisprudencial.
Brasília, 16 de março de 2011.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Pedro Paulo Manus
Ministro Relator
fls.
PROCESSO Nº TST-RR-90600-66.2005.5.04.0451
Firmado por assinatura digital em 17/03/2011 pelo sistema AssineJus da Justiça do Trabalho, conforme
MP 2.200-2/2001, que instituiu a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira.
Download

A C Ó R D Ã O 7ª Turma PPM/aps RECURSO DE REVISTA