município de vila real de santo antónio MUNICÍPIO DE VILA REAL DE SANTO ANTÓNIO Acessibilidade para todos município de vila real de santo antónio 303 acessibilidade para todos José Carlos Barros Arquitecto Paisagista - Vice-Presidente da Câmara Municipal de Vila Real de Santo António Resumo A Câmara Municipal de Vila Real de Santo António tem vindo a eleger a promoção da mobilidade sustentável – entendida na perspectiva da acessibilidade universal – como um domínio de intervenção prioritária. A eliminação de barreiras arquitectónicas e urbanísticas e a construção de ciclovias, no âmbito de um processo alargado de requalificação do espaço público, são os elementos mais visíveis desta prioridade assumida na promoção da acessibilidade e da mobilidade. Na presente comunicação, partindo de um diagnóstico das situações de partida, identificam-se algumas das intervenções realizadas nos últimos anos, realçando dois casos que, em nosso entender, configuram exemplos de boas práticas: a criação de uma brigada de intervenção permanente na requalificação do espaço público (designada por «Passo a Passo») e a intervenção de requalificação paisagística e ambiental da Praia da Manta Rota. Abstract The Municipality of Vila Real de Santo António has been actively promoting the sustainable mobility – understood on the perspective of an universal acessibility – as a priority intervention area. The removal of architectonic and urbanistic barriers and building cycle paths, on the scope of a broader requalification process of the public areas, are the visible elements of this assumed priority for the promotion of acessibility and mobility. Considering the present communication, starting with the diagnosis of the original situation, the interventions done on the last few years are identifiable, featuring what we understand to be 2 examples of best practices: the setup of an intervention brigade on a permanent basis for the requalification of the public areas, dubbed as “Passo a Passo” (could be translated as Step by Step) and the landscape and environmental intervention on the Manta Rota beach. município de vila real de santo antónio 305 1 Apresentação O concelho de Vila Real de Santo António localiza-se na zona mais meridional do país, no extremo oriental da região do Algarve. Com um total de 20.000 habitantes, é limitado a sul pelo mar e a nascente pelo Rio Guadiana. A sede do concelho, cidade com cerca de 12.000 habitantes, implanta-se junto à foz deste que é um dos mais importantes rios da Península. A localização da cidade – privilegiada do ponto de vista natural – apresenta fragilidades em termos de acessibilidade, com a principal ligação rodoviária a inscrever-se em zona urbana e a determinar alguns problemas de congestionamento de tráfego. A ligação ferroviária, por sua vez, insere-se numa Linha (a Linha do Algarve) que foi perdendo importância e que, na ausência de uma aposta clara neste modo de transporte, continuará a assumir uma importância residual e continuará a não constituir alternativa – ou mesmo complemento com significado – ao transporte particular motorizado. A cidade e a sua envolvência, por outro lado, apresentam condições de excelência para a circulação a pé e de bicicleta: amenidade climática, riqueza e diversidade paisagística, percursos em áreas protegidas (Mata Nacional, Parque Natural, Reserva Natural), escala urbana adequada, território plano… Assim – e paralelamente ao processo mais geral de planeamento no âmbito das acessibilidades rodoviárias –, a Câmara Municipal elegeu a promoção da mobilidade sustentável – entendida na perspectiva da acessibilidade universal – como um domínio de intervenção prioritário. É sobre este domínio mais especificamente que versa a presente comunicação. 2 Conceitos O tema da acessibilidade para todos talvez possa encontrar raízes na atitude de procurar resolver alguns problemas básicos de inclusão de pessoas com deficiência física grave, nomeadamente as que se movimentam em cadeira de rodas. Dar a possibilidade a estas pessoas de, autonomamente (ou, mesmo, com ajuda), aceder a um edifício público ou de serviços, foise instituindo como imperativo ético de uma sociedade que não podia continuar a permitir a exclusão destas formas gritantes de afastamento da vida quotidiana. É por aí que tudo começa. Devagar, como a prática demonstra. Mas, se quisermos ser justos – entre legislação e a sua lenta aplicação à realidade concreta –, é necessário reconhecer que a situação se tem vindo a alterar de modo muito positivo. Acontece que rapidamente a sociedade evoluiu nas suas exigências. E, mesmo enquanto estes problemas de exclusão de pessoas com deficiência grave iam sendo lentamente interiorizados por legisladores, políticos e sociedade em geral, já a questão começava a colocarse a um outro grau: a um nível superior de exigência, abarcando (desde logo) o espaço público e, progressivamente, todas as áreas de exclusão e assimetria e, por outro lado, alargando o universo de cidadãos a quem estas medidas de melhoria das condições de acessibilidade se destinavam. 306 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias Actualmente, pois, já não se trata de acudir exclusivamente aos «deficientes» (termo que, como se verá, não apenas por razões de linguagem politicamente correcta foi sendo abandonado); já não se trata apenas, por outro lado, de acudir à problemática do edificado sem acessibilidade ou, mesmo, da procura de resolução do problema das barreiras arquitectónicas no espaço público. É este o novo paradigma, é este o desafio com que hoje nos confrontamos: a acessibilidade entendida nas suas múltiplas vertentes – a do edificado, a do espaço público, a dos transportes, a da comunicação, a da infoacessibilidade; e a do universo de destinatários entendido de modo alargado, dos bebés às crianças, dos jovens aos adultos, dos idosos aos cidadãos com graves deficiências. Não se trata já, portanto, de resolver os problemas de locomoção e acessibilidade de deficientes ao edificado; não se trata já, por outro lado, de garantir que pessoas com deficiência possam movimentar-se no espaço público sem barreiras arquitectónicas; não se trata já, sequer, de atender à problemática de pessoas com mobilidade reduzida mais ou menos permanente. Trata-se, no essencial, de garantir que as cidades são espaços de inclusão generalizada, espaços de cidadania e democracia em que as pessoas, indiferentemente da sua condição ocasional ou permanente, têm acesso generalizado ao espaço e aos bens que a sociedade põe ao dispor, não de um grupo, não de uma parcela de cidadãos, mas de todos. Talvez convenha lembrar, embora possa parecer uma redundância, que um jovem com um saco enorme de compras, saindo de um supermercado, atravessando um parque de estacionamento, entrando num automóvel e depois saindo para percorrer a pé o espaço que o leva a casa é, ainda que momentaneamente, uma pessoa em situação de mobilidade reduzida. 3 Planos e Projectos Desenvolvidos O Município de Vila Real de Santo António faz parte dos sócios fundadores do Projecto da Rede Nacional de Cidades e Vilas com Mobilidade para Todos. No concelho, de há alguns anos a esta parte, começaram a ser realizadas algumas acções de eliminação de barreiras arquitectónicas. Mais recentemente, as preocupações com a mobilidade e a acessibilidade levaram a um conjunto de acções e intervenções, sobretudo no espaço público, movidas por esse desígnio de criação de espaços crescentemente inclusivos, em particular no domínio da mobilidade urbana. Desde há quatro anos, todas as intervenções de requalificação do espaço público são desenhadas com essa preocupação e esses princípios a servir de base aos respectivos projectos. Sempre que tecnicamente possível, as novas intervenções de requalificação paisagística incluíram vias cicláveis. Sempre que possível, as vias cicláveis são unidireccionais. No concelho de Vila Real de Santo António, em quatro anos, construíram-se 30 km de ciclovias. O concelho recebeu, em 2007, a Bandeira de Prata da Mobilidade e, mais recentemente, a Bandeira de Ouro. O Município foi igualmente convidado pelo Instituto Nacional da Reabilitação a apresentar publicamente o projecto de requalificação da praia da Manta Rota como exemplo de boas práticas a seguir no domínio da acessibilidade para todos. Em 2009, o Instituto Nacional da Reabilitação, o Instituto da Água, o Instituto de Socorros a Náufragos, o Turismo de Portugal e a Fundação Vodafone Portugal, atribuíram o prémio nacional da «Praia Mais Acessível» à praia da Manta Rota. Por sua vez, a totalidade das praias do concelho ostentam, além da Bandeira Azul, o galardão de “Praia Acessível”. município de vila real de santo antónio 307 Parece muito. Parece-nos pouco: todas as acções desenvolvidas neste domínio são, necessariamente, insuficientes – e um projecto convoca um novo projecto, e uma nova intervenção exige uma outra. Há um passo que ainda não conseguimos dar: mais do que projectos e acções, exige-se-nos uma cultura de interiorização da problemática da acessibilidade para todos como desígnio transversal – não apenas nos seus pressupostos teóricos mas, sobretudo, na prática quotidiana – no conjunto de intervenções, acções, programas e projectos desenvolvidos aos mais diferentes níveis. Cedo, no entanto, se compreendeu que a prossecução de iniciativas contínuas – mas necessariamente com carácter avulso, disperso, desligado – exigia um enquadramento estratégico-âncora: não apenas com vista à necessária articulação e coerência dos diferentes projectos desenvolvidos, mas sobretudo na perspectiva da definição de um quadro estratégico de base para a programação das iniciativas e projectos de mais alargado prazo. Consciente dessa indispensabilidade, a Câmara Municipal de Vila Real de Santo António voltou a estar na linha da frente ao elaborar, em 2008, um Plano Estratégico de Mobilidade. E, actualmente, participa na primeira geração de Programas de Promoção da Acessibilidade, encontrando-se em elaboração os respectivos Plano Local e Municipal, num processo que inclui diversificadas acções de formação e o envolvimento activo de técnicos do município e privados, bem como de associações, entidades e outros elementos da sociedade civil, através (desde logo, mas não apenas) da constituição de um Conselho Municipal de Acessibilidade que se encontra em funcionamento e com actividade regular. figura 1 Praia da Manta Rota: “ Praia Acessível “ e “ Bandeira Azul” 308 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias 4 Diagnóstico Ao longo do tempo fomos tratando tão mal o espaço público (espaço de todos e espaço de ninguém…) que quase nos esquecemos de quanto nos pertence. Deixámos o automóvel tomar conta das ruas, das praças e dos passeios; fomos erguendo barreiras arquitectónicas e criámos obstáculos à circulação pedonal; desvalorizámos a rua como lugar de encontro e convívio; promovemos formas de exclusão na acessibilidade a edifícios ou espaços exteriores. A existência generalizada de barreiras urbanísticas ou arquitectónicas é um dos elementos mais visíveis em todo este retrato. Os passeios, por exemplo, chegam a ser uma ironia: com postes de iluminação ou sinais de trânsito colocados a esmo, com floreiras espalhadas pelo eixo de circulação, com infra-estruturas a atravancar a passagem – um passeio serve às vezes para muitas coisas menos para passar ou passear… figura 2 Estacionamento abusivo nos passeios figura 3 Barreiras urbanísticas – sinalética e iluminação município de vila real de santo antónio figura 4 Barreiras urbanísticas – mobiliário urbano figura 5 Barreiras urbanísticas 309 310 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias 5 Algumas Intervenções As principais intervenções de requalificação e promoção da acessibilidade e mobilidade – tendo este diagnóstico como ponto de partida – têm vindo a incidir essencialmente sobre as praias, as entradas da cidade e alguns corredores de ligação indispensáveis ao estabelecimento de percursos pedonais e cicláveis. Eis um resumo, em imagens, de alguns dos projectos mais relevantes: figura 6 figura 7 Requalificação da Praia de Manta Rota Passadiços sobrelevados figura 8 Caminho dos Três Pauzinhos, de acesso à Praia de Santo António através da Mata Nacional, com uso exclusivo de peões, bicicletas e, no Verão, transporte colectivo (comboio) município de vila real de santo antónio 311 figura 9 Requalificação urbana da EN 122, incluindo a criação de ciclovias figura 10 Requalificação urbana da ex-EN 125, com inclusão de ciclovia figura 11 Requalificação urbana e paisagística da Estrada da Mata – Ligação Vila Real de Santo António a Monte Gordo, incluindo a execução de percurso pedonal em saibro e ciclovias unidireccionais, numa extensão de 3 Km 312 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias figura 12 Requalificação da Av. das Comunidades Portuguesas figura 13 Ecovia do Litoral Algarvio – Concelho de VRSA. Projecto regional, que permitiu estabelecer um percurso ciclável e transversal a todos os concelhos do Algarve município de vila real de santo antónio 313 figura 14 Ecovia do Litoral Algarvio – Concelho de VRSA. Projecto regional, que permitiu estabelecer um percurso ciclável e transversal a todos os concelhos do Algarve A Semana Europeia da Mobilidade é uma oportunidade de, anualmente, aproveitar para ligar muitas destas acções, sobretudo na perspectiva da divulgação e da sensibilização para a mobilidade sustentável: encerramento de um troço urbano ao trânsito automóvel, monitorização de ruído e contagem de tráfego, realização de peddy-paper’s, demonstração de veículos eléctricos e disponibilização gratuita de bicicletas – a par de um conjunto de acções de divulgação e sensibilização – foram, só a título de exemplo, algumas das iniciativas levadas a efeito na última edição desta iniciativa. 314 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias figura 15 Disponibilização gratuita de bicicletas, acção integrada na semana da mobilidade no Concelho de VRSA figura 16 Algarve Green Vehicle Challenge, acção integrada na semana da mobilidade no Concelho de VRSA 6 Boas práticas Como se vê, a actuação do Município de Vila Real de Santo António tem vindo a caminhar no sentido de uma progressiva prioridade às questões relacionadas com a acessibilidade e a mobilidade. Mas, de entre os vários projectos e acções, gostaria, para concluir, de deixar-vos referência a dois projectos, de alcance diverso, que, em nosso entender, configuram exemplos de boas práticas: a criação da brigada de intervenção permanente de requalificação do espaço público («Passo a Passo») e a intervenção de requalificação paisagística e ambiental da Praia da Manta Rota. município de vila real de santo antónio 315 6.1 «Passo a Passo» A Câmara Municipal de Vila Real de Santo António, para além dos grandes projectos de requalificação, tem vindo a desenvolver com regularidade um conjunto de pequenas intervenções no espaço público no domínio da abolição de barreiras arquitectónicas. Trata-se, de um modo geral, de actuações avulsas, por vezes desenvolvidas na sequência de reclamações ou da identificação, pelos Serviços, de situações que claramente justificam uma acção imediata de reparação ou reposição de calçadas, de rebaixamento de lancis, de relocalização de sinais de trânsito em zonas pedonais. A elaboração de planos e projectos no domínio da acessibilidade tem permitido, no entanto, uma visão estratégica que permitiu avançar para o desenvolvimento de acções concertadas. Nesse sentido, foi recentemente criada uma brigada de intervenção permanente de requalificação do espaço público e de promoção da acessibilidade, no âmbito de um projecto designado por «Passo a Passo», com o objectivo de planear e concretizar propostas emergentes dos Planos Local e Municipal de Promoção da Acessibilidade. Não se trata já da realização de pequenas acções avulsas, mas de intervenções alargadas em determinadas áreas da cidade, actuando, através do estabelecimento de prioridades, na correcção de todos os problemas e disfunções identificadas pelos Planos. figura 17 Requalificação de vias pedonais Rua Teófilo Braga, VRSA figura 18 Espaço público sem barreiras arquitectónicas e urbanísticas – Av. Ministro Duarte Pacheco, VRSA 316 movilidad sostenible en ciudades medias mobilidade sustentável em cidades médias figura 19 figura 20 Passeios Livres de Obstáculos Rebaixamento de Passadeiras figura 21 Eliminação de barreiras arquitectónicas e urbanísticas – Rua da Casinha do Consumo, VRSA município de vila real de santo antónio 6.2 Praia da Manta Rota 317 A intervenção na Praia da Manta Rota (cuja urgência era de há muito um dado adquirido) pode, a vários títulos, considerar-se exemplar. Ao processo de crescimento urbano do aglomerado não correspondia a funcionalidade do espaço de interface, ambiental e paisagisticamente desqualificado, com estacionamento desregrado sobre terra batida e acessos pedonais a efectuar-se por entre automóveis, poeira e dunas em avançado processo de degradação. A quase totalidade da área de intervenção localiza-se em parcelas do Domínio Público Hídrico e, parcialmente, em Área Protegida (limite nascente do Parque Natural da Ria Formosa). Não obstante a necessidade de envolvimento de um conjunto de entidades com competências no DPH (Câmara Municipal, CCDR, ICNB, Capitania, etc…), conseguiu-se uma notável articulação institucional, um rápido acordo quanto aos pressupostos da intervenção e quanto ao plano de financiamento. Cerca de um ano depois da elaboração do projecto, a obra de requalificação estava concluída. Toda a intervenção, como já se disse, assentou em princípios de promoção da acessibilidade: com rebaixamento de lancis, com diferenciação de pavimentos, com a construção de uma praça central de nível, com informação para invisuais, com uma rede geral de passadeiras a partir das zonas de estacionamento automóvel, com rampeamento de corredores de circulação, com passadeiras sobreelevadas de acesso ao areal (também rampeadas), com os acessos a fazerse de nível aos equipamentos de restauração, com instalações sanitárias para deficientes e pessoas com mobilidade reduzida, com zonas de repouso e lazer, etc. figura 22 figura 23 Praia da Manta Rota – Espaço livre de obstáculos Requalificação da Praia de Manta Rota Trajecto acessível