Julho | 2011
A Evolução Recente das Contas Externas do Brasil
Após cinco anos consecutivos de superávits, entre 2003 e 2007, em 2008 o saldo em transações correntes do Brasil voltou a ser deficitário em US$ 28
bilhões. Desde então o déficit vem crescendo, tendo terminado 2010 em US$ 47,5 bilhões e devendo chegar ao fim de 2011, segundo o Banco Central, em US$ 60
bilhões. A piora das contas vem ocorrendo em todos os grupos: na balança comercial, nos serviços e nas rendas. Neste comentário vamos discutir brevemente a
dinâmica da elevação do déficit e eventuais riscos para o seu financiamento.
Uma parte da ampliação dos déficits em conta corrente reflete a redução do superávit comercial, que caiu de US$ 40 bilhões em 2007 para US$ 20 bilhões em
2010. Nesses anos tivemos um aumento muito forte do volume das importações, que cresceram cerca de 30%, enquanto o volume de exportações ficou
praticamente estagnado. Esse movimento foi parcialmente contrabalançado por aumentos sucessivos dos preços dos produtos exportados pelo país, que subiram
cerca de 35% no período, puxados principalmente pelas commodities, enquanto o preço das importações subiu apenas 7%.
Esta melhora nos preços relativos da nossa pauta de comércio exterior evitou uma diminuição ainda maior do superávit comercial. Caso os preços das
importações e exportações do país voltassem à média de 2006 e o câmbio ficasse constante, a balança comercial de 2010 teria registrado déficit de US$ 11 bilhões
ao invés de superávit de US$ 20 bilhões. Este tipo de análise é inerentemente imprecisa, uma vez que as quantidades exportadas aos novos preços possivelmente
seriam menores, o que levaria a um déficit ainda maior. Mas os números são úteis pelo menos como estimativa do piso da necessidade adicional de financiamento em
meio a uma eventual queda dos preços de commodities, para uma dada taxa de câmbio.
Outra parte da elevação no déficit da conta corrente reflete o aumento do déficit de serviços, que passou de US$ 13 bilhões em 2007 para mais de US$ 30
bilhões em 2010. Esse crescimento foi liderado pelo déficit em viagens internacionais, que passou de US$ 3 bilhões para US$ 10 bilhões, e pelo déficit de aluguel de
equipamentos, que passou de US$ 6 bilhões para quase US$ 14 bilhões.
O período em questão foi de forte valorização do câmbio real brasileiro. Essa valorização é em parte uma consequência da mudança de preços relativos da
nossa pauta de exportação. Se o mundo está disposto a pagar mais pelos produtos que exportamos, é natural que nossa taxa de câmbio se valorize de modo que
possamos importar mais produtos e utilizar mais serviços do exterior em contrapartida. Mas é importante ter em mente que uma reversão do preço a patamares
antigos significaria uma necessidade de financiamento externo ainda maior ou uma diminuição substantiva da nossa importação e do nosso consumo de serviços do
exterior.
Finalmente, o restante do déficit de transações correntes corresponde ao déficit na conta de rendas, que saltou de US$ 30 bilhões para US$ 40 bilhões em
2010. Esta conta tem mostrado uma composição substancialmente diferente daquela da primeira metade dos anos 2000, consistindo hoje primordialmente de
remessas de lucros e dividendos em detrimento de pagamento de juros. A participação da remessa de lucros no déficit total de rendas subiu de 25% em 2001 para
76% em 2010, enquanto a participação dos juros caiu de 75% em 2001 para 24% em 2010. Essa mudança é reflexo direto da alteração da composição do passivo
externo líquido do país. Em 2001, a participação em capital de empresas e investimentos em ações representavam 38% do passivo externo do Brasil. Em 2010
representavam 62%.
Essa mudança atua no sentido de atenuação dos riscos de financiamento da conta corrente. O pagamento de juros tende a se manter estável
independentemente da fase do ciclo econômico. Além disso, quando a dívida é denominada em dólares uma desvalorização do câmbio significa pagamentos maiores
em reais. De maneira diversa, numa eventual desaceleração econômica, os lucros tendem a diminuir, o que leva a uma diminuição também na remessa dos mesmos
para o exterior. Ainda mais, como os lucros são auferidos em reais, uma taxa de câmbio mais depreciada significa remessas em dólares ainda menores. Essa
característica é bastante desejável, pois faz com que o déficit nas contas externas diminua nos períodos de desaceleração, quando é comum que a disposição dos
estrangeiros de financiar estes déficits diminua.
Esse movimento foi bastante claro entre 2008 e 2009. Em 2008 a economia brasileira cresceu 5,2% finalizou o ano com remessas de lucros e dividendos para
o exterior de US$ 34 bilhões e pagamentos de juros de US$ 7 bilhões. Em 2009, quando a economia se contraiu em 0,2%, as remessas de lucros foram de US$ 25
bilhões e o pagamento de juros foi de US$ 9 bilhões. Isto é, a remessa de lucros caiu cerca de 25% de um ano para o outro, diminuindo em US$ 9 bilhões a necessidade
de financiamento externo. Enquanto isso, o pagamento de juros aumentou cerca de 30%, aumentando a necessidade de financiamento externo em US$ 2 bilhões.
Julho | 2011
Pelo lado do financiamento, a forma considerada mais segura de financiar tais déficits é o recebimento de investimentos estrangeiros diretos. Comparado
com investimentos em portfólio, o investimento direto tende a ser de longo prazo, o que diminui a chance de haver uma saída brusca de capitais. A situação de ampla
liquidez internacional, que tem favorecido os vultosos investimentos estrangeiros em portfólio no país, pode se reverter com velocidade.
Apesar de mais estáveis, os investimentos diretos também estão sujeitos a flutuações. No ano passado, o total de investimento estrangeiro direto foi de US$
48 bilhões, enquanto em 2011 o Banco Central prevê entradas de US$ 55 bilhões. Porém, caso neste ano tais investimentos voltassem aos níveis de 2007, por
exemplo, quando foram da ordem de US$ 34,5 bilhões, o país dependeria de um fluxo de mais de US$ 25,5 bilhões para financiar o déficit em transações correntes
previsto pelo Banco Central de US$ 60 bilhões.
No todo, a situação atual de financiamento do déficit em transações correntes é relativamente confortável. A despeito da forte valorização do real, os
superávits comerciais se mantêm em níveis expressivos graças à forte melhora nos termos de troca observada nos últimos anos.
Contudo, embora o déficit em transações correntes se situe em níveis ainda moderados, sua trajetória de elevação deve servir de alerta. A abundância de
fluxos de capitais pode dar a falsa ilusão de que é possível financiar déficits de forma ilimitada. Paradoxalmente, porém, o financiamento poderia diminuir caso os
déficits aumentassem. A experiência mostra que sempre há financiamento abundante para quem não precisa dele.
Rafael Magri
Analista do Opportunity e mestre em Economia pela PUC-Rio.
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