O CABELO CRESPO COMO ALVO DE ESTEREÓDIPOS NO COTIDIANO
ESCOLAR
RODRIGUES, Maria Aparecida Tortorelli Campos-UFMT
LOPES, Suzana Nogueira-UFMT
Este trabalho busca compreender o significado social e os sentidos dados ao cabelo
crespo no ambiente da sala de aula, bem como este, tem se tornado o cerne do sistema
de classificação racial. A metodologia compreendeu análises quanti-qualitativas,
utilizando como instrumentos questionários, entrevistas semi-estruturadas, 59 imagens
de pessoas de diversos grupos étnicos e diálogo informal com 45 estudantes de uma
escola Estadual de Cuiabá. Procurou-se escolher uma turma de alunos que fosse
composta por uma grande diversidade étnica (brancos, pardos, negros, etc.). Parece que
o cabelo tem sido alvo de estigmas e não de afirmação étnico-racial, pois de todas as
imagens utilizadas, somente as que tinham pessoas negras, usando diversos modelos de
penteados, não foram escolhidas, até mesmo pelos alunos negros. Os sujeitos não
apresentaram constrangimento em tecer opiniões sobre o cabelo das pessoas negras,
dando visibilidade ao preconceito racial antes camuflado através de brincadeiras com
cunho pejorativo.
Palavras-Chave: Escola. Identidade Negra. Cabelo.
No Brasil, as questões étnicas raciais se encontram em foco em diversos debates,
a cada pesquisa realizada, os conhecimentos dela advindos, revelam outras faces do
preconceito racial que permeia as relações. Esses debates chegam a incomodar muitas
pessoas, por acreditar-se que esse problema já foi superado no passado com a Lei
Áurea. O problema é que o preconceito nem sempre apresenta-se de maneira clara, ele
manifesta-se mascarado através de gestos, atitudes e principalmente por meio de frases
carregadas de estereótipos que são dirigidas as pessoas negras.
Atualmente as questões étnicas raciais no Brasil, também estão sendo enfocadas
com mais freqüência no ambiente escolar. Isso se deve ao fato de que na escola essas
relações, que muitas vezes são conflituosas, devido à diversidade cultural dos que dela
fazem parte, acentuam-se gerando ações discriminatórias e preconceituosas. Para Lopes
(2005, p.188)
[...] a discriminação supervaloriza determinadas culturas, dá ao dominador a
idéia de que é o melhor e desenvolve no discriminado o sentimento de
menos-valia. Permite que a sociedade seja considerada sob duas óticas
divergentes: Do discriminador, que manda e se considera o mais capaz, o
mais culto, o dono do mundo e das pessoas, que sempre estabelece as regras
do jogo que lhe interessa, que mantém sua auto-estima em alta às custas do
outrem; a do discriminado, que fica à mercê das decisões do discriminador, o
qual tenta organizar a vida do grupo social em função de seus interesses e
privilégios; que tem de lutar bravamente para elevar sua auto-estima, que tem
de construir sua identidade a duras penas.
Por esse motivo torna-se fundamental o desenvolvimento de pesquisas possam
suscitar reflexões mais abrangentes, sobre as questões étnicas no ambiente escolar. A
relevância do trabalho está em contribuir para estas reflexões, além de verificar se os
discursos discriminatórios, que permeiam a sociedade encontra-se arraigado, nas
manifestações, atitudes, palavras, preferências e reações dos estudantes. Por esse
motivo, buscou-se compreender o significado social e os sentidos dados ao cabelo
crespo no ambiente da sala de aula, bem como este tem se tornado o cerne do sistema de
classificação racial.
A presente pesquisa possui uma abordagem empírica, com análise qualitativa
dos dados. Pautada nos estudos de Santos Filho & Gamboa (2002), que buscam
compreender os significados que as pessoas dão sobre suas próprias situações. Houve
também a utilização de instrumentos como; entrevistas semi-estruturadas e 59 imagens
de pessoas de diversos grupos étnicos. Os sujeitos da pesquisa são 45 estudantes da 5ª
série, de uma escola pública, com faixa etária que varia de 10 a 15 anos de idade.
Procurou-se escolher uma turma de alunos que fosse compostas por uma grande
diversidade étnica (brancos, pardos, negros, etc.). Os trabalhos foram divididos em duas
etapas: sendo que na primeira etapa espalharam-se as imagens em cima de uma mesa e
em seguida foi pedido para que os estudantes escolhessem a pessoas que estes
consideravam a mais bonita. Na segunda etapa foram feitas entrevistas com os mesmos,
em que cada aluno deveria dizer o motivo de sua escolha e/ou rejeição.
Os resultados mostram que o cabelo passa a ser um dos traços marcantes na
estereotipação das pessoas negras, principalmente das mulheres. Este foi por diversas
vezes referenciado como a característica estética que não agradava aos pesquisados.
Santos (2006, p.104) fala que a “percepção negativa desse atributo físico nas relações
entre alunos, evidencia a concepção de inferioridade do negro, caracterizado para além
da cor. A cor deixa de ser, num primeiro plano, a marca da diferença, dando lugar para
o atributo cabelo”. Essa situação discriminatória parece impregnar as relações no
ambiente escolar, em que a expressão “cabelo de assolam” e “cabelo de bruxa” são o
termo mais utilizado pelos alunos.
Na escola também se encontra a exigência de “arrumar o cabelo”, o que não
é novidade para a família negra. Mas essa exigência, muitas vezes, chega até
essa família com um sentido muito diferente daquele atribuído pelas mães ao
cuidarem dos seus filhos e filhas. Em alguns momentos, o cuidado dessas
mães não consegue evitar que, mesmo apresentando-se bem penteada e
arrumada, a criança negra deixe de ser alvo das piadas e apelidos pejorativos
no ambiente escolar. Alguns se referem ao cabelo como: “ninho de guacho”,
“cabelo de bombril”, “nega do cabelo duro”, “cabelo de picumã”! Apelidos
que expressam que o tipo de cabelo do negro é visto como símbolo de
inferioridade, sempre associado à artificialidade (esponja de bombril) ou com
elementos da natureza (ninho de passarinhos, teia de aranha enegrecida pela
fuligem) (GOMES, 2002, p.45).
Este fato foi perceptível nas falas dos sujeitos pesquisados, pois os traços físicos
que mais lhes chamaram a atenção, foi o cabelo; sendo o cabelo da mulher branca a
característica com mais aceitação, recebeu 33 (trinta e três) votos, seguidos da cor dos
olhos (07 votos) e lábios (05 votos). Ao indagamos os motivos em que os estudantes
não consideravam o cabelo das outras pessoas bonitos, as respostas se pautaram na
seguinte afirmativa: o cabelo das outras pessoas são ruim e feio. Esta afirmativa foi
principalmente dirigida para o cabelo das pessoas negras.
Parece que o cabelo tem sido alvo de estigmas e não de afirmação étnico-racial,
pois de todas as imagens utilizadas, somente as que tinham pessoas negras, usando
diversos modelos de penteados, não foram escolhidas, até mesmo pelos alunos negros.
Percebe-se que ao receberem certos apelidos na escola, devido aos seus cabelos, os
estudantes negros experienciam a não aceitação e o racismo, pelo fato de pertencerem a
uma etnia que não é a branca. Segundo dados da pesquisa, o cabelo passou a ser um dos
traços marcantes na estereotipação das pessoas negras, principalmente das mulheres.
Segundo Santos (2006) os sujeitos possuem uma facilidade em tecer opiniões
sobre o cabelo, sem constrangimento, tornando assim mais visível o preconceito racial
em relação ao negro. A autora ainda ressalta que,
[...] a percepção negativa desse atributo físico, nas relações entre alunos,
evidencia a concepção de inferioridade do negro, característica para além da
cor. A cor deixa de ser, num primeiro plano, a marca mais funcional. Ou
seja, o negro é estigmatizado no jogo das experiências sem, no entanto, que
se refira diretamente à cor/raça. O cabelo passa a ser utilizado de forma
simétrica à cor, como um signo para a ação de discriminação. Por isso, como
veículo de preconceito, ele se torna mais funcional que propriamente a cor
da pele, pois se referir ao cabelo parece estar constituído no imaginário do
preconceituoso, que não caracteriza uma forma aberta de racismo (Idem,
p.104).
Essa situação discriminatória freqüentemente tem impregnado as relações no
ambiente escolar, em que a expressão “cabelo de bombril” e “cabelo de bruxa” são os
termos mais utilizado pelos alunos. Parece que os estudantes não apresentavam
constrangimento em tecer opiniões sobre o cabelo, dando visibilidade ao preconceito
racial antes camuflado através de brincadeiras com cunho pejorativo. Porém ao
perceberem que o principal assunto deste trabalho estava voltado para as questões
étnicas raciais, tentaram não externar através de suas falas, algo que os
comprometessem.
Sabe-se que a escola não é uma instituição neutra, ela é também formadora de
saberes sociais e culturais. Neste sentido, a escola pode ser uma instituição que tem a
possibilidade de contribuir para que a ideologia discriminatória seja transmitida ou
perpetuada. Por isso, se evidencia a importância de escutar sobre como os estudantes
percebem o mundo em que vivem, abrindo um espaço para a circulação da palavra no
ambiente escolar, possibilitando assim que o diálogo seja a ferramenta fundamental para
a solução de problemas, talvez assim, a escola se tornará um lugar mais democrático.
Percebe-se que ao excluímos os outros que diferem de nós, excluímos a nós mesmos e
perde-se a chance de aprender com os que são diferentes de nós. Acredita-se que ao
oferecer oportunidade para que as pessoas falarem sobre suas vivências, abre-se um
leque de possibilidades para o pesquisador analisar a realidade em que os sujeitos estão
inseridos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
GOMES, Nilma Lino. Educação e relações raciais: refletindo sobre algumas estratégias
de atuação. In MUNANGA, Kabengele (org). Superando o racismo na escola.
Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
Diversidade, 2005.
LOPES, Vera Neusa. Racismo, Preconceito e discriminação: procedimentos didáticospedagógicos e a conquista de novos comportamentos. In: MUNANGA, Kabengele
(org). Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.
SANTOS FILHO, José C.; GAMBOA, Sílvio S. Pesquisa educacional: quantidadequalidade. SP: Cortez, 2002.
SANTOS, Angela Maria dos. Vozes e silêncio do cotidiano escolar: análise das
relações raciais entre alunos negros e não negros em duas escolas públicas no município
de Cáceres-MT. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Mato
Grosso, Instituto de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Cuiabá:
UFMT/IE, 2006.
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o cabelo crespo como alvo de estereódipos no cotidiano