Efeitos da Suplementação Dietética com Ácidos
Gordos Polinsaturados ω3 (AGω3) no Metabolismo
Lipídico e Lipoproteico
Pedro
O.
Rodrigues,
Maria
da
Graça
Morais,
Marcos
Agostinho
II,
Rui G. Loureiro
Depto. de Bioquímica da Faculdade de Ciências Médicas da UNL
Campo Mártires da Pátria, 130, 1169-056 Lisboa, Portugal
À nascença o português apresenta uma esperança de vida de 85,5 anos
ou de 78 anos conforme for do sexo feminino ou masculino, respectivamente.
Contudo, a ideia geral que possuímos é que são poucos os que atingem estas
idades com qualidade de vida e com saúde. As estatísticas disponíveis nas
páginas de Actualidades do Instituto Nacional de Estatística (INE) na Internet,
mostram as principais causas de morte em Portugal ao longo de mais de quatro
décadas (Fig.1).
Figura 1. Principais causas de morte (1960 a 1997) em Portugal.
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Durante o ano de 1997, registaram-se em Portugal cerca de 105 mil
óbitos. As doenças do Aparelho Circulatório continuam a ser a primeira causa de
morte em Portugal com cerca de 40,1% do total. As Doenças Neoplásicas
Malignas foram responsáveis por 19,5% dos óbitos. Estas duas causas de morte
foram responsáveis por cerca de 60% dos óbitos registados em 1997, ou seja 63
mil óbitos.
Figura 2. Principais causas de morte em 2000 e recursos na área da saúde em Portugal.
Em 2000, verificou-se uma ligeira melhoria em relação às Doenças do
Sistema Circulatório e um agravamento no que respeita a Tumores, mantendo o
somatório destas duas causas de morte em cerca de 59% dos óbitos registados
em 2000 (Fig.2).
Ao longo das últimas 3 décadas, numerosos estudos examinaram a
relação entre o consumo de gorduras consumidas na dieta e o aparecimento de
doenças do foro cardiovascular. Um número significativo destes estudos, muito
particularmente os de natureza epidemiológica, evidenciaram uma baixa
significativa de mortalidade cardiovascular em populações com elevado
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
consumo de pescado (1-3). Aparentemente, esta diminuição de doença
cardiovascular é explicada pelo consumo de ácidos gordos de cadeia longa e
insaturados da classe ómega 3 (AGω3) existente no pescado consumido por
essas populações (4-6). Desde então, centenas de estudos clínicos têm sido
realizados para analisar os efeitos de AGω3, quer obtidos de peixes e animais
marinhos, quer os de origem vegetal, sobre uma vasta gama de factores e
marcadores intermediários da doença cardiovascular, com o objectivo de
explicar e definir os benefícios potenciais do incremento do consumo dietético
dos AGω3.
Recentemente, Daviglus et al. (7) apresentaram os resultados de 30 anos
de follow-up do Chicago Western Electric Study, em que demonstraram
claramente que homens que consumiam 35 g ou mais de pescado diariamente,
em comparação a indivíduos que não consumiam qualquer quantidade de peixe,
apresentavam um risco relativo de morte por Doença Coronária (DC) de 0,62 e
um risco de morte não súbita por enfarte de miocárdio (IM) de 0,33. Estes
resultados são confirmados por Zhan et al. (8). Neste estudo, estes autores
demonstram que o consumo de pescado estava associado a uma diminuição
significativa do risco de DC isquémica e Acidente Vascular Cerebral (AVC) no
universo de 36 países. Mizushima et al. (9), estudando japoneses vivendo no
Japão e no Brasil, demonstraram existir uma relação de dose-efeito entre a
frequência de consumo semanal de peixe e a redução dos valores de factores
de risco para as Doenças Cardiovasculares (obesidade, hipertensão arterial,
HbA1c, alterações ST-T do ECG). Não parece existir diferenças significativas
entre homens e mulheres. Hu et al. (10) ao analisarem a frequência do consumo
de peixe no Nurse’s Health Study, constataram que comparando mulheres que
raramente consumiam peixe (menos de uma vez/mês) com as que consumiam
1-3 vezes/mês, uma vez/semana, 2-4 vezes/semana e mais do que 5
vezes/semana, o risco de morte precoce por doença cardiovascular diminuía
muito significativamente (p=0,001) nestas últimas, em 21%, 29%, 31% e 34%
respectivamente. Analisando os quintis extremos para o consumo de pescado, a
redução no risco de morte por doença coronária (DC) parece ser mais forte do
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
que para enfartes agudos do miocárdio (EAM) não fatais, risco relativo (RR) 0,55
versus 0,73.
A ligação entre o consumo deficiente de ácidos gordos ω3 (AGω3) e o
risco de morte precoce por doença coronária é suficientemente forte para
justificar recomendações da American Heart Association (11), da European
Cardiology Society (12), da Scientifc Advisory Committee on Nutrition (Reino
Unido) (13) e de muitas outras instituições e organizações profissionais ligadas à
saúde, para o aumento da ingestão destes ácidos gordos ω3.
Muito recentemente, uma meta-análise de 13 coortes que incluía mais de
222000 indivíduos seguidos por cerca de 12 anos para análise de incidência de
morte por doença cardiovascular (14), mostrou que o consumo tão baixo como 1
refeição de peixe por semana em comparação com menos de 1 refeição por
mês, estava associada a uma redução de risco em 15%. Esta diferença foi
estatisticamente significativa. Quando os indivíduos incluídos nesta meta-análise
foram repartidos em categorias de consumo de pescado (<1/mês, 1-3/mês,
1/semana, 2-4/semana, e ≥5/semana) os que apresentaram consumos mais
elevados, usufruíram duma diminuição em 40% do risco de morte precoce por
Doença Cardiovascular. Em 1999, o estudo GISSI (15) demonstrou em 11324
doentes pós-EAM, que a suplementação dietética destes doentes com 850
mg/dia de ácidos gordos ω3 (EPA+DHA) em comparação com o tratamento
usual protocolado, durante 35 anos, diminuiu em 20% o risco de morte por todas
as causas e o risco de morte súbita em 45% no grupo de doentes tratados com
ácidos gordos ω3. Um estudo de follow-up no âmbito GISSI-Trial (16), com o
objectivo de analisar o momento cronológico do efeito benéfico do tratamento
com ácidos gordos ω3 sobre a taxa de mortalidade, demonstrou que as curvas
de sobrevivência começavam a divergir do grupo controlo aos 3 meses de
suplementação, apresentando um risco relativo (RR) de 0,59 e aos 4 meses, o
risco de morte súbita tinha diminuído para um RR=0,47.
No entanto, apesar de existir uma quantidade substancial de dados e
evidências que suportam o efeito protector dos ácidos gordos ω3 na prevenção
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
secundária da doença cardiovascular, alguns trabalhos recentemente publicados
não comprovam tal efeito (17-19).
Esta aparente conflituosidade poderá ser explicada na base de conceitos
diferentes e factores residuais que contaminam os grupos em análise (20) como
seja, por exemplo, inclusão de indivíduos no grupo controlo, com estilos de vida
menos saudáveis (less healthy lifestyle). A variabilidade dos eventos de
referência (end points) escolhidos, o desenho experimental utilizado, o tipo de
pescados e seus conteúdos conteúdo em ácidos gordos, poderão contribuir para
a não concordância dos resultados (21).
Com a intenção de objectivar os efeitos benéficos dos ácidos gordos ω3
na Doença Cardiovascular muito particularmente, ao nível da lesão ateromatosa,
foi realizado por Von Schacky et al. (22) um estudo randomizado, dupla
ocultação e controlo por placebo em 223 doentes sujeitos a angiografia
coronária. A administração de 3g/dia de ácidos gordos ω3 nos 3 meses primeiros
seguido de 1,5g/dia por 21 meses demonstrou uma significativa (p=0,04)
diminuição da progressão, uma maior regressão e uma menor propensão a
eventos clínicos. Da mesma forma, Eritsland et al. (23) em 610 doentes sujeitos
a técnicas de by-pass coronários, com suplementação dietética de 3-4 g/dia de
AGω3 sob a forma de etilésteres, obteve melhor taxa de diminuição de oclusão
dos enxertos vasculares em comparação aos controlos (27% vs. 33% p=0,03).
Em relação à acção anti-reestenose pós-angioplastia coronária transluminal
percutânea dos AGω3 parece ser ainda conflituosa. Para uns (24) observam-se
efeitos benéficos, enquanto que outros (25,26) não constatam tais efeitos.
Possíveis Mecanismos de Acção dos Ácidos Gordos ω3
O metabolismo lipídico e lipoproteico altera-se de forma significativa com
o consumo regular de pescado e suplementação nutricional com Ácidos Gordos
Polinsaturados ω3 (AGω3) (27). Os efeitos hipotrigliceridémicos dos AGω3 estão
bem documentados e não são motivo de discórdia (27). A trigliceridémia pósprandial é especialmente sensível ao consumo crónico de AGω3 (28 ,29).
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Bastam doses de AGω3 inferiores a 2g/dia para produzirem tais efeitos (30). As
respostas dos parâmetros lipídicos e lipoproteicos à suplementação de AGω3
não apresentam diferenças em indivíduos diabéticos e não diabéticos (31)
apesar de existir uma relação muito estreita entre a glicémia e trigliceridémia.
Uma recente meta-análise de 26 estudos com indivíduos com Diabetes Mellitus
tipo 1 ou tipo 2 não demonstrou efeitos significativos dos AGω3 na concentração
plasmática de hemoglobina A1c (32), apesar de aumentar ligeiramente a
glicémia dos indivíduos com diabetes tipo 2. O efeito hipotrigliceridémico dos
AGω3 é mais marcante para níveis plasmáticos dos triglicéridos superiores a
750mg/dL. Contudo os resultados preliminares por nós realizados em indivíduos
assintomáticos sem diabetes ou dislipidémia e em doentes com insuficiência
renal crónica em hemodiálise, sujeitos a uma suplementação dietética de AGω3
na dose semanal de 12g, apresentaram efeitos benéficos nos níveis de
triglicéridos sanguíneos. Quer no Grupo Controlo quer no Grupo Doentes, os
triglicéridos (TG) diminuíram de 105±34mg/dL para os 93±24mg/dL e de
161±113mg/dL
para
os
150±86mg/dL,
nos
dois
grupos
estudados,
respectivamente. Com o decréscimo dos TG plasmáticos, era de esperar um
ligeiro aumento das HDL, o que veio a suceder no Grupo Controlo, em que os
níveis plasmáticos passaram de 58±21mg/dL na situação basal (pré-tratamento)
para os 63±28mg/dL aos 3 meses de suplementação. Para cada 1 mg/dL de
aumento das HDL plasmáticas obtém-se uma diminuição de 3% no risco
cardiovascular (33).
As sub-fracções das HDL, as HDL2 e as HDL3 apresentaram aumentos de
10,5% e 5% no grupo controlo, respectivamente. As HDL3 são as partículas HDL
mais ricas em ApoA1 e as HDL2 resultam da transformação das HDL3 e que
apresentam dimensões maiores e maior conteúdo em colesterol. A análise da
porção proteica das HDL, ou seja, as apoproteínas A1 (ApoA1), a principal
apoproteína das HDL3, não apresentou alterações, variando de 1,53±0,41g/dL
para 1,49±0,42g/dL nos controlos e de 1,25±0,24g/dL para 1,24±0,35g/dL nos
doentes, sugerindo que o rácio colesterol das HDL sobre ApoA das HDL
aumentou, após suplementação com AGω3, por enriquecimento destas
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
partículas lipoproteicas em colesterol. Se aceitarmos que o pequeno aumento
das HDL2 (10,5%) em comparação às HDL3 (5%) e o aumento da apoproteína E
(ApoE) em 27% (75±22mg/dL vs. 95±22mg/dL) aos 3 meses de suplementação,
associados a uma diminuição dos TG, leva-nos a pensar que a suplementação
neste Grupo Controlo estará, muito provavelmente, a favorecer o transporte
inverso do colesterol tecidular periférico para o fígado (Fig.3).
Figura 3. Esquema do Mecanismo do Transporte Inverso do Colesterol.
HDL – lipoproteina de alta densidade; LDL – lipoproteina de baixa densidade; CETP – Cholesterol Ester Transfer
Protein; Ro-LDL – Receptor das LDL; SRB1 – Scavenger Receptor B1; Ro-Holo LDL – Receptor das Holo-LDL;
LCAT – Lecitina Colesterol Aciltransferase; ABCA1 – ATP-Binding Cassette A1.
No Grupo Doente, a resposta dos níveis das HDL à suplementação com
AGω3 foi diferente em relação ao Grupo Controlo. As HDL totais (42±13mg/dL
vs. 39±14mg/dL); as HDL2 (13,5±6mg/dL vs. 13,6±8mg/dL); as HDL3
(28,9±9mg/dL vs. 26±8mg/dL) e a ApoA (1,53±0,41g/L vs. 1,49±0.42g/L) não
ABCA1
modificaram ou diminuíram os valores aos 3 meses de suplementação em
relação aos níveis basais. Os níveis das ApoE após suplementação subiram de
111±89mg/L para 153±84mg/L, p=0,003.
A correlação entre os níveis de ApoE vs. TG revelou-se significativa:
y=0,63x+6,3; r=0,72; p=0,0001. Contudo as correlações da ApoA vs. ApoE
(p=0,8) e da ApoB vs. ApoE (p=0,20) não revelaram qualquer significado. Estes
resultados sugerem-nos que os fenómenos de permuta apoproteica entre as Fig
Figura 3. Transporte inverso do Colesterol pelas HDL e a relação com as LDL.
No Grupo Doente, a resposta dos níveis das HDL à suplementação com
AGω3 foi diferente em relação ao Grupo Controle. As HDL totais (42±13 mg/dl
vs 39±14 mg/dL); as HDL2 (13,5±6 mg/dL vs 13,6±8 mg/dl); as HDL3 (28,9±9
mg/dL vs 26±8 mg/dl) e as ApoA (1,53±0.41 g/L vs 1,49±0,42 g/L) não
modificaram ou diminuíram de valores aos 3 meses de suplementação, em
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
relação aos níveis basais. Os níveis das ApoE, após suplementação, subiu de
111±89 mg/L para 153±84 mg/L, p=0,003.
A correlação entre os níveis da ApoE vs TG, revelou-se significativa:
y=0,63x+6,3; r=0,72; p=0,0001. Contudo as correlações da ApoA vs ApoE
(p=0,8) e da ApoB vs ApoE (p=0,20) não revelaram qualquer significado. Estes
resultados sugerem-nos que os fenómenos de permuta entre as diversas
classes lipoproteicas, a dimensão do pool e a velocidade do turnover das
lipoproteínas contendo ApoE (quilomicra remanescentes, VLDL remanescentes
e HDL2) poderão ser significativamente diferentes nos doentes com insuficiência
renal crónica em hemodiálise, em que o processo aterotrombogénico é mais
intenso, quando comparados com controlos aparentemente saudáveis, por nós
utilizados.
Analisando o efeito nos níveis plasmáticos de um novo bio-marcador da
Doença Atero-trombótica, referimo-nos à Lp(a), cujo nível plasmático é, em larga
medida, determinado por factores genéticos (34), a diferença dos valores médios
entre o Grupo Controlo e o Grupo Doente é significativa, quer antes quer depois
da suplementação com AGω3. Em condições basais o Grupo Controlo e o Grupo
Doente apresentavam níveis plasmáticos de Lp(a) de 0,30mg/dL e 0,55mg/dL,
respectivamente. Após 12g/L de AGω3 durante 3 meses, os valores foram de
0,29mg/dL e 0,52mg/dL, respectivamente no Grupo Controlo e Grupo Doente. A
não observação de diferenças significativas poderá ser devido à dispersão
característica dos níveis plasmáticos de Lp(a) e ao número deveras reduzido das
amostras. Contudo, uma análise mais pormenorizada das formas isomórficas da
apoproteína (a), a estrutura polipeptídica presente na molécula da Lp(a) com
elevada homologia estrutural com o plasminogénio, mostrou que a frequência
das formas isomórficas de pequenas dimensões (F, B, S1 e S2) é maior no
Grupo Doente do que no Grupo Controlo (57,7% vs 40%). Esta presença de
Lp(a) com pequenas dimensões, encontra-se associada a quadros clínicos mais
graves da doença coronária (35 ,36) e a lesões ateromatosas mais extensas
(37,38).
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
As Lp(a) portadoras de isoformas de pequenas dimensões tornam-se
ainda mais susceptíveis à oxidação do que as Lp(a) de dimensões maiores. A
pesquisa da susceptibilidade das LDL à oxidação foi igualmente avaliada. No
Grupo Controlo a suplementação de 12g/semanal por 3 meses, baixou a
presença de LDL oxidadas, medidas como LDL-TBARS, em cerca de 36%
(146±54 vs 93±27mg/dL). Contudo, no Grupo Doente, os valores de LDL-TBARS
subiram de 66±30mg/dL para 96±36mg/dL ao fim de 3 meses de suplementação
(p=0,001), significando maior susceptibilidade das LDL à oxidação na sua
porção de AG poli-insaturados que esterifica o colesterol livre e os fosfolípidos.
Este fenómeno não é inédito e tem sido escrito por outros autores. Os doentes
com insuficiência renal crónica em hemodiálise, apresentam um intenso stress
oxidativo o que correlaciona bem com a aterogénese acelerada que se verifica
nestes doentes. Por conseguinte, se a reserva de antioxidantes for deficitária,
muito particularmente em vitamina E (d-α tocoferol), as consequências do
ataque de radicais livres sobre as estruturas lipídicas mais susceptíveis (AG poliinsaturados) tornar-se-ão efectivas. Assim sendo, seria de todo conveniente
associar à suplementação dietética de AGω3, doses adequadas de antioxidantes
scavenger e da fase lipídica para controlo dos fenómenos de peroxidação
lipídica que se sabe estarem envolvidos nos fenómenos de atero-trombogénese.
Para além de influenciar de forma significativa o metabolismo lipídico e
lipoproteico, (fig. 4) os AGω3 intervêm no mecanismo anti-aterogénico por outras
vias (23). O EPA (ácido eicosapentaenoico) e o DHA (ácido docosahexaenoico)
parecem perturbar o metabolismo das moléculas de adesão, tais como as
VCAM-1, E-selectinas e ICAM-1 (23). Abe et al (39) relata a capacidade de
suplementos de 3,4g/dia de AGω3 por 7 a 12 meses, em diminuir em 9% ICAM-1
solúvel e em 16% a E-selectina solúvel mas nenhum efeito foi exercido sobre os
níveis de ICAM-1 em indivíduos hipertrigliceridémicos. Estudos realizados “in
vitro” (40 ,41) tornaram evidentes a capacidade da DHA em reduzir a expressão
endotelial das VCAM-1 e das E-selectinas, ICAM-1, interleuquinas-6 (IL-6) e IL-8
em células estimuladas. Os AGω3 parecem inibir o mecanismo pró-inflamatório
mediado por moléculas bio-activas tais como as IL e TNF-α (Tumor Necrosis
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
Factor α) (42), moléculas estas envolvidas no processo aterogénico (43). Um
outro mecanismo anti-aterogénico poderá residir na competição dos AGω3 com
os AGω6, originando uma larga variedade de eicosanóides (44). O EPA não só
pode
substituir
o
ácido
araquidónico
dos
fosfolípidos
das
estruturas
membranares, como também actuar como inibidor competitivo da ciclooxigenase e, desta forma, reduzir a produção das prostaglandinas, tromboxanos
e prostaciclinas da série 2 e os leucotrienos da série 4.
CD 36
MCP-1
LDL
Linfócito T
Moléculas de
Adesão
Lesão Endotelial
CSF’s
LDL com
oxidação ligeira
Íntima
Monócito
Monócito Citoquinas
LDL muito
oxidada
Complexos
Lipoproteína
-Anticorpo
Complexos
LipoproteínaProteoglicanos
Efluxo de
Colesterol (HDL)
Macrófago
ASMC
Linfócito T
Citoquinas e Facts.
Factores Cresc.
Cresc.
Média
Célula Espumosa
(Foam Cell)
Migração
Factores Angiogénicos
ASMC
Figura 4. Síntese dos eventos participantes na aterogénese.
O DHA, apesar de não inibir directamente o metabolismo do ácido
araquidónico, reduz a afinidade do receptor do TXA2/PGH2 para o seu ligando, e
desta forma diminui a agregação plaquetária (42). Por conseguinte, os AGω3 em
doses correctas reduzem a hipertrigliceridémia, podem favorecer o transporte
reverso do colesterol, reduzem o processo inflamatório, a vasoconstrição e a
agregação plaquetária, todos factores que se encontram envolvidos no
mecanismo de formação e propagação da placa ateromatosa.
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
Dosagem Adequada dos AGω3
Nem todos os países têm disponíveis os dados sobre o consumo de
AGω3 na dieta das suas populações. Os dados disponíveis sobre os Estados
Unidos, calculam que, em valores médios, a dose diária na dieta dos norte
americanos seja de aproximadamente 1,6g/dia (cerca de 0,7% da ingestão
energética) (46). Desta quantia, cerca de 1,4g/dia é de ácido α-linolénico e
somente 0,1 a 0,2g/dia é fornecido por EPA e DHA.
Embora algum ácido α-linolénico se converta em AGω3 de cadeia longa, a
intensidade desta conversão é modesta e controversa (47 ,48). Todo o peixe
contém EPA e DHA. Contudo as quantidades variam entre espécies e dentro da
mesma espécie dependendo das variáveis ambientais e se são de captura ou
criados em cativeiro.
Diversos países, como o Canadá, Suécia, Reino Unido, Austrália e o
Japão, e organizações mundiais como a Organização de Saúde e a Organização
do Tratado do Atlântico Norte, têm apresentado recomendações dietéticas para
os AGω3. A recomendação típica é de 0,3 a 0,5g/dia de EPA+DHA, e de 0,8 a
1,1g/dia de ácido α-linolénico.
Recentemente, o Food and Nutrition Board, Institute of Medicine e as
National Academies (USA), em colaboração com a Health Canada, publicaram
as Dietary Reference Intakes for Energy and Macronutrients (49). O Acceptable
Macronutrient Distribution Range (AMDR) para o ácido α-linolénico está
estimado em 0,6 a 1,2% do valor calórico/dia ou seja, 1,3g a 2,7g na base de
uma dieta de 2000 kCal. Estes valores são, aproximadamente, 10 vezes os
valores de ingestão actual de EPA+DHA.
Os objectivos das AMDR para os AGω3 são de fornecer orientações para
que as pessoas possam ser saudáveis e não só, para prevenção de doenças
crónicas e insuficiências nutricionais. Estas recomendações são facilmente
alcançadas se consumir, pelo menos, duas refeições de peixe por semana, com
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
especial ênfase na escolha de peixe gordo (por exemplo, carapau, arenque,
sardas, salmão) e na utilização de óleo vegetal rico em ácido α-linolénico
(canola, soja, flaxseed, avelãs). Peixe frito ou pré-frito disponível no comércio
(restaurantes e fast-food) devem ser evitados pelo facto de conterem baixo teor
em
AGω3
e
elevadas
concentrações
em
trans-AG,
comprovadamente
aterogénicos.
Portadores de doenças cardiovasculares deverão ser encorajados a
consumirem, aproximadamente, 1g/dia de EPA+DHA, como preconiza o GISSIPrevention Study.
Para todos aqueles que não gostam de peixe por algum motivo ou se a
ingestão não for suficiente para atingir os objectivos terapêuticos, poderão
recorrer ás cápsulas contendo EPA e DHA, formuladas pela indústria
farmacêutica com certificação GMP (Good Manufacturing Practice). Este
galardão industrial é atribuído pela associação de controlo de qualidade da
indústria farmacêutica americana, em íntima colaboração com a Food and Drug
Administration (FDA). Tipicamente cada cápsula de AGω3 contém 180mg de
EPA e 120mg de DHA.
Segurança na Utilização dos AGω3
Os AGω3 fazem parte da dieta humana há milénios. O rácio entre os
AGω6/AGω3 na dieta dos nossos antepassados era de 1:1 (50). Na actualidade,
este rácio é muito diferente. Nos Estados Unidos calcula-se que seja
aproximadamente 10:1 (46). Desde o aparecimento do primeiro AGω3 “advisory”
nos Estados Unidos (51) que a FDA certificou que consumo até 3g/dia de AGω3
obtidos de peixe, na dieta humana, era GRAS (Generally Recognized As Safe /
Reconhecido Geralmente Como Seguro) (52). Em 2002 a FDA aprovou “a
qualified health claim para os AGω3 (EPA+DHA)” utilizados sob a forma de
suplementos dietéticos (53). Os AGω3 com GMP não apresentam qualquer
contaminação de mercúrio e de contaminantes organocloretados.
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
Contudo, dependendo da dose utilizada, alguns efeitos colaterais poderão
surgir (Quadro I) (54).
Quadro I. Risco de efeitos colaterais por consumo de AGω3
Problemas
Gastrointestinais
Hemorragias
Sabor residual a
Agravamento da
Aumento do
peixe
glicemia*
LDL-C
†
Até 1g/dia
Muito baixo
Muito baixo
Baixo
Muito baixo
Muito baixo
1 a 3g/dia
Moderado
Muito baixo
Moderado
Baixo
Moderado
>3g/dia
Moderado
Baixo
Provável
Moderado
Provável
* Geralmente apenas em doentes com baixa tolerância à glicose ou diabetes.
† Geralmente apenas em doentes com hipertrigliceridemia.
LDL – Lipoproteina de baixa densidade.
LDL-C – Colesterol das LDL.
AGω3 – Ácidos gordos ómega 3.
Segurança no Consumo de Pescado
Algumas espécies de pescado poderão conter níveis consideráveis de
metilmercúrio, bifenil policlorinados (PCB), dioxinas e outros contaminantes
ambientais. Estas substâncias encontram-se, usualmente, com níveis muito
baixos em peixes de água doce e salgada. Contudo, podem ser bioconcentrados ao longo da cadeia alimentar aquática. De forma que os níveis de
contaminação poderão ser mais elevados nos especímenes mais velhos e
maiores; nos predadores piscícolas e em animais marinhos. Nos humanos, o
pescado e o marisco são a principal fonte de disposição a esses contaminantes.
PCB e o metilmercúrio possuem uma semi-vida longa no organismo humano e
podem sofrer maior acumulação em indivíduos que ingerem produtos
contaminados numa base de maior frequência de consumo. A exposição em
PCB poderá ser diminuída se se remover a pele e a gordura dos peixes antes de
os cozinhar. Porque o metilmercúrio se encontra distribuído na carne magra, a
remoção da pele e das gorduras visíveis não diminui a sua contaminação. Nos
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
Estados Unidos, o Environmental Protection Agency e a U.S. Food and Drug
Administration aconselham as mulheres grávidas ou que venham ficar grávidas a
curto prazo e mães que estejam a amamentar que não consumam mais de uma
refeição de 6 onças/semana (55). Crianças não deverão consumir mais de 2
onças de peixe de captura por semana. Deverá ser evitado o consumo de
tubarão (squalius), espadarte, cavala da variedade King Mackerel, peixes da
família Branchiostegidae (Golden Bass ou Golden Snapper) da dieta das
grávidas, mulheres a amamentar e crianças, e limitar o consumo de outras
espécies piscícolas a 12 onças por semana (3-4 doses/semanal), com o
objectivo de minimizar a exposição ao metilmercúrio (56).
O US FDA (57) tem evidências suficientes para poder aconselhar que
qualquer adulto e mulher não grávida ou que venha a engravidar poderá
consumir até 7 onças/semana com peixe contendo até 1ppm de metilmercúrio
ou 14 onças/semana de pescada contendo até 0,5ppm de metilmercúrio.
Em conclusão:
1. Os estudos epidemiológicos e clinical trials demonstraram que
AGω3 diminuem a incidência das Doenças Cardiovasculares.
2. Os
AGω3
diminuem
os
factores
de
risco
das
Doenças
Cardiovasculares, apesar de se encontrar ainda em aberto a dose
de ingestão ideal.
3. Estudos prospectivos de prevenção secundária sugerem que a
suplementação de AGω3 EPA+DHA na dose de 0,5 a 1,8g/dia
reduzem a taxa de mortalidade cardíaca e a taxa de morte por
todas as causas.
O consumo de pescado deve ser ponderado nos prós e contras no que se
refere aos poluentes ambientais. O consumo de pescado deve ser variado e
fornecido por origens diversas no sentido de minimizar os potenciais efeitos
adversos dos contaminantes ambientais e, ao mesmo tempo, atingir as
vantagens que se obtêm no que se refere às doenças cardiovasculares.
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Pedro O. Rodrigues, Maria da Graça Morais, Marcos Agostinho II, Rui G. Loureiro
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