ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Unidade II 5 4 ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL NA DINÂMICA FAMILIAR CONTEMPORÂNEA 10 15 20 Para o Serviço Social, o tema família não é nenhuma novidade, tampouco recente, visto que o assistente social atua junto à dinâmica familiar a todo o instante. No entanto, a análise das relações na família, sobretudo a partir da mudança nos papéis familiares, é fundamental, principalmente se considerarmos a crescente incorporação da mulher no mercado de trabalho e a possibilidade de contracepção cada vez mais difundida. 4.1 A família na concepção de pensadores Para Platão, todo o mal da sociedade residia na família e na propriedade privada. Para ele, a propriedade privada instituía as 25 diferentes classes sociais, pressupondo a luta de classe pelo poder, e a família, por ser espaço de laços afetivos e de preservação religiosa, organizada em poderosos clãs, poderia prejudicar os interesses gerais da pólis8, uma vez que, na Antiguidade romana e grega, o objetivo da formação e preservação familiar estava 9 30 alicerçado no culto religioso . Aristóteles não comungava da mesma concepção de Platão; ele defendia a unidade familiar como fator para se alcançar uma vida perfeita. Segundo Aristóteles (1998, p. 55), 35 A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver bem, isto é, para se levar uma Pólis (do grego, que significa “cidade”) é uma expressão geográfica política que designa um lugar em que a população é submetida à mesma soberania. 9 No Direito Grego e no Direito Romano, não eram levados em consideração sentimentos e afetos naturais, que podiam até existir no âmago dos corações, mas que não tinham qualquer valia para o Direito. 8 49 Unidade II vida perfeita e que se baste a si mesma. Ora, isto não pode acontecer senão pela proximidade de habitação e pelos casamentos. Na teoria desse filósofo grego, a família é uma comunidade formada de acordo com a natureza para satisfazer às necessidades do cotidiano, sendo uma delas a de preservação da espécie através da procriação. Naquele momento histórico, o sucesso das relações familiares e a felicidade provinda do matrimônio eram objetivos perseguidos pelo Estado. No século XVIII, John Locke, em seu livro O Segundo Tratado Sobre o Governo, defendia que Deus criou o homem como criatura sociável que não deveria ficar só, pressupondo a existência de sentimentos de necessidade, conveniência e inclinação para a vida em sociedade. Locke acreditava que a sociedade conjugal provinha de um desejo entre o homem e a mulher com a finalidade de procriação, porém, ele defendia que o vínculo conjugal deveria ir além da procriação com o intuito de criar os filhos originados dessa união até que estes tivessem condições de prover seu próprio sustento. Na relação conjugal defendida por Locke, haveria deveres conjugais constituindo-se em sustento, amparo mútuo e comunhão de interesses do casal e da prole. No século XIX, Hegel (1997, p. 158), filósofo alemão, conceitua a família como uma sociedade natural, onde seus componentes estão ligados pelo amor, pela confiança e pelo respeito e obediência, tendo o casamento espontâneo e livre entre duas pessoas: (...) o casamento não é a relação de um contrato que incide sobre a sua base substancial. Ao contrário, ele sai do ponto de vista do contrato, que é o da pessoa autônoma em sua individualidade, para ultrapassá-lo. 50 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Hegel (idem, p. 161) considera que a união entre duas pessoas com a finalidade de constituir uma família é fruto de um desejo mútuo de abandonar sua personalidade individual para constituírem um só ser: O casamento é essencialmente monogâmico, porque quem se situa neste estado e a ele se entrega é a personalidade, a individualidade exclusiva imediata. A verdade e interioridade desta união (formas subjetivas da substancialidade) só podem ter origem na dádiva recíproca e indivisa desta personalidade que, só quando o outro está incluído nessa identidade como pessoa, isto é, como individualidade indivisível, adquire o seu legítimo direito de ser consciente de si no outro. Para o filósofo alemão, o espaço do homem é o espaço público; o da mulher é o espaço privado, do lar, da casa, afirmando que é na família que a mulher encontra o seu destino. No entanto, ele faz uma ressalva, alegando que a família só pode ser considerada como tal tendo um homem à sua frente, defendendo a constituição familiar composto por pai, mãe e filhos. Essa configuração familiar proposta por Hegel está alicerçada na concepção de unidade biológica defendida pela antropologia10, composta por marido, mulher e filhos, e que deu origem à denominação de família nuclear. Foi Lévi-Strauss (2009) quem propôs a desnaturalização da família, ao deslocar o fator biológico e voltar sua atenção para o sistema de parentesco como um todo, introduzindo os laços de parentesco como um fato social, produzido social e historicamente, e não mais como um fator natural. Para Lévi-Strauss, o sistema de parentesco inclui os laços de consanguinidade, descendência e laços de aliança, formando uma ampliação familiar e compondo a constelação familiar de duas famílias que se juntam por meio da união de seus membros pelo casamento. O debate sobre essa questão encontra-se em Sexo e repressão na sociedade selvagem, obra de Bronislaw Malinowski (Petrópolis, Vozes, 1973). 10 51 Unidade II A família nuclear tem sua gênese no processo de colonização imposto pela Europa aos povos dos continentes conquistados, inspirada no modelo patriarcal, sistema que predominou desde a Idade Média. Nesse tipo de composição familiar, o homem é o chefe da família e a ele compete estipular as regras e normas que a mulher e os filhos deverão seguir. Ele é o responsável por prover o sustento e defender os interesses de seus componentes, exigindo respeito e obediência sem contestação, tendo a autoridade de disciplinar aqueles que não seguirem suas ordens. Quanto à mulher e aos filhos, podiam transitar no espaço privado dos lares burgueses, considerados suficientes para suprir todas as suas necessidades. Marx identificou a condição de subserviência e submissão da mulher em relação ao seu marido. A mulher era obrigada a desistir de suas vontades e desejos de realização pessoal e profissional, e contentar-se em se realizar por meio do sucesso de seu marido garantindo o conforto e o sustento do lar. A mulher deveria orientar todas as energias em proporcionar ao marido o ambiente propício para que ele alcançasse sucesso pessoal, profissional, social e financeiro. A classe trabalhadora, ao adotar a estrutura da família nuclear, legitimou a moral burguesa, pois não encontrou outra forma de criar seus filhos, compartilhar sentimentos e desfrutar momentos de lazer a não ser através dos padrões burgueses de concepção familiar, mesmo que os seus interesses fossem contrários a esse padrão. A propriedade privada, constitutiva do sistema capitalista, traz em suas raízes a necessidade de preservação da herança, e as relações passam a ser monogâmicas, o corpo e a sexualidade da mulher passam a ser controlados, instituindo-se a divisão sexual e social do trabalho entre homens e mulheres. Enquanto categoria social, o poder masculino não estava restrito ao poder do pai. O patriarcado caracteriza-se por ser 52 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL uma forma de organização social, centrada na figura masculina, regida por dois princípios referentes à subordinação hierárquica das mulheres em relação aos homens e dos jovens aos homens mais velhos. 4.2 Um breve histórico do conceito de família no Brasil É absolutamente natural a transformação da família brasileira no decorrer da história desde o período colonial, já que a sociedade também se transformou. No Brasil-colônia, a família foi marcada pelo modelo patriarcal já discutido anteriormente, ou seja, era geralmente formada por pai, mãe, filhos legítimos ou não, além de parentes diversos, e vista como um clã, no qual havia um comandante (homem) que determinava as ações e pensava pelos demais. A família estava, portanto, centrada na figura masculina: era o pai quem ditava as ordens a serem respeitadas pela família e pelos escravos, sendo comum a repressão àqueles que não o respeitavam. A mulher, por sua vez, era submissa ao patriarca, ficando responsável por cuidar da casa e da educação dos filhos. Ela não podia sequer sair sem a presença do marido, era mantida isolada em sua casa e tinha liberdade apenas para frequentar a igreja. Em relação à prole, a filha aprendia desde cedo a fazer os afazeres domésticos, permanecendo em casa, enquanto o filho era educado para ser chefe de família, sendo o único a ter acesso à sociedade e ao direito de frequentar a escola. O contexto escolar só começaria a fazer parte da vida das mulheres no final do século XVIII. O casamento nesse período, na maioria das vezes, era realizado para atender a interesses econômicos, políticos e/ou sociais. Eles eram arranjados de acordo com os interesses e entre pessoas muito jovens. As pessoas em situação de pobreza casavam-se em busca de organizar o trabalho agrário, porém, entre os mais ricos, ou seja, os aristocratas, a vida sexual não 53 Unidade II só era permitida, como ligada ao poder. Até então, não existia a família com seus laços de parentesco, com sentimento ou com valor. Foi durante o século XVIII que surge o sentimento familiar e a ideia do amor entre os membros. A Igreja Católica influenciou o cotidiano e o conceito das famílias brasileiras, tornando-se responsável pela aprovação do matrimônio. Com a ausência de cartórios, as funções civis ficavam a cargo dos registros feitos pela Igreja, que tinha por atribuição fazer o registro do casamento e a emissão da certidão de nascimento. Somente no final do século XIX é que o casamento civil pôde ser realizado independentemente do religioso. Pode-se dizer que foi durante esse período que, principalmente pelas mulheres, se começou a questionar o modelo patriarcal da família. Nesse sentido, mais uma transformação acontece: o conceito de família muda conforme os interesses societários, e o casamento começa a ser realizado com base no amor entre o casal. Com o fim da escravidão e o início da migração estrangeira e da industrialização, há uma crescente urbanização, que leva a um ordenamento mononuclear (apenas um núcleo) da família, que se torna uma unidade de produção e reprodução social. Após a 1ª e 2ª Guerras Mundiais, houve certo agravamento da situação social e econômica no Brasil, pois muitos homens que foram convocados morreram em ambos os conflitos, e como a centralidade das famílias estava no homem, muitas acabaram ficando sem o provedor do seu sustento, o que obrigou que as mulheres saíssem para trabalhar e prover o custeio das despesas da casa. Outro fator bastante interessante na transformação do conceito de família ocorreu na década de 1960, quando foi difundida a pílula anticoncepcional, separando, assim, as ideias de sexualidade e reprodução. Provocou-se uma interferência na 54 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL sexualidade feminina: a mulher não mais precisaria associar sua vida sexual à maternidade. Em 1977, surge a Lei do Divórcio, reconhecendo como legal a dissolução do casamento. Nessa separação, os filhos e a casa ficam com a mulher, que, por sua vez, torna-se a provedora do lar, pondo em xeque a figura masculina como chefe da casa. Com o avanço da medicina, a partir dos anos 1980, surgem novas formas reprodutivas, que dissociam a gravidez da relação sexual entre pessoas de sexo oposto, o que afetou, novamente, a identificação da família. Essas ações deram maior autonomia às mulheres, já que elas passam a ter alternativas para escolherem se querem ou não ser mães naquele momento. As Constituições Brasileiras refletem os momentos pelos quais o Brasil passou. Assim, as Constituições de 1824 e 1891 não apontavam para relações familiares; na de 1891, direciona-se a família somente para o casamento civil. A Constituição de 1934 começava a conceber uma proteção especial às famílias, principalmente aquelas numerosas, assim como a de 1937, que discorre sobre a educação dos filhos (dever dos pais), iguala filhos naturais aos legítimos e por meio da qual o Estado começa a assumir a tutela das crianças em caso de abandono dos pais. A Constituição de 1946 estimulava a família numerosa e assegurava a assistência à maternidade, à infância e à adolescência. Finalmente, a Constituição de 1988, dita como “cidadã”, amplia a proteção do Estado à família – que passa a ser constitucionalmente reconhecida como base da sociedade – e também coloca normas de igualdade entre os gêneros, inclusive no casamento. A difusão do exame de DNA, em 1990, proporcionou mais uma mudança na dinâmica familiar: a ciência passou a permitir a identificação da paternidade e da maternidade da criança, atrelando responsabilidade dos pais para com seus pupilos. 55 Unidade II A Constituição Federal de 1988 foi um marco em virtude do seu desejo de sanar os estigmas estabelecidos por ordenamentos jurídicos anteriores e firmar princípios como igualdade, dignidade da pessoa humana e liberdade. Com tal posicionamento, a família possui, agora, um embasamento legal sustentável e pode enfatizar laços afetivos anteriormente esquecidos. Essa Constituição ainda representa, ao mesmo tempo, um resgate da democracia e dos direitos políticos, e uma transformação substancial na perspectiva de acesso aos direitos sociais. Ela estabeleceu direitos individuais, coletivos, sociais, políticos e deu nova roupagem ao Estado brasileiro, para cumprir funções variadas com o objetivo de assegurar direitos, prestar serviços públicos universais, garantir o desenvolvimento nacional e combater desigualdades regionais e sociais. Especificamente sobre a família, vamos destacar o artigo 226 da Constituição de 1988: Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. 56 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL § 5º – Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º – O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. Em síntese, o conceito de família trazido pela Constituição Federal do Brasil de 1988 foi um dos primeiros atos por meio dos quais se tentou romper com o viés preconceituoso e discriminatório que traziam as Constituições anteriores, devido à mudança societária desses períodos. Nós, assistentes sociais, precisamos ter claro que a família é um patamar fundamental, possuindo sentimento de pertencimentos, construção de identidades sociais e de histórias de vida, onde são construídos os enlaces do cotidiano e, principalmente, onde se sedimentam os valores pessoais. Na Constituição Federal vigente, podemos observar, no artigo 227, que a convivência familiar é tida como um direito originário das crianças e dos adolescentes, pois em sua redação esclarece-se que: 57 Unidade II Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Quando do surgimento do Código Civil de 1916, ainda tínhamos uma sociedade com resquícios coloniais e intensificadas desigualdades de gênero; fazia pouco tempo que o Brasil tornara-se República, sendo essa a primeira legislação civil do país. Como já citado, o homem ostentava sua responsabilidade pela família em todos os parâmetros – econômicos, sociais, religiosos e políticos – e a mulher permanecia submissa ao varão e às regras impostas pela sociedade da época. A união da família girava em torno do pai, que garantia a subsistência do grupo. A mulher era dona de casa e não possuía voz ativa nem poder dentro do núcleo familiar. No Código Civil de 2002, é possível observar que a visão patriarcal ainda se faz presente em sua estrutura. Os avanços que surgiram dizem mais respeito à posição da mulher, anteriormente colocada de forma submissa ao marido pelo instituto do casamento. Quanto à regulação sobre família, o Código Civil traz em seu artigo 1.511 a seguinte referência: “(...) o casamento estabelece a comunhão de vida plena, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Da mesma forma, em seu artigo 1.565, considera que, pelo casamento, o homem e a mulher assumem mutuamente a condição de consortes11, companheiros e responsáveis pelos encargos da família. Com isso, o Código Civil ratificou preceitos constitucionais previamente estabelecidos na Constituição Federal de 1988, Consorte: termo derivado do latim “consors”, é aplicado, na técnica jurídica, para indicar a pessoa que participa com outra de um mesmo destino. É, assim, sinônimo de cônjuge e do consórcio, ou comparte. Diz também consorte, em sentido análogo, para a pessoa que tem interesse comum com outra em pleito. Designa, mais propriamente, litisconsorte. 11 58 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL como o da igualdade de direitos entre homens e mulheres – transcrito no capítulo dos direitos fundamentais, mais especificamente no artigo 5º, inciso I da Constituição Federal – e também incorporou a igualdade de direitos e deveres conjugais, na esteira do artigo 226, parágrafo 5º do mesmo diploma fundamental. Podemos notar que o Código Civil sistematizou algumas das transformações político-sociais decorridas pelo tempo, incorporando preceitos constitucionais da igualdade entre gêneros e de direitos e deveres entre os cônjuges ou companheiros. Vale observar, porém, que houve a omissão quanto ao relacionamento homoafetivo presente em nossa sociedade. Como dissemos que leis e códigos refletem o momento societário vigente, cabe a nós, profissionais, lutarmos pela igualdade e o distanciamento do preconceito. Foram deixados de fora, também, temas como a inseminação artificial e a possibilidade da guarda paterna. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), promulgado em 1990, assegura – entre os direitos fundamentais da criança já preconizados na Constituição Federal – a convivência familiar e comunitária, e coloca a família como um dos responsáveis pela promoção das condições fundamentais para a vida da criança e do adolescente juntamente à sociedade e ao Estado. A família é o primeiro grupo em que as crianças e os adolescentes são inseridos, comportando-se também como núcleo de proteção e inclusão. O ECA caracteriza a família como condição fundamental na vida da criança e do adolescente, pois é nela que estes se desenvolvem. Estabelece, ainda, a proibição de qualquer qualificação discriminatória em relação à filiação: os filhos legítimos e ilegítimos terão os mesmos direitos e a mesma igualdade de condições. 59 Unidade II De todos os avanços trazidos pelo ECA, destacaremos os seguintes artigos: Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais. Art. 23. A falta ou a carência de recursos materiais não constitui motivo suficiente para a perda ou a suspensão do poder familiar. Parágrafo único. Não existindo outro motivo que por si só autorize a decretação da medida, a criança ou o adolescente será mantido em sua família de origem, a qual deverá obrigatoriamente ser incluída em programas oficiais de auxílio. Assim, os pais são responsabilizados por seus filhos e deixa-se claro que somente a situação de pobreza não é motivo para a perda ou suspensão do poder familiar, obrigando que o Estado, nesses casos, intervenha com políticas sociais que assegurem assistência às necessidades básicas da entidade familiar. A partir do exposto, as famílias mais vulneráveis12 precisam de um acompanhamento de maior qualidade, em que os profissionais trabalhem a autonomia da mulher e o resgate de sua autoestima. Essas mulheres precisam fortalecer a sua identidade para, assim, optarem por um projeto de vida que tenha objetivos e que beneficie todo o grupo familiar. Assim, aos poucos, a família começa a planejar e entender o significado da vida. A definição econômica da vulnerabilidade, ainda que deva ser a base material para o seu mais amplo enquadramento, é insuficiente e incompleta, porque não especifica as condições pelas quais se ingressa no campo dos vulneráveis. E, ao não especificar, repousa a esperança da resolução ou atenuação da vulnerabilidade no econômico, o qual certamente é indispensável, mas não clarifica o processo pelo qual precisamente se constrói esse amplo universal que é a vulnerabilidade. Ao não fazê-lo, subsume a luta contra a vulnerabilidade social, verbi gratie contra a discriminação social, aos mecanismos de mercado, que são precisamente a determinação mais abrangente, o produtor mais amplo da própria discriminação (OLIVEIRA, 2001). 12 60 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Como se observa nessa breve passagem histórica referente às transformações ocorridas no conceito da família em nosso país, nota-se que esta é um grupo social que sofreu transformações devido, principalmente, ao fato de a sociedade ter mudado, mas trataremos somente dos assuntos pertinentes ao tema principal. Vamos elencar outros fatores que influenciaram para que ocorressem tais mudanças nas entidades familiares: • Famílias com menor número de filhos; • Aumento de pessoas vivendo sozinhas; • Acréscimo de famílias chefiadas por um só cônjuge (geralmente mulheres); • Aumento da gravidez entre as adolescentes e que assumem seus filhos; • Elevação do número de pessoas que recorrem às tecnologias da medicina para a reprodução, popularmente chamada de “produção independente”; • Acréscimo no número de separações, acarretando recomposição da família, formadas por novas uniões matrimoniais. Apesar de todas as mudanças já citadas e, com isso, a geração de novos modelos familiares, ainda o modelo considerado “ideal” por grande parte das pessoas é o da família nuclear. Esse modelo pode ser chamado de conjugal, tendo sua formação com o homem/pai, mulher/mãe e filhos, vivendo todos juntos para que possam desfrutar de um ambiente familiar. Para José Filho (2002, p.31) A família nuclear moderna surge como um modelo hegemônico, “ideal”. E, em decorrência disso, todos os arranjos familiares que não se encaixam dentro do modelo preestabelecido são considerados como 61 Unidade II “família fora da lei”, que se escondem debaixo de aparências tão respeitáveis. Por intermédio dos diversos “espaços de socialização” e/ou diversos “aparelhos ideológicos”, as crianças aprendem, desde pequenas, como “deve” ser uma família. Há outro modelo familiar, denominado de família ampliada ou extensa, que é mais ampla, formada por vários parentes, existindo uma grande relação entre pais e filhos para com avós, pais e netos. Geralmente, é formada por duas ou mais famílias nucleares; esses parentes, na maioria das vezes, moram juntos por questões econômicas. O próprio ECA apresenta esse tipo de modelo no artigo 25: Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. A seguir, veremos outros modelos de entidades familiares: • Monoparental – os filhos são criados por um dos pais, devido a inúmeros motivos, tais como: abandono do lar por um dos cônjuges, separação, morte, opção da mulher em ser mãe solteira etc. • Mista – a presença de filhos de outra união socializando-se em um mesmo ambiente (casa); • Unipessoal – pessoas que convivem sozinhas; • Comunitária – há uma descentralização do papel dos pais, assim, os filhos vivem sob a responsabilidade de membros adultos. • Homossexual – união de pessoas do mesmo sexo, pode haver a presença de filhos biológicos, de um ou de ambos, ou filhos adotivos. 62 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Por ser o modelo ideal, a família nuclear continua detendo a hegemonia e ditando as regras, porém vem dando espaços a novos arranjos familiares, diferentes desse padrão tradicional. Outro ponto a ser destacado é a inserção, no texto da Constituição Federal de 1988, sobre o planejamento familiar em seu artigo 226: § 7º – Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Atenção Leia a Lei 9.263 (12/01/1996), que oferece as diretrizes para a condução do planejamento familiar no Brasil, bem como estabelece as penalidades e dá outras providências ao §7º do art. 226 da Constituição Federal. Exercício 1) A Lei 9.263, de 12 de janeiro de 1996, regula o “§ 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece penalidades e dá outras providências”. Assinale a alternativa que, segundo esta Lei, contenha corretamente as informações para as situações em que é possível a esterilização voluntária: a) ( ) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de dezoito anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o 63 Unidade II ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. b) ( ) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e um anos de idade ou, pelo menos, com três filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por três médicos. c) ( ) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com três filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de noventa dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. d) ( ) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa 64 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. e) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com três filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de trinta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. Resolução do exercício d) I – em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; II – risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos. Voltando à questão da gravidez entre adolescentes, verifica-se que faltam projetos que se proponham a trabalhar com adolescentes e as famílias, em conjunto e/ou separadamente. Em geral, os projetos existentes focalizam a atenção nas 65 Unidade II famílias, buscando suprir ou melhorar a renda familiar, mas esquecendo-se de incluir os adolescentes nas reuniões feitas. Ao incluí-los, poderíamos aumentar os laços interfamiliares e trazer o adolescente para a reflexão a respeito de sua responsabilidade como pessoa, concomitantemente a sua família. A iniciação da vida sexual entre os adolescentes pode propiciar o início da exposição à gravidez precoce e de doenças sexualmente transmissíveis. Esses fatores, muitas vezes, não são momentâneos, acarretando transformações para toda a vida. Obviamente, sempre existiu a gestação precoce, mas não havia um apego a esse tema, porque não era somente a jovem que ficava grávida, mas, sim, a família que se constituía, pois, dentro dessa sociedade de então, o casamento também era precoce e, muitas vezes, forçado pelos pais, já que era extremamente vergonhoso ter uma jovem grávida solteira em casa. No entanto, como houve a transformação do cotidiano, dos interesses econômicos e da cultura, atualmente nota-se que a gravidez entre as adolescentes é solitária e bastante problemática, porque, muitas vezes, o parceiro, quando sabe que será pai, tem como primeira atitude abandonar tanto a futura mãe quanto seu filho; além disso, essa questão não é apenas vista pela sociedade como um problema para a vida ou saúde da adolescente, mas também para a economia do país. A família, como parte da sociedade, sofreu mudanças como a própria sociedade também sofreu. Resumidamente, alguns pontos foram fundamentais para a transformação das famílias: • A mulher e sua inserção no mercado de trabalho formal, em igualdade de gênero; • A sexualidade ser “vista” com maior liberdade entre a sociedade; • Avanços na medicina; • Acesso facilitado à informação. 66 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL O casamento formal não é mais ponto-chave para o início de uma “nova família”, como aconteceu em gerações anteriores. Atualmente, separar-se não é uma atitude discriminada pela sociedade com a intensidade que acontecia no passado, ponto que possivelmente potencializou o aumento do número dos divórcios. É importante destacar que a capacidade de cuidado e proteção dos grupos familiares está diretamente relacionada à qualidade de vida que eles têm no contexto social nos quais estão inseridos. Atualmente, as políticas econômicas não asseguraram as condições mínimas de sustentação das famílias, gerando desequilíbrio familiar. Assim, podemos concluir que a família contemporânea pode ser vista como um desafio, que envolve problemas de ordem ética, econômica, política e social. E tem sido um espaço de conflitos em que são enfrentadas diariamente situações contraditórias, como: • dificuldade de prover as necessidades básicas, a proteção e o cuidado à criança; • o embate entre o projeto pessoal dos pais e o projeto familiar de cuidado do outro; • a convivência de um estereótipo de modelo familiar ideal, baseado nos históricos de constituições familiares, em contraposição à diversidade dos arranjos familiares atuais. De maneira bem simplificada, é importante que o profissional de Serviço Social veja que não existe uma família-padrão, chamada de clássica, pois, com o aumento da liberdade de escolha e de novas conjunturas sociais, há outros arranjos familiares, como as chefiadas por mulheres, avós, pessoas do mesmo sexo, sem a presença materna etc. O aspecto primordial é que o assistente social não julgue famílias como algo padronizado, já que elas são formadas por pessoas, que, por sua vez, são singulares. Podemos dizer que a qualidade de vida das famílias depende da articulação que cada uma consegue fazer entre as demandas internas e aquelas do seu espaço social, além das formas de lidar com as transformações ocorridas no âmbito das relações familiares. O núcleo familiar que o sujeito está inserido torna-se, geralmente, seu primeiro contato com grupos socialmente estabelecidos, com isso, surgindo as relações sociais primárias. 67 Unidade II Essa articulação se constitui num processo doloroso, diante das respostas que vêm sendo dadas pelas famílias e seus membros, como a violência doméstica (contra a mulher e a criança). Esses conflitos podem ser entendidos como uma luta pela sobrevivência, já que a cada dia aumenta o número de famílias em condições de miserabilidade. Nós, assistentes sociais, precisamos entender que o ser humano é um ser social; não podemos vê-lo somente de forma individualizada e precisamos ter claro que ele faz parte de uma família com características distintas que, por sua vez, está inserida em um grupo socialmente estabelecido (comunidade), formando uma área/região. Exercício 1) Em seu trabalho como assistente social, você deverá fazer o cálculo de renda per capita da entidade familiar. Para essa finalidade, como é caracterizada a família? (Fundamente sua resposta a partir de pesquisas nas legislações pertinentes, sem “achismos”.) ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ ________________________________________________ Resolução do exercício 1) A Lei Orgânica da Assistência Social (Loas), em seu artigo 20º § 1º, diz que “para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no artigo 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto”. Para completar o raciocínio, a lei e o artigo citado na Loas estabelecem “I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e 68 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; II – os pais; III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido”. 4.3 A prática profissional e os processos familiares Como profissionais, somos também inseridos no mercado de trabalho, em que o empregador, seja quem for, espera certas atitudes e cria expectativas a respeito das atitudes do assistente social, que, por sua vez, em função da organização institucional, trabalhará, principalmente, com o modelo assistencial, cuja preocupação está centrada na resolução de problemas do indivíduo fragilizado (por exemplo, criança violentada ou com deficiência etc.), esquecendo-se de interagir/intervir com a família envolvida. É com a família que os membros que a compõem formam suas respectivas personalidades, desenvolvem condições físicas e mentais no decorrer dos processos de desenvolvimento da vida e constroem a identidade (DIAS, 1995). A noção de família tal como conhecemos hoje data do século XV e sua conceituação jurídica surgiu da necessidade criada pela complexidade da civilização. Sua evolução ocorreu como consequência do ritual religioso, progredindo para o casamento civil com a respectiva disciplina legal. O tema sobre a família contemporânea nos instiga a trazer para o debate os aspectos que perpassam o espaço da vida privada, da intimidade do cotidiano e das relações sociais e afetivas que são constitutivas de seu interior, suas inter-relações, suas manifestações de contradições e ambiguidades. A família contemporânea, em suas diversas configurações, é constituída por diversos arranjos, materializada pelas transformações sociais que perpassam seus contornos. 69 Unidade II As discussões e estudos sobre a instituição “família” nos mostram a complexidade em determinar os meandros que permeiam o interior da cotidianidade familiar, seus valores, seus princípios, suas concepções que vão sendo delineadas historicamente. O pensamento patriarcal tradicional pressupõe o poder paterno como origem e modelo de todas as relações de poder e autoridade. Os valores que permeiam o patriarcado atribuem maior valorização às atividades masculinas em detrimento às femininas, dando legalidade ao controle do corpo e da sexualidade feminina, estabelecendo papéis sexuais e sociais privilegiando com vantagens os papéis masculinos. A posição da mulher na família demonstra que o modelo de família patriarcal foi uma das matrizes da organização social brasileira. As mulheres, nas primeiras décadas do século XX, ainda não haviam conquistado seus direitos civis, enquanto cidadã plena de direitos. O Código Civil Brasileiro de 1916 preconizava que a mulher casada precisava de autorização de seu marido para poder trabalhar. Essa posição de tutelada pelo pai e, depois, pelo marido retirava da mulher a possibilidade de exercer sua cidadania e desenvolver seu potencial profissional (SAFFIOTTI, 1987). A mulher estava na condição de dependente do marido e/ou do pai na relação com o sustento da família. Não tinha os mesmos direitos trabalhistas de que os homens gozavam, por isso, não era considerada como mantenedora do sustento da família e recebia um salário menor do que o percebido pelo homem em iguais condições. Somente em 1941, com a Consolidação das Leis Trabalhistas, é que o trabalho feminino foi regulamentado. As mulheres trabalhadoras acumulam papéis, sobrecarregadas com a segunda jornada de trabalho, distribuída entre as tarefas domésticas e os cuidados com os filhos. A responsabilidade pelas tarefas do lar e os cuidados com a prole é de predominância feminina, sendo um trabalho invisível, desvalorizado pelo contexto social e ao qual não cabe remuneração. O trabalho da 70 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL mulher é considerado complementar à manutenção do sustento familiar, persistindo o modelo do homem como provedor financeiro e de autoridade. No modelo de família patriarcal burguês, o papel prescrito aos homens refere-se ao sustento econômico-financeiro, e o papel destinado às mulheres está no âmbito dos cuidados ao marido, ao lar e aos filhos, mesmo quando a mulher já está inserida no mundo do trabalho. A crença de que a mãe deve dedicar-se integralmente aos filhos, ao marido e ao seu lar tem atravessado os séculos, sendo apregoada desde Rousseau, que defendia a ideia de que a maternidade é a mais bela função cívica das mulheres. A orientação patriarcal, presente no inconsciente coletivo, é regulada por mitos que postulam a maternidade como experiência fundamental ao sentimento de completude das mulheres. Diante da cultura da época, a mulher era socializada num sistema que privilegiava a antipaixão; a sexualidade estava circunscrita ao casamento e era destinada à reprodução. O casamento era indissolúvel, exceto por morte de um dos cônjuges. Já no início do século XX, ocorreram várias mudanças no plano sócio-político-econômico relacionadas ao processo de globalização da economia capitalista. Tal situação interferiu na estrutura familiar, possibilitando mudanças em seu padrão tradicional de organização. O modelo tradicional de autoridade e poder, com protagonismo da figura masculina, vem sendo indiretamente substituído pelo da figura feminina. As mudanças na sociedade acerca da inserção da mulher na educação e no mercado de trabalho, as várias configurações de família e os crescentes índices de famílias dirigidas por mulheres têm 71 Unidade II mostrado que elas não aceitam a dominação masculina, nem se sujeitam em continuar convivendo quando o principal elemento que impulsionou o casamento, a união estável, ou concubinato – o amor – não mais existir; a separação é inevitável. É percebido que, apesar das conquistas das articulações femininas e de todas as transformações importantes no campo da sexualidade e da reprodução – o que liberou a mulher para o prazer das relações íntimas – ainda há uma delimitação de papéis e modelos. Ao homem, ainda cabe o papel de provedor e, numa situação de separação, os filhos permanecem com a mãe, numa clara distinção de que o papel de criar os filhos é de âmbito feminino. Na sociedade contemporânea, a concepção de criação de filhos tem se restringido à mulher, não incluindo o homem, enquanto pai da criança, na esfera de participação da construção da vida de seus filhos. Para entender como são estruturados os novos papéis no contexto da sexualidade e reprodução, faz-se necessário voltar às discussões sobre os estudos referentes às relações de gênero no tocante à construção social da masculinidade. A definição do conceito de gênero refere-se ao sexo socialmente construído, desnaturalizado, papéis e práticas sociais atribuídas e incorporadas por homens e mulheres, consideradas como atributos masculinos e femininos. O conceito de gênero apresenta a perspectiva analítica relacional determinando que homens e mulheres devam ser pensados como construções sociais interdependentes, o que possibilita desconstruir os argumentos de culpabilidade sobre o masculino. A hegemonia desse pensamento, em que o homem aparece como o único responsável por toda uma gama de restrições e delimitações do mundo feminino, se desmonta com a aceitação da dimensão relacional do estudo sobre a compreensão das relações de gênero. 72 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Os estudos referentes às relações de gêneros pautam-se na busca de compreender e explicar como se constroem essas relações, o que vem possibilitando as transformações orientadas pelas desigualdades de gênero. Essas desigualdades residem nas formas como homens e mulheres se relacionam na produção e reprodução de sua existência, norteados pelas concepções religiosas, educacionais, políticas, jurídicas e científicas. As determinações de papéis orientados pelas concepções sociais não são fruto de consenso da sociedade, mas, sim, de conflitos presentes na construção de multiplicidade de instituições demarcando, para os gêneros, as distinções entre homens e mulheres. O suposto destino biológico da mulher à maternidade tem sido construído através de símbolos que visam ao controle social das formas de organização das sociedades, em que o masculino é associado à produção e administração da riqueza, afastado, portanto, do âmbito da reprodução humana. Esse posicionamento confere poder aos homens, mas isso não significa que tais vivências sejam isentas de conflitos e contradições. O poder social outorgado à masculinidade é fonte de poder e privilégio individual, ao mesmo tempo em que é foco de dor e alienação13. O poder dos homens é construído nas instituições e nas formas como os homens se apropriam e reproduzem esse poder, incluindo a supressão de emoções, necessidades e possibilidades, materializadas em situações que produzem prazer em cuidar, de ser receptivo, de desenvolver a empatia e a possibilidade de ter compaixão, transformados em alienação de sentimentos, afetos e potencial de relacionamentos humanos. O sofrimento dos homens origina-se na constatação do questionamento desse poder atribuído às questões relativas à masculinidade, delineando os contornos da significação do que é ser homem na sociedade contemporânea. A resposta masculina à intensidade dessa dor tem levado à mobilização de grupos de reflexão, movimentos e organizações em busca da defesa de sua Alienação: diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar e agir por si próprios. É a negação da realidade gerando acomodação, passividade, não participação das mudanças sociais e, por vezes, a busca por certo isolamento. 13 73 Unidade II identidade como ser humano, repleto de significados e pleno de sentimentos. A requisição da participação masculina nas atividades domésticas, incluindo o cuidado com os filhos, insere o papel do homem na agenda das famílias modernas. A posição do pai que antes foi negligenciado tem emergido nas reivindicações dos movimentos das mulheres e das instituições internacionais e nacionais que propõem a implementação de políticas públicas que visam diminuir as diferenças de gênero, conforme preconizado nos oito objetivos do milênio14. A paternidade, quando refletida, parece que tem como fundamento reforçar a ideia de que as mulheres são as responsáveis pela gravidez. Ou seja, a relação homem/gravidez raramente é avaliada, embora tal qual a mulher, é parte importante no processo de geração da vida, podendo dizer, assim, que é aí que está o grande conflito, pois, quando se fala em gravidez, dá-se à mulher todas as honras pela geração da vida; somente após o nascimento do filho é que se dá conta de que, além da gravidez, da mulher e do filho, existe também um pai, momento a partir do qual se inicia uma série de fatores que poderão culminar com as questões envolvendo o desenvolvimento dos filhos. Podem ocorrer, também, questões ainda maiores: se, da união que gerou o filho, ocorrer uma separação, ou seja, homem e mulher geram uma vida e, após o nascimento, separam-se. As relações familiares podem se romper por ocorrências das mais diversas, como questões financeiras, incompatibilidade de gênios, divergências sexuais etc., ou seja, por desentendimentos dos mais variados que culminam com o processo de descompasso da família. No ato da separação, há um aspecto importantíssimo que ocorre normalmente: a guarda da criança é uma espécie de guarda natural sob a tutela da mãe e somente da mulher; o pai acaba por separar-se da mãe e, consequentemente, de sua prole. Entre os oito objetivos do milênio, o terceiro trata da igualdade entre os sexos e a valorização da mulher. 14 74 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL A partir das mudanças ocorridas em nossa sociedade, acabou-se por observar que, além dessa mulher que gerou o filho, também existe a figura de um homem que participou de toda a gestação. E com todo esse movimento conjuntural de transformação em nossa sociedade, temos também a mudança na legislação brasileira: ontem, havia o Pátrio Poder; hoje, há o Poder Familiar. O Pátrio Poder, de feição romana de dominação, traduzido pela palavra “poder”, deixa de ter o ranço patriarcal, dando luz ao Poder Familiar, que se apresenta em uma linha de igualdade de direitos entre os gêneros, partindo da visão de bem-estar da criança e alcançando, assim, o sentido de proteção. Se considerarmos o usuário fragilizado como expressão de um contexto familiar comprometido, estaremos alterando o eixo da atenção profissional, o que proporcionará uma mudança tanto na compreensão do problema como na ação profissional propriamente dita. Após esse breve histórico sobre a família contemporânea, temos subsídios para entender a sua vida cotidiana. Infelizmente, contudo, os profissionais não fazem essa reflexão ao trabalhar com as famílias, pois atuam somente no sentido de atender o objetivo da instituição, tentando resolver pontualmente o caso do usuário, o que proporciona outra questão: essas famílias percorrem diversas instituições, nas quais essa mesma conduta profissional se repete. Esse “vício” em trabalhar com atendimento específico precisa ceder seu lugar para uma ação que vise à família em sua totalidade. Cabe o entendimento de que são as ligações emocionais com pessoas da família e da comunidade que permitem nosso desenvolvimento. A família converte-se numa estrutura básica de formação de pessoas da qual nenhum indivíduo pode prescindir, sendo dentro desse contexto que se forma o ser social. Assim, a família tem por função socializar a criança e adaptá-la à convivência na sociedade, oferecendo e ensinando os modelos 75 Unidade II de comportamento adotados em sua própria cultura; esse aprendizado compõe o processo de humanização do ser social. Assim, podemos concluir que é necessário rever as formas de atenção às famílias, pois, no momento em que elas procuram projetos ou um atendimento, suas relações já estão, de alguma forma, fragilizadas. É preciso transformar o cotidiano profissional em uma prática investigativa e capaz de propor novos métodos de trabalho que consigam fazer frente a essa nova realidade que se nos apresenta. A atuação do assistente social precisa seguir algumas condutas técnicas, pois toda problematização resulta em uma ação sobre a qual, consequentemente, o profissional refletirá e, depois, reproduzirá sob a forma de uma ação modificada. Esse sistema de trabalho é chamado popularmente pela sigla ARA (Ação – Reflexão – Ação Diferenciada) e transforma todas as ações em um ciclo continuo de mudanças, não se trabalhando na perspectiva de fim, mas de processo. É importante frisar que a atuação profissional, em qualquer que seja a área a ser desenvolvida pelo Serviço Social, precisa contar com um olhar holístico frente às situações apresentadas, de maneira que a ação não seja impulsionada pelo imediatismo inerente ao ser humano, e isso não é diferente no atendimento às famílias que recorrem ao Assistente Social. Na ilustração da página seguinte, procuramos demonstrar de maneira mais visual as formas primordiais pelas quais o ser humano precisa ser analisado pelo Serviço Social. Sendo aquele um ser constitucionalmente estabelecido, o profissional precisa ver sua singularidade, depois suas relações familiares e, a partir disso, levar em conta que, naturalmente, essa família faz parte de uma sociedade, que, por sua vez, forma civilizações, culturas etc. Precisamos incluir a necessidade de formulação e implantação de políticas sociais que busquem atuar no contexto familiar totalitário. 76 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL 5 SERVIÇO SOCIAL NO SEGMENTO FUNERÁRIO Como já referido anteriormente, o curso de Serviço Social proporciona ao graduando uma formação generalista, que permite a esse profissional estabelecer sua atividade em diversos seguimentos, inclusive no serviço de assistência funerária. 5.1 O medo da morte A morte ainda é um tabu para a nossa cultura. Isso quer dizer que, em vez de se encarar a única certeza de forma concreta, prefere-se ignorá-la e, até mesmo, considerar como algo negativo a mera pronúncia dessa palavra. Tanto é verdade, que surgiu o mito segundo o qual falar sobre a morte é perigoso, pois isso pode invocá-la. É um tipo de pensamento ainda presente em várias famílias. O medo não se circunscreve à morte propriamente dita, mas também às doenças ainda incuráveis e aos próprios fatos positivos e negativos do cotidiano. Por exemplo, para as crianças, somente são ditas as coisas boas e maravilhosas da vida, havendo negligência, entretanto, quando os filhos fazem perguntas sobre temas ligados à morte; trata-se o tema como se ele não existisse. 77 Unidade II A morte é um assunto tão evitado de ser conversado entre as pessoas, que não é debatida livremente nem entre os seguidores das diversas religiões espalhadas pelo mundo. O fato é que grande parte da sociedade quer distanciar a morte de si. Não se trata de considerarmos essa conduta errada – visto que todos que partilham desse pensamento procuram estabelecer uma vida com hábitos saudáveis, visitas constantes ao médico, alimentação adequada, exercícios físicos etc. –, mas o fato que queremos estabelecer é que, como técnicos, devemos apresentar o tema sempre com naturalidade e profissionalismo. Como profissionais, não podemos reproduzir o medo da morte que acomete a sociedade em geral, uma vez que, como sabemos, não é se distanciando do tema que a morte também se afasta. Vamos tomar como exemplo a atuação do assistente social que está inserido em um determinado hospital. Ele convive com a morte diariamente, e também fazem parte do seu cotidiano pessoas doentes que, em tese, estão propensas a morrer, assim como os familiares desses indivíduos. Espera-se, portanto, que o profissional, em seu atendimento a essas pessoas, não seja frio. Ao contrário, espera-se que ele reflita de forma técnica e, com isso, promova a elaboração de projetos que visem ao melhoramento das ações desenvolvidas nesse contexto. Nesse aspecto, é também interessante o trabalho multiprofissional, com o intuito de promover a integração e a continuidade das ações realizadas à família e ao paciente, pois, como vimos no texto anterior, a mulher ainda é o centro do lar. Assim sendo, como é, para a família, estar com essa pessoa sob risco de morte? Nesse contexto, a família apresenta-se abalada como um todo: muitas vezes, o marido não consegue trabalhar normalmente, em virtude do abalo psicológico sofrido; os filhos param de frequentar adequadamente a escola, em função da preocupação com a mãe; isso sem contar outros laços familiares importantes que também são afetados direta ou indiretamente. 78 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Por isso, é de fundamental importância que uma equipe profissional esteja preparada para entender o contexto que as pessoas envolvidas estão vivenciando. Vale destacar, também, que os profissionais envolvidos nessas situações também precisam de atenção especial, pois a sobrecarga emocional é muito intensa, sendo inevitável o desgaste psicológico. Desta forma, é necessário que tais profissionais sejam constantemente acompanhados, para minorar os sintomas relacionados ao cotidiano do trabalho. Além do medo da morte em si, há outras questões que amedrontam as pessoas: a forma como ela acontecerá e o que esperar para depois da morte. Esses temores podem ser aumentados se as pessoas seguem preceitos religiosos: por exemplo, prega-se o que determinadas pessoas vão para o céu, o inferno, o purgatório, além de outras crenças, como ressurreição, reencarnação e vida após a morte. Devido a essa variedade de crenças religiosas, é preciso que a assistência religiosa, quando houver, respeite a crença dos sujeitos de trabalho, pois isso pode resultar num conforto maior e fortalecer a passagem dessa fase difícil na vida dos familiares envolvidos. O olhar profissional precisa ser diferente do pessoal, por mais que saibamos que o assistente social seja um ser humano com seus próprios medos e tabus. É fundamental, entretanto, não perder de vista que a morte existe e está tão presente quanto a própria vida. Para ampliar seu conhecimento, indicamos a leitura do texto “O tabu da morte”15, uma reportagem de Mirian Ribeiro feita para o Jornal da Orla, em 27/09/2009, na seção Comportamento. Nele, a autora fala sobre o assunto de forma simples e objetiva, facilitando o entendimento. Texto disponível em: http://www.jornaldaorla.com.br/noticias_ integra.asp?cd_noticia=3575. Acesso em 04/12/2010. 15 79 Unidade II 5.2 O Serviço Social atuando na assistência funeral O assistente social pode trabalhar no seguimento funerário sob duas perspectivas: em órgãos públicos ou privados. Num primeiro momento, trataremos da atuação em organismos públicos. 5.2.1 Atuação profissional em órgãos públicos Não há legislação federal especifica que estabeleça o direito funerário. Pode-se, então, respaldar-se na Constituição Federal de 1988, em seu sexto artigo: São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Esse artigo pode subsidiar o tema, visto que a expressão assistência aos desamparados pode ter inúmeras interpretações, inclusive aquela que conduza para a assistência funeral gratuita aos que dela precisarem. Como é sabido, o embasamento do assistente social dentro de órgãos públicos precisa conter legislações pertinentes à ação profissional. Sabendo da necessidade, realidade e importância de existir respaldo legal ao tema, muitos municípios possuem leis direcionadas ao assunto. A seguir, observaremos alguns exemplos de cidades que as possuem e quais as condicionalidades de acesso: • São Paulo: a cidade é respaldada por duas leis: a de nº 11.083/91, que assegura o direito à gratuidade aos munícipes que não tenham condições de arcar com as despesas do funeral, e a de nº 11.479/94, regulamentada pelo decreto 35.198/95, que garante – à família de pessoa 80 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL que tiver doado algum órgão para transplante – também a gratuidade caso assim se deseje, necessitando-se, para isso, a apresentação do comprovante de doação de órgãos. • Sorocaba/SP: é amparada pelas leis nº 4.595/94 e nº 7.998/06, que prevê a alteração do artigo 5º da referida lei e relata: “As empresas funerárias concessionárias obrigam-se ao fornecimento de caixão mortuário, transporte gratuito (ônibus), velório e uma coroa de flores às pessoas reconhecidamente pobres sem recursos financeiros dentro dos limites do município.” • Diadema/SP: a localidade dispõe sobre o funeral e o sepultamento gratuito do Serviço Funerário Municipal por meio da lei nº 1.385/94, que contém em seu artigo 1º: “Fica assegurada, no Serviço Público Municipal, a gratuidade dos funerais e do sepultamento das pessoas que não possuírem capacidade econômica, residentes no Município, que não forem concessionárias de sepulturas a prazo indeterminado junto ao Cemitério Público Municipal.” • Macaé/RJ: aqui, o representante precisa recorrer à Fundação Municipal Recanto da Igualdade para fazer a solicitação do atendimento gratuito funerário a pessoas cuja renda per capita familiar seja igual ou inferior a um quarto do salário mínimo vigente. • Vitória/ES: no município, a gratuidade é chamada de auxílio funeral, que opera sob duas perspectivas: a) a gratuidade funerária, com direito a urna funerária (caixão), três remoções (transporte do corpo) e pagamento de taxas de sepultamento; b) o auxílio financeiro, ou seja, concessão de um salário mínimo vigente para cobrir as despesas do enterro (prazo de 45 a 60 dias). Tem direito a qualquer uma das opções as pessoas que atendam às condicionalidades do programa. 81 Unidade II Uma vez que exista respaldo legal referente à solicitação de gratuidade no funeral do sujeito de direito, o profissional não terá dificuldades em efetivar essa solicitação. Porém, uma reflexão há de ser feita: o serviço prestado ao cidadão é digno? Para responder a isso, cabe ao profissional de campo fazer uma analise e buscar soluções para algum eventual problema a ser enfrentado, pois, infelizmente, alguns órgãos municipais não dispõem de serviços dignos, esquecendo-se de que todos somos sujeitos de direito e que, na verdade, não há gratuidade, visto que todas as benfeitorias são advindas dos pagamentos de nossos impostos. No estado de São Paulo, existe o auxílio funeral concebido a esposa/esposo, parceiros/parceiras de relacionamentos estáveis ou, na falta dessas pessoas, ao indivíduo que custeou as despesas fúnebres do funcionário público estadual, esteja ele ativo ou inativo. Resumidamente, esse auxílio consiste no pagamento de um mês do salário do colaborador. Ao assistente social que trabalhe em algum município sem lei específica para o assunto, cabe um olhar crítico e a iniciativa de trabalhar na perspectiva do problema, não como um fim nele mesmo, mas na busca por oportunidades, ou seja, fazendo projetos com embasamento e levando-os ao conhecimento dos órgãos pertinentes e/ou à Câmara Municipal. 5.2.2 Atuação profissional em órgãos privados Antes da reflexão propriamente dita a respeito da atuação do assistente social no segmento funerário, vamos entender a evolução ocorrida nessa área muito mistificada pela sociedade. As mudanças sociais também foram refletidas no setor funerário, que passou a contar com clientes que começaram a exigir melhores serviços. Trata-se de uma situação distinta da que ocorria até os anos 1990, quando o setor não contava com trabalho profissionalizado nem havia o interesse em criar novas 82 O maior impedimento para uma ação melhorada junto aos órgãos públicos é, possivelmente, a falta de dialogo entre eles; passa-se a impressão de que são concorrentes. Para que haja mudança nesse quadro, precisa-se, principalmente, de profissionais engajados em seu trabalho. ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL tecnologias, fatores que eram apenas reflexos de uma sociedade que tinha preconceito quanto aos serviços funerários e que, por isso, acabava por não valorizar o trabalho desempenhado. Consequentemente, as empresas tampouco se preocupavam na qualificação dos seus serviços, não os divulgavam abertamente e proporcionavam pouca informação a respeito, principalmente, por atuarem somente para a morte ou com a morte. Entretanto, com a competitividade do mercado e a visão de ganho nesse segmento com o decorrer dos anos, este foi ganhando notoriedade com o incremento tecnológico, o início da capacitação dos trabalhadores, a divulgação e a participação ativa das empresas em eventos nacionais ou internacionais. Esse tipo de mercado não mais se vinculava somente à morte, mas passava a oferecer outros serviços, como planos médicos, entre outros. Focando na mais significativa mudança para nós, a implantação do Serviço Social neste setor, teremos que o assistente social poderá atuar também em funerárias privadas, não sendo restrito o trabalho somente a órgãos públicos. Como em qualquer outra empresa particular, é preciso que o assistente social, mais intrinsecamente, identifique o interesse do contratante. A atuação do profissional se dá junto a: • Diretores – ajudam diretamente na implementação de projetos que visem à resolução de problemas corriqueiros e em ações que melhorem os pontuais, seja interna ou externamente, e outras ações que forem necessárias. • Clientes internos (colaboradores) – ação similar à ocorrida em qualquer outra empresa privada: verificar as reivindicações/necessidades; elaborar projetos que visem à implantação de benefícios; quando solicitado, atuar na contratação/demissão; treinar, de acordo com seus conhecimentos/possibilidades, profissionais e 83 Unidade II proporcionar capacitações; promover, com a equipe, a melhora da qualidade de vida no trabalho. • Clientes externos (consumidores dos produtos e/ou serviços) – divulgação, por meio de palestras com pessoas aptas, sobre a doação de córneas, bem como a efetivação de parcerias para a distribuição desses órgãos; aumento da oferta de serviços com diferentes profissionais da saúde; criação de trabalho com grupos específicos; empréstimos de equipamentos reabilitatórios; elaboração de campanhas; parcerias com farmácias que vendam, a preços mais acessíveis, remédios aos associados, como também com outros estabelecimentos comerciais e/ou de lazer; promoção de atividades culturais e educativas etc. • Comunidade – cursos que visem profissionalizar as pessoas em diferentes áreas ou até mesmo no segmento funerário; promoção do acesso à informação referente ao tema morte; atividades culturais e educativas; projetos de cunho social com diferentes olhares; elaboração de campanhas preventivas etc. Como se verifica, o trabalho não fica restrito à atenção à morte, ao contrário, abre a possibilidade de promover outro olhar às empresas que atuam nesse segmento. Além disso, obviamente, há o trabalho realizado no pós-morte e que envolve ações como: • Acolher as famílias que perderam o ente; • Proporcionar o melhor acesso aos serviços funerais disponibilizados pelo plano de assistência funerária contratado pelo cliente, incluindo a atenção ao translado do corpo para outros municípios ou regiões; • Disponibilizar cópias da certidão de óbito; • Quando necessário ou sempre que possível, visitar o velório para assistir à família; 84 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL • Viabilizar as devidas informações, a quem de fato interessar, quanto aos direitos deixados pelo familiar; • Procurar conhecer um pouco mais da pessoa que faleceu, como forma de aproximar as ações; • Mobilizar grupos que auxiliam no período do luto, em concomitância a um psicólogo etc. Da mesma maneira que em outros segmentos de trabalho do assistente social, neste também precisamos saber inovar e proporcionar o reconhecimento da atuação profissional nesse ramo de atividade, sempre tendo em mente o Código de Ética Profissional. 6 O ASSISTENTE SOCIAL DESENVOLVENDO SEU TRABALHO NA ÁREA DA SAÚDE A área da saúde ainda emprega o maior número de assistentes sociais, porém, a quantidade de profissionais aumenta substancialmente na área da assistência social devido à consolidação do Suas (Sistema Único de Assistência Social). 6.1 Entendendo o processo histórico da saúde no Brasil e o Sistema Único de Saúde (SUS) O maior empregador dos assistentes sociais é o Estado, nas diferentes esferas de governo – federal, estadual e municipal. No entanto, são poucos os profissionais que atuam nesses ambientes e entendem ou, ao menos, procuram compreender o processo histórico que a saúde em nosso país precisou caminhar para chegar ao padrão, ainda em desenvolvimento, atual. Para que possa ser feita a reflexão esperada, é preciso o entendimento prévio de que a evolução das políticas em saúde está intrinsecamente ligada à transformação político-social e econômica de nossa sociedade, e de que tais mudanças ocorrem no caminhar do processo capitalista, concomitantemente aos seus interesses. 85 Unidade II Durante o período colonial, no tocante a saúde, no Brasil-colônia, não se tinha quase nenhum interesse: o principal eram a exploração e o enriquecimento da metrópole (Portugal). Durante a exploração do pau-brasil, não houve ações para a promoção da saúde, visto que não existia o interesse em povoar as novas terras descoberta por Portugal; apenas a extração era o foco. Os portugueses desenvolveram a atividade de exploração do pau-brasil, porque havia grande quantidade dessa árvore na Mata Atlântica. Além disso, tal exploração foi facilitada porque elas estavam próximas ao litoral (o que motivou o povoamento litorâneo) e também por causa da barganha feita com os nativos, com quem trocavam mercadorias europeias e desconhecidas por mão de obra, que extraía e transportava o pau-brasil até as embarcações. No entanto, esse tipo de comércio, chamado de escambo, não perdurou muito; com o passar do tempo, os portugueses foram alimentando certa desconfiança quanto aos índios, em função, principalmente, do modo de vida que tinham: houve um choque de culturas motivado pelo fato de os hábitos e as crenças de ambos os povos serem totalmente diferentes. A boa qualidade da terra do Nordeste atraiu os colonizadores para lá. Com o tempo, eles notaram que a região, ainda inexplorada, favorecia o plantio da cana-de-açúcar e que tal atividade apresentaria extrema rentabilidade, o que de fato se confirmou. A partir daí, os colonos tentaram submeter os índios à sua dominação, impondo-lhes a cultura portuguesa e a religião católica, trazida pelos jesuítas, por meio da catequese. Foram forçados também ao trabalho escravo nas atividades necessárias, restando, então, dois caminhos aos nativos: rebelarem-se ou aceitarem a nova situação, que, aliás, contribuía para que perdessem seus territórios. Alguns grupos indígenas tentavam se rebelar, mas eram mortos ou fugiam para lugares remotos e de difícil acesso. Aqueles que ficavam e se submetiam ao trabalho 86 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL escravo eram superexplorados, com alto índice de mortes, decorrentes em grande parte por maus-tratos e doenças trazidas pelos colonos europeus (e para as quais o sistema imunológico do indígena não estava preparado), como as doenças venéreas e, mais tarde, a varíola, esta trazida pelos escravos africanos. Como os nativos não estavam suprindo as necessidades de rentabilidade que os portugueses esperavam com a exploração do pau-brasil, não hesitaram em desenvolver a atividade açucareira, pois havia grande aceitação desse produto no mercado europeu; no entanto, era preciso uma grande quantidade de mão de obra barata. Com isso, houve a ideia de lucrar também com o tráfico de escravos das colônias portuguesas na África, iniciando a inserção destes no então Brasil-colônia, oficialmente, a partir de 1559, embora, antes mesmo dessa data, já houvesse esse tipo de comércio informalmente em virtude da escassez de mão de obra. Provenientes de Angola e da Guiné em embarcações chamadas de navios negreiros, os africanos que aqui chegavam eram, em sua maioria, capturados em guerras tribais (os vencedores escravizavam e vendiam os derrotados aos europeus) ou escravizados por falta de pagamento de dívidas. As negociações eram feitas também por negros africanos, que os trocavam por produtos como fumo, armas e aguardentes. Durante a viagem para o Brasil, muitos negros morriam em função da superlotação dos navios negreiros, das péssimas condições de higiene e de doenças, principalmente a varíola. Quando aqui chegavam, eram vendidos em praça pública, com os mais fortes e saudáveis sendo os mais valiosos. Não havia interesse algum na promoção da saúde dessa parte população, até porque, aliás, eles nem eram vistos como pessoas. Já devidamente comercializados, a nova realidade a ser enfrentada pelos índios escravizados e negros africanos estava posta: eram obrigados a viver sob tortura em cativeiros, principalmente os negros, vivendo em masmorras, sem condições mínimas de higiene adequadas, uma vez que, nesses locais 87 Unidade II havia um número elevado de fezes, urina, vômitos e doentes. Não era difícil presenciar mortes por anorexia, desidratação etc., pois não existia preocupação maior com essa parcela social. A comida ofertada pelos seus senhores era incapaz de suprir as necessidades nutricionais básicas devido ao ritmo de trabalho exaustivo, condição agravada ainda pela falta de higiene na preparação e/ou manipulação dos alimentos, que muitas vezes estavam estragados. Os escravos africanos eram totalmente submissos aos seus senhores, não tinham direitos básicos, como liberdade de ir e vir, alimentação adequada, horário para as refeições etc. Não tinham, inclusive, direito a constituir ou manter vínculos familiares, já que, a qualquer momento, poderiam ser vendidos a terceiros: tudo girava em torno da conveniência em relação ao senhor e da possibilidade de lucros. Aos escravos, restava apenas o trabalho exaustivo, punitivo e árduo, uma vez que o trabalho braçal não era feito por nobres, como se nota no trecho de uma carta de Nicolau Clenardo ao seu amigo Latônio, em 1535: “em Lisboa, os escravos e as escravas são mais que os portugueses” (HOLANDA, 1995, p. 54). Não havia a convivência fraterna e materna, fato que pode ser verificado nessa mesma carta, pois a venda dos filhos de escravos era bastante lucrativa. Assim, até o século XVII, a economia açucareira era a atividade predominante, e todos os interesses estavam voltados a esse cultivo; porém, outra fonte de renda bastante atrativa e lucrativa passou a ser explorada: a mineração. Os paulistas tiveram grande importância nessa exploração, pois, em meados do século XVII, descobriram alguns metais não preciosos, mas que já serviam para indicar que matérias-primas de mais valor poderiam ser encontradas, principalmente no caminho para o interior de Minas Gerais. Entre esses paulistas, destacava-se Fernão Dias Pais, que partiu para o sertão, desbravou grande parte das terras ali e, de certa forma, abriu caminho para futuras e importantes descobertas relacionadas à mineração. 88 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL No século XVIII, a mineração passa a ganhar destaque como atividade exploratória, mas a situação dos escravos em nada melhorou, continuava a mesma: trabalhavam exaustivamente, recebiam apenas trapos como roupa e alimentação insuficiente para suprir suas reais necessidades nutricionais, continuavam a viver nas senzalas, galpões escuros, úmidos e sem nenhuma higiene, sendo ali acorrentados para que não fugissem. Os castigos físicos eram comuns, principalmente o açoite (chicotada) e o tronco, o que potencializava a diminuição do tempo de vida dessa mão de obra. Além do sofrimento físico, com as condições desumanas nas quais viviam, passavam por torturas psicológicas, como a proibição de praticar religião ou realizar quaisquer festas e rituais africanos, devendo seguir o catolicismo e adotar a língua portuguesa para se comunicarem. Ainda assim, entretanto, não deixavam a cultura africana se apagar, realizando às escondidas rituais, festas e danças como a capoeira. A despeito de tudo isso, indiretamente, a mineração trouxe algo de positivo para certos escravos, pois como alguns senhores, principalmente os pequenos mineradores, não possuíam meios de arcar com as despesas de manutenção de uma escravaria numerosa, davam a eles certa autonomia para que desenvolvessem suas atividades longe da casa-grande e liberdade para minerarem por conta própria, desde que entregassem parte das preciosidades encontradas. Essas situações possibilitaram aos escravos o acúmulo de riqueza suficiente para, posteriormente, comprarem sua alforria (liberdade). É importante frisar, no entanto, que tal situação não tornava menos dolorosa nem mais democrática a vida dos escravos, pois os castigos sofridos eram ainda mais árduos do que os infligidos na época da exploração do pau-brasil e da produção de açúcar, sem qualquer cuidado em relação à saúde. Em 1º. de março de 1894, Prudente de Moraes foi eleito presidente, fato que, diga-se de passagem, trouxe o fim da presença do Exército na Presidência da República, exceção feita ao marechal 89 Unidade II Hermes da Fonseca, eleito para o período de 1910 a 1914. O novo presidente era representante do café, produto cujo cultivo estava se expandindo bastante: em 1890, no estado de São Paulo, havia cerca de 200 milhões de cafeeiros; em 1905, o número ultrapassava 680 milhões; em 1930, passou de um bilhão, números que faziam de São Paulo o responsável pela comercialização da metade do consumo mundial do produto. No entanto, o café não trazia muitos benefícios para a população de massa, ou seja, os trabalhadores rurais, mas sim, apenas aos plantadores, comerciantes e banqueiros que investiam capital com o intuito de fazer crescer as lavouras e obter lucro nas transações comerciais e financeiras. O café trouxe inúmeros benefícios para o país na área econômica, como maior empregabilidade, arrecadação fiscal, alargamento do mercado interno e promoveu o desenvolvimento da rede ferroviária e a ampliação dos portos e serviços urbanos. Além disso, começou a cogitar-se o desenvolvimento de uma política de imigração, pois, conforme a industrialização crescia e se firmava nos países europeus, havia a substituição da mão de obra humana por máquinas. Muitas dessas pessoas, agora desempregadas, então, abandonavam a Europa para tentar uma vida melhor no Brasil, algo que, infelizmente, não conseguiram, visto que a cultura do trabalho exploratório ainda persistia no país, herança do período escravagista que se encerrara há pouco tempo. Os setores social e de saúde foram esquecidos e havia disparidades entre as diferentes regiões do país e classes sociais: a burguesia detinha a concentração do capital junto às casas exploradoras estrangeiras, o que acentuava as desigualdades, principalmente nos períodos de crise. Devido à falta de políticas na área de saúde, as pessoas, já separadas em classes sociais, como dito, tratavam-se também de forma diferenciada: • Aqueles em situação de pobreza utilizavam a medicina de folk: tratavam-se com base em uma medicina popular, realizada pela própria família e pela comunidade local; 90 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL • Aqueles em situação de riqueza recebiam cuidados, na área da saúde, de pessoas especializadas, vindos principalmente de Portugal. Talvez o primeiro passo na área da saúde no Brasil foi a criação da Academia Real de Medicina Social, na Bahia, cujos principais objetivos eram os cuidados da saúde populacional seguindo os modelos europeus equivalentes. Apesar disso, a saúde pública no país só ganhava destaque quando as epidemias ou endemias afetavam os campos sociais e econômicos capitalistas: havia a preocupação de que estes não afetassem o desenvolvimento urbano das cidades, de maneira que ações eram desempenhadas na forma de campanhas focalizadas. No entanto, uma vez que as doenças eram controladas, as ações sanitárias eram abandonadas, sem que houvesse uma política de prevenção para o futuro. Com o fim da escravidão e o início do processo transitório das atividades agrícolas para as industriais, a urbanização e a industrialização passaram a estar presentes, o que propiciou a formação de classes sociais médias: funcionários públicos, profissionais liberais, empregados das firmas de serviços públicos e comerciais. As classes mais baixas eram formadas pelo nascente proletariado. Estima-se que, em 1910, a população de São Paulo girava em torno de 375 mil habitantes, enquanto a do Rio de Janeiro, em cerca de 850 mil. O desenvolvimento das cidades e do processo de produção conduzia a algumas e significativas alterações sociais, com a consequente mudança de muitos hábitos, como, por exemplo, a troca do vinho pelo café na socialização de final da tarde entre os burgueses. Estes, aliás, sempre que fosse interessante, investiam parte de sua renda em outras atividades lucrativas, principalmente industriais, o que acabou formando uma força reserva de trabalho, formada principalmente por imigrantes, usados nas indústrias principalmente nos momentos de crise do café. Na primeira fase da República, no final do século XIX até 1930, a imigração foi um dos traços mais significativos no 91 Unidade II contexto socioeconômico: acredita-se que entraram no Brasil, à época, cerca de 3,8 milhões de estrangeiros, havendo um declive durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), fato que causou medo nos latifundiários, que temiam a falta de mão de obra justo no momento em que havia forte desenvolvimento da indústria. Logo após a guerra, no entanto, houve novamente a procura dos emigrantes pelo país. O aparecimento da indústria, entretanto, não trouxe melhoria para a vida dos operários: excluídos, marginalizados e com pouco dinheiro, restava-lhes morar em favelas e cortiços; os salários ofertados variavam de acordo com a vontade do empregador e, em geral, eram miseráveis, não permitindo que vivessem com dignidade. A questão sanitária passa a ser vinculada à questão política a partir da campanha sanitária de Osvaldo Cruz, que privilegiava a higienização, em 1904, com as leis de vacinação contra a varíola, fato que gerou revoltas na parcela mais pobre da sociedade. Com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, a ideia era estender os serviços de saneamento às regiões urbanas e rurais, momento em que a saúde começa a ser entendida como expressão da questão social. Enquanto isso, a elite brasileira contava com as Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), que tinham serviços como atendimento médico e dispensação de medicamentos. Na Constituição de 1934, aparece o tema da saúde, incluindo a atenção ao trabalhador, às crianças e mulheres, como veremos a seguir: Art. 10 – Compete concorrentemente à União e aos Estados: (...) II – cuidar da saúde e assistência públicas; 92 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Art. 121 – A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do País. § 1º – A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que colimem melhorar as condições do trabalhador: (...) h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte; § 3º – Os serviços de amparo à maternidade e à infância, os referentes ao lar e ao trabalho feminino, assim como a fiscalização e a orientação respectivas, serão incumbidos de preferência a mulheres habilitadas. Art. 138 – Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: (...) c) amparar a maternidade e a infância; (...) e) proteger a juventude contra toda exploração, bem como contra o abandono físico, moral e intelectual; (...) 93 Unidade II g) cuidar da higiene mental e incentivar a luta contra os venenos sociais. Com a aceleração industrial e o aumento da consciência política dos trabalhadores, o Estado teve de passar a ouvir as reivindicações dos operários, como a instituição de um salário mínimo (Constituição de 1934) para o suprimento das necessidades básicas. Na prática, porém, não era o que acontecia, as condições de vida só pioravam, o que se refletia em demandas por assistência médica, fato que motivou os Institutos de Assistência Previdenciária a começarem a prestar esse tipo de serviço. Na Constituição de 1937, temos, no tocante à saúde, ações que a vinculam a um caráter de defesa e proteção: Art. 16 – Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias: (...) XXVII – normas fundamentais da defesa e proteção da saúde, especialmente da saúde da criança. Art. 18 – Independentemente de autorização, os Estados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre a matéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender às peculiaridades locais, desde que não dispensem ou diminuam as exigências da lei federal, ou, em não havendo lei federal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos: (...) c) assistência pública, obras de higiene popular, casas de saúde, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; 94 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Criou-se também o plano Salte (saúde, alimentação, transporte e energia), sendo essas as áreas prioritárias. No entanto, investimentos em Saúde Pública, principalmente, nunca fizeram parte real das políticas de investimentos do governo, pois eram vistos como despesas. Com a Constituição Federal de 1946, temos: Art. 5º – Compete à União: (...) XV – legislar sobre: (...) b) normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; e de regime penitenciário; (...) Art. 157 – A legislação do trabalho e da previdência social obedecerá aos seguintes preceitos, além de outros que visem à melhoria da condição dos trabalhadores: (...) VIII – higiene e segurança do trabalho; (...) X – direito da gestante ao descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego nem do salário; (...) 95 Unidade II XIV – assistência sanitária, inclusive hospitalar e médica preventiva, ao trabalhador e à gestante; Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública, que, no entanto, sofria abalos devido às instabilidades políticas que envolviam as diferentes forças do novo governo. Em 1934, passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde e começa sua institucionalização. Com o aumento do setor da saúde, criaram-se as delegacias federais de saúde, que visavam ajudar nos serviços locais, e também se iniciaram as Conferências Nacionais de Saúde, de cunho administrativo. O Ministério da Educação e Saúde tinha como característica marcante o caráter centralizador: sua estrutura permaneceu intacta até 1953, com a criação do Ministério da Saúde. As ações de saúde pública ainda estavam atreladas ao sanitarismo campanhista, autoritário e centralizador. Com a separação da Educação, o então Ministério da Saúde passou a receber apenas um terço dos recursos antigamente destinados. Na Constituição de 1967, temos, em referência à saúde: Art. 8º – Compete à União: (...) XIV – estabelecer planos nacionais de educação e de saúde; (...) c) Normas gerais de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário; É nesse contexto de interesses entre as classes sociais que surge o Sistema Único de Saúde (SUS), um processo 96 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL histórico brasileiro. Em função disso, torna-se importante um conhecimento mais holístico em nossa atuação profissional. Entender que, até a promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorreram inúmeras questões societárias, cujas demandas foram batalhadas e conseguidas a duras marcas. Na Constituição de 1988, houve a primeira grande mudança: garantir a saúde como um direito social, como vemos a seguir: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. Elencaremos a seguir os principais pontos abordados, nessa Constituição, referente à saúde Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (...) XXII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; 97 Unidade II (...) Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência; Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) XII – previdência social, proteção e defesa da saúde; (...) Art. 30. Compete aos Municípios: (...) VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; (...) Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. (...) 98 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL Seção II DA SAÚDE Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado. Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. § 1º. O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes. 99 Unidade II § 2º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos derivados da aplicação de percentuais calculados sobre: I – no caso da União, na forma definida nos termos da lei complementar prevista no § 3º; II – no caso dos Estados e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos de que tratam os arts. 157 e 159, inciso I, alínea a, e inciso II, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos Municípios; III – no caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, alínea b e § 3º. § 3º Lei complementar, que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, estabelecerá: I – os percentuais de que trata o § 2º; II – os critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e dos Estados destinados a seus respectivos Municípios, objetivando a progressiva redução das disparidades regionais; III – as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal; IV – as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União. 100 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL § 4º Os gestores locais do Sistema Único de Saúde poderão admitir agentes comunitários de saúde e agentes de combate às endemias por meio de processo seletivo público, de acordo com a natureza e complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para sua atuação. § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico, o piso salarial profissional nacional, as diretrizes para os Planos de Carreira e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias, competindo à União, nos termos da lei, prestar assistência financeira complementar aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, para o cumprimento do referido piso salarial. § 6º Além das hipóteses previstas no § 1º do art. 41 e no § 4º do art. 169 da Constituição Federal, o servidor que exerça funções equivalentes às de agente comunitário de saúde ou de agente de combate às endemias poderá perder o cargo em caso de descumprimento dos requisitos específicos, fixados em lei, para o seu exercício. Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º – As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º – É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos. 101 Unidade II § 3º – É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no País, salvo nos casos previstos em lei. § 4º – A lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização. Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos; II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador; III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde; IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico; V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico; VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano; 102 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL VII – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos; VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. Nota-se que, nessa Constituição, a saúde passa a integrar a seguridade social e o SUS surge baseado nos seguintes princípios: equidade, universalidade, integralidade e participação da população, principalmente nos Conselhos de Saúde. Há muitos profissionais que trabalham no SUS, mas que não acreditam nele por falta, muitas vezes, de conhecimento de sua magnitude. Evidentemente, ele possui várias deficiências, mas o SUS não é feito apenas de erros. No entanto, a mídia se encarrega de divulgar apenas as notícias negativas – que atraem mais a atenção e, por isso, vendem mais –, porém, é preciso também que se divulguem tudo o que também dá certo nesse sistema, extremamente avançado se comparado ao de outros países. Vale refletirmos, portanto, que o SUS é mais uma etapa do processo de surgimento e estabelecimento de uma política pública de saúde no Brasil. Uma iniciativa legítima e legalmente instituída ainda em desenvolvimento. Dica Como complemento do aprendizado, não deixe de ler o texto O sistema único de saúde, um processo social em construção16, de Eugênio Vilaça Mendes, e de assistir ao filme História das políticas de saúde no Brasil. São materiais que proporcionarão maior entendimento sobre os aspectos abordados aqui. Texto disponível em http://www.opas.org.br/rh/publicacoes/ textos_apoio/ACF9371.pdf. Acesso em 06/12/2010. 16 103 Unidade II 6.2 O assistente social e a área da saúde Na Constituição Federal de 1988, como vimos e vale frisar, a saúde é colocada como um direito social de todo cidadão. Além disso, é citado o direito do trabalhador à garantia de um salário mínimo suficiente ao suprimento das necessidades vitais para si e sua família, incluindo aquelas de saúde. Acrescenta, também, a questão da saúde no trabalho e coloca, ainda, que compete às três esferas de governo legislar em favor da defesa da saúde e aos municípios, com a ajuda da União e do Estado, prestar serviços de atendimento à saúde. Há inúmeras legislações a respeito do assunto nos três níveis de governo, porém, nosso intuito maior é posicionar o aluno no campo do direito do cidadão e do dever do Estado em prover acesso à saúde. Mas, para que isso ocorra, é importante que você conheça as leis pertinentes ao seu cotidiano e, assim, aprofunde-se no tema. Atualmente, há inúmeros programas de atenção à saúde que atendem diversos seguimentos societários, como: • Idosos; • Mulheres; • Crianças e adolescentes; • Imunodeprimidos; • Pessoas com deficiência; • Pessoas com doenças crônicas, como diabetes. O conceito mais utilizado de saúde é o da Organização Mundial da Saúde, que diz: “Saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças”. Podemos até não concordar com ele, cabendo, então, um estudo aprofundado para a elaboração de críticas 104 ESTUDOS TEMÁTICOS EM SERVIÇO SOCIAL embasadas no conhecimento técnico da questão debatida e não simplesmente a partir de atitudes impulsionadas pelo senso comum. Com isso, conseguimos tramitar profissionalmente nos mais diversos setores que fazem parte da atenção à saúde. Dica Leia a cartilha Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na política de saúde17, desenvolvida em conjunto pelo Conselho Federal de Serviço Social e o Conselho Regional de Serviço Social, em especial seu item 3: “Atuação do assistente social na saúde”, pois ele vem ao encontro do tema que estamos desenvolvendo nesta unidade. Exercícios 1) Assinale a alternativa correta que contemple, respectivamente, as leis nº 8.142, de 28/12/1990, e nº 8.080, de 19/09/1990: a) ( ) Lei Orgânica da Saúde e Sistema Único de Saúde; b) ( ) Sistema Único de Saúde e Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais; c) ( ) Lei Orgânica da Saúde e Pessoas Portadoras de Transtornos Mentais; d) ( ) Sistema Único de Saúde e Lei Orgânica da Saúde; e) ( ) Nenhuma das anteriores. 2) Assinale a alternativa que determina corretamente sobre a disposição preliminar da Lei Orgânica da Saúde: a) ( ) Artigo 1º – Esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada Texto disponível em http://www.cfess.org.br/arquivos/Parametros_ para_a_Atuacao_de_Assistentes_Sociais_na_Saude.pdf. Acesso em 06/12/2010. 17 105 Unidade II ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. b) ( ) Artigo 2º – Esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. c) ( ) Artigo 2º – Esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais e não jurídicas de direito privado. d) ( ) Artigo 1º – Esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais e não jurídicas de direito privado. e) ( ) Artigo 1º – Esta Lei regula, somente na região Sudeste, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. Resolução dos exercícios 1) d) Sistema Único de Saúde e Lei Orgânica da Saúde. 2) a) Artigo 1º – Esta Lei regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. 106