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Apontamentos para uma teoria da vida midiatizada.
Notes for a theory of mediated life.
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André Fabrício da Cunha Holanda
Resumo: O artigo propõe que diversas transformações na maneira como as
práticas sociais são influenciadas por meios de comunicação interativos e pósmassivos podem ser identificadas com um movimento geral de midiatização da
vida social. Este movimento foi parcialmente explorado pela jovem tradição dos
estudos de Cibercultura bem como por outras abordagens, porém sem que se
pudesse avaliar todo o seu alcance, principalmente quando se considera aspectos
como a intensificação da comunicação dos não-humanos, representada pela
emergência da Internet das coisas e outros fenômenos recentes como o Big data,
que representam dificuldades para as teorias sociológicas ou comunicacionais
ancoradas à uma concepção humanista e assimétrica dos processos de
comunicação social. Este artigo faz a crítica de algumas destas abordagens,
buscando superar seus limites por meio de uma perspectiva composicionista e
simétrica informada pela Teoria Ator-rede.
Palavra chave: Midiatização; Cibercultura; Teoria Ator-rede.
Abstract: The paper states that several changes in the way social practices are
influenced by interactive and post-massive media can be identified with a general
movement of mediatization of social life. This movement was partially explored by
the young tradition of Cyberculture Studies as well as other approaches, although
not in its full scope, especially regarding aspects such as the intensification of the
communication between non-humans, represented by the emergence of the Internet
of Things and other recent phenomena like Big data, which represent difficulties
for sociological or communication theories anchored to a humanistic and
asymmetric conception of social communication processes. This paper is a critique
of some of these approaches, seeking to overcome their limitations through a
compositionist and symmetrical perspective informed by Actor-Network Theory.
Keywords: Mediatization, Cyberculture, Actor-network Theory.
A configuração midiática marcada pela intensa interconexão e pela multiplicação dos
fluxos comunicacionais é traço marcante das sociedades atuais que tem merecido a atenção da
academia em diversas abordagens. Dentre as suas características principais, o ponto que nos
interessa aqui é a ubiquidade e o aspecto pervasivo das mediações interativas e pós-massivas na
sociedade atual. A midiatização da vida social, inclusive da privacidade e da expressão da
individualidade é o efeito mais poderoso da máxima expansão das transformações observadas no
modo como nos comunicamos na sociedade atual e dispensa a necessidade de se argumentar em
favor do seu alcance e influência.
Uma constatação disponível a qualquer observador é que não há limites para este processo,
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não há qualquer aspecto da vida social atual que não esteja sofrendo os efeitos de uma crescente
midiatização. Há certamente pessoas, processos e atividades excluídas ou resistentes, mas já não
pode haver expectativa realista de que qualquer entidade, pessoa, processo possa fazer parte da
experiência coletiva e da realidade compartilhada na sociedade sem estar inserido nas redes
midiáticas atuais, gerando - às vezes involuntária e inconscientemente - conteúdo para os demais
interagentes. Há sempre os náufragos e marginalizados. Há sempre uma polarização entre
diferentes potências e graus de articulação às redes e de participação nos jogos de midiatização.
Esta exclusão midiática (como a exclusão digital que obcecava os debates da área até muito pouco
tempo) será encontrada sempre que se encontrar qualquer forma de exclusão social e por isto
mesmo, o argumento não prova uma exceção, mas antes uma confirmação da regra: atualmente,
onde há sociedade há midiatização, em graus proporcionais. Para usar a formulação de Mark
Deuze: “Nós não vivemos com a mídia, vivemos na mídia[1]” (DEUZE, 2012, xiii).
A história da midiatização é certamente longa e passa por fases que não se pode ignorar,
como a própria constituição da mídia de massas, fator fundamental do próprio surgimento da
pesquisa em comunicação social. De acordo com Andreas Hepp já na década de 1930, com o
lançamento do livro “The Bearer of Public Opinion”, de Ernst Manheim, o termo surge para
descrever os efeitos da comunicação de massa sobre as relações sociais (HEPP, 2014). Pode-se
argumentar que este processo tenha sido sempre o objeto implícito de tradições de pesquisa com a
crítica realizada pela Escola de Frankfurt, ainda que de maneira parcial, preocupada apenas com a
dimensão cultural, mas é razoável reservar este espaço para aquelas formulações de maior
abrangência, já que é esta a natureza do objeto estudado.
A ruptura trazida pela internet com relação ao paradigma da comunicação de massa já foi
exaustivamente explorada pela academia nos estudos da Cibercultura, que buscaram para iluminar
as formas interativas e pós-massivas de mediação, responsáveis por colocar em cheque a
institucionalização dos papeis de emissão midiática, os modelos de negócio, fundamentos legais
entre outros (CASTELLS, 2000; LEVY, 1999, LEMOS 2001, LEMOS e LEVY, 2010). O
surgimento do ciberespaço como novo ambiente midiático subversivo do paradigma tradicional
massivo, assim como as formas e práticas de sociabilidade virtual, representavam uma forma de
midiatização das relações sociais, sejam afetivas, de trabalho ou de consumo, entre outras. Neste
sentido Lucia Santaella (2003, pp. 79 et seq.) explora um eixo contínuo de transformações da
Cultura de Massas à Cultura das Mídias e desta à cibercultura, com um processo de
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complexificação da natureza, características e dos papeis envolvidos nas interações.
No entanto, esta passagem da emissão institucionalmente estabelecida para modelos
participativos de interação é apenas metade da história. Hoje precisamos incluir na análise novos
emissores que não estão representados nas teorias tradicionais da comunicação, identificadas com
uma compreensão estreita do humanismo, o que impõe um silenciamento artificial e prejudicial à
análise dos interagentes e emissores não-humanos.
Neste cenário que começa a enfrentar o desafio de explorar e analisar a emergência da
Internet das coisas, caracterizada pela comunicação de actantes não-humanos, e Big data, que
extrai sentidos imprevistos pelos agentes humanos do monitoramento dos fluxos de dados, nosso
objetivo é situar um ponto de vista próprio em relação às teorizações já realizadas, atualizar
criticamente o debate e problematizar as dificuldades encontradas pelas teorias da comunicação
tradicionais em abordar as questões colocadas pelo contexto atual.
Este artigo visa, portanto, estabelecer requisitos básicos para uma tradução das Teorias da
Comunicação de modo a dar conta de uma midiatização pervasiva da vida social, indo além das
perspectivas institucionais, ecológicas e puramente tecnológicas em direção a uma abordagem
teórica simétrica da vida midiatizada que se anuncia a partir da articulação entre os fenômenos
detectados por Hjarvard (2012, 2014) e Deuze (2012), e os desenvolvimentos tecnológicos como a
internet das coisas e big data explorados por Lemos (2013) a partir da Teoria Ator-rede.
Posições estabelecidas
A centralidade da mídia na sociedade e sua expansão a todos os domínios da vida social
não são novidade nas pesquisas em comunicação. Vamos propor inicialmente uma divisão das
perspectivas mais comuns em três tendências básicas, que representam atitudes distintas frente ao
problema, mais do que escolas de pensamento, programas de pesquisa ou corpos teóricos coerentes.
Uma primeira categoria de estudos pode ser identificada com a abordagem crítica da
midiatização dos diversos campos sociais, atentando principalmente para o efeito nocivo deste
processo. Nesta visão, a sociedade, a cultura, a esfera pública, o campo político são colonizados
pela lógica midiática ou deturpados pela manipulação pura e simples. A mídia nesta perspectiva é
frequentemente reduzida a mero instrumento de expansão do capital, de mecanismos de controle
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disciplinar, dominação política, ou tudo isto ao mesmo tempo. Tais abordagens têm enquadrado o
problema sempre como elemento básico da configuração que nós chamamos de Modernidade.
O elemento comum a todas as críticas é a ameaça de distorção dos campos sociais por um
elemento exógeno, de acordo com uma estratégia de dominação, seja colonizando o tempo livre e
viabilizando a Indústria Cultural, seja como globalização do projeto disciplinar do controle
panóptico, como instauração de uma sociedade do espetáculo, de uma era do simulacro; entre
inúmeras outras variações.
Uma segunda categoria, marcadamente norte-americana, tem origens na Escola de Toronto
e atualmente nos estudos de Media Ecology sua representação mais importante. Esta perspectiva vê
a sociedade atual como resultado de transformações tecnológicas, principalmente nos meios de
comunicação e de processamento de informações. Esta abordagem costuma ser criticada por isolar
os fenômenos dos seus fatores econômicos e sociais, ignorando, inclusive, o próprio processo de
inovação tecnológica, marcadamente influenciado por fatores não tecnológicos. Outro ponto fraco
esta em ignorar a complexa dinâmica econômica e cultural da adoção de soluções técnicas por
parte do público consumidor e de instituições diversas. Esta disposição conduz à transformação
daquilo que é acidental e contingente em determinação essencial ou genética, funcionando o mais
das vezes como legitimação “a posteriori” de escolhas arbitrárias ou conflituosas como se fossem
meras consequências necessárias e não problemáticas do desenvolvimento tecnológico.
A terceira atitude que merece destaque aqui, apesar de ser frequentemente confundida ou
reduzida a esta última, é a dos estudos de Cibercultura. Apesar da constante atenção dada nos seus
textos mais citados ao agenciamento de grupos sociais e subculturas, a Cibercultura foi
frequentemente acusada de reproduzir ideologicamente a mesma visão determinista das escolas
norte-americanas. O engano é compreensível, até inevitável. Seus autores buscaram, nem sempre
com sucesso, comunicar seu foco na sinergia entre processos sociais e avanços tecnológicos
responsáveis pela intensa e rápida virtualização das práticas culturais em situações cada vez mais
marcadas pela independência da contiguidade espaço-temporal.
Um dos principais problemas foi a importância dada à mais exótica destas virtualizações, o
ciberespaço. Considerando que este foi definido pelo seu inventor William Gibson como uma
“alucinação consensual” (GIBSON, 2014), constata-se o quanto é difícil evitar acusações de
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escapismo, alienação, futilidade que acompanharam a popularização do conceito, bem como o
horizonte da sua máxima expansão como “Realidade Virtual”.
É que faltavam dois objetos de estudo fundamentais para que a Cibercultura pudesse
abarcar toda a complexidade das transformações então em curso: o espaço atual, efetivo, das trocas
cotidianas; e as coisas que este hospeda. Suprir a primeira carência com relação ao espaço foi o
objetivo do GPC, Grupo de Pesquisas em Cibercidades; a problematização da segunda, relativa aos
não-humanos, tarefa do seu sucessor, o LAB 404 – Laboratório de Pesquisa em Mídia Digital,
Redes e Espaço ambos no Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea
(PPGCCC) da Faculdade de Comunicação da UFBA.
O ciberespaço mudou as regras de como a comunicação social se estruturava. Novos atores,
novos procedimentos, uma radical mudança no que se refere aos papeis e poderes dos implicados
nas trocas comunicacionais. Mas tudo isto ficava restrito ao acesso via computador pessoal, frente
ao qual se postavam usuários de costas para o seu espaço “atual” em direção do espaço virtual de
comunicação. A nova fase da cibercultura surge quando os dispositivos móveis trouxeram o
internauta para a rua, a praça, o espaço público, articulando a presença virtual online com a
presença atual concreta, colocando, com isto, novos problemas e possibilidades.
Chamei a primeira fase da internet de “upload de informação e virtualização para o
ciberespaço”, onde o lugar tem uma importância relativa. Hoje, com os sistemas
locativos atuais, como no exemplo acima, a função do lugar é crucial, caracterizando
o “download do ciberespaço para objetos e lugares” [...]. Aqui o lugar é um mediador
fundamental da ação já que a informação “emana” e reage de/a partir dele (LEMOS,
2013, p. 202-203).
Ausentar-se do entorno físico não é um hábito recente, não era durante a primeira fase,
ainda que possa haver se tornado desconfortavelmente frequente. A novidade da conexão móvel é
justamente a possibilidade de uma alternância de modos não escapista, em que a disponibilidade
destes dois modos de presença passa a viabilizar uma situação midiatizada como aspecto central do
nosso estar no mundo.
As relações de proximidade e distância no espaço e no tempo passam a permitir
reconfigurações importantes. Ignorar os companheiros de fila e conversar com pessoas distantes,
encontrar coisas com o celular que a paisagem não poderia mostrar, escapar de uma blitz policial
com a ajuda de um aplicativo que viabiliza a colaboração com outros motoristas.
Não se trata de abandonar o lugar em busca de um espaço virtual fora do mundo
concreto. Olhe ao redor e veja como os dispositivos móveis estão sensíveis ao lugar
são interativos em relação ao contexto. Para isto basta pegar um smartphone nas
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mãos e lançar aplicativos populares como Facebook, Twitter, Waze, Foursquare,
Google Maps... O que aparece na tela não é a Matrix, este “outro mundo” eletrônico,
fictício e desconectado do mundo de pedras e carne como diria Sennett (2006), mas
as pessoas e os lugares mais próximos. (LEMOS, 2013, p.175).
Cada conexão realizada no espaço concreto articula atual e virtual de modo a permitir
fluxos nos dois sentidos. Se, por um lado, o GPS muda radicalmente a situação do turista perdido
em uma cidade desconhecida, por outro, a localização inserida nas suas postagens em redes sociais
modifica o contexto da mensagem e funciona como registro e memória dos seus deslocamentos. A
mudança é radical. Por um lado, a mídia locativa, midiatiza o espaço, por outro, é a própria
situação do usuário no mundo que é midiatizada.
Estamos acostumados a acessar a internet de qualquer lugar. Quando, na primeira
fase do seu desenvolvimento, acessávamos a internet da escola, de casa ou do
trabalho, o lugar de aceso era apenas um fundo ou resíduo no processo
infocomunicacional. Ele era um intermediário. Na atual fase móvel e locativa dos
processos infocomunicacionais, a informação, o acesso, a distribuição, o consumo, a
produção estão diretamente vinculados ao contexto local. O lugar passa a ser um
mediador importante no processo. Do fundo ele passa à frente da cena (LEMOS,
2013, p.202).
As possibilidades para novos arranjos midiáticos são inúmeras, os problemas e conflitos
decorrentes das novas práticas não vem em número menor. Questões relativas à privacidade e à
vigilância, com as quais o usuário comum nunca parece estar atento recebem menção constante,
mas também a qualidade da experiência mediada pelas tecnologias móveis é questionada. A
comunicação interpessoal seria deteriorada pela velocidade e a comunicação face-a-face seria
desprezada pela atualização constante e obsessiva das redes sociais. Estas críticas são exatamente
as mesmas feitas a qualquer forma de midiatização, sendo, inclusive, frequentemente certeiras e
pertinentes.
Além da “Interface móvel” (FARMAN, 2012) que articula o cidadão com suas redes
sociais mediando sua situação no mundo, outro aspecto importante que não se pode esquecer
quanto ao processo de midiatização é a comunicação das coisas (LEMOS, 2013), processo em que
o fenômeno mais relevante nas discussões atuais é a “Internet das coisas”. De acordo com
documento da empresa CISCO (EVANS, 2011) a IoT teria surgido entre 2008 ou 2009, período em
que se calcula que o número de dispositivos conectados superou o número de usuários humanos.
Estes objetos conectados cumprem funções que não tem nada a ver com a manutenção ou a
viabilização das transmissões na rede. São sensores implantados nas orelhas das vacas pela
Empresa holandesa Sparked que permitem o monitoramento da sua saúde à distância, assim como
as “pílulas conectadas” desenvolvidas pela Proteus Biomedical que prometem fazer o mesmo pelos
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pacientes humanos, sem falar em todos aqueles eletrodomésticos que nos prometem
constantemente aparelharão a “casa inteligente” do futuro.
Não há novidade nestas promessas, nem na troca independente de informações entre
máquinas, que, aliás, é o que garante o funcionamento e o tráfego dos pacotes de dados na internet
como um todo. É o que alerta o próprio André Lemos: “Notemos, em primeiro lugar, que não há
uma ‘internet das coisas’, nem uma ‘internet das pessoas’. Só há híbridos, na internet ou em
qualquer outra rede sociotécnica” (id, ibid.).
O que está sendo chamado de “internet das coisas” é uma nova configuração da rede
internet, na qual objetos (reais e virtuais, ou seja, concretos e eletrônicos) trocam
informações sem um usuário humano dirigindo diretamente o processo (LEMOS,
2013, p. 242).
O que caracteriza uma ruptura com relação ao funcionamento normal da internet é o fato de
que a comunicação M2M (máquina para máquina) já não é meramente instrumental. A novidade
está no surgimento de máquinas e software que são usuários autônomos da internet, e não
instrumentos dos usuários humanos.
Em pleno século XXI é a rede de computadores (dos mainframes à etiquetas RFID) o
ator técnico mais importante. Esse dispositivo (computador e suas redes) torna-se
ubíquo, espalhando processos informacionais automáticos a todas as coisas e em
todas as esferas da vida quotidiana. Falamos agora de “Big Data”, de computação nas
nuvens, de mineração de dados, de Smart Cities, de comunicação máquina a
máquina, de “internet de todas as coisas”. A era da informação é global (LEMOS,
2013, p.243).
Mito bem, então todo tipo de objeto ou dispositivo pode emitir seus sinais na rede. Navios,
tartarugas marinhas, árvores e cafeteiras podem lançar informações sobre si e seus ambientes para
outros usuários, humanos ou não. Mas isto é comunicação de pleno direito ou se resume à mera
transmissão de sinais? Para responder a isto precisamos considerar a influência do Big data, ou
seja, do monitoramento exaustivo de sistemas em busca de padrões que possam informar fatores
imprevistos sobre seu funcionamento. Nem todo sistema de Big data precisa ser grande, o que
importa é que tudo seja monitorado, para que padrões imprevistos possam emergir. Não se trata de
instrumentos de leitura fazendo uma telemetria do funcionamento dos dispositivos. Trata-se da
busca ativa, ainda que cega, de insights sobre os seus padrões de funcionamento pelo acúmulo do
máximo de informações disponíveis.
Esta possibilidade é um dos elementos mais importantes neste cenário, uma vez que
permite a emergência de sentido nas interações da rede sem exigir a intencionalidade da razão
humana como fonte da inteligência e da comunicação. Não só nas interações envolvendo humanos,
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mas também nas interações M2M, o acúmulo de informações e os algoritmos de reconhecimento
de padrões podem fazer emergir sentido no acúmulo caótico de informação, sem a necessidade do
mediador humano para realizar as associações, interpretar padrões e regularidades e julgar a
adequação às categorias emergentes ou já mapeadas.
Se a rede se torna capaz de detectar um mau funcionamento em um sistema específico,
sempre que determinadas circunstâncias se repetem, independente desta rede haver sido construída
para esta análise, está aberto o caminho para sistemas capazes de gerir autonomamente sua própria
manutenção, solicitando informações, recursos ou ações de outros nós da rede, sejam
administradores humanos, bancos de dados, dispositivos robóticos, ou o que quer que se possa
imaginar.
Com a associação entre Big Data e Internet das coisas, nós temos um processo de
comunicação social no sentido simétrico dado ao termo por Bruno Latour (2012). Isto significa que
podemos tratar elementos atuantes (actantes) humanos e não humanos em perfeita simetria, desde a
produção do sinal, sua transmissão, recepção, até a produção de sentido. Podemos agora conceber
midiatização pervasiva das práticas, âmbitos e grupos sociais, do espaço, das coisas que o
mobilham e dos próprios fluxos comunicacionais sem conceder privilégios aos actantes humanos.
A partir do reconhecimento da agência do espaço, dos objetos, algoritmos, e fluxos de
dados, assim como do ser humanos, podemos dizer que estamos frente a uma modalidade de vida
social que podemos chamar de vida midiatizada. A questão que se impõe é: as Teorias da
Comunicação estão aptas a lidar com esta forma de comunicação? Responder esta questão é o
nosso objetivo de agora em diante.
Teoria da midiatização pelo viés institucional
A midiatização recebe desde 1936 definições e abordagens em variados graus de
abrangência, desde definições que poderíamos chamar de antropológicas, como a de Verón (2014),
para quem a midiatização é a externalização dos processos mentais do ser humanos, desde as
primeiras pinturas rupestres, até as proposições críticas mais restritivas que endereçam a
midiatização da política ou da religião significando a colonização destes campos e a contaminação
das suas práticas por uma lógica da mídia que lhes é externa.
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Sem querer ir tão longe quanto Verón, nem reduzir a tal ponto nosso escopo, vamos
abordar primeiramente a Teoria da Midiatização de Stig Hjarvard (2012, 2014), em que o autor
generaliza as perspectivas restritivas citadas em uma teoria de médio alcance, propondo, não um
processo macrossocial, mas uma das tendências características das transformações da modernidade.
A midiatização deveria ser vista como um processo de modernização comparável à
globalização, à urbanização e à individualização [...] Em comparação com estes
outros processos, a midiatização só adquiriu importância em uma etapa posterior da
modernidade, a alta modernidade, quando os meios de comunicação cada vez mais se
distinguem das outras instituições (o que classificamos como emergência de uma
instituição midiática semi-independente), ao mesmo tempo em que se reintegram à
cultura e à sociedade (o que classificamos como integração dos meios de
comunicação em diversas instituições sociais) (HJARVARD, 2014, p. 22).
Crítico do foco constante no circuito comunicativo clássico, baseado na interação
comunicacional entre emissor e receptor, Hjarvard vai ignorar as correntes dominantes da área
como media ecology, estudos da recepção e os Media effects, em favor da sua perspectiva
institucional.
A abordagem de Hjarvard é institucional nos termos da Teoria da Estruturação de Giddens
(2013) e propõe o significado da midiatização como a emergência de uma instituição midiática
semi-independente, que torna permeáveis os demais domínios, impondo às instituições sociais seu
modus operandi como conjunto de affordances (GIBSON, 1977), ou seja, definindo aquelas ações
que a mídia permite aos agentes, sejam eles políticos, religiosos, educacionais, etc., desta forma
influenciando o modo como estes podem ou não agir e representar a si mesmos com eficiência na
modernidade tardia. (HJARVARD, 2012; 2014). Para o ator, “A sociedade contemporânea está
permeada pela mídia de tal maneira que ela não pode mais ser considerada como algo separado das
instituições culturais e sociais” (HJARVARD, 2012, p. 52).
Uma parte importante desta perspectiva que merece crítica é definição instrumental da
mediação. Buscando talvez separar a midiatização de formulações mais abrangentes e valorizar seu
objeto de estudos, o autor define a mediação simplesmente como “o uso da mídia para a
comunicação de sentido”. (HJARVARD, 2014, p. 15). O problema é que desta definição
instrumental da mediação decorre a expectativa que a própria mídia fosse ela mesma mero
instrumento nos programas de ação das demais instituições.
Para a Teoria Ator-rede, a mediação é transformadora por definição (LATOUR 1992, 2012;
LEMOS, 2013; LEMOS e HOLANDA, 2013; HOLANDA, 2014;). É uma contradição evidente
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esperar que a mídia seja mero intermediário na divulgação de informações. Até pode ser. Para
cumprir este papel de intermediar a publicação de mensagens, a mídia cobra e cobra caro. Não se
recusa, mas não pode fazer apenas isto, correndo o risco de sacrificar seu capital de credibilidade e
empatia na relação com o seu público.
Ademais, cabe perguntar se haveria mesmo uma contradição necessária entre o caráter
pervasivo da midiatização e a autonomia das instituições sociais. Vale notar que o próprio autor
apresenta um bom argumento contra sua tese ao sustentar que a própria midiatização é “produto
complexo das mudanças tecnológicas, políticas e econômicas” (HJARVARD, 2014, p. 49). Tratase, portanto, da consolidação do processo modernizante e não de um processo emergente do
próprio sistema midiático. Se a midiatização ela mesma surge como produto da hibridização de
campos e instituições sociais, parece natural que sua expansão desconheça fronteiras com relação
àqueles.
Então, vejamos. O que acontece com as articulações midiáticas das instituições sociais?
Elas precisam atender às prescrições contidas na lógica interna de cada mídia? Sem dúvida. Tornase impossível que a instituição mobilizadora controle plenamente as emissões ou as repercussões
frente ao público, tratando a mídia como mero intermediário? Certamente. E não poderia ser
diferente.
Tudo que parece constituir uma denúncia na Teoria da Midiatização é pressuposto de uma
abordagem informada pela Teoria Ator-rede. A articulação instituição-mídia constitui um terceiro
elemento, um híbrido, um ator-rede (LATOUR, 2012, LEMOS, 2013, LEMOS e HOLANDA,
2013; HOLANDA, 2014) cujas prescrições são resultado de uma negociação entre os programas de
ação dos actantes mobilizados. Esta composição pode ser feita com maior ou menor sucesso,
deixando a cada articulação um grau maior ou menor de autonomia, mas nenhuma articulação pode
ser feita gratuitamente, sem trazer desvios ao programa de ação mobilizador. O mesmo vale no
sentido contrário. Será possível imaginar a mídia como instituição independente das pressões
econômicas ou políticas? Não se pode crer.
A definição da mídia como instituição semi-independente que corrompe a independência
das demais instituições revela apenas a fragilidade desta suposta independência. Bastaria a
concepção da natureza híbrida das associações que constituem a sociedade para resolver a questão.
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E não é isto mesmo o que acaba afirmando o autor? Vejamos abaixo.
Tendo em conta o fato de serem os meios de comunicação influenciados por outros
campos ou instituições, nem sempre teremos certeza de que certos impactos
midiáticos observados traduzem uma influência exclusiva por parte da lógica da
mídia. Por vezes, a midiatização vai de par com a comercialização ou a politização,
só sendo possível determinar se é ela o processo predominante por meio de análise.
Toda análise empírica da midiatização deve, pois, investigar se e até que ponto outras
instituições (aqui concebidas como campos no vocabulário de Bourdieu) ganharão ou
perderão autonomia em sua interação com as diversas formas de
mídia (HJARVARD, 2014, p. 72).
Se assumirmos que a articulação midiática, como qualquer outra forma de composição de
atores-rede acarreta forçosamente desvios nos programas dos actantes ali mobilizados, a
articulação entre instituições significa uma renegociação completa do grau de autonomia das suas
operações.
A conclusão aqui proposta é que autonomia e heteronomia são graus de relativo
sucesso (ou fracasso) na composição de redes complexas, híbridas e heterogêneas.
Esta estabilização, quando bem sucedida, esconde em uma caixa-preta toda a
complexidade ali mobilizada, mas bastará um defeito no funcionamento, uma
controvérsia em torno dos seus efeitos, uma inovação que modifique a economia do
trabalho ali realizado para que a sua natureza híbrida se revele em uma tessitura
composta com fios econômicos, técnicos, sociais, culturais, que se prolongam e
conectam interior e exterior, exercendo variados graus de influência tanto em um
sentido, quanto em outro (HOLANDA, 2015).
Apesar
da
compreensão
exata
de
uma
das
características
fundamentais
da
contemporaneidade, a perspectivas de Hjarvard, não parece dar conta da complexidade inerente à
composição do social. Esta insuficiência se agrava ainda mais se considerarmos que, como já
exploramos em outro trabalho, “Felizmente, a época da mais intensa midiatização é também a
época da abertura de novas possibilidades de mediação para todos os mediadores mobilizados”
(HOLANDA, 2015).
Vida midiatizada
Se Hjarvard constitui a abordagem mais restritiva, Mark Deuze nos dá a perspectiva
contrária. O próximo passo é focar a midiatização global da vida social, analisada não apenas no
nível institucional, mas no nível das práticas cotidianas, objetivo do trabalho de Mark Deuze no
livro Media Life (2012), em que o autor propõe uma perspectiva voltada a compreender a mídia
como fator determinante da vida contemporânea, evitando o que chama de “falácia dualista de
dominação do homem sobre a máquina (ou vice versa)” (DEUZE, 2012, xiii) privilegiando o
processo e as práticas ao invés dos efeitos da mídia. Vale notar que Deuze toma o cuidado de evitar
o determinismo tecnológico ao afirmar que “a máquina é tanto social quanto tecnológica, além de
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altamente dinâmica; viver na mídia nunca é a mesma coisa para todos” (idem, p. xv).
A mídia que ele caracteriza como ubíqua e pervasiva é definida como “qualquer sistema
(simbólico ou tecnológico) que permite, estrutura e amplifica a comunicação entre pessoas”
(DEUZE, 2012, xii). Esta definição em termos humanistas deixa patente a primeira dificuldade
para nosso projeto. O que poderá nos dizer sobre a Internet das coisas com tal definição de mídia?
A influência da corrente do Media ecology fica patente na proposta de que nós vivemos na
mídia e não com a mídia Desta forma ela é vista como um fator ambiental ao qual estamos
acoplados estruturalmente em “um processo de cocriação de uma sociedade particular à mídia do
nosso tempo, sempre já uma remediação de formas passadas” (DEUZE, 2012, xv). A própria vida
na cidade midiatizada participa destas remediações, graças ao papel dos meios na coprodução de
lugar, gerando verdadeiras “cidades de ecologia híbrida” (DEUZE, 2012, p. 13) em que o físico e o
digital articulam-se em configurações informacionais e espaciais. Este é o ambiente em que uma
forma de vida antropotecnológica emerge como uma realidade em permanente negociação,
disponível para ser remixada e “hackeada” nas palavras de Lev Manovich, adotadas pelo autor.
Para Deuze, a mídia é a interface entre homem e mundo, tanto quanto entre seres humanos, e até
mesmo, interface com o nosso próprio self.
Desta forma, se “o estudo da mídia, self e sociedade deveria ser considerado como estudo
do nosso universo informacional”, a mídia faz interface não apenas com a informação que permite
nossa adaptação no mundo e a manutenção adaptativa das nossas sociedades, mas com a nossa
própria adaptação como seres vivos, as escolhas relativas à midiatização da vida são escolhas de
profundas consequências éticas a respeito de que seres nós desejamos ser (DEUZE, 2012, pp. 3132).
Com esta premissa, a definição do autor se refina passando de uma visão instrumental para
uma definição da mídia como “infraestrutura das estruturas sociais”, na qual, e através da qual, o
tecido da vida cotidiana, dos rituais e rotinas que são a performance da realidade compartilhada
ganham corpo, criando a expectativa de uma realidade “open source”, aberta à intervenção. Para
Deuze é a sociabilidade que explica a adoção e uso ubíquo e pervasivo da mídia, como extensão da
capacidade relacional dos seres humanos, por meio de dispositivos móveis e conectados
entranhados nas práticas cotidianas a ponto de desaparecem da consciência, o que explica “como a
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mídia se torna vida” (DEUZE, 2012, p. 55). Já não há externalidade da mídia, ponto em que se
pode afirmar que “nós somos a mídia” (idem, p. 66).
Esta vida midiatizada guarda relação clara com a dimensão social da memória coletiva.
Nossa sociedade da informação não usa um arquivo digital, ela é um arquivo digital. Desta forma,
nossa experiência coletiva é a herança representacional das rotinas, ritos e mitos em uma cultura
que precisa ser preservada e atualizada pela encenação, (como sempre foi o caso em toda sociedade
tradicional), mas que passa a incluir esta memória digital acessada em qualquer lugar, portanto,
sempre potencialmente presente no agir cotidiano. Este é mais um fator de identidade que mostra
como a vida cultural está acoplada estruturalmente à mídia da sociedade.
Parece ser uma superação legítima da restrição instrumental criticada acima.
Ao autor alerta para aspectos negativos já bastante debatidos. Em primeiro lugar: tal
sociedade em que nada é exterior à mídia só poderia despertar as cautelas tradicionais com relação
à vigilância e ao controle panóptico. Para o autor, a questão precisa ser deslocada tendo em vista o
valor econômico das nossas informações pessoais. São os diversos procedimentos de criação de
perfis comportamentais que representam a forma mais comum de monitoramento na sociedade
atual. (DEUZE, 2012, p. 111 et seq.). A conexão com a Big data é evidente. Como consequência
deste investimento em sistemas de predição de comportamento - que devem acelerar com a
expansão da internet das coisas e da Big data – o autor aponta um segundo risco inerente à
midiatização da vida. A adequação da oferta aos padrões observados representaria uma tendência
para a “conformação” social, que pasteuriza as ofertas em torno dos elementos mais populares,
reduzindo a disponibilidade do que pudesse representar um diferencial em relação à moda.
A única articulação com a midiatização de Hjarvard no livro busca apontar a midiatização
como fator de sobrevivência institucional, defendendo a perspectiva ecológica de Deuze. A atitude
do autor frente a estes problemas é considerar a mídia como nada menos que um fator de
sobrevivência de indivíduos por meio de sucesso reprodutivo, da obtenção de oportunidades de
sucesso material; e de instituições, permitindo a troca de informações com seu meio, a
comunicação com públicos e mercados e a gestão da sua imagem.
A advertência principal do autor é que, no contexto mais amplo da vida midiatizada, tornase necessária uma postura propositiva a respeito do nosso devir enquanto seres da mídia em uma
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realidade aberta à intervenção. Desta forma, vida, sociedade, identidade pessoal e coletiva são
experiências construtivas, nas quais é necessário engajar-se como mediadores de pleno direito.
Conclusão
O objetivo desta breve revisão é identificar um movimento geral de midiatização, que seja
capaz de enquadrar as abordagens destes três autores. Os fenômenos que se anunciam no horizonte,
explorados por Lemos (2014), e que continuam praticamente ausentes nas pesquisas mais citadas
de midiatização, precisam encontrar um enquadramento que auxilie a sua compreensão como
mediadores na articulação do social contemporâneo. Neste sentido, a grande dificuldade é a enorme
diferença de abrangência dos estudos de Hjarvard e Deuze. Apear de reconhecer este fato, é preciso
defender que se a escolha destes autores foi arriscada, foi, porém, consciente. Se o objetivo é
mapear o campo, faz todo o sentido, antes de tudo, estabelecer-lhe os limites.
Percebemos que a abordagem meso de Hjarvard, de uma midiatização como constitutiva do
grande movimento macrossocial da modernização traz diversos problemas, restringindo
excessivamente o alcance das transformações em curso. Por outro lado, a transformação da mídia
em macroambiente social na perspectiva de Deuze prova ser, em certos momentos, pouco
produtiva, revelando uma dificuldade em incorporar a comunicação das coisas, a não ser mais uma
vez pelo viés instrumental, ou pela via da simbiose antropotecnológica típica da cibercultura (e
sempre problemática).
A proposta deste artigo é que a solução para esta questão de escala está na superação
completa de uma perspectiva baseada em níveis e domínios a partir da perspectiva composicionista
da Teoria Ator-rede.
Com a adoção de uma topologia plana, sem escalas, em que as conexões entre global e
local, macro e micro, tendências de fundo e interações mediadas estejam articuladas por
associações rastreáveis, a midiatização deixa de fazer sentido como submovimento de um processo
macrossocial de modernização. Desaparece a limitação de uma concepção e análise que precisa
“passar por cima” das mediações efetivas, as quais permanecem obscuras, reduzidas a puras
operações instrumentais de transmissão de informação. Da mesma forma, já não se trata de uma
espécie de ambiente macro em relação ao qual a sociedade contemporânea surge como
estruturalmente acoplada, ainda que Deuze consiga resguardar tardiamente a mediação da definição
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instrumental com que abre a sua análise.
Nesta perspectiva composicionista, a midiatização é um programa de ação, aliás, coletivo,
em que empresas, governos, igrejas, indivíduos, famílias, enfim... buscam superar as restrições
espaço-temporais, ampliar o domínio sobre suas respectivas situações, por meio de um suprimento
confiável de informações, pela manutenção e extensão de uma rede de contatos e informantes. Este
domínio maior da situação é responsável por uma ampliação da sua potência para agir, através da
busca permanente de recursos, meios, e táticas para a melhor ação possível situada em um campo
de possibilidades, mais facilmente mapeado.
A situação do turista perdido torna-se radicalmente diferente pela sua articulação ao
smartphone com acesso à internet e GPS. A estudante fazendo intercâmbio no exterior pode gerir
sua imagem pública e suas relações afetivas na terra natal desde qualquer lugar conectado,
independente da distância. O grande diferencial desta proposta é que, da mesma forma, o
automóvel pode calcular o combustível necessário até o próximo posto de serviço e informar seu
condutor sobre o melhor curso de ação a ser tomado; uma pílula pode avisar o médico a respeito do
estado do seu paciente, (mesmo que contra a vontade deste). Afinal de contas, precisamos lembrar
que estes dispositivos não são necessariamente dóceis instrumentos em nossas mãos. Como nos
lembra Hjarvard (2012, 2014), toda mediação traz consigo certas prescrições que estabelecem
graus variados de adequação e eficiência para as performances a que se prestam. Como lembra
Latour (1992, 2012), toda mediação é tradução e portanto desvio do programa de ação para o qual é
convocada.
1
Doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Professor Colaborador do Programa de Pósgraduação em Comunicação e Cultura Contemporânea (PPGCCC) da Faculdade de Comunicação
da UFBA., [email protected]
2 Todas as traduções são do autor.
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Apontamentos para uma teoria da vida midiatizada. Notes