0
UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO
GRANDE DO SUL
DCS – DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
A HISTÓRIA DO COTIDIANO DE LUCAS DO RIO VERDE DO INÍCIO
DE SUA COLONIZAÇÃO À SUA EMANCIPAÇÃO
FERNANDA CELINA NICOLI DA SILVA
IJUÍ (RS)
2010
1
FERNANDA CELINA NICOLI DA SILVA
A HISTÓRIA DO COTIDIANO DE LUCAS DO RIO VERDE DO INÍCIO
DE SUA COLONIZAÇÃO À SUA EMANCIPAÇÃO
Trabalho de conclusão de curso, apresentado á
banca examinadora da Universidade Regional
do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul UNIJUÍ, como requisito parcial para o grau de
Licenciatura em História
Orientador: Prof. Dr. Ivo Canabarro
IJUÍ (RS)
2010
2
RESUMO
O presente trabalho procura compreender de que forma as pessoas viveram sua vida cotidiana,
quais eram as condições de vida, e as principais dificuldades presentes no cotidiano em Lucas
do Rio Verde no início de sua colonização, na década de 1970, até sua emancipação política
no ano de 1988. A pesquisa buscou também mostrar como ocorreu a ocupação no estado do
Mato Grosso e, em seguida, mais especificamente no município de Lucas do Rio Verde. A
partir da análise de como se deu a colonização desses espaços é aprofundada a pesquisa na
História do Cotidiano das pessoas, que foi realizada através de entrevistas, utilizando o
método de Historia Oral.
Palavras chave: colonização, cotidiano, história oral.
3
ABSTRACT
This study seeks to understand how people lived their daily lives, what were the living
conditions, and the main difficulties in the daily life of Lucas do Rio Verde at the beginning
of their colonization in the 1970s, until his emancipation policy in 1988. The survey also
sought to show how the occupation occurred in Mato Grosso and then more specifically in the
municipality of Lucas do Rio Verde. From the analysis of how was the colonization of these
spaces is thorough research in the history of everyday life, which was conducted through
interviews, using the method of Oral History.
Keywords: colonization, daily, oral history.
4
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Tratados que dividiam as possessões portuguesas e espanholas. ............................. 9
Imagem 2: Mapa hidrográfico do Oeste Brasileiro .................................................................. 10
Imagem 3: Acampamento para os assentados. ......................................................................... 16
Imagem 4: Distribuição dos assentamentos ao longo da BR-163. ........................................... 17
Imagem 5: Chegada dos colonos de Ronda Alta à Lucas do Rio Verde. ................................. 18
Imagem 6: Organização da estrutura para os assentados. ........................................................ 19
Imagem 7: Quebra do cerrado. ................................................................................................. 20
Imagem 8: Estação da chuva em Lucas do Rio Verde. ............................................................ 21
Imagem 9: Vista Aérea de Lucas do Rio Verde. ...................................................................... 22
Imagem 10: Avenida Rio Grande do Sul. ................................................................................ 23
Imagem 11: Vista aérea de Lucas do Rio Verde em 1986. ...................................................... 24
5
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 6
1 CENÁRIO .............................................................................................................................. 8
1.1 Cenário Inicial da Colonização de Mato Grosso ............................................................. 8
1.2 Cenário da Ocupação Recente de Mato Grosso............................................................. 12
2 PALCO ................................................................................................................................. 15
2.1 A Colonização Inicial de Lucas do Rio Verde: o Palco do Acontecer da Vida Cotidiana
............................................................................................................................................. 15
3 ATORES ............................................................................................................................... 25
3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano ........................................................................ 25
3.1.1 Aldemar Antônio Cosma........................................................................................ 26
3.1.2 Mário Agostinho Dall’Alba ................................................................................... 30
3.1.3 Isidoro Vivaldino Pivetta e Dilla Pivetta ............................................................... 34
3.1.4 Loreci de Fátima de Oliveira.................................................................................. 37
3.1.5 Pedro Dalastra ........................................................................................................ 41
3.1.6 Luzia Martins Moreira ........................................................................................... 46
3.2 Análise da Vida Cotidiana dos Atores Sociais .............................................................. 49
CONCLUSÃO......................................................................................................................... 57
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 59
6
INTRODUÇÃO
Nesse trabalho procurou-se pesquisar como as pessoas viveram o seu cotidiano no
início da colonização do hoje município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso. O período
abordado neste estudo data do início de sua colonização, no começo na década de 1970, até
sua emancipação política que ocorreu no ano de 1988.
O trabalho foi dividido em três capítulos, onde no primeiro capítulo denominado “O
Cenário”, foi realizada uma pesquisa bibliográfica buscando compreender como se deu o
processo de ocupação do Oeste brasileiro, mais precisamente do estado do Mato Grosso. O
estudo buscou contextualizar, na história do Brasil, de que forma ocorreu a ocupação dessa
região no decorrer do tempo, começando com a chegada dos bandeirantes e descrevendo o
processo histórico da ocupação do estado do Mato Grosso, até o período que havia o objetivo
de aprofundar a pesquisa, que foi delimitado no período das décadas de 1970 e 1980.
No segundo capítulo chamado “O Palco” buscou-se também através de pesquisa
bibliográfica, compreender como se deu, mais especificamente, a ocupação do município de
Lucas do Rio Verde. Neste capítulo está descrito quais foram as frentes de colonização
responsáveis pela ocupação desse espaço, no início de sua colonização.
Nesse segundo capítulo, logo, foram analisados quais os grupos que realizaram esses
descolamentos populacionais, que foram entendidas como três frentes: frentes de colonização
individuais, frentes incentivadas pelo Governo Federal e grupos influenciados pela
cooperativa. Procurou-se perceber, portanto, como ocorreu a ocupação deste espaço através
do deslocamento de pessoas que vieram de outras regiões.
7
O terceiro e último capítulo denominado “Os Atores” é onde se aprofunda o estudo.
Neste capítulo utilizou-se como técnica de pesquisa a História Oral Temática1, pois foram
eleitos temas para aprofundar a pesquisa da História do Cotidiano.
Para a composição desse capítulo foram entrevistados alguns voluntários que se
disponibilizaram a responder questões relacionadas à como era a sua vida cotidiana. Essas
pessoas fizeram parte das frentes de colonização acima mencionadas e viveram em Lucas do
Rio Verde no período delimitado para o estudo.
Nesse capítulo primeiramente está descrito de forma mais detalhada como foram
realizadas essas entrevistas. Em uma segunda parte estão os depoimentos dos colaboradores
que cederam suas entrevistas. Ainda no último capítulo se encontra, por fim, uma análise
sobre o conteúdo das entrevistas, destacando pontos importantes para compor a História do
Cotidiano de Lucas do Rio Verde do início de sua colonização à sua emancipação.
Os dados recolhidos para o último capítulo foram: os motivos que levaram as pessoas
a virem para Lucas do Rio Verde no período, quais foram as dificuldades que eles
encontraram no local, como foi conviver com o isolamento, e a adversidade com o meio.
Também estão presentes questões como o trabalho, o lazer e o descanso, como era a
comunicação o acesso às informações e as notícias, a forma que era realizado o atendimento
de saúde e a educação para as crianças. Buscou-se saber como que os entrevistados viam as
condições de vida naquele período e também a maneira eles percebem as atuais condições de
vida hoje no município de Lucas do Rio Verde.
Por fim é apresentada a conclusão da pesquisa monográfica e são apresentados os
resultados deste estudo. É também descrito na conclusão a importância dessa pesquisa para o
desenvolvimento historiográfico.
1
História Oral Temática é um ramo da História Oral, no qual são realizadas entrevistas de forma mais
direcionada, onde o questionário se torna peça fundamental, e freqüentemente articula diálogos com outros
documentos. E como parte de um assunto específico, previamente estabelecido, ela busca entrevistar algum
evento definido. (MEIHY, 2002)
8
1 CENÁRIO
1.1 Cenário Inicial da Colonização de Mato Grosso
Para compreendermos de uma forma mais ampla como se deu a colonização do Oeste
brasileiro e, mais especificamente do estado do Mato Grosso é preciso voltar um pouco mais
na história, desde o tempo das Grandes Navegações2 das potências européias.
A partir do século XV as potências marítimas européias saem de seu continente em
busca do que para eles seria a conquista de Novos Mundos. Duas das principais na época:
Espanha e Portugal conquistam novas porções de terra e subjugam as populações ali
existentes. O choque de interesses que surgem entre essas duas potências mais tarde se torna
evidente, surgindo a necessidade de delimitar quais terras pertenciam a quem.
Dessa necessidade é criado o Tratado de Tordesilhas em 1494, uma linha imaginária
que dividia as terras a serem exploradas. Esse tratado mais tarde, com a colonização do Brasil
pelos portugueses delimitava uma linha que, onde hoje é o Oeste brasileiro, pertencia à Coroa
Espanhola. Podemos observar as delimitações do Tratado de Tordesilhas e demais Tratados
que delimitavam as fronteiras da possessão portuguesa na Imagem 1.
2
Durante os séculos XV e XVI, os europeus, principalmente portugueses e espanhóis, lançaram-se nos oceanos
Pacífico, Índico e Atlântico com dois objetivos principais: descobrir uma nova rota marítima para as Índias e
encontrar novas terras. Este período ficou conhecido como a Era das Grandes Navegações e Descobrimentos
Marítimos. (http://www.suapesquisa.com/grandesnavegacoes/ Acesso em 20/12/2010)
9
Imagem 1: Tratados que dividiam as possessões portuguesas e espanholas.
Fonte: SIQUEIRA et. al. 1990.
O Brasil, portanto, inicialmente foi colonizado mais próximo à faixa litorânea.
Somente a partir do século XVII, com o interesse dos portugueses pelo ouro e pedras
preciosas, através dos bandeirantes, mais populações se adentram em regiões como Minas
Gerais, Goiás e Mato Grosso.
É importante destacar que essas terras já eram habitadas, que havia inúmeros grupos
de povos nativos que há tempos ali residiam e possuíam uma organização social diferente e,
por muitos, incompreendida. Contudo, ainda existia o interesse dos bandeirantes em capturar
para escravizar os povos nativos, o que acabou gerando um choque mortal entre essas
culturas.
Porém para os portugueses as bandeiras continuariam, pois além da ambição pelos
metais preciosos, para eles era importante ocupar politicamente o espaço à Oeste delimitando
novas fronteiras e fazendo surgir, com a garimpagem, novos povoados. De acordo com
Carvalho (2001), desses povoados, por exemplo, surge em 1719, com a descoberta de ouro no
local, o povoado de Senhor Bom Jesus do Cuyabá, dentre outros que vão surgindo a partir
deste século XVIII.
Um fator interessante a se observar é a importância da utilização dos rios para a vida
das pessoas nessas regiões inóspitas. Os rios inicialmente, além de meio de transporte,
10
ofereciam em vários momentos o alimento e ainda em suas proximidades se encontravam as
riquezas minerais almejadas por seus exploradores.
É através dos rios que vai se dando gradualmente a ocupação de algumas regiões do
Mato Grosso. Por exemplo, pelo vale do rio Guaporé onde é fundado o Arraial de Pouso
Alegre (mais tarde Vila Bela da Santíssima Trindade), ou mais ao norte seguindo os rios com
a descoberta de jazidas diamantíferas na região de Diamantino, dentre outros. Abaixo um
mapa da configuração física dos principais rios e povoados na Imagem 2.
Imagem 2: Mapa hidrográfico do Oeste Brasileiro
Fonte: SIQUEIRA et. al. 1990.
Mato Grosso a partir da segunda metade do século XVIII passa por um período de
penúria econômica. Carvalho (2001) afirma que nesse período ocorre uma diminuição da
produção mineral do Oeste, pois eram utilizados para a extração meios rudimentares, com
altos custos além das longas distâncias das lavras de Mato Grosso. Esses fatores faziam com
que fosse mais lucrativo, naquele momento, investir nas lavras de Minas Gerais.
Esse autor afirma ainda que o período de transição entre a economia minerária para a
economia agropecuária em Mato Grosso é de crise. Nesse meio tempo vai surgir um comércio
de víveres, de tecidos e de ferramentas e, além disso, a criação de gado, exploração de erva-
11
mate e fabricação de açúcar e aguardente. Porém, Mato Grosso por não possuir estradas que o
ligasse aos grandes centros, se manteve isolado destes por muito tempo, dificultando um
maior desenvolvimento de seu comércio.
A colonização inicial de Mato Grosso, por seu objetivo primeiro ser principalmente a
garimpagem, faz com que ocorram altos e baixos em seus números populacionais. E em
muitos momentos sua economia entrou em crise, por não possuir outras alternativas imediatas
de subsistência.
Um dos motivos decisivos é o papel da agricultura, tornando-se “responsável pela
transformação de uma população nômade em sedentária, e foi o fator preponderante para a
origem sólida de muitos núcleos populacionais” (Ferreira, 1995, p.09). Com isso, nota-se que
o declínio da atividade garimpeira e a prática da agricultura da cana-de-açúcar, mudam a
configuração dos povoamentos em certas regiões do Mato Grosso, como Chapada dos
Guimarães, cercanias de Cuiabá, dentre outras.
Os autores Ferreira (1995) e Carvalho (2001) vão afirmar da importância estratégica
do Mato Grosso para conter um possível avanço espanhol nas terras já ocupadas pelos
portugueses. De acordo com Carvalho (2001) em 1748 Mato Grosso passa a ter a designação
de Capitania e sua capital administrativa Vila Bela da Santíssima Trindade, é estrategicamente
escolhida por sua localização próxima à fronteira. É no período a partir de meados do século
XVIII que se intensificam a construção de fortes e a implantação e crescimento de povoados
nas áreas fronteiriças como em 1778 é o caso de Vila Maria do Paraguai (Cáceres) e
Albuquerque (Corumbá).
Segundo Ferreira (1995) é entre os anos de 1772 à 1789 que se delimita de fato a linha
divisória demarcando os domínios portugueses. É também nesse período que se dá uma
interiorização do povoamento no Mato Grosso, através da aberturas de estradas e navegação
introduzindo não só a mineração, mas também a agricultura.
É relevante destacar que na primeira metade do século XIX ocorreu uma importante
modificação em Mato Grosso, com a descentralização política da capital Vila Bela da
Santíssima Trindade para Cuiabá que, se torna definitiva a partir de 1835.
Siqueira et. al. (1990), afirma que o Brasil faz vários acordos comerciais com a
Inglaterra, onde a partir do século XIX Mato Grosso se integra de forma mais participativa do
capitalismo internacional. O estado passa a receber uma maior atenção do governo nesse
período, pois possuía reservas auríferas e uma posição estratégica resguardando as fronteiras
brasileiras.
12
As autoras afirmam também a importância da abertura da navegação pelo Rio
Paraguai para a economia de Mato Grosso. Essa integração o conectou à rotas de comércio do
Brasil e do exterior, onde “o comércio se fortaleceu, aumentando as expectativas da
população ribeirinha e favorecendo o surgimento de núcleos relativamente prósperos em
várias zonas” (Siqueira et. al. 1990, p.111).
Faz-se necessário ainda comentar a importância da criação das Linhas Telegráficas no
final do século XIX. A idéia era a de integrar Mato Grosso e o restante do interior do Brasil
com o mundo através das comunicações.
A figura de Cândido Mariano da Silva Rondon se destacou nesse processo onde
segundo Siqueira et. al. (1990), ele assumiu o papel de grande ideólogo desse movimento,
onde buscava a integração de grupos indígenas e sertanejos ao restante da população.
1.2 Cenário da Ocupação Recente de Mato Grosso
Na década de 40, o governo de Getúlio Vargas inicia um processo que visava
colonizar as áreas onde para o governo, eram despovoadas. Dentre essas áreas estava o Estado
de Mato Grosso, compreendido na época como potencial natural para a produção de matériasprimas em um país que cada vez mais se industrializava.
O projeto foi denominado “A Marcha para o Oeste”, que adentrou o interior do país
visando colonizar áreas a fim de integrá-las ao restante do sistema produtivo do Brasil. Porém
o processo de crescimento infra-estrutural segundo Carvalho (2001) se deteve mais a regiões
ao sul do Estado que hoje compreende o Mato Grosso do Sul, também o Distrito Federal e
Goiás.
Siqueira et. al. (1990), descreve que eram trazidos para colonizar a região
principalmente pessoas do sul do Brasil. Esses agricultores com o tempo foram contraindo
dívidas e acabaram vendendo suas terras ocasionando uma concentração das mesmas em
mãos de poucos. Dessas terras concentradas, gerou um processo de especulação e se tornou
um lucrativo negócio a venda de terras no Mato Grosso.
A partir da década de 1960, com o Governo Militar se intensificam os problemas
sociais no país. Da necessidade de amenizar esses conflitos o Governo cria planos de
incentivo para a colonização de locais entendidos como desabitados e, dessa vez, esses
projetos vão se estender também às regiões mais ao norte, abrangendo inclusive regiões da
Amazônia.
13
É de se imaginar que a questão do meio ambiente foi desrespeitada nesse processo. O
cenário natural foi substituído, prevalecendo a idéia da necessidade do desenvolvimento. E
para que ocorresse esse desenvolvimento, grande parte das matas e ecossistemas muito ricos
na região, foram entendidos como um empecilho para a implantação da agropecuária e da
agricultura.
É importante aqui também, abrir um parêntese para a afirmação de que as terras, como
no caso de Mato Grosso, estavam despovoadas, ou ainda que não possuíam donos. Segundo
Siqueira et. al. (1990), nesse período houve inúmeros confrontos entre novos proprietários e
posseiros e ainda com os indígenas, que há muito tempo habitavam essas terras.
Não só os posseiros foram expulsos das terras mas também os índios [...] os
interesses do capital foram superiores aos interesses dos grupos indígenas que,
fixados por todo o território mato-grossense, viram suas terras serem invadidas pelo
capital: construção de estradas, desvios de cursos de rios, abertura e derrubada de
matas, etc. Uma vez desmantelada sua tribo, restava-lhes trabalharem como
assalariados, junto às empresas construtoras, ou então, vagar pelas estradas em
estado de extrema miséria, buscando alguma cidade para se afavelar. (SIQUEIRA et.
al. 1990).
Porém o governo continuou sua investida na criação de programas que visavam
incentivar a colonização. Já no final da década de 1960, de acordo com Carvalho (2001),
foram criados órgãos com a finalidade de planejar e coordenar os trabalhos de colonização,
como a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM e a Superintendência
do Desenvolvimento da Região Centro Oeste - SUDECO.
Esse mesmo autor afirma que, dessa forma, também foram fortalecidos a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA e o Instituto Nacional de Reforma Agrária
– INCRA além de carteiras de crédito do Banco do Brasil.
Segundo Siqueira (2002) na década de 1970 é criado pelo governo federal o Plano de
Integração Nacional - PIN com o objetivo de ocupar o território compreendido como a
Amazônia Legal. O Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste – PRODOESTE e o II
PIN - continuam o processo de integração amazônica. Com esses programas, várias rodovias
foram construídas, como são o caso da BR-163 dentre outras. Essas rodovias são muito
importantes para a integração, pois ligam o Estado de Mato Grosso com as principais capitais
do país.
Outros programas também foram criados com o objetivo de estimular o
desenvolvimento em regiões específicas, como é o caso do Programa de Pólos Agropecuários
e Agrominerais da Amazônia - POLAMAZÔNIA, o Programa de desenvolvimento dos
14
cerrados - POLOCENTRO, o Programa de Desenvolvimento do Noroeste do Brasil
POLONOROESTE dentre outros. Segundo Siqueira (2002, p.234) “esses programas eram
coordenados por organismos federais e contavam com recursos estrangeiros, especialmente do
Banco Mundial”.
Percebe-se, que houve uma grande intervenção por parte do Governo Federal à fim de
povoar e integrar a economia capitalista essas regiões mais afastadas e menos povoadas. Os
deslocamentos populacionais incentivados pelo governo visavam também diminuir os
conflitos que ocorriam nas regiões mais populosas do país. Esses conflitos poderiam se
agravar gerando transformações sociais mais profundas como, por exemplo, uma reforma
agrária eminente, que não interessavam àquele grupo que estava no poder.
O Governo Federal, dessa forma, incentiva a migração criando programas de
assentamento e também possibilita que empresas de colonização realizem esse trabalho. A
colonização de regiões como o Mato Grosso, portanto, permitiram a viabilização de
alternativas para grupos populacionais que encontravam, em sua terra de origem, dificuldades
de subsistência.
15
2 PALCO
2.1 A Colonização Inicial de Lucas do Rio Verde: o Palco do Acontecer da Vida
Cotidiana
O processo de colonização de Mato Grosso incentivado pelo Governo Federal, como
vimos no capítulo anterior, visava ocupar socialmente esse espaço e integrá-lo ao restante da
economia do país.
A região que hoje compreende o município de Lucas do Rio Verde também participou
desse processo.
O 9° Batalhão de Engenharia e Construção – 9º BEC foi designado pelo Governo para
a abertura e construção da BR 163. De acordo com Silva (2002), em 1971 o 9º BEC instala-se
em Cuiabá e inicia seus trabalhos na construção infra-estrutural da rodovia, que seria
responsável por ser o eixo de ligação do norte do país. Sendo assim, a abertura da BR-163
marca profundamente a ocupação do espaço mais ao norte do território mato-grossense.
Abaixo podemos observar Imagem 3 do acampamento do 9° BEC, em Lucas do Rio
Verde. Vemos as barracas do Batalhão, elas receberam os primeiros colonos. Em um plano de
fundo nota-se a vegetação densa, que mais tarde passa por processo de derrubada.
16
Imagem 3: Acampamento para os assentados.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
Ao longo da BR 163, a partir da década de 1970, são estabelecidos projetos de
assentamento através de parceria do Governo Federal e iniciativa privada, os Projetos de
Assentamento Conjunto – PAC, que com essa parceria visavam diminuir os custos. Esses
projetos segundo Castro et. al. (1994), tinham como órgão colonizador oficial o Instituto
Nacional de Reforma Agrária – INCRA e a iniciativa privada através das cooperativas.
Abaixo na Imagem 4, podemos observar como se deu a distribuição dos assentamentos
ao longo da rodovia.
17
Imagem 4: Distribuição dos assentamentos ao longo da BR-163.
Fonte: CASTRO et. al., 1994.
Os números ainda segundo essa fonte, afirmam que a área do Projeto de Lucas do Rio
Verde era de 215.000 ha., onde 65.000 ha. estavam ocupados por posseiros que, mais tarde,
têm suas terras legalizadas. Para assentar os colonos restaram 150.000 ha.
É importante destacar que esses assentados eram agricultores provenientes do
acampamento de Encruzilhada Natalino do município de Ronda Alta no Rio Grande do Sul3.
De acordo com Casto et. al. (1994), buscando desmobilizar esse movimento, o Governo
Federal distribuiu essas famílias em vários assentamentos, um deles o de Lucas do Rio Verde,
que recebe esses colonizadores em 1981.
Observamos na Imagem 5 os colonos provenientes de Ronda Alta no momento de sua
chegada ao acampamento, atrás estão estacionados os ônibus que os transportaram. Podemos
perceber que, naquele momento, dois homens aguardam em um lugar mais elevado para
falarem com o grupo. No plano de fundo observamos que já existe uma estrutura no local.
3
Encruzilhada Natalino foi um movimento social camponês de luta pelo acesso à terra do início da década de
1980, que cada vez mais se fortalecia e apresentava uma ameaça à ordem latifundiária defendida pelo Governo
Militar.
18
Imagem 5: Chegada dos colonos de Ronda Alta à Lucas do Rio Verde.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
A Imagem 6 nos mostra essa estrutura, onde um grupo de homens conversa, pelos
gestos explicativos eram os que estavam coordenando o processo de assentamento. Podemos
notar mais ao fundo que as barracas para os colonos se encontram atrás do terreno. Essas
fotografias ilustram a chegada dos colonos, quais as condições de vida e o ambiente que eles
encontraram nesse período inicial.
19
Imagem 6: Organização da estrutura para os assentados.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
Outra frente de ocupação se deu através da cooperativa COOPERLUCAS, que em
parceria com o INCRA, também desenvolveu trabalhos de colonização em Lucas do Rio
Verde.
[...] a COOPERLUCAS, uma cooperativa formada por empresários rurais do interior
de São Paulo, estava negociando a área junto ao INCRA para realizar um projeto de
assentamento conjunto, projeto que fazia parte da política de colonização do então
presidente do INCRA, Paulo Yokota. (CASTRO et. al., 1994, p.99)
Afirma esse mesmo autor que os associados da cooperativa provenientes dos Estados
de São Paulo e Paraná eram pequenos e médios proprietários de terra, motivo pelo qual os
deixaram em uma situação melhor, já que chegaram ao projeto com mais condições
financeiras. Diferentemente, os sem terra de Ronda Alta, estavam desprovidos de capital e
dependiam dos incentivos estatais.
Essa dependência e ainda o fracasso de produção das primeiras colheitas, falta de
recursos e conseqüentes endividamentos, fazem com que, a maioria dos assentados desista de
suas terras. De acordo com Castro (1994) o Projeto de Lucas do Rio Verde obteve um grande
índice de concentração de lotes.
20
Abaixo as Imagens 7 e 8, nos mostram as dificuldades encontradas na adaptação e
transformação do meio. A Imagem 7 mostra a quebra do cerrado, entendida naquela época
como necessária para a chegada do desenvolvimento, onde o espaço aberto poderia ser
usufruído. Percebe-se o uso de máquinas pesadas para a derrubada visto que a mata era um
pouco densa, nesse período não havia ainda a conscientização para um desenvolvimento
sustentável em relação ao meio ambiente.
Imagem 7: Quebra do cerrado.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
Na Imagem 8 notamos a situação das estradas no período das chuvas. E percebemos a
dificuldade para o tráfego nas mesmas. O mesmo uso de veículos mais pesados se fazia
necessário para locomover-se na via. Percebe-se que nem todos os colonizadores tinham
acesso a esse tipo de veículos e percebemos que, mesmo para quem os possuía a dificuldade
era considerável.
21
Imagem 8: Estação da chuva em Lucas do Rio Verde.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
Podemos afirmar, portanto, que a intervenção do INCRA e cooperativa seria uma
colonização oficial incentivada pelo Governo Federal. Mas vale lembrar que este espaço foi
colonizado também por outras frentes onde se incluem também os posseiros que se instalam
no local primeiramente e, principalmente no período de traçado e abertura da rodovia BR 163.
E algumas pessoas que mais tarde adquiriram lotes por conta própria.
Então percebemos que são várias as levas de colonizadores que participam da
ocupação desse espaço, alguns grupos de pessoas influenciados pela colonização oficial e
outras forças individuais, em busca de alternativas.
Desenvolve-se também, ao longo desses anos, o espaço urbano do município. O seu
núcleo urbano foi fundado em 5 de agosto de 1982. Um fator relevante, de acordo com Casto
et. al. (1994), foi a venda indiscriminada de lotes rurais foi realizada pelo INCRA, após a
retirada dos assentados. A mesma questão de doação indiscriminada se deu também sobre os
lotes urbanos que foram comercializados pelo pessoal do INCRA.
Nesse período o núcleo urbano de Lucas do Rio Verde era ainda bastante pequeno,
sem muita infra-estrutura. As pessoas que viveram esse período encontraram bastantes
dificuldades de permanecer no local.
22
As dificuldades eram muito grandes, principalmente no que diz respeito às
distâncias do município de Diamantino, o qual o município de Lucas do Rio Verde
pertencia antes de sua emancipação política. Todas as transações financeiras,
aquisição de materiais, tanto de consumo quanto uso de máquina administrativa,
principalmente saúde, educação e demais necessidades, foram muito difíceis.
(PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE, p.60, 2007)
Abaixo podemos observar algumas imagens que ilustram essa fase. A Imagem 9 é uma
vista aérea de Lucas do Rio Verde, logo no início da formação de seu espaço urbano,
podemos notar com essa fotografia que as condições de vida eram precárias, dado que, não
havia muita infra-estrutura.
Imagem 9: Vista Aérea de Lucas do Rio Verde.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
A Imagem 10 complementa essa idéia da falta de infra-estrutura mostrando a Avenida
Rio Grande do Sul no ano de 1984, hoje uma das principais das avenidas da cidade.
23
Imagem 10: Avenida Rio Grande do Sul.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
A Imagem 11 nos mostra que a setor urbano desenvolveu-se um pouco mais, a partir
de meados da década de 1980. Já é possível perceber na fotografia de 1986 a cidade com mais
construções e uma infra-estrutura um pouco mais adiantada. Porém ainda carente de recursos.
24
Imagem 11: Vista aérea de Lucas do Rio Verde em 1986.
Fonte: Arquivo Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, 2010.
Como podemos observar as condições de vida eram bastante dificultadas. Vale
lembrar que no ano de 1988 o distrito de Lucas do Rio Verde torna-se município, se
desmembrado do município de Diamantino.
Foram muitos os obstáculos encontrados durante esse período do início da
colonização até a emancipação. No próximo capítulo será apresentado como era a vida
cotidiana nesse tempo. As principais superações e dificuldades encontradas por esses grupos
de pessoas que, viveram os primeiros momentos da ocupação do espaço de Lucas do Rio
Verde.
25
3 ATORES
3.1 Os Atores Sociais no Espaço Cotidiano
Neste capítulo buscou-se através do Método de entrevistas da História Oral, entender
como foi a vida cotidiana das pessoas nos primeiros anos da colonização de Lucas do Rio
Verde até o ano de sua Emancipação Política. Lucas do Rio Verde se tornou município em 4
de julho de 1988, através da Lei Estadual n° 5.318, tendo seu território desmembrado do
município de Diamantino.
Utilizando a História Oral foram realizadas entrevistas com um grupo de pessoas que
foram entrevistadas sobre sua vida cotidiana no determinado período. Para conseguir tornar
nosso foco mais específico na história cotidiana, os colaboradores que cederam as entrevistas,
foram questionados sobre as seguintes perguntas:
•
Qual é o seu nome?
•
Quando você veio para Lucas do Rio Verde?
•
Quantos anos você tinha?
•
De que lugar e, como você veio?
•
Porque veio para Lucas do Rio Verde?
•
Você veio com a sua família?
•
Em que lugar você morou primeiramente em Lucas do Rio Verde?
•
Quando logo que chegou, como viveu os primeiros momentos?
•
Para você, quais foram as principais dificuldades encontradas nos primeiros
anos que viveu em Lucas do Rio Verde?
•
Descreva como você e sua família viviam a vida cotidiana (o dia-a-dia)?
26
•
Como foi conviver em um novo local, se adaptou ao clima, e como era o
isolamento?
•
Como se dava o acesso à informação, às notícias, a comunicação com os
parentes que moravam longe?
•
Como faziam para adquirir os recursos básicos, como alimentação, roupas,
remédios, utensílios, ferramentas etc.?
•
Como era o acesso ao atendimento de saúde?
•
E como era situação da educação para as crianças?
•
Como era o trabalho?
•
O que vocês faziam no tempo de descanso, como era o lazer?
•
Como você avalia a vida das pessoas nos primeiros anos da colonização de
Lucas do Rio Verde?
•
Faria tudo outra vez, ou se arrepende de algo?
•
Como você considera a situação de vida hoje em Lucas do Rio Verde?
Esse processo de perguntas e respostas foi gravado em fita cassete e depois realizado o
processo de transcriação, onde o resultado dessas entrevistas foi transformado em texto,
escrito em primeira pessoa. Dessa forma é dado destaque à figura dos colaboradores, pois o
trabalho tem como objetivo resgatar sua história e a história de sua comunidade.
Abaixo podemos observar a narrativa de alguns sujeitos que viveram os primeiros
anos na colonização de Lucas do Rio Verde, nos relatando a partir de sua memória, como foi
sua vida cotidiana neste período.
3.1.1 Aldemar Antônio Cosma
Meu nome é Aldemar Antônio Cosma. Em vim para Lucas do Rio Verde em 1980,
mas eu já estava na região porque vim para Sorriso em 1975. Eu tinha terra em Sorriso em
1975, e em 1977 nasceu minha filha e eu não pude vir para cá, e em 1977 vendi a terra para
meu sogro. Então em 1978 eu comprei a terra aqui. Fiquei mais quatro meses em Sorriso e
depois vim morar para Lucas em 1980. Eu tinha trinta e três anos na época.
Eu morava antes em Pato Branco no Paraná. Nós viemos com a nossa mudança, nós
de ônibus e a mudança atrás, de caminhão. Eu vim para Lucas para trabalhar, meu sogro
comprou mil e quinhentos hectares de terra, eu dei a terra em Sorriso e ele me deu trezentos
hectares, depois o INCRA me tomou a terra e eu fique com o lugar que moro hoje, centro e
27
cinco hectares. Quando vim [para Lucas do Rio Verde] eu trouxe minha esposa, meu filho,
minha filha, e um sobrinho de treze anos o Dirceu ele ainda mora em Lucas. Minha filha mais
nova nasceu aqui.
Logo que cheguei o primeiro lugar que morei foi próximo á BR-163, perto do Rio
Lucas, nós tínhamos uma padaria onde fazíamos pão pra vender para o pessoal do INCRA. O
lugar era perto e um pouco antes de chegar ao Café da Hora, que era um boteco de um homem
chamado Adolfo Correa, fazia uns seis meses que ele tinha chegado aqui.
Logo que chegamos nós moramos seis meses em baixo de uma barraca de lona, depois
fizemos um barraco, que era do meu sogro, onde moramos por dois anos. Mais tarde, depois
desses dois anos, construí a casa de madeira no lugar que moro hoje, e fui buscar a madeira
em Carmem, porque não tinha serraria em Lucas. A cobertura da casa veio de São Miguel do
Oeste, porque também não havia materiais de construção aqui. Então a padaria ficou para meu
cunhado e nós viemos morar na casa nova. Eu parei de trabalhar com o pão e fui trabalhar na
lavoura.
Não tinha dificuldades, o problema é que a gente tinha dinheiro, só não tinha o que
comprar, não havia armazém, não havia nada. Para comprar coisas a gente tinha que ir para
Diamantino e quando dava tempo. Para ir a Sorriso às vezes levava três dias. Para ir para
Diamantino levava um dia, um dia e meio, e tinha que arrumar carona, se não ficavam dois
dias lá.
Arrumar carona era difícil e existia o transporte da Maringá, mas quando havia
atoleiro não dava para saber que hora o ônibus vinha porque atrasava. As caronas também às
vezes atolavam, a gente tinha que dar um jeito de empurrar até que vinha para casa. Mas nós
vivíamos bem, íamos pescar e caçar se não tinha comida, tudo era bom para nós.
Nós fizemos um poço para ter água, e minha esposa também lavava roupa para o
pessoal do INCRA, eles não tinham ninguém ali, não sabiam lavar roupa. Porque quando o
pessoal do INCRA veio para cá, moraram em um acampamento, que ficava onde hoje é o
Bairro Pioneiro. Eles vieram para fazer o assentamento. A gente não sabia que eles iam fazer
e depois que eles chegaram, nós não podíamos mais mexer com as terras, queriam nos mandar
embora, tomar nossa terra.
Na época nós éramos uns oitenta e cinco posseiros aqui dentro da área, que hoje é o
município. O pessoal do INCRA queria que nós abandonássemos as terras, mas não tínhamos
para onde ir então ficamos, porque a gente tinha comprado, e eles queriam as terras para
depois fazer os loteamentos, ou vender.
28
Eu acho muito bom morar aqui, porque sempre gostei do clima, desde quando eu
cheguei não estranhei, sempre gostei. Minha esposa ficou uns dois anos pensando, dizia que
queria voltar, mas depois acostumou e não quis mais ir embora. Nós tínhamos amizades com
umas famílias, eu achava melhor do que hoje.
Aqui não tinha televisão, porque nem luz não tinha, era tudo no lampião. O rádio só
pegava uma estação de Brasília, nem de Cuiabá não pegava, era um rádio à pilha. Nós não
ficávamos sabendo de informações e notícias nenhuma, não tinha televisão, nada. A gente
mandava carta, porque nem telefone não existia. Ia para Sorriso e de lá mandava carta para o
Sul. E para depositar dinheiro tinha que ir até Rosário Oeste, tinha como depositar em
Diamantino, mas era melhor ir à Rosário para não ter que entrar mais uns trintas quilômetros.
Para se comunicar com os parentes então mandávamos carta, telegrama, o antigo telegrama
ainda.
Para conseguir remédios a gente ia à Cuiabá, porque não existia farmácia aqui. Minha
menina precisou de atendimento então a gente a levou até Mineiros. Ficamos dois anos
tratando dela em Mineiros e fazia corrida de carro para levar ela. Depois que chegou o
INCRA, um carro deles e com um médico, levou minha esposa e a menina, eles ficaram
quinze dias lá. Daí que nós arrumamos um médico, porque não tinha médico.
Comida nós íamos comprar em Diamantino, havia a cooperativa lá, a COOPERVALE
existia lá ainda quando nós viemos. Nós tínhamos trazido foice e machado. Senão, comprava
em Diamantino, ou Sorriso que tinha pouca coisa. Eu mandei vim os vidros da minha casa,
porque eu fiquei três anos sem vidro, sabe da onde que mandei vim os vidros? Eles vieram de
Jundiaí, São Paulo. De um homem que estava trabalhando numa fazenda, montando um
barracão, ele me trouxe os vidros, um médico de lá. Não tinha vidro aqui, não tinha nada.
Atendimento de saúde não existia aqui e ninguém ficou doente. Saúde era só em São
Paulo, Curitiba, Porto Alegre. Em Cuiabá naquela época tinha médico a Santa Casa, mas não
tinha aparelho nem nada. Não existia posto de saúde aquela época, nada de público, você
tinha que pagar, não existia nada.
Uma vez eu fui com o Antonio Fraga Lira de trator á Diamantino. O Gemelli furou um
pneu aqui na frente, e foi até no Lago Azul empurrando para arrumar, era difícil.
Não existia escola para as crianças. Quando entrou o INCRA fizeram uma escolinha
ali. Aqui não tinha escola naquela época, os dois primeiros anos que nós viemos não existia
nada, em Lucas não havia nada. Havia só o batalhão que estava cuidando da estrada, não tinha
ninguém. Em Sorriso tinha oito casas quando nós fomos para lá. Sinop tinha uma padaria do
Xingu e o Banco do Brasil que se instalou quando eu vim em 1980. Não tinha nada em Sinop.
29
Eu trabalhei cinco anos de empregado. No INCRA eu trabalhei um ano, construindo as
casas, porque o mestre-de-obras tinha saído e fiquei eu no lugar dele. Ele foi abrir a Brasnorte,
e o ferreiro me chamou para fazer o serviço. Eu ganhava um real, não lembro quanto, por dia.
Ele me passava as plantas e eu mandava os caras fazerem as casas, eu já trabalhava neste
ramo. As casas eram todas de madeira, lembro que tinha umas vinte e duas casas, daí que o
INCRA veio se instalar. Essas casas era todas de moradia, para os funcionários do INCRA.
Minha esposa cuidava da padaria e o nego, meu filho, levava numa cesta os pães lá
perto do Rio Verde, onde pessoal do INCRA morava, ele levava á pé. Tinha um cara de São
Lourenço do Oeste, que ia para Sorriso e sempre passava aqui, ele tinha uma [caminhonete]
15- 19 era um conhecido meu de lá, ele trazia a farinha para fazer o pão.
No tempo de descanso a gente pescava, só pescava, porque não havia aonde ir, festa
não tinha, não tinha nada. A primeira festa que nós fomos quando nós estávamos aqui, foi na
primeira igrejinha de madeira lá no Lago Azul. Estava o Vendrúsculo, o De d’Ávila, o
Topanotti, o Picolli, estávamos todos ali e fizemos a igrejinha. Quando o INCRA veio, nós
fizemos a igrejinha lá. Foi lá no Lago Azul que foi construída a primeira igrejinha do São
Cristóvão. O lugar chamava-se Piovinha antigamente, depois se chamou Lago Azul e São
Cristóvão.
Na Piovinha, perto de onde mora o Geraldo Bôscoli, tem uns coqueiros e uma
capelinha de madeira, de pedra, ali era um bar onde era a parada dos ônibus da Maringá, onde
eles comiam, era um chapéu de palha. E até hoje tem a capelinha, não derrubaram.
Era bom viver naquela época aqui, não era muito ruim. Nós íamos pescar quando não
tinha nada para fazer, ia caçar. Os atoleiros eram bravos, para vim de Sorriso até aqui você
levava meio dia para chegar, na época da seca. Eu devo ter algumas fotografias...
Na época da seca não tinha atoleiro, era “cabeça de Figueiredo”, eles tratavam desse
nome, porque foi na época que o presidente Figueiredo entrou. As terras com o cascalho
ficavam aquelas cabeças, era uma atrás da outra, o caminhão não andava. Eram pedras, torrão
de terra, criava as cabeças e ficavam na estrada, o Figueiredo não arrumava as estradas, então
ficou o nome de “cabeça de Figueiredo”.
Eu não me arrependo de nada, voltaria naquela época, ninguém incomodava. Eram
três ou quatro famílias, todos se davam bem, hoje eu não conheço nem a piazada dos vizinhos
que têm aí.
A situação de vida hoje em Lucas é boa para quem tem vontade de trabalhar. Hoje
aqui tem de tudo, telefone, mercado. Naquela época não existia nada. Eu comprava laranja em
saco, dos caminhoneiros quando paravam ali no Café da Hora que iam para Sinop e para o
30
garimpo e mandava o nego ir vender lá em baixo, a gente tinha que fazer dinheiro, vai fazer
da onde. Para o pessoal do INCRA, eu vendia pão, laranja.
Então quando eu cheguei aqui, tinha só o 9º BEC, e a casa de uns pistoleiros, não
havia nenhuma casa. Tinha a casa do Tessele que veio morar depois. Não tinha nada em
Lucas. Nós íamos pescar na lagoa, atravessando a cidade a pé, passava uma picada passando,
uma ponte, onde hoje é a Avenida Tenente Portela, e lá em cima tinha uma estrada de
seringueira, que ia até o Rio Piranha pescar, ficava sábado e domingo e vinha embora a pé.
Eles tiravam seringa e decerto entrava os caminhões para puxar, tinha umas madeiras grossas
e usavam essa picada para entrar.
Eu vi os assentados chegarem, não tinha nem estrada aqui, para ir para Tapurah era só
cerrado. Tinha só o Leo Pasquali que morava, a gente entrava lá dentro e ia pela estrada
“baiana”. Não tinha estrada era só cerrado, aqui na frente de casa era só cerrado. Colocavam
fogo e ficavam seis meses com fumaça. Antigamente não existia ninguém, ninguém cuidava,
as terras eram devolutas.
Existiam só os posseiros, nós compramos a terra de um cara de Vitória da Conquista, o
Robson, ele tinha quarenta mil hectares. E existiam também pistoleiros que cuidavam da
posse da terra, mas isso terminou depois quando o INCRA chegou.
3.1.2 Mário Agostinho Dall’Alba
Nós viemos para Lucas do Rio Verde em 1978. Eu tinha uns 13 ou 14 anos, éramos de
Palotina no Paraná. Nós viemos de caminhão com a mudança, eu vim com meu pai de
caminhão, alguns de meus irmãos vieram antes.
Decidimos vir pela questão econômica, porque aqui oferecia oportunidade de um
futuro melhor, nós éramos uma família de sete pessoas, então se você quisesse usufruir algum
bem no futuro era preciso ir para um lugar que oferecesse progresso. Aqui era um lugar onde
se falava muito na época, de prosperidade para o futuro, as terras eram baratas, porque eram
posses que logo se tornaram documentadas, pois o governo incentivava a ocupação do
Centro-Oeste, e meu pai viu uma oportunidade de uma vida melhor para a família.
Nós ouvíamos falar das terras do Mato Grosso no geral, o Gemelli, que morava aqui,
ele até já faleceu, ofereceu terras para o meu pai e ele veio ver, gostou e acabou comprando.
Pertenciam ao Robson Duarte um homem que tinha uma grande quantidade de terra aqui, ele
era do Espírito Santo.
31
Logo que cheguei eu morei exatamente onde ainda se encontra a mesma casa hoje, no
final da Rua Guaporé. Mas meu pai e mais dois irmãos antes de eu vir, foram morar em um
lugar onde era o 9° BEC uma vez. Mas quando eu cheguei já morei na casa.
Quando eu cheguei teve os dois lados, porque o Mato Grosso dava aquela idéia de
fronteira de desbravamento, mas por outro lado a gente pensava que o Mato Grosso era o fim
do mundo, imagina um lugar que era basicamente uma selva. Em um primeiro momento eu
gostei só que com o tempo a gente ficava isolado e tudo era muito difícil, não tinha quase
ninguém perto, a família toda longe a comunicação também era complicadíssimo. Então teve
os dois lados, teve o lado interessante da descoberta da novidade, mas também teve o lado das
dificuldades, do sofrimento, e parecia que nunca mais íamos sair desse buraco. Era
complicado, mas mudou muito.
As dificuldades eram as distâncias das coisas, a falta de pessoas, de convivência, nós
éramos acostumados no meio de tanta gente. Os recursos para chegar, desde a alimentação, o
acesso a tudo, era muito difícil. Nós tínhamos sorte de ter o gado, que nós passávamos com
leite e às vezes polenta, porque era difícil, nem sempre se tinha por exemplo, uma caça, e as
vezes ainda passava semanas e meses chovendo, chovia muito mais, era complicado.
Então para sair dali não era fácil, pelas estradas, até a comunicação com os vizinhos e
com os outros lugares. Para você comprar, tinha que ser em Sinop ou Diamantino, era difícil.
Para ir de carro era muito ruim, se levava em algumas vezes meio dia para sair daqui de Lucas
à Sorriso, havia atoleiro, desvio, tinha de tudo, algumas pontes também não eram seguras
porque eram de madeira, as estradas ruins demais e os caminhões não podiam andar. E nós
geralmente íamos de carona porque na época não tínhamos carro pequeno, tínhamos trator e
um caminhãozinho, depois que nós compramos novamente um carro pequeno.
Nosso dia-a-dia era basicamente a lavoura, levantávamos de manhã cedo, seis sete
horas e íamos para a lavoura, limpava o terreno para o plantio e meio dia o almoço e depois
voltávamos para o trabalho até de tardezinha, até o sol se pôr. Nós dormíamos cedo porque
não tinha muita coisa para fazer à noite, tinha só a luz do lampião, daqueles à gás.
E havia coisas interessantes, que lembro até hoje, não existia, por exemplo, muitos
pernilongos, a mata absorvia muito isso, mas havia o “porvinha” e aquelas “mosquinhas”
pretas, as “mosquinhas” atacavam mais durante o dia no sol quente, quando você ia trabalhar
e se tivesse algum machucado elas atacavam, era triste. No tempo da chuva as “porvinhas”
acabam com a gente, minha mãe até ficava com febre por causa disso. E na lavoura nós íamos
trabalhar baseados do horário do sol e era sofrido, mas por outro lado tinha mais
tranqüilidade.
32
No começo era difícil o calor que era bastante, mas para a adaptação não foi muito
difícil, porque nós já éramos acostumados a trabalhar. O que mais nós sofremos foi em
relação ao acesso ás coisas, aos recursos que era muito complicado, mas nós também nos
divertimos bastante, porque íamos visitar o pessoal, compartilhávamos muita coisa, era bom
de se visitar naquela época. E por outro lado nós aprendemos, nos habituamos, lógico que
ainda existiam algumas coisas, por exemplo, os sanitários que eram fora de casa de madeira,
haviam muitos bichos, e nós ficávamos receosos, mas é claro tivemos que nos adaptar a isso
também.
Para chegar uma carta às vezes demorava um mês, porque vinha por intermédio de
visitas, do pessoal que vinha para cá, então era complicado. Para mandar carta tinha que
entregar para um vizinho que iria viajar ou ir à Sinop ou Diamantino. Na época havia rádio, se
eventualmente nós fossemos para alguma fazenda que tivesse, mas geralmente os
comunicados eram através de pessoas mais conhecidas, onde mandávamos os recados.
Para conseguir recursos era em Diamantino e em Sinop, Sorriso ainda estava
começando como Lucas. Então uma vez por mês pedíamos para alguém, dávamos uma lista
do que precisava e alguém trazia, ou então íamos, mas era demorado geralmente nos
virávamos com o que tinha aqui. Então não havia nada para se conservar, os alimentos tinham
que ser menos perecíveis, e caçávamos e pescávamos ali perto. E também havia o gado que a
gente tinha, para ter leite. Era difícil também o plantio de alimentos naquela época, porque a
terra era muito ácida, era complicado produzir no começo. O que havia mais eram frutas, tipo
manga, que os vizinhos tinham.
O atendimento de saúde era muito complicado, com o tempo se instalou um médio dos
órgãos federais, nós éramos atendidos ali mais tarde, e depois também tinha a farmácia do
Tião, que era uma pessoa experiente. Se não, teria que ir para fora para ser atendido, era
difícil.
Quando eu cheguei não tinha escola. Eu fui estudar em Sorriso, meu pai montou um
comércio lá e eu fui estudar em Sorriso. Fui só eu, meus irmãos não foram. Depois, acho que
mais uns três anos é que veio a escola, foi criada a Escola Dom Bosco lá em baixo, e eu
estudei lá, fiz a 8ª série na Escola Dom Bosco, mas era bem complicado também nessa escola
porque era a luz à motor e quando faltava luz tinha que usar o lampião, eu estudava à noite. E
também por causa das chuvas, não era fácil de chegar na escola, o acesso era complicado,
faltava em alguns momentos profissionais para dar aula, então no começo foi bem difícil.
O nosso trabalho era na roça, plantar soja, mas no começo foi só arroz, depois foi soja
e um pouco de milho, mas era a roça basicamente. Depois plantamos também para o sustento
33
do gado, mandioca, um pouco de capim, cana. Nós abrimos o mato, na beira da BR [163],
essa faixa onde foi o primeiro núcleo da cidade, era tudo terra do meu pai. Num primeiro
momento nós abrimos aquela parte que vai mais ou menos, da rodoviária ao Bonfanti e nós
abrimos até perto da curva do Café da Hora. Abrimos uns cento e poucos hectares e depois
abrimos mais até próximo a beira do Rio Verde.
Nós “calcariamos” e fizemos tudo o que tinha que ser feito na terra para poder plantar.
Plantamos no começo o arroz, duas safras ele dava depois não dava mais porque dava muita
peste. Naquela época não tinha muita tecnologia para o desenvolvimento da soja, agora já é
bem mais tranqüilo, até por causa da condição do solo e da acidez que melhorou bastante com
o tempo. Então no começo plantamos arroz pra depois plantar soja e milho, depois nós
perdemos essa terra para a cidade e ficamos sem nada, o que é a cidade era nosso, só agora
que abriram em outras terras outros bairros, como do outro lado da BR, que não era nosso.
Então a parte de baixo da BR, desde onde entra na cidade até a beira do Rio Verde eram
nossas terras.
O nosso lazer era jogar baralho, sair visitar uma família, ou era caçar e pescar era
basicamente isso, ou uma família que vinha visitar a gente também...
A vida nos primeiros anos era muito difícil, de muito trabalho, foi um pessoal
“esquecido”, porque naquela época o Brasil já passava por uma imensa crise e não tinha
estabilidade de nada. Então o governo incentivava a abertura, mas ao mesmo tempo o pessoal
tinha que se virar por conta, e as pessoas já não tinham muitos recursos, os recursos eram
escassos e os meios de comunicação e de acesso a tudo isso era difícil, eu digo que era muito
difícil. Por outro lado tinha a tranqüilidade, tinha uma relação com o meio ambiente, éramos
mais ligados ao meio ambiente, era menos stress também.
Eu não me arrependo do que fiz, mas é natural, você sempre tem alguma coisa que
você faria de outra forma, ou seguido outros caminhos, mas não tenho arrependimentos,
penso que foi uma grande experiência, e valeu a pena, eu faria tudo de novo. Lógico que você
não seria ignorante de permanecer nas coisas que não deram certo...
Lucas hoje nem se compara com antigamente está bem melhor, até porque a
estabilidade do país ajudou que isso acontecesse. Eu vejo que Lucas é uma boa cidade,
sempre gostei, até porque a gente sempre morou, praticamente fundamos a cidade digamos
assim, mas eu percebo que há uma violência na cidade que foi de alguma forma criada, não
digo que intencionalmente, mas pelas propostas econômicas que se viabilizaram através dos
políticos, que eu penso que poderia ser diferente. Acho que se visou muito a questão
34
econômica e não se deu prioridade à questão humana e social, isso fez com que a cidade
ganhasse áreas de violência desnecessárias.
Tem muita coisa boa é uma cidade muito boa, mas pode ser ainda bem melhor. Porém
em termos de violência e marginalização social exagerou. Mas em relação à antes é sem
comparação, até porque no geral o Brasil melhorou, as pessoas têm acessibilidades muito
mais rápidas, mesmo na Amazônia que é um lugar mais complexo hoje está bem melhor.
Aqui no Centro Oeste já virou uma questão de preferência do povo brasileiro, pois há uma
opção muito grande de desenvolvimento para o povo, o que antes era somente o litoral agora
os recursos já chegaram aqui, se você ver o desenvolvimento e o crescimento até de numero
da população nos últimos censos o Centro Oeste vem ganhando muito status, nesse sentido
está bem melhor.
Nossa cidade hoje é um orgulho, sempre gostamos de viver em Lucas do Rio Verde, o
que eu tenho a mencionar é que muita gente poderia ajudar bem mais a cidade, mas acaba
pensando somente na questão econômica, infelizmente o ser humano é muito ganancioso e
por causa de dinheiro acaba fazendo muitas coisas erradas que poderia evitar.
A questão do migrante, às vezes tem muita gente que se diz, mas que chegou bem
depois, e nós que somos de fato, somos esquecidos. Não é nenhuma mágoa, mas acho que é
uma questão de valorização do próprio meio em que você vive, que não valoriza a história que
se fez, com certeza não vai valorizar nem o que vai ser feito, só vai ser momentâneo e isso é
ruim para qualquer país, para qualquer povo. Você tem que fazer com que as coisas sejam
percebidas, para que as pessoas passem a respeitar o lugar, vê que tem uma história, um
fundamento, que a vida vale a pena. Se não você acaba achando que tudo é simplesmente para
explorar e acabou e não é assim, nós somos muito mais que isso, se não valeria a pena.
3.1.3 Isidoro Vivaldino Pivetta e Dilla Pivetta
Isidoro
Nós viemos em 1981. Quando eu cheguei haviam duas casas, mas não eram boas.
Uma à esquerda, depois que chega à ponte do Rio [Verde], ali tinha uma família que veio do
sul e à direita tinha três ou quatro estabelecimentos do Exército, porque eram eles que
cuidavam da estrada, que faziam a estrada, patrolavam.
Eu vim do Sul, vim de Caiçara, Rio Grande do Sul. No tempo que eu saí, já era
município, mas pertencia à Frederico Westphalen. De Frederico Westphalen para ir à Caiçara
eram doze quilômetros. Aí foi o seguinte... eu havia vendido minhas coisas lá, mas com
35
intenção de ir para um lugar novo, que fosse mais fácil de progredir na vida. Então eu tinha
um primo que era casado e comprou terra numa cidade perto de Cuiabá, esqueço o nome da
cidade. Eu e minha esposa fomos visitar ele, ficamos oito dias, conversamos e decidimos vir
para cá, conhecer, não era chamado Lucas ainda, porque não tinha nada. E daí, ficamos de ir
na outra semana, na segunda-feira.
Nós viemos para conhecer aqui, mas quando nós chegamos no Posto do Gil, havia
uma porteira e os militares do Exército deixavam passar quando dava. Quando nos chegamos
ali estava fechado, paramos e fomos conversar com eles, nos disseram que dava para ir, que as
pessoas estavam passando, mas era difícil, se a gente quisesse ir podia ir, mas não íamos
chegar. Eles falaram que iam colocar as máquinas para trabalhar na estrada em fim de maio de
1981, disseram que se a gente passasse no fim de junho estaria toda pronta a estrada. Mas
mesmo assim decidimos experimentar ir, se não desse certo a gente voltava.
Então eles abriram o portão e nós viemos. Mas antes de chegar ali no Posto São João,
antes de chegar naquela curva, não passamos mais, porque atolava. Tinha um jipe atrás, eles
nos disseram “se vocês não passarem nós voltamos e te puxamos”, e eles foram na frente,
eram uns cinqüenta metros de barro para passar. Eles já tinham uma corda dentro do carro e
disseram que podiam ajudar se atolasse. Ainda, para frente tinha mais dois atoleiros para
passar. Nós não aceitamos, não dava para ir de carro, decidimos voltar... Acabamos não
conhecendo aqui, naquela época. Fui levar meu primo para casa e depois voltamos embora
pro Sul.
Eu voltei em junho e estava tudo pronto, a estrada. E quando nós viemos olhar, só
paramos ali no rio, onde era o Café da Hora, porque ainda não tinha ponte ali, e eu parei para
ver, eles colocaram umas árvores, madeiras, que estavam firmes, e a gente passava por cima.
Foi o único lugar que eu parei, porque o resto estava tudo certo, eles tinham arrumado tudo, a
estrada estava pronta.
Nos primeiros meses nós moramos num acampamento que nós tínhamos, eles
fizeram uma casinha, porque eu já tinha aqui um sobrinho, um neto e um irmão que já haviam
comprado terra, e eles estavam Sorriso porque não tinha outro lugar para ir, aqui não tinha
nada, e em Sorriso tinha umas trinta casas só. Eles haviam comprado terra há uns cem
quilômetros para dentro e era só mato, não tinham nem picada, mas em poucos meses estava
pronta a estrada para ir à terra. Então eles venderam e ficaram comigo aqui...
36
Dilla
Nós conhecemos primeiro, Primavera do Leste e Paranatinga, mas em comparação
com aqui era caro comprar terra lá. Aquela estrada até Sorriso era difícil para passar. Se
passasse com o carro podia entrar água dentro...
Os homens começaram a trabalhar e depois de dois anos nós viemos de mudança. Em
1983 nós viemos de mudança, mas em 1981 eles começaram a trabalhar, nesse tempo nós
fazíamos duas viagens por ano, vinha e voltava. Até fazerem um barracão para podermos
morar...
As dificuldades eram que, para comprar um quilo de carne tinha que ir á Sorriso,
chegava em casa às dez da noite e tinha que fritar a carne para não estragar. Pegávamos o
ônibus de madrugada, comprávamos uns quilos de carne para os peões, porque não dava para
ficar sem carne, e tinha que ir comprar em Sorriso. Farinha pra fazer pão era em Sorriso,
arrumar o trator, comprar parafuso ia para Primavera, comprávamos óleo em Primavera, às
vezes a gente ia com uns latões no carro para buscar um pouco de óleo para o trator não parar
de trabalhar. As estradas não eram boas, podia até atolar na poeira...
Nós gostamos do clima daqui, nós viemos porque meu marido tinha um problema de
saúde e o médico recomendou de nós virmos morar em um lugar mais quente, para melhorar a
circulação do sangue dele, por causa do derrame...
Para ir ao banco era em Diamantino, para telefonar e mandar carta pelo Correio
também tinha que ir à Diamantino. Quando veio um PS em Sorriso foi uma beleza, porque
passamos a fazer esse serviço por Sorriso. Por exemplo, para ir á Diamantino levava três dias
para ir e voltar, porque os empréstimos no banco não ficavam prontos no mesmo dia, as
estradas também não eram boas, o asfalto custou anos para chegar.
Para ir ao mercado era em Sorriso. A Lúcia Casonatto começou a vender batatinhas,
repolho, abriu um mercadinho, isso foi uma beleza. Muitos anos depois um senhor começou a
vender em um caminhão e nós íamos comprar carne nas sextas-feiras, mas muito depois...
Isidoro
Maquinário para comprar era só em Cuiabá, aqui não havia nada...
Dilla
Para arrumar um pneu de trator era em Primavera, antiga Primaverinha...
Para atendimento de saúde havia o SESP, era um posto bom, porque já estavam aqui
os parceleiros, quando nós viemos de mudança. Então já havia sido montado um posto de
37
saúde, um postinho bom. E por exemplo, quem tinha malária, ia se curar em Vera com umas
Irmãs, que entendiam muito sobre essa doença.
E existia escola aqui também, era perto do SESP, para baixo da Igreja. Era um colégio
grande, de madeira, comprido.
O trabalho era sofrido, na lavoura, com os funcionários, tinha que ter peão. Nós
tínhamos que lavar roupa, fazer comida para os funcionários porque não tinha quem fizesse,
não havia nada. Nós tínhamos água de poço, depois mais tarde compramos um motorzinho
para ter luz de noite. Geladeira custou vir, porque tinha que vim de Cuiabá, e não tinha
transporte, eram daquelas geladeiras que funcionavam á gás. Não era fácil...
Nós morávamos na fazenda, logo onde termina a cidade, na Fazenda Palmeira é bem
pertinho. O padre vinha rezar a missa uma vez por mês nas fazendas, uma vez era no
Valdemar [Aldemar Antônio Cosma], outra vez no Gemelli, nos outros, cada vez era em uma
fazenda. Depois começou aqui em baixo na cidade, quando veio o Padre Lauro. Algumas
pessoas gostavam jogar baralho para passar o tempo, os vizinhos se visitavam no domingo...
A vida era boa, nós saíamos, deixávamos as portas abertas, não tinha perigo nenhum.
Íamos às casas dos vizinhos e quando a gente saía de casa nem fechava as postas do barracão,
porque não entrava ninguém era tranqüilo, não tinha perigo nenhum. Era bom de morar aqui...
Isidoro
Aqui sempre foi bom de morar. Agora depois que abriu a fábrica, as coisas mudaram,
mas antes era bom...
Dilla
Antigamente era bom, nós nem estranhamos quando viemos naquela época,
acostumamos de morar aqui, era muito bom...
3.1.4 Loreci de Fátima de Oliveira
Meu nome é Loreci de Fátima de Oliveira. Eu cheguei em novembro de 1981 em
Lucas do Rio Verde, eu tinha 26 anos, completei 26 naquele ano. Vim de Ronda Alta, Rio
Grande do Sul [Encruzilhada Natalino].
Eu vim com o pessoal dos assentados, na terceira viagem que eles fizeram eu cheguei
até Lucas. Nós viemos de ônibus. Em cada viagem de vinda das famílias eram três ônibus
lotados. Vieram em etapas, 1° etapa, 2° etapa, 3° etapa e em cada etapa, três ônibus lotados.
38
Não sei dizer quantas pessoas vinham em cada um dos ônibus, porque cada família, uns
tinham mais filhos outros menos, mas eles vinham lotados.
Na época, eu vim para Lucas para adquirir terra, no Rio grande do Sul a gente não
tinha terra e nós viemos para isso. Na verdade, nós já viemos com a terra garantida, quando
nós saímos já sabíamos que tinha terra garantida, eram 200 hectares para cada família.
Na época ganhávamos só mesmo a terra, mais tarde, quando eles começaram a fazer o
loteamento da vila daí eles estavam dando para quem quisesse pegar lotes na vila. No começo
era dado, depois começaram a vender. No início a doação era feita pelo INCRA, e depois eu
não tenho certeza, mas, até quando começou o primeiro prefeito muitos lotes urbanos da
cidade foram doados. Depois disso começou as vendas mesmo.
Eu vim com a minha família, meu marido e três filhos na época. No começo eu morei,
não sei se eles ainda chamam por esse mesmo nome, no Setor 5 que fica perto do Campinho
Verde. Mas no primeiro momento que nós chegamos aqui ficamos acampados entre a BR-163
e o Rio Verde, do lado da BR-163 e perto do Rio Verde. Eram aqueles acampamentos mesmo,
do exército, quando nós chegamos estava tudo prontinho as barracas, umas barraquinhas
verdinhas.
Nós ficamos na faixa de uns dois meses e meio por aí, até construírem as nossas então
casas, lá no sítio. Só que as casas eram de madeira, pequenas. Os agricultores, os próprios
assentados mesmo que construíram, meu marido também. Eles se reuniam em mutirão, um
ajudava o outro, e daí eles construíam.
Quando eu cheguei, não foi assim, muita surpresa, porque dois anos antes eu tinha
vindo para cá, morar em Terra Nova, que fica há uns trezentos e poucos quilômetros daqui.
Então eu já havia morado lá, para mim então, nada era novidade no Mato Grosso, já sabia
mais ou menos como era já havia passado por aqui.
A primeira dificuldade foi a educação mesmo, porque eu cheguei aqui com três
crianças, uma com idade escolar, e perdeu o primeiro ano. Na época entrava-se na primeira
série com sete anos, e ela completou sete anos em fevereiro de 1982 e daí não tinha aula,
ficou sem. Foi em 1983 que começou as aulas e daí começou a estudar ela e o irmão junto, e
ela com um ano perdido.
Além disso, a dificuldade era a distância que nós ficávamos para vir na vila, para fazer
compras, não tinha transporte, era na base de carona, ir para a beira da BR e pedir carona, até
para vir ao médico, numa consulta no posto de saúde, tudo era a base de carona, era bem
difícil.
39
O meu dia-a-dia era normal, como uma dona de casa mesmo, cuidava da casa, dos
filhos, o marido na roça trabalhando na terra dele e de peão também. No início tinha um
pessoal que tinha trator eles já eram posseiros daqui, certas pessoas e famílias, e eles eram
contratados para fazer esse serviço de quebra de cerrado, de enleramento eram contratados
por um financiamento que saia no banco para esse fim.
Como eu já havia falado, não foi difícil me adaptar, porque eu já havia morado aqui,
então não foi difícil, eu já tinha uma noção de como que era. Nós tínhamos bastante vizinhos
também, a convivência era normal, quase igual como se fosse lá no Sul, nós tínhamos a
comunidade para ir no domingo rezar um terço, nos reuníamos pra rezar o terço e assim foi
iniciando. O nome da comunidade era Setor 5 mesmo, o nome era esse. Porque eram
divididos em setores, Setor 1, 2 e 3, 5 e o meu era 5.
Nós ouvíamos o rádio, era só o rádio mesmo. A Rádio Nacional de Brasília era a nossa
diversão, de ouvir música, quem pudesse escrever cartinha para lá, mandar recado,
mensagem. E com os parentes era através de carta mesmo, carta que ia, carta que vinha. Aqui
em Lucas já tinha o posto do Correio, quando nós chegamos já tinha o básico que era posto de
saúde, supermercado, posto de correio.
O supermercado era COBAL. Roupas eram só aquelas que vieram do sul, tinha só a
COBAL mesmo, com o básico para a alimentação. Não tinha loja que vendia outras coisas, eu
não lembro bem, mas se não me engano nós recebemos um kit quando chegamos, de alguma
coisa assim, o básico, alguma ferramenta, chaves. Era um kit com materiais para a lavoura,
para o trabalho, “enchada”, umas coisas assim. Mas para a cozinha não, de cozinha nós
trouxemos a mudança, o governo trouxe, transportou a mudança. Trouxeram a mudança de
todo o mundo, inclusive animais também foram trazidos.
Para o atendimento de saúde tinha um postinho, e posto que havia na época nós
éramos bem atendidos. Eles atendiam bem, eu não tenho do que reclamar acho que eles
atendiam melhor que hoje em dia, nesses postos de saúde que temos aqui. Nós chegávamos,
éramos atendidos, não tinha esse negócio de limite de ficha, o pessoal vinha do interior e
precisava de atendimento, o médio estava lá atendendo, praticamente 24 horas. Se você
chegasse fora de hora, numa emergência podia chamar que o médico vinha atender.
No começo as crianças não tiveram aula. Em 1983, final de 1982, mês de agosto de
1982 em diante, já começaram a se movimentar para que em 1983 iniciasse o ano com aula e
foi o que aconteceu. O Klaus Huber foi o nosso diretor e a Beth, acho que a secretária na
época, eles eram tipo uma extensão de Diamantino, que nos atendiam aqui, eles começaram a
organizar a educação das escolas. Porque na verdade quando nós chegamos aqui as escolas já
40
estavam começadas, a construção delas. Cada setor tinha sua escola, só que não estavam
acabadas, aí eles acabaram naquele ano e no ano seguinte que iniciou as aulas mesmo.
Eles fizeram uma escola, aqui na cidade que nós chamávamos de vila. Eles fizeram
aqui a Dom Bosco e no interior tinha, não lembro se eram cinco ou seis escolas. Tinha a
escola que eu trabalhava, tinha a do Setor 1, a do Setor 3, do 5, do 6 também tinha uma
escola, só que eu nem cheguei a conhecer essa, porque era meio distante. Mas as outras sim, a
do Setor 1 era aqui nos Gringos, o Setor 3 era onde virava para descer para o Setor 5. O Setor
4 não existia, aí tinha mais uma escola na União, talvez lá fosse o Setor 4, não me interei
disso, de saber...
Então, o trabalho do meu marido era na roça mesmo e o meu a partir de 1983 foi na
escola, eu já comecei a atuar como professora, leiga sem formação. Eu já tinha trabalhado lá
no Rio Grande, e daí comecei a trabalhar ali, no Setor 5, eu fui a primeira professora no Setor
5. Meu marido trabalhava na lavoura, ele plantava pouco e também trabalhava de peão
mesmo, nas lavouras dos outros, na hora do plantio e colheita.
Nos domingos além do terço, que a gente se reunia numa sombra, na casa de uma
vizinha para rezar o terço, na parte religiosa, os homens, eles improvisaram uma cancha de
bocha e nós mulheres sentávamos na sombra e íamos tomar chimarrão cuidando as crianças
brincar, e pronto a diversão era isso. Demorou um pouquinho, mas depois começou até por
causa das aulas mesmo, começou a se organizar as igrejinhas, construíram umas igrejinhas de
pau-a-pique, de chão. Daí começou nas comunidades a fazer as festinhas e a gente começou a
participar.
Apesar de sempre ouvirmos queixas, um reclama de uma coisa, outro de outra coisa, a
vida do ser humano é sempre assim reclamando e nunca está contente com nada. Mas às vezes
eu sento e converso com a minha ex-cunhada e nós conversamos com alguma conhecida da
época, falamos assim “meu Deus nós fazíamos isso e aquilo, fazia aquele outro e era tão bom,
as crianças brincando... Nossa a gente era feliz e não sabia!”. Então era uma vida boa,
tranqüila, bem tranqüila mesmo.
Não me arrependo de nada, se precisasse reiniciar tenho certeza que eu começaria tudo
de novo. Só que eu queria ter assim, uma mente mais aberta que eu tenho hoje, para poder
segurar as pontas, porque na verdade, meu marido depois vendeu a terra, e a gente não
progrediu como alguns. Apesar de que a maioria foi assim, a maioria foi embora, a maioria
vendeu a terra botou fora, os poucos que ficaram progrediram e hoje estão bem, estão super
bem. Nós demos bobeira, vendemos fomos embora pro Rio Grande, ficamos um ano e meio
lá, e voltamos de novo e ficamos por aqui.
41
No geral a situação de vida das pessoas hoje deve ser boa, em relação àquela época, a
diferença que tem é que, hoje as coisas são muito caras. Acho que tem gente que passa
bastante necessidade. Lucas é uma cidade que está progredindo, uma cidade boa de morar, de
continuar morando, eu nem penso em sair daqui. Só que é uma cidade bem cara mesmo para
se viver, um custo de vida muito alto. Nós ouvimos falar que nos municípios vizinhos as
coisas são bem mais baratas, mais em conta do que aqui, não sei por que aqui são tão caro as
coisas, a maior dificuldade que eu acho de Lucas é isso. Para uma pessoa que ganha pouco
salário e paga aluguel é bem difícil.
Mas no mais não tem coisa melhor, principalmente na educação, pelo menos os
prédios garantem, os prédios são muito lindos, no geral os professores também são bons, a
clientela é que é meio difícil de trabalhar, mas os professores são bons.
3.1.5 Pedro Dalastra
Meu nome é Pedro Dalastra, cheguei a Lucas do Rio Verde em 9 de Novembro de
1984, eu tinha 24 anos de idade. Eu morava em Palotina no Paraná e vim para Lucas através
da influência de duas empresas na época, a COPACEL e a Sementes Palotina. Essas empresas
eram cerealistas particulares, do Paraná e estabeleceram filiais no Mato Grosso e através delas
muitas pessoas se influenciaram e vieram de Palotina para Lucas.
Eu vim um pouco por influência dessas empresas, mas o motivo maior foi o preço das
terras, no Paraná o hectare tinha um valor mais alto, por exemplo, com o valor de um hectare
lá você comprava quinze aqui, então com pouca área no Paraná você poderia fazer uma
fazenda no Mato Grosso. E meu pai sempre foi apaixonado pelo Mato Grosso, poderíamos ter
sido bem pioneiros em Lucas, porque meu falecido pai comprou terras em Sinop em 1973, da
colonizadora com mesmo nome, meu pai sempre foi um defensor do Mato Grosso, tinha o
Mato Grosso no coração.
Em 1975 dois irmãos meus vieram fazer a derrubada de mato para preparar a terra em
Sinop. Meu irmão Idílio quando chegou de volta ao Paraná criticou as terras de Sinop por
causa da mata, porque passou por tantas terras boas de campo, e acabou tendo que ir para uma
área de mata pesada. Então já em 1975 meu irmão percebeu que seria mais viável trabalhar no
cerrado pela facilidade de abertura da área, como no caso de Lucas que na época tinha
cerrado.
42
Quando eu vim para Lucas eu era solteiro, e vim com meu irmão mais novo o Carlos,
ele mora aqui até hoje também. Meu pai veio junto no início, ficou uns trinta dias aqui e
depois voltou para o Paraná, ficou morando lá.
Quando chegamos o primeiro lugar que a gente morou foi na fazenda em Itambiquara,
no Setor Quatro da linha sete e ficamos morando ali alguns anos. Foi feito tudo, não tinha
nada, primeiro fizemos um barraco e depois um barracão com varanda onde a gente morava e
na outra parte era onde guardávamos o maquinário, adubo e sementes. No começo, o costume
aqui, até pela dificuldade com os gastos, era construir um barracão com uma varanda onde era
a moradia, em muitas fazendas era assim, as pessoas moravam quase junto com adubos,
sementes, veneno, máquinas, daquele jeito.
Tivemos que abrir o mato, o cerrado, e naquela época já existia a preocupação
ambiental, tinha que fazer o projeto ambiental das terras. Só que, na época para tirar uma
licença de desmate era muito mais fácil que hoje. Na época em 1985, no lugar do IBAMA
havia o IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal].
Eu fui à Diamantino no escritório do IBDF, mas a terra não estava no meu nome, eu
era o procurador da área, no escritório do IBDF uma mulher bateu a guia de desmate de tantos
metros cúbicos de lenha e, no mesmo dia, fui ao banco paguei a guia e logo depois já estava
com a autorização de desmate na mão. E hoje a para conseguir esta autorização é muito
difícil, leva às vezes de dois a três anos. Penso que, por causa da burocracia, existem tantas
questões ambientais sem licença.
Hoje em dia que existem mais tecnologias para medir as áreas e demora mais que
naquela época. Talvez fosse errado na época, porque você ia lá, mesmo sem a vistoria de um
engenheiro responsável, também não seria certo, mas era mais ágil, o próprio produtor era o
responsável, sabia o que derrubar. Hoje, em minha opinião, essa questão ambiental tinha que
ser menos burocrática, teria que ser certo, com acompanhamento de engenheiro e projeto, mas
mais ágil o resultado da liberação ou não por parte do governo.
No início, logo que cheguei, eu sentia falta de telefone, energia elétrica, tudo era
difícil, desde a comida, tudo era diferente era novidade. Mas a gente tinha o sonho de ter
fazenda, se tornar fazendeiro, tinha a força de vontade de estar ali, não estávamos contra
nossa vontade, tínhamos um objetivo então não existia sofrimento.
As principais dificuldades que encontrei, era a comunicação, por exemplo, para ligar
para o banco que era em Diamantino, porque aqui na cidade só tinha um posto telefônico,
Lucas ainda não era cidade era uma vila. Então às vezes tinha que esperar meio dia para poder
telefonar. A dificuldade também além da comunicação era em relação aos financiamentos, os
43
custeios, que eram muito difíceis, tinha que fazer muitas viagens à Diamantino que era longe,
e eu não tinha experiência. No Paraná eu trabalhava para minha família, quem cuidava dos
negócios era meu pai, e depois quando cheguei a um lugar novo, tudo diferente e sem
experiência fui uma tremenda dificuldade, mas tive que superar.
Na nossa vida cotidiana durante a semana nós trabalhávamos, no começo era o
desmate para derrubar o cerrado, amontoar as madeiras. E nos fins de semana íamos pescar,
na maioria das vezes tinha jogo de futebol, a gente ia à comunidade que pertencíamos a
União, saíamos todo o domingo para conhecer os lugares, tudo era novidade. Íamos para a
comunidade de Groslândia, outro domingo para Eldorado, às vezes dali um mês ou dois tinha
festa em outra comunidade como em Morocó que pertencia ao município de Sorriso. E a
gente tinha entusiasmo porque estávamos sempre conhecendo pessoas novas, era muito bom,
querer conhecer os outros e os lugares novos era cheio de novidades.
A gente se adaptou ao clima daqui, porque antes de virmos já sabíamos que teria os
períodos certos, onde seis meses eram de chuva e seis meses de seca. Então nós já viemos
sabendo que iríamos encontrar esse sistema de clima e foi mais fácil se adaptar por isso. Só
que na época da seca eu vi que era mesmo difícil porque no primeiro ano, ficaram uns cento e
dez dias sem nada de chuva. Chegaram agosto e setembro e o clima seco era difícil até para
respirar e dava doenças respiratórias por causa da baixa umidade do ar, então para mim o
período de seca foi mais difícil.
Na época da chuva eu gostava mais porque começavam a brotar as árvores, as plantas,
dava um entusiasmo na gente porque a chuva trazia novas vidas. Para as estradas do interior
acredito que a chuva não trouxe grandes problemas, porque aqui era um projeto do INCRA e
as estradas eram levantadas e cascalhadas. Era uma época que não tinha democracia, mas o
Governo Militar fez um trabalho excelente nas estradas da região, quem conheceu no começo
as estradas dava para andar a noventa, cem por hora porque as estradas eram boas e
continuam boas.
Nós ouvíamos rádio á noite, tinha a Rádio Nacional de Brasília. Lembro que tinha um
programa que passava onde os garimpeiros do Pará, por exemplo, do “Garimpo do Cabeça”,
mandavam recado para os parentes que moravam a maioria no nordeste, eu ouvia bastante a
Nacional de Brasília era mais potente que às outras, o radio funcionava à pilha. Mais tarde,
uns dois ou três anos, a gente teve uma televisão de quatorze polegadas, preto-e-branco que
funcionava a bateria, com placa solar para ter energia.
Para se comunicar com os parentes, como eu tinha falado antes, era usado o telefone,
mas em Lucas era difícil, porque tinha só um telefone público, o usava o pessoal da vila e de
44
todas as fazendas. O dia que era mais rápido para usar este telefone era no mínimo umas duas
horas de espera, mas tinha dias que você tinha que ficar quase o dia inteiro esperando para ter
a vez. Quando saíamos para fora, por exemplo, para Sorriso e Diamantino aí não tinha fila,
mas para ir para Diamantino tinha que viajar duzentos e poucos quilômetros pra ter acesso
mais rápido ao telefone, em Lucas era difícil. Demorava também porque o comércio da vila
que era Lucas utilizava o telefone, como por exemplo, o Banco Bradesco demorava uma, duas
horas no telefone para passar o movimento do banco, eles usavam muito o telefone.
Para adquirir os recursos básicos na época, já existiam algumas coisas, não todas, mas
tinha. Lembro que existiam dois mercados pequenos, o Pato Branco e a Loja Econômica e
oficinas para peças, que era bem fraco a maioria das coisas eram compradas em Sorriso,
depois de uns dois ou três anos começou a ter mais acessórios para vender. Na época existia
ainda o mercado da COBAL, mas poucos anos depois já fechou, porque o mercado da
COBAL era um órgão federal que veio mais para atender as necessidades do pessoal do
assentamento do INCRA. Ele vendia alimentos subsidiados pelo governo, e não havia todos
os itens que existe em um supermercado grande, eram mais os itens básicos de alimentação e
outras coisas.
Quando eu vim, lembro que tinha um pequeno hospital de madeira, de tábua bruta,
acho que sem forro. Para o atendimento existia um médico o Dr. Antônio. Era meio precário o
hospital. Se precisasse de um atendimento maior tinha que ir á Sinop, Sorriso ainda era
pequeno, então ia à Sinop.
Eu lembro que já havia escola em Lucas, mas na época eu ainda era solteiro, não tinha
filhos, então não sei dizer bem como que era, mas lembro que já existia.
No início o nosso trabalho era mais o desmate mesmo. A gente tinha que derrubar o
cerrado, “enlerar”, destocar e preparar a terra para o plantio, gradear, tínhamos que buscar
calcário em Nobres, distribuir na terra, incorporar ele. A parte manual do serviço era juntar as
raízes, amontoar e queimar. No outro ano já plantamos arroz, que deu bonito e colhemos bem,
mesmo sem experiência. Isso nos animou porque deu para pagar as despesas e sobrou um
pouco.
O nosso lazer em alguns fins de semana era ir pescar no Rio Verde, e como eu havia
comentado antes ir jogar bola, eu não jogava tanto, meu irmão gostava mais de jogar. A gente
pertencia à comunidade de União e tinha caminhonete onde levávamos as pessoas e conhecia
as outras comunidades, sempre tinha festa ou torneio, nos domingos a gente ia conhecer
Groslândia, Morocó, São Cristóvão.
45
Nós não tínhamos televisão só o rádio à pilha, então a diversão era conhecer novas
comunidades e os novos imigrantes na época. Havia um entrosamento muito bom entre as
comunidades do interior, era uma ligação muito forte que existia entre as comunidades dos
anos 1985 até 1990, era bem forte. Mas depois os proprietários menores começaram as vender
as áreas e foi fechando as comunidades.
A comunidade de União era bem forte, um ano eu fui o presidente, nós fizemos uma
festa com oitocentos à mil quilos de carne e hoje essa comunidade não existe mais. Os
Gringos também era uma comunidade forte que fechou. Então muitas comunidades fecharam
porque ficaram nas fazendas só os funcionários e a maioria das pessoas vieram morar na
cidade. Penso que foi também porque as pessoas começaram a ter mais televisão com antena
parabólica e acabou aquela novidade de conhecer novos lugares, o pessoal foi se acomodando
e acabou fechando muitas comunidades do interior.
Nos primeiros anos que estive aqui, a vida das pessoas acho que era melhor. As
pessoas eram mais humildes, eram mais prestativas havia mais tempo para conversar, eram
mais humanas. Hoje são bem diferentes, as pessoas são mais preocupadas, se pensa mais no
dinheiro, a vida afetiva era bem melhor havia mais ajuda entre os visinhos. Apesar de que
hoje também se você precisa dos outros, por exemplo, nessas questões ambientais, quando
pega fogo na “resteva” do milho, as pessoas ajudam, mas é obrigado a ajudar, pois se não
depois acaba pegando fogo nas terras deles.
Eu não me arrependo de nada que fiz, faria tudo de novo. Mas com a experiência que
tenho hoje poderia ter sido tudo melhor, com menos sacrifício. Hoje eu agradeço ao Mato
Grosso, se eu tenho algum capital é graças ao Mato Grosso, graças à evolução do progresso
daqui. Não se pode falar mal do Mato Grosso e de Lucas do Rio Verde, porque foi uma terra
abençoada para os imigrantes que vieram do Sul, de São Paulo de Minas. Acho que a maioria
das pessoas se deu bem. Se alguém se deu mal também é preciso reconhecer as dificuldades
da parte agrícola, de preços e safra, de variedades que na época não existia essa tecnologia
que tem hoje. Muitas pessoas tinham alguma coisa, mas hoje não tem nada. Porém penso que
a maioria se deu bem, principalmente nessa região de Lucas, Nova Mutum e Sorriso.
Em outras regiões, mais ao norte como Terra Nova era mais difícil, eu tinha uma
funcionário que me contou que a dificuldade era tremenda, por causa de doenças como
malária, e o que fazia de dinheiro gastavam tudo em médico. Então penso que Lucas do Rio
Verde foi uma região abençoada, não havia doenças como malária, havia sim poucos casos de
leishmaniose, que eram casos isolados, mas era muito difícil ter casos de malária e outras
doenças. Nesses últimos anos é que ocorreram alguns surtos de malária na cidade.
46
Em relação há anos atrás a vida das pessoas está bem melhor porque a cidade tem mais
recursos. Existem várias clínicas, bons médicos, boas escolas particulares, faculdade, como a
Unilassalle que tem um reconhecimento mundial. As escolas estaduais e municipais têm
prédios bonitos, boa estrutura, a educação nelas eu não sei como é, se é tão boa, mas se for
comparar com a educação que havia antes, acredito que está bem melhor.
Acredito que aqui ainda existam problemas, na área de segurança, por exemplo, na
parte ambiental que muita coisa não foi preservada. Mas penso que Lucas hoje é uma cidade
boa de se viver.
Sempre digo que a gente aprende a ser filho quando é pai e a ser pai quando é avô. Eu
penso que faria tudo novamente, só que com a experiência que tenho agora, talvez tivesse me
aventurado menos.
3.1.6 Luzia Martins Moreira
Meu nome é Luzia Marins Moreira eu cheguei aqui no dia 13 de maio de 1985 e tinha
42 anos, eu morava em São Gabriel do Oeste, Mato Grosso do Sul. Vim com minha família,
meu marido e três filhos.
Viemos porque ganhamos terra do INCRA, não as primeiras terras, mas outras, que
uns deputados distribuíram. Eram dez lotes de 200 hectares, eles distribuíram 200 hectares
para cada pessoa que quisesse vir, nós tínhamos oficina em São Gabriel. Meu marido e mais
uma turma de dez, vieram para Lucas. Quando chegaram era preciso entrar na terra, construir
a casa e abrir o mato para poder plantar, não podia deixar sem fazer nada na terra, senão tinha
que passar para outro.
Logo que vim para Lucas morei no mesmo lugar que moro hoje, na Rua Espumoso e
íamos trabalhar para abrir a fazenda, que ficava no Setor 10. Quando eu cheguei a casa não
estava pronta, só tinha a cobertura e em volta as paredes de madeira, mas mesmo inacabada a
gente tinha que vir para não ficar sem ninguém aqui, porque meus meninos estavam
estudando na cidade e na terra também precisávamos começar a trabalhar.
As grandes dificuldades é que nos primeiros anos não tinha água, tivemos que fazer
um poço e não tinha energia, não tinha nada era só poeira. Nas ruas era tudo escuro, a
criançada ia à escola com um farolete, estudavam lá em baixo, perto da igreja matriz onde
tinha a escola Dom Bosco, os meninos estudavam a noite, não tinha 2° ano e professor
durante o dia, e eles precisavam terminar os estudos do ensino médio. A educação havia até o
47
3° ano, se quisesse fazer faculdade, vestibular tinha que ir para Cuiabá, ir para fora porque
aqui não tinha. A escola de alvenaria era bem arrumadinha.
A gente não passava dificuldade porque trabalhávamos, só não tinha conforto de
telefone, luz, água, televisão. Televisão a gente comprou uma televisãozinha preto-e-branco a
bateria, por que a outra sem energia não funcionava, e tinha que carregar a bateria da televisão
toda semana por que não durava a carga, eram umas baterias quase iguais aquelas de carro e
carregava toda a semana, era para os meninos assistir porque eu quase não ficava na cidade.
Geladeira também era a gás, lá na fazenda, e a cada quinze dias ia um botijão.
Eu não estranhei o clima daqui, porque tinha o mesmo clima de lá do Mato Grosso do
Sul, só estranhei que a gente trabalhava mais, porque eram mais difíceis as coisas, mas
tínhamos saúde.
Quando chovia não tinha asfalto, era tudo estrada de terra, as ruas também de terra.
Nas fazendas as estradas de terra e os vizinhos das fazendas se visitavam, o visinho mais perto
dava três quilômetros e ninguém andava a pé, então quando iam se visitar era de carro. Mas
eu gostava daquela época, tinha missa nas casas, tinha visita todo o dia, era divertido.
Quando eu vim morar na cidade eu estranhei tanto morar nessa prisão, os muros da
casa eram altos, depois que foram baixando, e na fazenda com aquela liberdade que eu tinha,
com fartura, tinha de tudo. Quando vim para a cidade não conhecia ninguém, porque eu não
ficava aqui, vinha mesmo era para limpar a casa e voltava pra fazenda.
A gente ouvia as notícias pelo rádio à pilha, a estação de rádio era de Sorriso, de
Diamantino, naquela época não tinha estação aqui em Lucas, eu tenho o rádio até hoje.
A comunicação com os parentes era por telefone no PS, era perto da COBAL, lá em
baixo. Porque o mercado naquela época era da COBAL, um armazém, se você fosse comprar,
por exemplo, um fardo de açúcar você não podia comprar dois, se fosse comprar uma caixa de
óleo era uma só por família por mês, e nós como tínhamos duas casas, comprávamos, uma
para a casa da cidade e, outra para a fazenda. Eles não podiam vender dois porque era ordem
do governo, não se podiam comprar coisas à vontade, era só de fardo para uma casa só, uma
família só.
Vinha tudo pelo governo e era tudo difícil, então eles não podiam vender à vontade e
os outros ficarem sem. O armazém era de madeira tipo um mercadão, vendia por atacado, só
que do governo e ali você comprava as coisas e pagava mais barato. Roubaram duas vezes lá
e o governo fechou o mercado.
Lembro também que tinha dois mercados: a Econômica e o Pato Branco, e
ferramentas, ração, compravam na loja agropecuária. Havia um hospitalzinho pequeno de
48
madeira, perto da COBAL. As pessoas eram examinadas, se ficassem doentes iam para este
hospital, tinha só um médico o Dr. Antônio, uma enfermeira e uma assistente. Só que a gente
nunca precisou, porque olha quantos anos se passaram para depois ser aberto o Hospital
Nossa Senhora Aparecida, quantos anos demorou pra construir. Então quem precisava ia para
Sorriso porque lá tinha o Hospital Nossa Senhora de Fátima, mais tarde que abriu o Regional
em Sorriso.
Meus filhos trabalhavam na cidade, trabalhavam de dia e estudavam à noite. Dois
filhos meus trabalhavam junto, o mais velho era gerente de uma veterinária e o outro era
assistente. E o mais novo trabalhava em uma loja de autopeças ele começou com uns doze ou
treze anos, bem novinho. Foi o primeiro emprego deles. Eles ficavam aqui em casa, na cidade.
Eles cozinhavam, lavavam, passavam faziam tudo.
As roupas de escola eles levavam para eu lavar para ficar mais limpinho, levavam para
a fazenda onde eu ficava. Eu lavava dezesseis, dezessete calças jeans, cada vez que eles iam.
Não tinha luz eu passava as roupas com um ferro elétrico que eu esquentava no fogão à gás.
Mas as pessoas nem ligavam, naquela época ninguém reparava em ninguém não, eram todos
iguais.
Meu marido trabalhava com trator na lavoura, plantou arroz no primeiro ano, por dois
anos plantou arroz depois plantou soja. Dava bem as colheitas, a terra era boa, o problema era
a chuva demais. Nós tivemos que abrir a fazenda, era tudo cerrado, meu marido que fez a casa
da fazenda e a casa de madeira da cidade também foi ele quem fez, foi buscar madeira em
Tapurah.
Eu tinha uma casa bonita lá em São Gabriel, grande, coisa mais linda, tivemos que
vender para vir para cá, quando cheguei aqui a mudança não cabia dentro da casa, metade
ficou para fora. Eu levei um pouco das coisas lá para o sítio, mas acabou tudo.
O lazer era o rio, uma maravilha. Fazíamos churrasco todo o domingo na beira do rio.
Nos sábados meus filhos ajudavam no serviço e no domingo iam para o rio. A gente levava
comida e ficava na beira do Rio Cedro, dava 500 metros da sede da fazenda. Reuníamos-nos
com alguns amigos da cidade, quando eram cinco horas, cinco e meia da tarde, eles voltavam
para a cidade e a gente ficava na fazenda.
Nos finais de semana os meus meninos levavam as roupas pra eu lavar e depois
traziam pão, bolo, ovos, frango para eles comerem na cidade. Se às vezes não dava tempo
para eles virem no domingo, na segunda-feira cedinho meu marido trazia eles e voltava. Eles
chegavam e iam direto para o emprego deles. E eles não reclamavam, tudo era festa, não
tinham aquela ambição. Não tinha drogas, roubos, agora é mais difícil para criar os filhos.
49
Meus meninos vieram adolescentes para Lucas. Um com treze, outro com quatorze e outro
dezoito anos. E eles três ficavam sozinhos em casa.
Eu penso que a vida em Lucas era mais tranqüila, não tinha roubos, acidentes, isso de
não ter tranqüilidade, era boa a vida. Quem esteve aqui naquele tempo falava que a vida era
boa sim. Não tem vida melhor do que você estando tranqüilo. Não faltava nada, a gente tinha
de tudo, não faltava o que comer, só não tinha luxo não tinha o que comprar, dava para
guardar dinheiro. Você não gastava com quase nada, tinha o que comer, que vinha da fazenda,
leite, ovo, carne, tudo vinha de lá. Agora tem que comprar de tudo.
Não me arrependo de nada do que fiz, faria tudo de novo. Não iria mais para frente,
mas se fosse um lugar perto da cidade, não longe, nesses fins de mundo porque hoje está mais
difícil.
A vida aqui em Lucas do Rio Verde hoje é boa, tudo o que você quiser comprar tem
aqui. Tem médico, educação, luz, água, telefone, você não precisa sair para fora da cidade,
nesse ponto melhorou bastante. Violência, drogas isso em todo lugar têm. Eu acho que nós
vivemos em um lugar bom.
3.2 Análise da Vida Cotidiana dos Atores Sociais
Através de uma análise mais profunda desses valiosos depoimentos podemos perceber
importantes características da vida cotidiana em Lucas do Rio Verde no início de sua
colonização.
As entrevistas foram essenciais para podermos compreender elementos que nos
auxiliam no entendimento de como as pessoas viveram seu dia-a-dia nesse novo espaço,
mediante também as dificuldades do local no período, e sua superação.
Esses depoimentos nos serviram, além disso, para traçarmos quais foram os motivos
da vinda desses colonizadores, que em sua maioria buscavam melhores condições de vida
para si e para suas famílias. Todos os entrevistados vieram da região pertencente ao Sul do
Brasil, que a partir da década de 1970 e 1980, passa a produzir um excedente populacional
que ocasiona uma forte imigração dessas pessoas para o Oeste brasileiro, neste caso o Mato
Grosso. As pessoas se deslocam e assim também têm que se submeter a condições de vida
diferentes das que estavam habituados.
Em conversa, por exemplo, com Loreci ela comenta que morava no Rio Grande do Sul
na cidade de Nonoai, e possuía terra nessa mesma localidade. Nesse local foi realizada uma
retomada de terras onde estas se tornaram de propriedade indígena. Dessa forma ela e mais
50
algumas famílias foram deslocadas de suas propriedades. Assim, se origina o acampamento
de Encruzilhada Natalino em Ronda Alta, do qual várias famílias são trazidas à Lucas do Rio
Verde.
Em relação ao seu cotidiano, o novo espaço para o qual estes e demais grupos de
colonizadores se deslocaram era desconhecido, pouco ocupado e carente de recursos, portanto
o local de chegada é uma localidade que ainda não possuía uma infra-estrutura adequada,
como afirma Aldemar “aqui não tinha escola naquela época, os dois primeiros anos que nós
viemos não existia nada, em Lucas não havia nada” e complementa Isidoro dizendo que a
cidade “não era chamada Lucas ainda, porque não tinha nada.”
A infra-estrutura era tão precária que até para se chegar ao local era dificultoso, como
nos afirma Isidoro em seu depoimento ressaltando a situação das estradas. É importante
destacar aqui, a presença de o Governo Militar atuando na implantação das estradas que
visavam dar acesso e viabilizar a ocupação desses espaços. Mesmo assim, com a melhoria em
alguns pontos, de acordo com os depoimentos, ainda era difícil trafegar em vários momentos.
É também freqüentemente levantada a questão da dependência que se tinha para
conseguir os recursos básicos de outras localidades como Diamantino, Sinop, e um pouco
mais tarde Sorriso. Para se ter uma idéia, as distâncias para se ir de Lucas do Rio Verde á
Sinop são de aproximadamente 160 Km e à Diamantino de aproximadamente 220 Km . Então
podemos imaginar, de acordo com os relatos das condições das estradas, que essas viagens
poderiam levar dias como afirma Mário: “para ir de carro era muito ruim, se levava em
algumas vezes meio dia para sair daqui de Lucas à Sorriso, havia atoleiro, desvio, tinha de
tudo, algumas pontes também não eram seguras porque eram de madeira, as estradas ruins
demais e os caminhões não podiam andar.”
Os recursos eram bem escassos no início da colonização, não havia mesmo onde
comprá-los. Aldemar comenta “o problema é que a gente tinha dinheiro, só não tinha o que
comprar, não havia armazém, não havia nada. Para comprar coisas a gente tinha que ir para
Diamantino e quando dava tempo. Para ir a Sorriso às vezes levava três dias. Para ir para
Diamantino levava um dia, um dia e meio, e tinha que arrumar carona, se não ficavam dois
dias lá.”
O relato de Aldemar data do início da década de 1980, mas podemos perecer que esse
quadro não se alterou significativamente pelo menos até meados dessa década como
percebemos no depoimento de Luzia que chega a Lucas do Rio Verde já em 1985 “não faltava
nada, a gente tinha de tudo, não faltava o que comer, só não tinha luxo não tinha o que
51
comprar, dava para guardar dinheiro. Você não gastava com quase nada, tinha o que comer,
que vinha da fazenda, leite, ovo, carne, tudo vinha de lá.”
Os depoimentos afirmam que existiram de fato muitas dificuldades nos primeiros anos
de ocupação desse espaço, no que diz respeito às distâncias, à falta de recursos, à falta de
infra-estrutura básica, à dificuldade de comunicação com os parentes, que inicialmente se
dava por cartas e um pouco mais tarde ocorreu o acesso à um sistema único de telefonia.
Dessa forma, no início o que existiu foi um conseqüente isolamento como afirma Mário “as
dificuldades eram as distâncias das coisas, a falta de pessoas, de convivência, nós éramos
acostumados no meio de tanta gente. Os recursos para chegar, desde a alimentação, o acesso a
tudo, era muito difícil.”
Apesar dessas dificuldades os entrevistados não apontaram somente momentos
dificultosos. Uma forma de expressão dessa afirmação se encontra presente no relato de Pedro
“no início, logo que cheguei, eu sentia falta de telefone, energia elétrica, tudo era difícil,
desde a comida, tudo era diferente, era novidade. Mas a gente tinha o sonho de ter fazenda, se
tornar fazendeiro, tinha a força de vontade de estar ali, não estávamos contra nossa vontade,
tínhamos um objetivo então não existia sofrimento.”
Nos depoimentos podemos perceber que mesmo sendo relatadas as dificuldades as
pessoas aparentam certa nostalgia ao lembrar-se dos momentos que viveram. Para elas
“naquela época” apesar de difícil era mais tranqüilo afirma Loreci “apesar de sempre
ouvirmos queixas, um reclama de uma coisa, outro de outra coisa, a vida do ser humano é
sempre assim reclamando e nunca está contente com nada. Mas às vezes eu sento e converso
com a minha ex-cunhada e nós conversamos com alguma conhecida da época, falamos assim
‘meu Deus nós fazíamos isso e aquilo, fazia aquele outro e era tão bom, as crianças
brincando... Nossa a gente era feliz e não sabia!’. Então era uma vida boa, tranqüila, bem
tranqüila mesmo.”
Em relação à adaptação há um novo meio, os entrevistados também não demonstraram
ter dificuldades, segundo eles foi difícil, no começo estar em um local diferente, porém, eles
afirmam ter se adaptado às novas condições de vida. Como descreve Aldemar “Eu acho muito
bom morar aqui, porque sempre gostei do clima, desde quando eu cheguei não estranhei,
sempre gostei. Minha esposa ficou uns dois anos pensando, dizia que queria voltar, mas
depois acostumou e não quis mais ir embora. Nós tínhamos amizades com umas famílias, eu
achava melhor do que hoje.”
Fala ainda Mário “no começo era difícil o calor que era bastante, mas para a adaptação
não foi muito difícil, porque nós já éramos acostumados a trabalhar. O que mais nós sofremos
52
foi em relação ao acesso ás coisas, aos recursos que era muito complicado, mas nós também
nos divertimos bastante, porque íamos visitar o pessoal, compartilhávamos muita coisa, era
bom de se visitar naquela época.”. E afirma Loreci “Nós tínhamos bastante vizinhos também,
a convivência era normal, quase igual como se fosse lá no Sul, nós tínhamos a comunidade
para ir no domingo rezar um terço, nos reuníamos pra rezar o terço e assim foi iniciando.”
Podemos perceber a importância da convivência entre as pessoas, essa convivência de
acordo com os depoimentos ajudou muito na adaptação. Como foi mencionado, as pessoas
vieram em sua maioria do Sul do país, isso fez com que houvesse uma facilidade maior de se
relacionar visto que possuíam características em comum, por virem de uma mesma região.
É importante, portanto o papel dos vizinhos e também das comunidades do interior
para que as pessoas tivessem um local para se relacionar afirma Pedro “na nossa vida
cotidiana durante a semana nós trabalhávamos, no começo era o desmate para derrubar o
cerrado, amontoar as madeiras. E nos fins de semana íamos pescar, na maioria das vezes tinha
jogo de futebol, a gente ia à comunidade que pertencíamos, a União, saíamos todo o domingo
para conhecer os lugares, tudo era novidade. Íamos para a comunidade de Groslândia, outro
domingo para Eldorado, às vezes dali um mês ou dois tinha festa em outra comunidade como
em Morocó que pertencia ao município de Sorriso. E a gente tinha entusiasmo porque
estávamos sempre conhecendo pessoas novas, era muito bom, querer conhecer os outros e os
lugares novos era cheio de novidades.”
É importante também o papel da Igreja Católica nesse processo de socialização. As
missas eram realizadas no início por padres que faziam um trabalho itinerante como afirma
Dilla “nós morávamos na fazenda, logo onde termina a cidade, na Fazenda Palmeira é bem
pertinho. O padre vinha rezar a missa uma vez por mês nas fazendas, uma vez era no
Valdemar [Aldemar], outra vez no Gemelli, nos outros, cada vez era em uma fazenda. Depois
começou aqui em baixo na cidade, quando veio o Padre Lauro. Algumas pessoas gostavam
jogar baralho para passar o tempo, os vizinhos se visitavam no domingo...”
O lazer dos entrevistados nesse período era justamente o encontro com os outros, para
eles o que seria uma forma de compartilhar suas experiências. Luzia descreve um pouco como
era o lazer de sua família “o lazer era o rio, uma maravilha. Fazíamos churrasco todo o
domingo na beira do rio. Nos sábados meus filhos ajudavam no serviço e no domingo iam
para o rio. A gente levava comida e ficava na beira do Rio Cedro, dava 500 metros da sede da
fazenda. Reuníamo-nos com alguns amigos da cidade, quando eram cinco horas, cinco e meia
da tarde, eles voltavam para a cidade e a gente ficava na fazenda.” Afirma ainda Mário “o
nosso lazer era jogar baralho, sair visitar uma família, ou era caçar e pescar era basicamente
53
isso, ou uma família que vinha visitar a gente também..” Podemos perceber também que o
lazer estava ligado ao meio ambiente, à mata, aos rios.
Em relação ao trabalho nos depoimentos podemos perceber que era essencialmente
agrícola no período, até mesmo o trabalho das mulheres girava em torno do trabalho rural.
Bem no início da colonização, esse trabalho agrícola também estava ligado ao meio ambiente,
ou ao que seria, a transformação do meio ambiente, através da derrubada das matas, que neste
período era entendida e incentivada pelo Governo Federal como necessária para se chegar ao
progresso da região.
A ocupação nesse período tinha esse propósito de transformar o meio natural para
implantar a agricultura como afirma Pedro “Tivemos que abrir o mato, o cerrado, e naquela
época já existia a preocupação ambiental, tinha que fazer o projeto ambiental das terras. Só
que época para tirar uma licença de desmate era muito mais fácil que hoje. Na época em 1985,
no lugar do IBAMA havia o IBDF [Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal].”
E continua ele “hoje em dia que existem mais tecnologias para medir as áreas e
demora mais que naquela época. Talvez fosse errado na época, porque você ia lá, mesmo sem
a vistoria de um engenheiro responsável, também não seria certo, mas era mais ágil, o próprio
produtor era o responsável, sabia o que derrubar.” Podemos perceber que não havia um
controle rigoroso de desmate, pois de certa forma ele era incentivado nesse período. Assim a
grande maioria da paisagem natural não foi preservada.
O trabalho, no começo, era o de preparar a terra para o plantio, depois era realizada a
planta que no início era arroz e posteriormente soja e milho. Luzia comenta como era o
trabalho de seu marido: “meu marido trabalhava com trator na lavoura, plantou arroz no
primeiro ano, por dois anos plantou arroz depois plantou soja. Dava bem as colheitas, a terra
era boa, o problema era a chuva demais. Nós tivemos que abrir a fazenda, era tudo cerrado,
meu marido que fez a casa da fazenda e a casa de madeira da cidade também foi ele quem fez,
foi buscar madeira em Tapurah.”
Algumas pessoas trabalhavam no ainda pequeno núcleo urbano. De início eram
principalmente pessoas ligadas aos órgãos federais, com o tempo, e a eventual abertura de
algum comércio, vão surgindo trabalhadores que exerciam funções na chamada vila de Lucas
do Rio Verde.
A educação para as crianças como afirmou Aldemar não existia no início, foi depois
da chegada dos parceleiros que as crianças começaram a freqüentar a escola descreve Loreci
“no começo as crianças não tiveram aula. Em 1983, final de 1982, mês de agosto de 1982 em
diante, já começaram a se movimentar para que em 1983 iniciasse o ano com aula e foi o que
54
aconteceu. O Klaus Huber foi o nosso diretor e a Beth, acho que a secretária na época, eles
eram tipo uma extensão de Diamantino, que nos atendiam aqui, eles começaram a organizar a
educação das escolas. Porque na verdade quando nós chegamos aqui as escolas já estavam
começadas, a construção delas. Cada setor tinha sua escola, só que não estavam acabadas, aí
eles acabaram naquele ano e no ano seguinte que iniciou as aulas mesmo.”
Podemos perceber que a questão da educação era bem precária deixando até mesmo de
existir nos primeiros anos. A maioria dos entrevistados tinha filhos em idade escolar, e alguns
até perderam anos de estudo pela falta de escola.
Afirma ainda Mário “quando eu cheguei não tinha escola. Eu fui estudar em Sorriso,
meu pai montou um comércio lá e eu fui estudar em Sorriso. Fui só eu, meus irmãos não
foram. Depois, acho que mais uns três anos é que veio a escola, foi criada a Escola Dom
Bosco lá em baixo, e eu estudei lá, fiz a 8ª série na Escola Dom Bosco, mas era bem
complicado também nessa escola porque era a luz à motor e quando faltava luz tinha que usar
o lampião, eu estudava à noite. E também por causa das chuvas, não era fácil de chegar na
escola, o acesso era complicado, faltava em alguns momentos profissionais para dar aula,
então no começo foi bem difícil.”
Foi perguntado também aos entrevistados como se dava o acesso à informação, às
notícias, eles comentam que ouviam rádio “nós ouvíamos rádio á noite, tinha a Rádio
Nacional de Brasília. Lembro que tinha um programa que passava onde os garimpeiros do
Pará, por exemplo, do ‘Garimpo do Cabeça’, mandavam recado para os parentes que
moravam a maioria no nordeste, eu ouvia bastante a Nacional de Brasília era mais potente que
às outras, o radio funcionava à pilha. Mais tarde, uns dois ou três anos, a gente teve uma
televisão de quatorze polegadas, preto-e-branco que funcionava a bateria, com placa solar
para ter energia” comenta Pedro.
Os entrevistados afirmam que a questão da saúde era complicada, bem no início não
havia nem um tipo de atendimento, mais tarde com a chegada dos parceleiros houve um
atendimento de saúde que contava com um médico, porém para casos de maiores
necessidades era preciso se deslocar para outras localidades. Relata Mário “o atendimento de
saúde era muito complicado, com o tempo se instalou um médio dos órgãos federais, nós
éramos atendidos ali mais tarde, e depois também tinha a farmácia do Tião, que era uma
pessoa experiente. Se não, teria que ir para fora para ser atendido, era difícil.”
Os entrevistados foram questionados de como eles pensam que está a situação de vida
hoje em Lucas do Rio Verde. Segundo eles anteriormente a vida era mais difícil, porém bem
mais tranqüila, nos dias de hoje eles descrevem como: “a vida aqui em Lucas do Rio Verde
55
hoje é boa, tudo o que você quiser comprar tem aqui. Tem médico, educação, luz, água,
telefone, você não precisa sair para fora da cidade, nesse ponto melhorou bastante. Violência,
drogas isso em todo lugar têm. Eu acho que nós vivemos em um lugar bom” afirma Luzia.
Comenta Pedro “em relação há anos atrás a vida das pessoas está bem melhor porque a
cidade tem mais recursos. Existem várias clínicas, bons médicos, boas escolas particulares,
faculdade, como a Unilassalle que tem um reconhecimento mundial. As escolas estaduais e
municipais têm prédios bonitos, boa estrutura, a educação nelas eu não sei como é, se é tão
boa, mas se for comparar com a educação que havia antes, acredito que está bem melhor.
Acredito que aqui ainda existam problemas, na área de segurança, por exemplo, na parte
ambiental que muita coisa não foi preservada. Mas penso que Lucas hoje é uma cidade boa de
se viver.”
Loreci descreve sobre como ela percebe a situação de vida hoje: “no geral a situação
de vida das pessoas hoje deve ser boa, em relação àquela época, a diferença que tem é que,
hoje as coisas são muito caras. Acho que tem gente que passa bastante necessidade. Lucas é
uma cidade que está progredindo, uma cidade boa de morar, de continuar morando, eu nem
penso em sair daqui. Só que é uma cidade bem cara mesmo para se viver, um custo de vida
muito alto. Nós ouvimos falar que nos municípios vizinhos as coisas são bem mais baratas,
mais em conta do que aqui, não sei por que aqui são tão caro as coisas, a maior dificuldade
que eu acho de Lucas é isso. Para uma pessoa que ganha pouco salário e paga aluguel é bem
difícil.”
Mário também descreve sua visão da situação da cidade hoje: “Lucas hoje nem se
compara com antigamente está bem melhor, até porque a estabilidade do país ajudou que isso
acontecesse. Eu vejo que Lucas é uma boa cidade, sempre gostei, até porque a gente sempre
morou, praticamente fundamos a cidade digamos assim, mas eu percebo que há uma violência
na cidade que foi de alguma forma criada, não digo que intencionalmente, mas pelas
propostas econômicas que se viabilizaram através dos políticos, que eu penso que poderia ser
diferente. Acho que se visou muito a questão econômica e não se deu prioridade à questão
humana e social, isso fez com que a cidade ganhasse áreas de violência desnecessárias.”
Com o que foi relatado no decorrer das entrevistas, de como as pessoas levavam sua
vida cotidiana, podemos perceber por quais dificuldades que elas passaram em seu dia-a-dia
principalmente relacionado à carência de acesso a uma boa infra-estrutura, como boas
estradas, saneamento, escolas, hospitais, locais para recursos, meios de comunicação, dentre
outras. Podemos perceber também o que elas pensam da situação de vida hoje em Lucas do
56
Rio Verde que, em comparação à época estudada possui muito mais recursos que
anteriormente.
O cotidiano das pessoas na cidade de Lucas atualmente se difere bastante de acordo
com as classes sociais existentes. O acesso a certos tipos de recursos, por exemplo, são
desfrutados de forma diferente de acordo com essas classes, onde alguns grupos têm acesso a
uma qualidade de vida melhor, outros grupos a uma qualidade de vida menor.
O que podemos perceber com as entrevistas é que no período descrito por elas o
acesso aos recursos era escasso independentemente, ou seja, pode-se dizer que quase toda a
população sentia a carência dos recursos, devido habitarem uma localidade que não os
possuía.
A história do cotidiano de Lucas do Rio Verde, do início de sua colonização que se dá
a partir da década de 1970 à sua emancipação em 1988, nos auxilia, portanto também, para
que possamos comparar e analisar a situação de vida atual, o dia-a-dia, o cotidiano das
pessoas hoje nesse município.
57
CONCLUSÃO
Com a realização dessa pesquisa monográfica foi possível perceber aspectos
importantes no estudo do processo de colonização do Oeste brasileiro, especialmente do
estado do Mato Grosso e como esse processo, mais especificamente nas décadas de 1970 e
1980, afetou a vida cotidiana das pessoas.
Com a pesquisa notou-se que a ocupação do Oeste brasileiro e do estado do Mato
Grosso se deu inicialmente pela descoberta de riquezas naturais, mas que o número de
habitantes sempre foi reduzido. Em razão de que a ocupação do Brasil pelos portugueses
ocorreu no começo, pelas áreas mais próximas ao litoral, e a maior parte dos recursos se
restringia a essas áreas. Dessa forma também a população se concentrou mais próxima ao
litoral, e em regiões onde as atividades econômicas eram mais intensas na época.
A colonização do estado do Mato Grosso no decorrer de todo o processo, teve que ser
estimulada por órgãos federais, que viam a região como potencial econômico por possuir
riquezas naturais e, estratégico por se tratar de área de fronteira com outras nações. Dessa
forma era visto como necessária a integração desse território ao restante do país
A partir da década de 1970, que o foco dessa pesquisa se aprofunda, novamente o
Mato Grosso é visado como potencial para receber o excedente populacional principalmente
proveniente da região Sul do país. É da região Sul, que se originam as principais frentes de
colonização para o município de Lucas do Rio Verde. Esse município também participou do
processo de ocupação, que foi incentivado pelo Governo Federal. É nesse espaço e nesse
contexto que foi aprofundado o estudo da vida cotidiana dos sujeitos que participaram desse
processo.
O estudo da História do Cotidiano de Lucas do Rio Verde até sua emancipação
política em 1988 nos trouxe uma compreensão maior de como era a vida das pessoas no local
nesse período. Observou-se que, apesar do estímulo que oferecia o Governo Federal para que
58
o local fosse colonizado e integrado ao restante da economia do país, as pessoas que se
deslocaram para esse espaço, passaram por imensas dificuldades em sua vida cotidiana.
O acesso aos recursos foi muito limitado, como pudemos perceber nos depoimentos
dos colaboradores. Os entrevistados de certa forma lembram-se do período com certa
nostalgia, mas mesmo assim apontam as dificuldades da sua vida cotidiana naquele período.
Nesse sentido, foi possível perceber que, o Governo Federal incentivou a ocupação do espaço,
porém não ofereceu infra-estrutura adequada, para que as pessoas pudessem ter uma maior
qualidade de vida.
Podemos notar que o cotidiano se alterou bastante com o passar do tempo, pois as
pessoas entrevistadas lembram que a vida no período estudado era diferente, que faltavam
muitas coisas para suprir todas suas necessidades, porém segundo eles a vida era mais
tranquila.
Fazendo um comparativo, foi possível perceber que as condições de vida
anteriormente se diferem bastante da vida cotidiana atual no município, onde hoje as pessoas
têm acesso aos recursos que antes não existiam na região.
Portanto, esse estudo foi relevante para que fosse possível compreender de forma mais
ampla, através do cotidiano no início da colonização, a situação atual de vida em Lucas do
Rio Verde. Essa pesquisa pode servir como um auxílio, para se analisar e comparar como as
pessoas vivem hoje sua vida cotidiana no local.
O estudo do cotidiano do início da colonização de Lucas do Rio Verde é importante e
pode colaborar para o desenvolvimento de mais pesquisas nessa área, mais estudos poderão
ser realizados a fim de contribuir e dar ainda mais profundidade à compreensão da História do
Cotidiano desse município.
Por fim, pode-se afirmar que essa pesquisa é de grande importância para essa
comunidade, pois auxilia no conhecimento histórico da mesma. Diante disso, essa pesquisa
também tem a intenção de contribuir para o desenvolvimento da historiografia local.
59
REFERÊNCIAS
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: Lembrança de Velhos. 7ª Edição. São Paulo: Companhia
das Letras, 1999.
CANABARRO, Ivo. SCHNEIDER, Daniel. Imagens do Mundo do trabalho. Revista
MOUSEIDON. v. 1, p. 42-52, jul., 2007.
CARVALHO, Carlos Gomes. Mato Grosso terra e povo: um estudo de Geo-História.
Cuiabá: Edições Verde Pantanal, 2001.
CASTRO, Sueli Pereira; BARROSO, João Carlos; COVEZZI; Marionete; PRETI, Oreste. A
colonização oficial em Mato Grosso: “a nata e a borra da sociedade”. Cuiabá: EDUFMT,
1994.
Entrevista. Aldemar Antonio Cosma. Lucas do Rio Verde, 14/10/2010.
Entrevista. Isidoro Vivaldino Pivetta e Dilla Pivetta. Lucas do Rio Verde, 09/11/2010.
Entrevista. Loreci de Fátima de Oliveira. Lucas do Rio Verde, 29/10/2010.
Entrevista. Luzia Martins Moreira. Lucas do Rio Verde, 07/10/2010.
Entrevista. Mario Agostinho Dall’Alba. Lucas do Rio Verde, 02/12/2010.
Entrevista. Pedro Dalastra. Lucas do Rio Verde, 13/10/2010.
FERREIRA, João Carlos Vicente Ferreira. Mato Grosso política contemporânea. Cuiabá:
Editora Memória Brasileira, 1995.
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 7ª Edição. São Paulo: Editora Paz e Terra, 2004.
MEIHY. José Carlos Sabe Bom. Manual de história Oral. 4ª Edição. São Paulo: Edições
Loyola, 2002.
PLANO DIRETOR DO MUNICÍPIO DE LUCAS DO RIO VERDE. Aspectos Históricos.
Lucas do Rio Verde: Publicação da Prefeitura Municipal de Lucas do Rio Verde, dez., 2007.
60
REVISTA COMEMORATIVA DOS 19 ANOS DE LUCAS DO RIO VERDE. Lucas do Rio
Verde: Luka comunicação e marketing, 2007.
SILVA, Reinaldo Rodrigues da. Atlas histórico da formação do estado do Mato Groso: 1ª
edição comemorativa dos 30 anos do 9º BEC no Mato Grosso. Cuiabá: Gráfica Laser, 2002.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira. História de Mato Grosso: da ancestralidade aos dias
atuais. Cuiabá: Entrelinhas, 2002.
SIQUEIRA, Elizabeth Madureira; COSTA, Lourença Alves; CARVALHO, Cathia Maria
Coelho. O processo histórico de Mato Grosso. 2ª Edição. Cuiabá: Gráfica UFMT, 1990.
Download

A HISTÓRIA DO COTIDIANO DE LUCAS DO RIO VERDE DO INÍCIO