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MÉTODO INTUITIVO E LIÇÕES DE COISAS: UMA IDÉIA EM CIRCULAÇÃO NO
JORNAL “A PROVINCIA DE SÃO PAULO”
Analete Regina Schelbauer
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO
A análise do discurso educacional sobre o método intuitivo e as lições de coisas na imprensa periódica
paulista é o fio condutor da comunicação que objetiva investigar a circulação do método para além do
espaço escolar e refletir sobre a imprensa periódica como fonte para o estudo da história da educação
brasileira. Tendo em vista esse duplo objetivo, delimitou-se enquanto recorte temporal as últimas
décadas do Império, a fim de caracterizar o movimento de “ilustração” que se instaura na província de
São Paulo, tornando-a um terreno fértil a corrente das novas idéias educacionais provenientes dos
países europeus e dos Estados Unidos. Essa caracterização teve como finalidade identificar as
apropriações feitas pelos agentes educacionais responsáveis por colocar em circulação a idéia do
ensino intuitivo para além dos muros da escola. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, amparada
numa perspectiva metodológica que considera tanto o contexto histórico, quanto os sujeitos que
participam de sua construção, atentando para as peculiaridades do pedagógico sem desconsiderar as
múltiplas dimensões em que ele se insere. A pesquisa de caráter histórico e documental baseia-se em
fontes primárias decorrentes de editoriais, artigos, traduções, noticiários e anúncios publicados no
jornal “A Província de São Paulo”, entre os anos de 1875 e 1890. O jornal, criado em meados da
década de 1870, por um grupo de republicanos paulistas e sob a direção de Rangel Pestana e Américo
de Campos, participou ativamente dos debates que agitaram a sociedade brasileira no processo de
transição do trabalho escravo para o trabalho livre e da monarquia para a república. O periódico foi
reconhecido como o baluarte e a principal força política do partido republicano paulista. Ao
acompanhar os 15 anos do jornal, ficaram evidenciadas as resistências à monarquia constituída e ao
ensino público por ela ofertado, por meio das discussões sobre a precariedade das cadeiras públicas de
primeiras letras, a ineficiência da formação de professores e a defasagem dos programas e métodos de
ensino em relação às inovações educacionais em curso e ao ideal republicano de oferecer instrução e
educação às classes populares, de acordo com os preceitos das ciências positivas. Como resultados,
indica-se a relevância que o método de ensino intuitivo alcançou entre essa “geração ilustrada” que
exerceu liderança nas associações literárias e científicas, proferindo conferências, palestras e cursos
noturnos de primeiras letras; fundando escolas particulares de caráter inovador; atuando no ensino
público, como professores, diretores de escolas; atuando na Assembléia Legislativa e no Conselho
Superior de Instrução Pública na proposição de projetos de reformas. Para esses agentes educacionais,
a educação escolar tinha um papel preponderante na efetivação das reformas econômicas e políticas
que a sociedade estava vivenciando. O estudo evidenciou, também, sinais singulares da prática do
ensino intuitivo e das lições de coisas nas escolas públicas e particulares. O trabalho com a imprensa
periódica permitiu identificar o retrato da vida cotidiana na capital paulista: os diferentes sujeitos, as
discussões relevantes, os temas educacionais e os agentes desses discursos. A pesquisa possibilitou
acompanhar a circulação e as apropriações que o ensino intuitivo recebeu, antes mesmo que seu uso e
prescrição se tornassem consensuais com a implantação das reformas republicanas do ensino público
paulista.
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TRABALHO COMPLETO
A análise do discurso educacional sobre o método intuitivo e as lições de coisas na imprensa
periódica paulista é o fio condutor da comunicação que objetiva investigar a circulação do método
para além do espaço escolar e refletir sobre a imprensa periódica como fonte para o estudo da história
da educação brasileira. Tendo em vista esse duplo objetivo, delimitou-se enquanto recorte temporal as
últimas décadas do Império, a fim de caracterizar o movimento de “ilustração” que se instaura na
província de São Paulo, tornando-a um terreno fértil a corrente das novas idéias educacionais
provenientes dos países europeus e dos Estados Unidos. Essa caracterização teve como finalidade
identificar as apropriações feitas pelos agentes educacionais responsáveis por colocar em circulação a
idéia do ensino intuitivo para além dos muros da escola.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, amparada numa perspectiva metodológica que
considera tanto o contexto histórico, quanto os sujeitos que participam de sua construção, atentando
para as peculiaridades do pedagógico sem desconsiderar as múltiplas dimensões em que ele se insere.
A pesquisa de caráter histórico e documental baseia-se em fontes primárias decorrentes de editoriais,
artigos, traduções, noticiários e anúncios publicados no jornal “A Província de São Paulo”, entre os
anos de 1875 e 1890.
O jornal, criado em meados da década de 1870, por um grupo de republicanos paulistas e sob
a direção de Rangel Pestana e Américo de Campos, participou ativamente dos debates que agitaram a
sociedade brasileira no processo de transição do trabalho escravo para o trabalho livre e da monarquia
para a república. O periódico foi reconhecido como o baluarte e a principal força política do partido
republicano paulista. Ao acompanhar os 15 anos do jornal, ficaram evidenciadas as resistências à
monarquia constituída e ao ensino público por ela ofertado, por meio das discussões sobre a
precariedade das cadeiras públicas de primeiras letras, a ineficiência da formação de professores e a
defasagem dos programas e métodos de ensino em relação às inovações educacionais em curso e ao
ideal republicano de oferecer instrução e educação às classes populares, de acordo com os preceitos
das ciências positivas.
A imprensa tem se configurado enquanto uma fonte de pesquisa que possibilita a constituição
do retrato de um tempo histórico. Como observou Nóvoa (1997, p.30-31) “na verdade é difícil
encontrar um outro corpus documental que traduza com tanta riqueza os debates, os anseios, as
desilusões e as utopias que têm marcado o projeto educativo nos últimos dois séculos”. Concordamos
com o autor ao ressaltar que a imprensa traz a público os atores do processo educativo: alunos,
professores, pais, políticos, comunidade. Enfim, suas páginas evidenciam “[...] as questões essenciais
que atravessaram o campo educativo numa determinada época”.
A importância da imprensa para compreensão do campo educativo é ressaltada no presente
estudo que tem por finalidade trazer ao leitor uma das questões essenciais que atravessaram os
discursos educacionais nas últimas décadas do império no Brasil, sobretudo, em São Paulo: o método
de ensino intuitivo.
A capital paulista foi reconhecida por viajantes, intelectuais, políticos e educadores como a
capital espiritual do Brasil. A educadora alemã Ina Von Binzer (1994, p.95) afirmou em suas cartas
que São Paulo era o melhor lugar para educadoras, pelo fato de que tanto na capital, quanto no interior
da província, os moços das novas gerações namoravam as ciências.
A observação da educadora alemã revela indícios do movimento de ilustração que marcou a
capital paulista em fins do século XIX. A crença na instrução e na educação com a finalidade de
colocar o país ao “nível do século” é a marca peculiar da ilustração brasileira, de acordo com Barros
(1959). Esse ideal “ilustrado” foi o responsável por motivar nossos intelectuais a começarem a
interferir maciçamente nos assuntos educacionais, elegendo a escolarização elementar como uma de
suas principais bandeiras de luta. Na concepção do autor, essa geração “ilustrada”, em vez de procurar
explicar o atraso do ensino como reflexo da situação do país, procurava antes vê-la como sua
conseqüência “[...] são as idéias, acredita-se, que movem o mundo e a escola e, por excelência, a
instituição que as organiza e desenvolve” (BARROS, 1959, p. 24).
Exercendo liderança nas associações literárias e científicas; proferindo conferências, palestras,
cursos noturnos de primeiras letras; fundando e apoiando a criação de escolas de caráter inovador no
ensino privado, de origem leiga ou protestante; propondo projetos de reformas ora na Assembléia
Legislativa, ora no Conselho Superior de Instrução Pública; atuando como professores ou
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colaboradores na Escola Normal e nos concursos públicos para as cadeiras de primeiras letras, essa
elite “ilustrada” configurou a capital paulista como a “capital espiritual do Brasil”, tornando-a um
terreno fértil a corrente das novas idéias educacionais.
A difusão dessas novas idéias contou com o crescimento e a circulação dos materiais
impressos, como ressaltou Cruz (1997), sobretudo da imprensa periódica que acompanhava o ritmo de
crescimento da cidade a partir de meados do século XIX.
Em Imagens do Brasil o viajante alemão Carl Von Kozeritz (1980, p. 258-59), em seu olhar
sobre a vida cotidiana da capital, destaca A Província de São Paulo como o maior jornal paulista,
situado no ponto de encontro de estudantes e personalidades da época.
O jornal tornou-se não só o ponto de encontro das intelectuais da época, como também, o
veículo de difusão do discurso educacional empreendido por seus editores, redatores, colaboradores e
tradutores. Agentes que, de uma forma ou de outra, estavam envolvidos com as questões pertinentes a
difusão da educação e das inovações educacionais. Essas, em geral, eram apresentadas em meio ao
quadro de riqueza material da província e de situação precária da instrução pública oferecida pela
monarquia.
Foi nesse quadro que o método de ensino intuitivo circulou como um novo saber pedagógico
que estava em foco nos Estados Unidos e em vários países do continente europeu. O ensino intuitivo
desembarcou na sociedade brasileira na bagagem de nossos intelectuais provenientes de viagens de
estudos e dos materiais impressos que aqui chegavam. A imprensa periódica foi, sem dúvida, um
importante veículo de divulgação das inovações pedagógicas em curso no final do XIX.
Em editorial publicado no início de 1876, o Relatório sobre a Instrução Pública nos Estados
Unidos1, elaborado por Celestin Hippeau (1871), é apresentado aos leitores como um “evangelho”
para os estudiosos dos assuntos educacionais, pois trazia o mapa da organização do ensino na nação
norte-americana, com suas principais inovações educacionais.
A abrangência dessa forma de impresso superou as finalidades e expectativas de sua produção.
Os relatórios se constituíram em importantes veículos de apropriação e circulação dos modelos
pedagógicos no final do século XIX. Um exemplo disso foi à tradução dos relatórios sobre a instrução
pública nos Estados Unidos e na Inglaterra a pedido do Governo Imperial e sua publicação no Diário
oficial nos anos de 1871 e 1874, respectivamente.
As Exposições Internacionais, onde aconteciam os congressos e exposições pedagógicas,
também tiveram um papel relevante na circulação das idéias educacionais e dos saberes pedagógicos,
como retrata o artigo transcrito da Aurora Brasileira, sobre a Exposição Internacional da Filadélfia,
realizada, em 1876. Nele o articulista relaciona o desenvolvimento material alcançado pelos Estados
Unidos com o cuidado que os americanos dedicam à educação do povo:
Seria possível aos Estados Unidos apresentar a Exposição da Filadélfia, rica
em produtos americanos de toda a sorte, se durante seu primeiro século de
existência livre tivessem número de escolas de ensino primário igualmente
proporcional às que tem o Brasil em relação a sua população? Não cremos
que povo algum pudesse conseguir tanto gênio inventivo e aperfeiçoar sem
ter adotado o sistema de escolas por toda a parte, para todas as classes de
uma sociedade mista em nacionalidades e credos (QUESTÕES SOCIAIS,
1876, p. 2).
O teor dessa matéria e de tantas outras publicadas n’A Província fazem parte das estratégias de
difusão das idéias políticas e educacionais defendidas pelos editores, autores e articulistas do jornal.
Dentre essas idéias, a defesa pelo fim da escravidão, pela implantação da república e pela instrução do
1
O Relatório de Hippeau sobre a educação pública na nação norte-americana foi o primeiro de uma série de
sete relatórios publicados durante a década de 1870. Elaborados por solicitação do governo francês, tinham
como objetivo acompanhar o estado de desenvolvimento da instrução pública pelo mundo tendo em vista as
reformas que estavam sendo feitas no sistema de ensino na França. Os demais relatórios foram: L’instrution
publique em Angleterre (1872); L’instrution publique em Allemagne (1873); L’instrution publique em Italie
(1875); L’instrution publique dans les Etats du Nord (1876); L’instrution publique em Russie (1878),
L’instrution publique em Amerique du Sud, Republique Argentine (1879).
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povo enquanto um fator de modernização, chamando a atenção da iniciativa privada para a luta pela
educação popular e sob esse aspecto o povo americano representava o modelo a ser seguido.
Nessa perspectiva A Província publica no ano de 1877, a tradução do artigo de George
Pouchete2 sobre o livro de Charles Robin3 Estudos sobre o Ensino. Uma das questões destacadas por
Pouchete, sobre o livro de Robin, refere-se à influência positiva que o ensino de caráter científico
exerce sobre a vida de um povo:
[...] o espírito religioso tudo subordina a uma perfeição superior; torna o
homem desconfiado de si próprio, obrigando-o a observar-se a cada passo: é
isso uma péssima condição para o progresso social. [...] A indecisão no
poder, na administração, em todos os ramos da atividade pública, eis o
resultado fatal da influência do espírito metafísico e religioso sobre as
escolas de um povo. [...] onde os métodos de ensino se assentem sobre a
observação e sobre os dados da ciência, como nos Estados Unidos, na
Austrália, e mesmo em certos países da Europa, o caráter distintivo dos
povos será a decisão nas coisas públicas e nas relações privadas. Países
assim educados terão grandes resoluções nacionais, a par de grandes
empresas particulares (POUCHETE, 1877, p. 2).
A tradução desse artigo parece adequar-se perfeitamente aos meios de difusão do modelo de
Estado e Educação que eram defendidos pelos republicanos paulistas. Apesar do artigo ter sido escrito
por um francês acerca do livro de outro francês, o modelo em destaque é a nação norte-americana,
ressaltada por diversos autores da época pelo espírito democrático, pela iniciativa de particulares nos
assuntos da instrução popular e pelo caráter científico que imperava em seu sistema de ensino.
Na continuação do artigo Pouchete (1877) expõe a finalidade da educação para Robin, a qual
consiste, ainda no ensino primário, “[...] a paralisação do desenvolvimento das faculdades intelectuais
e morais que se produz em todo indivíduo entregue a si próprio”, assim como desenvolver essas
faculdades no ensino secundário.
Definidos os fins da educação, o articulista traz as palavras de Robin para evidenciar que a
educação deve ser iniciada pelo desenvolvimento dos órgãos da inteligência: “A criança começa por
sentir antes de pensar: será, pois, preciso iniciar-lhe o desenvolvimento pela educação exclusiva dos
sentidos” (ROBIN apud, POUCHETE, 1877, p. 2). E questiona o desenvolvimento desse processo de
ensino em seu próprio país, ressaltando que essa medida é quase que desconhecida na França:
Duvidamos que as livrarias, que têm em Paris o monopólio dos materiais da
escola, vendam um aparelho sequer destinado a esta educação dos sentidos.
É possível que nos enganemos, e bem quiséramos que assim acontecesse. O
certo é, porém, que só excepcionalmente se põe em prática tal educação, em
países como o nosso, onde os métodos de ensino primário continuam a ser
dirigidos pelo espírito metafísico e religioso. Tal não sucede, porém, nos
povos dominados pelos princípios científicos. Custa-nos alguma confusão
citar neste ponto a Alemanha. Muito tem sido estudada a questão da
educação dos sentidos pelos nossos vizinhos; inventaram eles muitos
aparelhos que com certeza veremos na Exposição (PSP, 08/04/1877, p. 2).
O articulista refere-se à Exposição Internacional de Paris, que seria realizada em 1878. É
importante observar que foi durante essa exposição que Buisson proferiu a Conférence sur
l’enseignement intuitif, na qual expôs o histórico e desenvolvimento desse ensino, conceituando
método intuitivo e lições de coisas.
2
Georges Pouchet é citado por Buisson (1912, p. 993) no Nouveau dictionaire de pedagogie et d’Instruction
primaire, no verbete leçon de choses (SCHELBAUER, 2003).
3
De acordo com o artigo, Charles Robin era senador, professor da Escola de Medicina e discípulo de Comte,
tendo publicado em sua Filosofia Positiva uma série de artigos sobre as relações entre educação e
instrução.(PSP, 08/04/1877, p. 2).
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Ainda enfocando a importância da educação dos órgãos dos sentidos e das lições de coisas,
uma das denominações que o ensino intuitivo recebeu, Pouchete (1877, p. 2) escreve:
É verdade que esses aparelhos não são estritamente necessários para dar o
que hoje denomina-se em pedagogia “lições de coisas”, tudo pode servir
para isso. Basta, por exemplo, mostrar às crianças as cores e os matizes,
indicar-lhes a denominação e o modo de descriminá-los ou fazer com que
distingam, com os olhos fechados, os sons de diversos corpos atirados ao
chão. Com o cheiro e o gosto das substâncias, procede-se de modo análogo.
Ainda mais: sem lhes dizer o que é grama nem o que é música, faz-se com
que reconheçam se tal som é mais alto ou mais baixo do que outros, etc.
O autor chama a atenção para o fato de que, apesar desses cuidados com a educação dos
sentidos parecerem supérfluos, aqueles cuja educação mais ou menos se fez sobre essas coisas, ou ao
menos sobre muitas delas, convém não esquecer que nada é mais comum, nas pessoas pouco letradas,
do que confusão devida unicamente a essa falta de instrução primária dos sentidos:
Até mesmo no fastígio das classes sociais, como observa Charles Robin, não
há uma só posição profissional ou administrativa que não exija, em graus
diversos, o uso dos cinco órgãos dos sentidos ou de alguns deles; e é muito
saliente quanto à educação dos sentidos vai descurada ou acanhada nas
escolas que têm por fundamento concepções metafísicas ou religiosas, que
lhes deram o primeiro desenvolvimento. A educação dos sentidos, o cuidado
de fazer a criança dar nome aos objetos exteriores, de ensinar-lhe suas
minudências e de explicá-las, conquanto não possa ser completa, deve ser a
principal senão a única preocupação dos pais ou dos mestres até que chegue
a criança aos 7 anos (POUCHETE, 1877, p. 2).
Seria uma barbaridade, de acordo com Robin, querer que a criança aprendesse a ler antes dos
sete anos; é necessário que ela conheça as coisas e os nomes das coisas antes de estudar os sinais
exclusivamente convencionais que as designam: “[...] Mais vale não ler a descrição do oceano do que
lê-la antes de havê-lo visto. De outro modo seria impedir a criança de pensar por si mesma; é
favorecer nela a tendência, sempre perniciosa, de tomar o sinal pela realidade, as palavras pelas
coisas” (ROBIN apud, POUCHETE, 1877, p. 2).
Pouchete observa ainda que, para Robin, o simples conhecimento das coisas seria por si só
suficiente para eliminar certos antagonismos “[...] que as classes que se dizem diretoras parecem
recear sobre todas as coisas, fazendo, entretanto, justamente o que é necessário para mantê-los na
massa das populações” (ROBIN apud, POUCHETE, 1877, p. 2). Ao apontar a educação dos sentidos
como meio para educar as classes populares, Robin vem antecipar o que Buisson publicará no verbete
Intuition e Méthode Intuitif: que o método intuitivo é propriamente o método do ensino popular4.
Novamente reafirmamos que a tradução foi extremamente profícua para evidenciar as
finalidades educacionais defendidas pelos republicanos e simpatizantes que estavam à frente d’A
Província - a educação popular e os meios para se efetivá-la - o método intuitivo. Isso pode ajudar a
explicar a ênfase que esse método recebe nas experiências educacionais empreendidas no âmbito da
iniciativa particular por esses agentes educacionais na capital e no interior de São Paulo.
O ensino intuitivo aparece novamente nas páginas do jornal inserido nos debates gerados em
torno da divulgação da Cartilha Maternal ou A Arte da Leitura, do poeta português João de Deus, por
Antonio Zeferino Candido. Adotada pelas escolas primárias em Portugal, a cartilha encontra apoio
entre os positivistas e republicanos no Brasil que também se empenham na sua divulgação, como o fez
Silva Jardim na série de conferências que proferiu sobre o tema.
4
Ver BUISSON (1912). Nouveau Dictonaire de Pedagogie et d’Instruction Primaire. Verbete: Intuition e
Méthode Intuitif, p.866.
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Após uma seqüência de artigos publicados n’A Província, nos quais Candido expôs o método
empregado por João de Deus, a Gazeta de Campinas5 publica um artigo criticando severamente a
Cartilha Maternal. Ao acompanhar a resposta de Candido, podem-se acompanhar também algumas
das polêmicas apropriações em torno do método intuitivo.
Em resposta às críticas feitas pela Gazeta de Campinas, Cândido escreve que estas merecem
muitos reparos, pois se reduzem a mostrar o método João de Deus como um pequeno aperfeiçoamento
dos velhos métodos que a pedagogia moderna condena. Contesta, ainda, o método empregado pelo
professor Bokel, do Colégio Internacional, que destacado pelo articulista do periódico campineiro para
criticar o método divulgado por Candido:
O autor do escrito no pouco que diz do método seguido pelo Sr. Bokel dá
margem bastante para podermos discuti-lo. Entende que, em vez de
classificarmos as letras e as apresentarmos uma a uma, pelos seus rigorosos
valores e figuras para em seguida formarmos quadros de palavras, devemos
partir da palavra e decompô-la nos seus elementos. Afirma que no primeiro
processo se parte do desconhecido para o conhecido e no segundo modo
inverso, sendo, portanto este último o verdadeiro processo analítico e
intuitivo (CANDIDO, 1879, p. 1-2).
Diante da explicação contida no artigo da Gazeta de Campinas, Cândido (1879, p. 1-2) afirma:
“[...] a pedagogia moderna erra crassamente se diz tal coisa, pois tornar conhecido é o fim de todo o
ensino”, e acrescenta esclarecendo que o método João de Deus parte do conhecimento das letras para
em seguida tornar conhecidas as suas combinações e o “[...] articulista quer tornar conhecidas às
palavras para no fim ensinar os elementos que as compõem. A diferença é gigante: conhecer o todo ou
conhecer a parte”. Com este teor continua suas criticas ao articulista da Gazeta:
[...] como se ensina a matemática, a astronomia, a física, a química e nas
artes e na música [...] É preciso que saiba o meu crítico, que se todo o ensino
de ciências e de artes se faz segundo as mesmas formulas por que o método
João de Deus ensina a ler, não é porque estejam atrasados. É que não se pode
ensinar d’outra forma. Assim também, se preceituarmos as regras do método
João de Deus, como boas, não é porque estejamos atrasados, é porque as não
há melhores. Deixe-se o autor da moderna pedagogia; não fale nisso. Deixe a
pedagogia na paz do Senhor, e peço-lhe que acredite que João de Deus não é
tão ignorante que não possa ensinar muitos modernos pedagogos de todos os
países. Eu podia dizer-lhe porque, mas não tenho tempo por agora; e isso é
muito secundário (CANDIDO, 1879, p. 1-2).
Na resposta de Candido, além da exposição do método empregado por João de Deus, fica
evidenciada sua compreensão acerca do ensino pelo método intuitivo:
[...] quanto ao ensino intuitivo, não digamos que ele foi da Alemanha para os
Estados Unidos, porque é justamente o contrário. O ensino intuitivo é de
origem americana e vai sendo transplantado para a Europa. Não é, porém, o
ensino da leitura, mas das coisas, dos fatos e dos fenômenos da natureza.
Pequenos erros a que pode conduzir a tal “moderna pedagogia” em que tanto
ouço falar (CANDIDO, 1879, p. 1-2).
Essa afirmação de Candido nos leva a fazer algumas interrogações: como o método intuitivo
foi colocado em circulação em Portugal? Como o método foi divulgado entre os educadores
portugueses? Quais foram às apropriações feitas? Essas indagações nos remetem a necessidades de
estudos comparados sobre a história da educação a partir de objetos de pesquisa específicos.
5
Durante o desenvolvimento da pesquisa não foram encontrados os artigos publicados na Gazeta de Campinas
nesse ano, o que infelizmente, impediu que se pudesse acompanhar com maior clareza essa polêmica.
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Feita essa digressão, retomamos a continuação da polêmica anteriormente transcrita. Em
março do mesmo João Kopke, ao divulgar seu Método Racional e Rápido para Aprender a Ler,
também marca uma forte oposição ao método empregado por João de Deus. Inicia sua exposição
mostrando que há muito se tem feito esforços para criar um método conveniente para facilitar a
aprendizagem da leitura, citando a Cartilha Maternal amplamente divulgada por Antonio Zeferino
Candido: “[...] a não ser o inspetor geral da instrução pública, que não desce a ridícula insignificância
das questões de bê-á-bá, talvez ninguém haja em São Paulo que não saiba o que é o novo livro”
(KOPKE, 1879, p. 1).
Afirma que, presenciando o afã com que a população correu para assistir às anunciadas
conferências sobre o método, não se pode dizer que em São Paulo não haja interesse pela instrução, e é
por isso que, inteiramente despido de qualquer imparcialidade, declara:
[...] a ‘Cartilha Maternal’ fora, no Brasil, precedida por um livro que,
visando os mesmos fins, e ferindo de frente a rotina, foi entretanto bruta,
insolente e estupidamente repelido do ensinamento oficial por algum que,
por desgraça desta província, faz, sobre os deveres do seu cargo, prevalecer
o arbítrio dos seus caprichos, o azedume da sua paixão, a conveniência do
seu interesse e a picardia covarde de suas peçonhentas intenções. Esse livro é
o ‘Método rápido para aprender a ler’, impresso em 1874, typ.Laemmert,
Rio de Janeiro (KOPKE, 1879, p. 1).
De acordo com Mortatti (2000), a primeira edição do Método Racional e Rápido para
Aprender a Ler sem Soletrar, data de 1974 e foi criado por Kopke para o uso dos alunos da Escola
Americana de São Paulo. Segundo Hilsdorf (1986) a cartilha de Kopke não alcançou popularidade na
época pelo fato de não ter sido indicada pelas autoridades para uso em escolas públicas. Somente com
a segunda edição revista e aumentada, publicada em 1879, ela passa a ser indicada para o uso das
escolas primárias mantidas pelo Governo Provincial por meio da Lei n.60, de 4 de março de 1879, que
autorizava o governo a contratar com o Dr. João Kopke o fornecimento dos cartões, aparelhos e o que
mais fosse necessário para adoção de seu método de leitura nas escolas primárias (SCHELBAUER,
2003, p. 243).
Kopke conclui sua crítica ao método empregado por João de Deus, expondo os princípios de
seu método de ensino da leitura:
1º que o método, partindo das sílabas mais fáceis para as mais difíceis, vai,
por uma série de operações harmonicamente concatenadas, fazendo a
apresentação das diversas combinações, que podem as letras entre si formar;
2º que essa apresentação é feita de sorte que o aluno as compreenda
facilmente, pelo interesse à leitura das frases em que é constantemente
empregada. Resulta que o método não é uma inovação completa. O princípio
da rotina de que só se pode habituar o aluno a prender o valor a figura pela
repetição é incontestável; o modo pelo qual, entretanto, se obrigava a essa
repetição é que era inconveniente: forçava-se o aluno à leitura de uma
enfiada de sílabas monótonas, que depressa repetia de orelhas sem que
conhecimento algum delas tivesse. Para obviar, pois, a este inconveniente,
era mister que, longe de tornar o aprendiz uma máquina e o estudo uma
cousa, se lhe fizesse compreender a utilidade do seu trabalho, e se
interessasse no empenho de dedicar-se a ele. Isso é o que o “Método rápido”
se propôs e o que o seu autor julga ter conseguido (KOPKE, 1879, p. 1).
Pondera ainda que os “malevolentes” não devem pensar que as linhas por ele escritas são
atribuídas ao ciúme, mas que seu objetivo foi mostrar que no Brasil também há quem se interesse pela
educação das crianças e pelo ensino da leitura. Que, assim como a Cartilha Maternal atravessou mares
para o cumprimento de um dever, o seu Método Rápido também o fez, na esperança de que o espírito
público lhe fizesse justiça:
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[...] aqueles aos quais consagramos o nosso livro há de recebê-lo nas escolas,
apesar da má vontade da oposição infundada e dos caprichos maliciosos do
inspetor geral da instrução pública, impotente para vedá-lo, como foi para
tolher que o público esgotasse a 1ª edição, galardoando o nosso esforço com
o seu acolhimento [...](KOPKE, 1879, p. 1).
O ensino da leitura ocupa lugar de destaque entre as temáticas educacionais presentes no final
do Império, mobilizando os interessados pelos assuntos da instrução primária destinada as classes
populares no debate acerca dos métodos para o ensino da leitura. Debate que na época evidencia a
tensão entre os partidários dos “antigos” métodos sintéticos e os defensores dos “modernos” métodos
de marcha analítica. Essa polêmica, de acordo com Mortatti (2001, p. 73), vem fortalecer as disputas
“[...] pela hegemonia em relação aos métodos de ensino da leitura, mediante o entrecruzamento [...] de
tematizações, normatizações e concretizações a respeito do método analítico para o ensino da leitura”,
após a implantação da república.
Ainda no final da década de 1870, inserido na temática da Escola Normal, a valorização do
ensino de caráter científico e dos modernos métodos de ensino aplicados nos Estados Unidos aparece
no artigo traduzido pelo jornal A Província de São Paulo. O artigo do Harper’s New Monthly
Magazin, intitulado A Escola Normal em New-York, ressalta novamente o modelo de ensino norteamericano difundido na Escola Normal e que afirma que a boa organização das escolas públicas
primárias naquela nação se devem à escola normal.
Mediante o descaso com esse ramo de ensino por parte do Governo Imperial, Rangel Pestana,
adotando o pseudônimo de Comenius, publica uma série de cartas na forma de editoriais, com a
finalidade de mostrar a importância que as escolas normais têm alcançado nas nações “civilizadas” e
os benefícios que delas têm decorrido. Começando pela Alemanha, onde o aparecimento dos institutos
pedagógicos data de 1695, Pestana constrói uma argumentação histórica para mostrar a vinculação da
necessidade da formação dos mestres a uma nova concepção de ensino:
Quando Lutero dedicou seus cuidados ao ensino da infância, e advogando a
grande causa, vazou, em mais largos moldes, os processos até aí seguidos,
fazendo desaparecer os inconvenientes dos pedantescos métodos anteriores,
e descendo até a compreensão do aluno a inoculação dos conhecimentos,
nova fase se inaugurou. Locke, Descartes, Rousseau vieram posteriormente
despertar outra ordem de idéias: delas resulta a convicção arraigada da
necessidade da educação dos mestres (COMENIUS, 1879, p. 1).
Dentre os autores alemães que determinaram o movimento pedagógico, Pestana cita: Sulzer,
Weisse, Busch, Rosewtiz, Stepbani, Graser, Ziogenbien, Gadike, Niemeyer, Dinter, Vogel, Dolz,
Zerrener, acrescentando que às elevadas regiões da filosofia, mesclaram-se os lutadores “[...] Kant,
Fichte e Herbart saem à arena da pedagogia. Tão multiplicada elaboração não comportava a unidade
ideal: era preciso no ‘maremagnum’ dos sistemas orientar o espírito: Pestalozzi surge” (COMENIUS,
1879, p. 1).
Evidenciando um profundo conhecimento acerca das concepções pedagógicas e de suas
matrizes filosóficas, Pestana correlaciona a necessidade da formação dos mestres a uma nova fase do
ensino, cuja característica foi fazer desaparecer os inconvenientes dos “pedantescos métodos”
utilizados. Desta forma, o autor atribui a Pestalozzi a tarefa de ter dado uma unidade ideal às novas
concepções pedagógicas originadas em Locke, Rousseau e Descartes. O histórico apresentado por
Pestana pode ser traduzido como o histórico do método de ensino intuitivo, exposto por Buisson em
sua Conférence sur l’enseignement intuitif.
Após mostrar o desenvolvimento das escolas normais nos principais países europeus, Pestana
afirma ser incontestável a urgência de preparar os instituidores, observando que a insuficiência na
formação do professorado é o primeiro obstáculo a remover para que as reformas do ensino se tornem
eficazes. E, fundamentado em Guillemin, Laveleye e Hippeau, anuncia os argumentos que considera
necessários para organizar o corpo de instituidores.
Finaliza sua carta, solicitando ao presidente da província que se inspire nas verdades
proferidas pelas “inteligências superiores” por ele citadas, para que proceda em relação a um problema
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que reconhece ser difícil, mas ao mesmo tempo extremamente importante, a reabertura da Escola
Normal, afim de não “[...] destoar da trilha que tem levado o resto da humanidade” (COMENIUS,
27/09/1879, p. 1).
Pestana está se referindo a Escola Normal de São Paulo que instituída oficialmente em março
de 1846, teve uma existência efêmera nos 21 anos que compõem sua primeira fase. Reinaugurada em
18756 teve novamente suas portas fechadas em 1878, para ser reaberta definitivamente em 1880 e se
consolidar como uma instituição de formação de professores com as reformas republicanas da
instrução pública (SCHELBAUER, 2003).
Ao lado dos artigos e editoriais, o método intuitivo também é foco das conferências
pedagógicas que eram noticiadas periodicamente no jornal, revelando os personagens que estavam à
frente dessas iniciativas. É interessante observar que eram os mesmos agentes que estavam na direção
das escolas particulares, na redação dos jornais republicanos, na organização das conferências
pedagógicas trazendo a foco os novos preceitos da pedagogia moderna difundidos mundialmente.
As conferências eram organizadas, pelo Liceu de Artes e Ofícios, pela Escola Primária
Neutralidade e também pela Escola Normal. O Liceu divulgou uma série de conferencias que foram
realizadas no ano de 1882, realizadas aos domingos e dias santificados, as quais abordavam assuntos
que versavam desde economia até filosofia, como segue a lista de temas e oradores noticiada pelo
jornal em 12 de setembro: Economia Industrial, por Rangel Pestana; Elementos de Direito
Constitucional, por Leôncio de Carvalho; Ciência do Comércio, por Antonio Carlos de Andrada;
Economia Política, por Vieira de Carvalho; Higiene, por Mariano Costa; Elementos de Direito
Natural, por Felino Guedes; Estética, por Theophilo Dias, e Filosofia, por Galvão Bueno. (LICEU,
1882, p. 2).
A Escola Primária Neutralidade também realizou uma série de conferências nos anos de 1884
e 1885, com o objetivo de dar publicidade às suas idéias sobre educação e aos processos de ensino
empregados pela escola. As conferências eram gratuitas e anunciadas pelos jornais da cidade. Durante
o ano de 1884, foram realizadas sete conferências, sempre aos domingos, contanto com um auditório
composto por senhores, alunos da Escola Normal, do Liceu de Artes e Ofícios e, por vezes,
conhecidos professores, conforme atesta o relatório da escola, no qual consta, também, o Programa das
Conferências Pedagógicas do ano de 1885 que versavam dentre outros temas sobre a educação, seus
objetos e meios; educação física, sua importância e modo de realizá-la; higiene escolar; educação
moral na escola moderna; método objetivo e os métodos vulgarmente usados; método subjetivo e seu
lugar num curso de educação; as lições de coisas, seu uso e abuso; o ensino das ciências físicas e
naturais; o ensino das humanidades; o ensino da leitura; Pestalozzi e Froebel: crítica dos seus sistemas
de educação; o papel das escolas normais; a laicidade do ensino; a importância da psicologia e da
pedagogia na formação do professorado; as relações entre família e escola. (ESCOLA..., 1885).
Durante os anos de 1884 e 1885, A Província noticiou as conferências pedagógicas, científicas
e literárias proferidas pelos professores e colaboradores da Escola Primária Neutralidade. Em abril de
1885, foram noticiadas as conferências de Alberto Salles, sobre o tema Educação Física, seus Fins e
Meios; de Rangel Pestana, sobre o Aforismo de Spencer “[...] de que o fim da educação consiste em
preparar o indivíduo para a vida completa, para a vida no sentido mais amplo da palavra [...]”
(ESCOLA PRIMÁRIA..., 1885, p. 2). Em maio, a conferência proferida pelo professor Antonio Carlos
Ribeiro de Andrada, sobre Educação Estética (CONFERÊNCIA PEDAGÓGICA, 1885, p. 2). Em
junho, a conferência do professor Alberto Salles versando sobre o tema: Da Necessidade do Estudo da
Psicologia para o Professorado (ESCOLA NEUTRALIDADE, 1885, p. 2), fundamentado nas idéias
de Gall e Comte. Em outubro, o jornal divulgou a notícia da conferência de João Kopke, sobre o tema
Educação Mental, na qual o orador abordou a divisão que se costuma estabelecer entre educação
física, moral e intelectual, assinalando os inconvenientes de outras subdivisões, como salientou o
redator da matéria que assim se referiu à fala de Kopke “De passagem, combateu com severidade a
introdução, nas escolas, de ensinamentos que puramente disciplinam, e a propaganda que advogam a
instrução sem trabalho, sem esforço da parte do aluno”. (CONFERÊNCIA ESCOLA..., 1885, p. 2).
6
A trajetória da Escola Normal em São Paulo é objeto de estudo das teses de Bauab (1972); Tanuri (1979);
Monarcha (1999) dentre outros.
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O redator destacou o tratamento especial que Kopke conferiu à educação mental em sua fala,
mostrando ser indispensável colocar o educador a par dos progressos psicológicos e evitar métodos
específicos e mecânicos.
De acordo com Kopke, para se realizar convenientemente o ensino, deve-se antes, estudar a
forma como os conhecimentos são adquiridos, dividindo esse processo em três potências mentais: a
receptiva, a retentiva e a refletiva:
Para realizar um ensino conveniente, diz, é necessário estudar como
adquirimos os conhecimentos. Entra na análise dos sentidos, que nos põe em
contato com o mundo exterior, e assinala os cuidados que se devem tomar
com os órgãos que os exercitam, a sua educação, para aguçar-lhes a
penetração. Demonstra como a sensação, a atração e a percepção constituem
a primeira, assim como o papel que umas representam em relação às outras;
como a memória, constitui a 2ª; e, por adiantada a hora, reserva o estudo da
3a. para conferência especial (CONFERENCIA ESCOLA..., 1885, p. 2).
Os excertos da conferência não deixam dúvidas de que a temática do método intuitivo foi
colocada em discussão durante esses conferências pedagógicas, inclusive evidenciando as
apropriações equivocadas do método que propagavam a idéia de uma aprendizagem sem esforços,
questão também salientada por Buisson na Conférence sur l’enseignement intuitif, proferida em 1878.
Além dessas conferências, o jornal também noticia uma série de palestras proferidas pelo
professor Silva Jardim, a convite da diretoria da Sociedade Auxiliadora da Instrução, sobre métodos de
leitura em geral, e especialmente sobre o de João de Deus, na cidade de Santos. Do mesmo autor
também foi noticiada, em abril de 1884, uma conferência ministrada nos salões da Escola Normal,
imposta pelos estatutos daquela instituição (CONFERÊNCIA NORMALISTA, 1884, p. 2).
Nenhuma outra conferência da Escola Normal foi noticiada pelo jornal, assim como também
não foram encontrados indícios das mesmas nas latas da Escola Normal, existentes no Arquivo do
Estado de São Paulo. Diante do desconhecimento de outras fontes, não se pode afirmar exatamente se
elas não ocorreram ou se não interessava a um jornal republicano noticiar um evento promovido pelo
Governo Provincial, para além daquela conferência proferida pelo professor positivista Silva Jardim,
que além de suas relações com os republicanos paulistas, dividiu a direção da Escola Primária
Neutralidade em seus primeiros anos de existência, com João Kopke.
Os anúncios de colégios particulares, nos quais se indicavam primeiramente os programas de
ensino, o corpo docente, as condições de pagamento, admissão e algumas vezes breves notícias sobre a
estrutura material da escola, também foram um veículo de difusão do método intuitivo e das lições de
coisas. Apresentado ora como disciplina dos programas – as chamadas lições de coisas – ora como
processo de ensino, ele figurava enquanto uma inovação educacional propostas pelas escolas
particulares de vanguarda. É importante salientar que essas escolas dividiam-se, de acordo com os
estudos de Hilsdorf (1986), em escolas para o povo e escolas para a elite.
Muitas delas foram criadas e mantidas pelos intelectuais ilustrados que atuaram como
educadores, políticos, escritores, redatores nas décadas finais do império e que, no momento seguinte,
estiveram à frente das reformas republicanas da instrução pública com a implantação do novo regime.
O trabalho com a imprensa periódica permitiu identificar o retrato da vida cotidiana na capital
paulista: os diferentes sujeitos, as discussões relevantes, os temas educacionais e os agentes e a
fundação de um discurso acerca do método de ensino intuitivo. Possibilitou também acompanhar a
circulação e as apropriações que o ensino intuitivo recebeu, antes mesmo que seu uso e prescrição se
tornassem consensuais com a implantação das reformas republicanas do ensino público paulista.
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