José Assis
Jurista
Vereador na Câmara Municipal do Seixal
Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação de
Ginástica do Distrito de Setúbal
Vogal no Conselho de Administração da Fundação Carlos Lopes
Presidente da Comissão da Educação, Cultura, Desporto e Juventude na
Assembleia Metropolitana de Lisboa entre 15/03/04 e 2/11/05.
Em primeiro lugar quero saudar a iniciativa que hoje aqui nos reúne,
aproveitando para publicamente agradecer o convite que a organização
me endereçou, na pessoa do Senhor Secretário de Estado da Juventude e
Desporto, para participar, dar o meu contributo, em nome pessoal
enquanto jurista e autarca, não representando, porém, qualquer
organização ou poder, apesar de autarca eleito, mas sim intervindo como
individuo que quer estar atento ao fenómeno desportivo, se quiserem,
exercendo a minha condição activa de cidadão.
Quando tive conhecimento de que a minha participação se inseria no
tema a Reforma do Sistema Desportivo, a primeira ideia que me surgiu foi
esta: mais uma reforma!
Digo isto porque sempre pensei e penso que as reformas – movimento
que leva à substituição de um regime ou sistema em vigor em razão de
determinada matéria, considerando nomeadamente uma nova matriz e um
novo pensamento político – são úteis enquanto mecanismos de
transformação politica e social, com base na alteração da lei.
Todavia, principalmente nestes últimos anos, as reformas são formal e
banalmente usadas, com alguma ligeireza, como promessa politica, para
preenchimento de um vazio que, as mais das vezes, resulta, não de uma
má lei, mas sim, de uma má ou deficiente prática e aplicação do que
vigora.
Não sou anti reformista. Considero, aliás, que as reformas devem ocorrer
sustentavelmente, num quadro de quase esgotamento total do regime
jurídico em vigor, ou, então, por força de uma alteração política, cuja nova
orientação antagoniza claramente com uma outra cessante.
Deixo, no entanto, em aberto a hipótese reformista se e quando os
procedimentos exigíveis, conducentes a um bom processo legislativo,
não tiverem sido observados e tal facto, pela sua substancia e
essencialidade, prejudicar irremediavelmente uma boa vigência da lei.
Inteirei-me, pois, do figurino e objectivos do Congresso, recolhi opiniões
e, desde logo, verifiquei que as baterias reformistas estariam apontadas
para a actual lei de bases do desporto.
Ora, na condição em que aqui me apresento, considero que a intervenção
neste congresso deverá versar sobre ideias, lançando a reflexão
consequente a propósito do desporto e o sistema que juridicamente o
enforma, sem, por um lado, estar amarrado a qualquer regime jurídico em
concreto, de qualquer lei, e por outro, não perder de vista a prática, a
aplicação das regras e, sobretudo, a realidade que hoje se vive no
desporto e educação física no nosso País.
Dou conta de uma situação relativamente simples, reclamada pelo
movimento associativo e atletas e que não precisará de grande esforço
para a sua solução. Trata-se dos exames médicos terem de ser
efectuados por especialistas quando o médico de família ou do centro de
saúde do domicílio se podem ocupar dessa importantíssima operação,
designadamente quando estamos perante exigências competitivas
normais
O tempo de intervenção é naturalmente moderado. Por isso segue-se um
modesto contributo
Sem querer definir o conceito de “sistema”, aliás palavra cara em
determinados sectores do desporto, julgo que integrará também, para
efeitos desta reflexão, uma análise à realidade prática do desporto em
Portugal. De todo o modo um sistema desportivo não pode ser um
circuito fechado nem uma casa pouco arejada.
Deve ser, tem de ser, um regime aberto e participado sem preconceitos da
crítica e com mecanismos de auto critica e avaliação. Por isso hoje quero
fazer recair sobre o espirito crítico, numa perspectiva futura, o meu
depoimento.
Quero, assim, começar por recordar que o direito à cultura física e ao
desporto é um direito fundamental, consagrado na Constituição da
República Portuguesa, no seu título terceiro, que respeita aos direitos e
deveres económicos sociais e culturais, inserindo-se no capítulo terceiro
desse título epigrafado de “ direitos e deveres culturais”.
É, pois, um direito com dignidade constitucional como, aliás não poderia
ser de outro modo, dada a natureza intrínseca da cultura física e desporto
enquanto condição vital para o ser humano, nas mais diversas definições
técnicas, científicas e humanas, bem como as diversas perspectivas
interdisciplinares que se use.
Ao nível da integração sistemática desse direito fundamental, o direito ao
desporto e cultura física encontra-se lado a lado com o direito ao trabalho
ou à propriedade privada.
O outro lado da medalha do direito à cultura física e ao desporto, é a
atribuição ao Estado de uma incumbência também com dignidade
constitucional, a de:
Em colaboração com as escolas e as associações e colectividades
desportivas, promover estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da
cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência no desporto.
Essa obrigação constitucional do Estado posiciona-o activamente, repito
activamente, nas diferentes vertentes previstas: promover; estimular,
orientar e apoiar a prática desportiva.
Desde já uma questão que se poderia colocar, num quadro inteiramente
reformista: o comando constitucional existente é bom e satisfaz as
exigências fundamentais em razão da matéria?
Apesar do texto constitucional ser, por exemplo, posterior a leis avulsas
que marcaram o inicio de um novo paradigma no desporto, como seja a
lei das sociedades desportivas, atentas as revisões constitucionais
recentes, e de se poder, desde esse novo ciclo, colocar a questão de
saber, ainda a titulo exemplificativo, sobre o papel do Estado
relativamente à organização da actividade desportiva profissional,
Considero que a actual redacção da lei fundamental consegue abarcar
todas as realidades, em conjugação com outros direitos fundamentais,
como o da livre associação, a protecção da pessoa com deficiência, o
direito ao ambiente e à boa qualidade de vida, o direito ao trabalho ou o
da separação entre o sector público e o sector privado.
Fica, assim, porventura para já, afastado o apetite reformista quanto à
nossa lei fundamental em razão desta matéria.
Dito isto, penso que deveríamos, agora, perguntar:
Então e à luz do actual texto constitucional, qual o papel do Estado, no
sistema desportivo, sendo certo que a génese desportiva é uma génese
originaria e naturalmente popular, mas que vem sofrendo muitas
alterações, cujo efeito quase toca, em alguns casos, a descaracterização
do desporto, enquanto actividade humana física?
E qual o papel do Estado quanto à cultura física, se considerarmos que
esta última não integra somente o sistema desportivo?
Não posso deixar de vos informar do que se segue.
Como, aliás, já foi aqui dito, em estudo recentemente realizado concluiuse que Portugal é o país da U.E onde se pratica menos actividade física
e/ou desporto.
Por outro lado, concluiu-se, também, que os Portugueses possuem, da
prática desportiva, em Portugal, uma opinião ou ideia contrárias ao que
deveria ser o normal desenvolvimento do desporto, enquanto promotor
de valores essências para a vida social.
Por outras palavras: valores como a verdade desportiva, o fair play ou a
solidariedade, segundo a opinião dos Portugueses, estarão arredados da
prática desportiva, em troca de práticas como sejam a corrupção e a
violência.
Será que os Portugueses não praticam mais desporto e actividade física
porque são preguiçosos? Ou porque andam desanimados com o
funcionamento do sistema desportivo? Onde reside a falta de atracção
pela prática do desporto?
Seguramente que os mais entendidos virão com números estatísticos
quanto ao aumento e diminuição das inscrições em Associações e
Federações.
Felizmente que os feitos e eventos desportivos internacionais, bem como
os resultados de relevância internacional, obtidos por atletas
Portugueses, aumentaram desde que a revolução dos cravos em boa hora
libertou a sociedade civil do obscurantismo.
Mas… o acesso ao desporto, e a democratização desse acesso, desde o
25 Abril de 1974, tem sofrido um processo lento, ao qual urge dar um
ritmo maior? A resposta só pode ser positiva.
O Estado não pode assobiar para o ar e deixar ao arbítrio livre e
exclusivo dos cidadãos a prática desportiva. Quem trata e define os
equipamentos desportivos, o desporto escolar, a medicina desportiva, a
justiça desportiva a representação da Republica em competições
internacionais e o direito do desporto?
A todas estas, e muitas outras questões que serão com pertinência
colocadas, o Estado deve dar resposta. Numas matérias avocando em
exclusivo para si a intervenção porque se trata de matérias naturalmente
da sua função social, noutras, e esta deverá ser a regra, regulando-as no
interesse público, em homenagem à iniciativa particular dos cidadãos
individualmente considerados ou associados.
Uma resposta deve ser dada.
Por um lado que permita conferir a liberdade da sociedade civil, o
exercício da cidadania, dizendo “presente”, de forma a cumprir o
comando constitucional, tendo como base o principio do DESPORTO
PARA TODOS, ou seja, acessível a todos, em condições de garantir o
desenvolvimento da pessoa humana, em todas as suas vertentes, dando
condições para o aumento da prática da cultura física e do desporto.
Depois do ciclo dos equipamentos aguardamos pelo ciclo da cultura para
a actividade física. A esta cultura estará sempre ligado o movimento
associativo, com as tradicionais e novas formas de organização
Por outro lado, não esquecendo que o desporto, mormente o de
competição, tem um impacto social enorme e, por isso mesmo, acresce a
responsabilidade do Estado em garantir que a actividade desportiva seja
uma actividade portadora e transmissora de valores essenciais como o
respeito pelo outro, a paz, a lealdade, a verdade, o cumprimento das
regras, a disciplina ou a solidariedade.
O desporto deve ser, tem de ser, uma actividade pela qual o
relacionamento humano se desenvolva, aproxime as pessoas, provoque
sensações de amor, amizade e afecto pelos outros, num quadro de
desenvolvimento social, lato senso, sustentável.
Deve ser fomentado nas crianças, na juventude, na escola desde sempre
e com marcas que permitam concluir "para sempre" ; percorrer a idade
activa e acarinhar os mais idosos, designadamente após os 54 anos de
idade.
Numa palavra: deve ser fonte de vida.
Em duas palavras: deve ser uma fonte de vida intensamente estimulada e
exercida.
Ora bem, sem querer substituir-me aos técnicos na matéria o que quero
dizer é que, apesar de não ser um positivista convicto, entendo que, neste
patamar do processo de democratização do acesso ao desporto e
confrontado com a realidade desportiva em Portugal, se deve, num
quadro reformista, incorporar na lei como regra programática, para além
dos princípios orientadores, o conceito de desporto dos valores, para os
valores, com valores.
Defendendo assim a sustentabilidade do desporto e da prática desportiva
numa perspectiva, também, da continuidade do desporto como elemento
essencial do convívio social.
Sei que poderão contrapor alguns, dizendo que já existem, na lei,
princípios orientadores e que poderia traduzir-se numa certa moralização,
indesejável na lei, a transposição dos valores do desporto como regra
programática. Acrescentariam, talvez, que a lei não tem como fito
principal a implementação de valores naturais ou que tudo depende das
pessoas e das mentalidades.
Pois bem. A lei tem também uma vertente pedagógica e indicativa, sendo
que, contudo, como vi defender o saudoso Professor Luís SÁ, as normas
programáticas atingindo um certo patamar de aplicação concreta, tornamse, elas próprias, o garante de que o nível e o grau dessa prática é
irreversível e, portanto, passam a ter uma classificação de obrigatórias,
nessa medida.
Ora, sem qualquer falta de auto estima mas numa atitude positiva,
convenhamos que os níveis da pratica do desporto, nomeadamente o
profissional em algumas competições, em Portugal, enquanto veículo de
valores, está tão baixa, pelo menos aos olhos da população, que se releva
de importância pública dar-se um sinal, reforçando, como objecto
programático da prática desportiva, esses mesmos valores essenciais à
continuidade do desporto.
Refiro-me particularmente, claro está, à exposição constante a que está
sujeito o desporto profissional, que serve de exemplo para os cidadãos e
provoca designadamente fenómenos de mimetismo nos mais jovens,
onde os valores do mérito, da verdade desportiva, da lealdade estão
constantemente a ser colocados em crise, cedendo – ainda que
aparentemente quero confiar – perante interesses de ordem mercantil que
abafam o que de melhor há nessas modalidades.
Pois bem. Recordando, ainda que na IV revisão Constitucional, se
verificaram propostas de forma a introduzir o reconhecimento, por parte
do Estado, da necessidade de garantir a defesa dos princípios da ética e
do espírito desportivo, sem que a mesma tivesse acolhimento, julgo que a
melhor sede para a introdução e consagração legislativa deste tema é a
lei de bases do Desporto e da cultura física.
Portanto, primeira nota: uma politica de desporto e cultura física para o
aumento da sua prática e para os valores essenciais na prática
desportiva, com definição legislativa programática e uma intervenção
reguladora do Estado de acordo com as normas constitucionais.
Isto é, na minha modesta opinião, não um Estado subsidiário, na área do
desporto, mas sim, um Estado com o papel principal no capítulo da
defesa dos valores desportivos, na exacta medida, de que se trata de
matéria de interesse público.
O Estado não se deve ficar pelo papel legislativo. A sua responsabilidade
passa por, nos mais diversos patamares executivos do Estado, executar
politicas desportivas com a prossecução dos valores inerentes ao
desporto, ao que o mesmo representa na sociedade e para a sociedade,
bem como para o desenvolvimento individual e para a paz social.
Vamos então a esta lei de bases.
Em vigor desde 26 de Julho de 2004, a lei de bases do sistema desportivo
– lei nº 30/2003 de 21 de Julho – foi objecto das mais diversas criticas e
juízos. Desde logo no processo legislativo, tendo as forças politicas,
então na oposição, votado contra a sua aprovação. Depois, com os
parceiros sociais e desportivos a reivindicar a falta de diálogo na sua
elaboração, salientando-se, nesse aspecto, o movimento associativo e o
poder local. Já na fase da sua aplicação, porque a sua regulamentação é
inexistente, apesar de terem sido fixados 180 dias para o efeito, após a
sua entrada em vigor. Pois bem.
Mais uma vez reafirmo: assacar a culpa do fracasso do sistema
desportivo à lei é não compreender que o processo de transformação
social associado a uma lei de bases, começa com a sua formação em
diálogo, prossegue com a sua publicação, mas que só a sua aplicação
num tempo razoável, naturalmente, essa sim, força motora da dita
transformação, se conseguirá aferir da sua bondade.
Ora, o período que leva de vigência, na minha opinião, não permite ainda
sequer proceder a uma avaliação da sua aplicação, considerando
designadamente a natureza de que se reveste uma lei de bases. Todavia,
recordo o que já disse: esta lei de bases não foi discutida no processo da
sua elaboração.
Deste modo formulo mais uma pergunta,
Este facto implicará o obstáculo a uma apreciação critica da lei e a que
propostas para o seu aperfeiçoamento surjam?
Francamente penso que não.
A revisão da lei de Bases, com a profundidade emergente do diálogo, é
um caminho a prosseguir.
Para já o esclarecimento e a definição do papel do Estado no desporto e
cultura física são fundamentais. A definição da cultura física como parte
integrante ou não do sistema desportivo também e outras matérias que,
concerteza, necessitam de um tratamento diferente.
Já vimos que o direito ao desporto e à cultura física estão
constitucionalmente previstos, embora na mesma norma mas com
significados diferentes.
A lei de bases em vigor não se refere à cultura física, preferindo o sistema
desportivo como matriz principal para a sua regulação. Será este o
melhor caminho? Pode parecer um pormenor de linguagem, mas talvez
não o seja. Até porque é a própria lei que estatui que o direito ao desporto
é exercido nos termos da Constituição…
Bom, e a cultura física? Os técnicos da matéria que desenvolvam este
tema. Para mim, enquanto jurista, a interpretação da lei de bases tal como
redigida deve ser, aliás lamentavelmente, restritiva ao desporto.
Mas outras marcas mais escuras estão registadas na lei de bases.
Já aqui falámos da importância do movimento associativo e o seu papel
decisivo numa politica desportiva e de cultura física. Esta lei encara esse
movimento, estranhamente quero-vos confessar, como se de um parente
menor se tratasse. Vejamos:
Desde logo, na lei de bases, se condiciona a actuação do movimento
associativo na medida em que, no seu artigo 23º, pretensamente
querendo regular os elementos essenciais dos estatutos das Federações,
impõe a limitação de mandatos para os membros titulares dos órgãos
estatutários, não identificando qual ou quais os órgão cujo mandato se
deve limitar. Extraordinário!
Em primeiro lugar porque estando-se na subsecção do movimento
associativo, nada se diz quanto ás associações.
Em segundo lugar porque sendo alargadamente pacifico que é difícil o
recrutamento de voluntários, principalmente jovens, para o dirigismo
desportivo, a própria lei impõe, ferozmente porquanto condição sine quo
non para obtenção da utilidade pública desportiva por parte da
organização, a limitação de mandatos sem, de resto esclarecer qual o
sentido e alcance de tal normativo.
Mas, em terceiro lugar, mas seguramente mais importante, estamos
perante uma visão do modelo desportivo que se nos afigura ultrapassado.
Em especial quando o enquadramento politico do tempo em que a lei foi
feita - XV Governo constitucional - nos era apresentado como sendo de
uma visão de menos Estado melhor Estado e , por conseguinte , á
contrário, de libertação da sociedade civil ao seu melhor plano .
É que matérias como a que referimos devem ser total e exclusivamente
remetidas para o funcionamento das associações e do movimento
associativo, ou seja, para tratamento dos órgãos próprios das
associações, no âmbito das suas competências e não para uma lei, ainda
por cima uma lei de bases.
A regulação destas matérias, de resto sem sentido na medida em que a
limitação de mandatos estrangula o normal funcionamento do movimento
associativo privado, são da exclusiva competência dos órgão sociais.
Mais do que isso traduz-se numa clara e abusiva ingerência no
movimento associativo
O que aqui acabei de afirmar aplica-se ao Comité Olímpico e ao Comité
paralímpico, este ultimo com a agravante de ter sido lançado nessa lei
sem que o movimento associativo tivesse sido auscultado e não estando
o mesmo organizado.
Depois.
Não podia, neste capitulo, referir um dos princípios consagrados na lei de
bases e que reflecte a sua necessidade de modificação. Trata-se do
princípio de solidariedade previsto no artigo 6º. O seu nº 2 impõe que a
actividade desportiva profissional deve ser solidaria para com a
actividade desportiva não profissional.
O que é que isto quer dizer?
Já veremos que defendo a total separação entre estas duas actividades.
No entanto o modo como a disposição está redigida leva a crer que o seu
escopo é de anunciar uma espécie de assistencialismo anómalo e
indesejável.
Ora nesta matéria como em tantas outras, o caminho deve ser claro: ou
há um mecanismo de financiamento da actividade desportiva não
profissional por parte da actividade profissional que garanta a sua
sustentabilidade e, nesse caso, estamos a falar de financiamento ou
Há uma separação de modelos e, nesse caso a sustentabilidade de ambas
deve ser tratada em separado. É este o modelo que perfilho.
Então uma Segunda nota a revisão da lei de bases afigura-se como o
processo mais adequado ao aperfeiçoamento do regime em vigor e nada
impede que, após a reflexão e diálogo com todos, se inicie esse processo.
Uma revisão da lei de bases não impede em simultâneo a revisão da
legislação avulsa.
O profissional, o Amador, o associativismo.
A evolução do fenómeno desportivo evidencia, cada vez mais, a
dicotomia desporto profissional e desporto amador, trazendo à liça a
necessidade e a preocupação de uma regulamentação diferenciada e
expressa destas duas realidades de forma a separar as águas,
clarificando o regime jurídico de cada uma delas.
O peso que as Federações devem ter na organização do desporto
profissional, mesmo com a figura das Ligas profissionais em concurso
real nessa matéria, a emergência de sociedades desportivas em
substituição dos clubes e colectividades, o sucesso obtido com uma
separação radical entre essas novas entidades e os clubes, a
contratualização dos atletas e a sua formação desportiva e educativa, a
definição de praticante desportivo, a incorporação de regras de direito
internacional que possam ofender as normas fundamentais dos Estados
bem como a justiça desportiva e o financiamento do desporto profissional
e o seu papel social de entretenimento, são, entre muitos outros, tópicos
que devem servir de reflexão.
Desde logo, as sociedades desportivas devem ter como fito exclusivo a
participação em competições profissionais onde, com o desporto,
concorra o espectáculo industria, organizado de forma à obtenção de
lucros próprios de uma sociedade anónima, embora desportiva. No
quadro da actual lei de bases a sociedade anónima poderá participar em
competições não profissionais.
Ora, este quadro claramente induz à pluriferaçao de sociedades
anónimas, para qualquer actividade desportiva não profissional,
remetendo os clubes para uma insignificância, no meu entender,
incompatível com o papel social e a referencia social que os clubes desde
sempre vêm demonstrando ser.
Por outro lado urge aferir se a competição desportiva que acolhe o
concurso concomitante de sociedades anónimas e clubes não estará
ferida de deslealdade competitiva. É que, as regras de financiamento
podem ser diferentes e diferenciadas, com a descriminação negativa dos
clubes e colectividades, ou, por outro lado a falta de exigência de rigor,
nomeadamente fiscal e contabilístico, aos clubes poderá, também criar
desigualdade competitiva.
Uma sociedade anónima, profissionalizada nos seus quadros de gestão,
obediente ás regras da transparência contabilística, com um regime fiscal
típico, e vocacionada para uma actividade lucrativa, em princípio, estaria
melhor preparada do que um clube que vive o seu quotidiano com um
dirigismo amador, sem capacidade de mercado para gerar receitas.
Eu digo “estaria” porque ultimamente temos assistido à falência de
algumas sociedades desportivas.
É o desporto de competição compaginavel com uma selecção natural em
razão da desigualdade financeira das entidades que competem?
É preferível assegurar a solidez financeira das SAD, nomeadamente com
mecanismos de fiscalização das suas reservas e cumprimento estrito da
lei quanto a garantias de competitividade neste mercado, do que tudo
misturar.
Afirmar que ao Estado não cabe estar atento á vida das SAD porque se
trata de iniciativa privada empresarial pode ser perigoso. Mecanismos de
fiscalização da gestão concreta são importantes, atentos, entre outros
factores, o impacto financeiro e social da actividade da SAD. Neste
domínio não estamos a amarrar a sociedade civil mas sim a acautelar o
interesse público desportivo.
Se as águas não forem separadas, isto é, se não se afirmar
definitivamente que o que é profissional terá que ter um tratamento
profissional e um regime próprio e o que é amador um tratamento
clássico de preservação da autonomia dos clubes e do seu papel social,
entramos no domínio do “ capitalismo selvagem” generalizado nas
competições profissionais e do desinteresse de investimento nas
modalidades amadoras.
Por outro lado, o princípio da irreversibilidade das sociedades
desportivas, não se podendo regressar à condição de clube, depois de
participar na competição enquanto sociedade, deve ser repensado, em
especial quando o clube é extinto.
Uma má solução ou uma má gestão não pode prejudicar a existência de
clubes e colectividades que fazem parte da nossa história colectiva.
Como também poderá estar em aberto a discussão para o
aprofundamento do estatuto do dirigente associativo, nomeadamente
quanto a incentivos para o exercício do dirigismo.
O movimento associativo deve ser uma das grandes âncoras do desporto,
um movimento associativo independente, com uma base popular,
apoiado pelo Estado, com utilidade pública reconhecida, complementar
ao desporto escolar obrigatório até, pelo menos, aos 14 anos de idade do
aluno.
A nova lei de bases deve contemplar o reconhecimento e a valorização
efectivas do movimento associativo enquanto promotor do desporto
conferindo-lhe um peso institucional maior na organização da actividade
desportiva, não deixando, por exemplo, que lhe sejam subtraídas funções
essenciais como a aplicação da justiça desportiva em toda a linha de
actividade e em todas as instâncias ante judiciais; a formação de atletas
com as correspondentes compensações; a responsabilidade da
preparação de Atletas nas selecções Nacionais e na alta competição.
O seu financiamento decorrerá de receitas próprias e do Orçamento de
Estado através dos contratos programa.
Estará o âmbito de aplicação do regime jurídico para os programas de
desenvolvimento desportivo actual á realidade?
Ou bastará uma interpretação extensiva para que o referido âmbito seja
pleno face ás necessidades?
Recordo que o regime jurídico completa este ano 15 anos de vigência.
Ainda uma nota acerca da justiça desportiva: notaram já certamente que
se trata do único sistema em que o árbitro/julgador é, ao mesmo tempo,
testemunha. E que os julgamentos da matéria de facto são efectuados,
muitas das vezes, com uma audiência imensa e ao segundo.
O princípio da excepcionalidade da justiça desportiva deve ser
consagrado e, a partir daí, construir-se um edifício de justiça desportivo
autónomo e independente de quem organiza a competição,
contemplando-se tanto os casos da competição como a submissão de
matérias relacionadas estritamente com o desporto, a uma instância
jurisdicional especial a criar.
Com toda a franqueza não se me afigura razoável manter o Conselho
Superior do Desporto como órgão responsável pela “arbitragem
desportiva” mesmo num quadro alternativo de resolução de conflitos.
Vejo também este órgão como uma emergência do movimento
associativo e, por isso, a sua representatividade deve estar mais alargada
a esse movimento, bem como aos órgãos autárquico de cariz
metropolitano e Regional.
Mas ainda sobre a arbitragem desportiva. Vamos a ver.
Os conflitos em matéria desportiva devem ser dirimidos nos órgãos
jurisdicionais próprios e específicos para essa área e não em órgãos que
são de raiz consultiva e que supletivamente exerceriam funções
jurisdicionais.
Assim,
Terceira nota: a autonomia do movimento associativo deve ser reforçada
reforçando-se a sua participação na pratica e politica desportivas,
deixando para os seus órgãos as regras do seu funcionamento.
Existe um núcleo de funções essenciais que a serem prosseguidas pela
sociedade civil só faz sentido serem as Federações a assumir essa tarefa.
O profissional e o amador devem diferenciar-se em razão dos
organizadores das competições e dos seus sujeitos intervenientes
Não poderia deixar de fazer uma breve alusão ao papel do poder local em
matéria de desporto.
Não vou aqui enumerar as suas competências ou fazer uma extensa
apresentação do trabalho já realizado. Nesta matéria o país deve estar
grato ao Poder Local. Ponto final parágrafo.
Está mais que sabido que o Poder Local atravessa uma crise,
nomeadamente financeira com causas diversas mas assentes sobretudo
numa lei de finanças locais que deve ser modificada, em benefício da
dignificação da descentralização e do poder local democrático.
A sucessão de legislação, com transferência de competências para as
autarquias, não pode estar desacompanhada das correspondentes verbas
e receitas. Sobre a matéria ofereço o merecimento dos autos dando por
reproduzidas as posições da Associação Nacional de Municípios
Portugueses.
Mas, ainda assim acrescento que esta é a sede própria para reforçar o
desagrado pela camisa de forças em que o Estado colocou o Poder Local,
ao nível do seu financiamento, aguardando pelas medidas anunciadas
pelo Sr Primeiro Ministro.
Sabemos, também, que a legislação, ao nível do planeamento obriga à
construção de equipamento desportivo.
Antes de mais, deve a lei de bases concretizar claramente quais as
competências das autarquias no desporto. E quais os mecanismos de
financiamento. Ser parceira nas competências parece-me que não chega.
Parcerias de que modo e com que meios? Contratualização com que
critérios e prioridades? Contratos programa, parcerias público privadas,
remessa directa do orçamento de Estado....
Qual o meio de financiamento? O que disse para os contratos programa
para o movimento associativo aplica-se inteiramente ao regime jurídico
dos contratos programa entre a administração pública.
As recentes experiências de descentralização de competências, vertidas
na lei 11/2003, são um bom exemplo de como não pode haver legislação
com esse alcance sem que os Autarcas sejam auscultados e sem que o
modelo de cooperação seja definido.
É preciso ouvir os Autarcas na elaboração de legislação, mormente em
matérias tão sensíveis como a transferência de competências. É
imperioso reconhecer o trabalho dos autarcas na promoção do desporto,
e execução de politicas desportivas que se revelam eficazes.
Considero que o Poder Local é um espaço privilegiado para a
prossecução de politicas desportivas. Mas para que isso aconteça é
importante os meios, bem como a racionalização de recursos e
equipamentos, nomeadamente com a elaboração de Planos
intermunicipais e projectos desportivos dessa dimensão, reforçando-se o
leque de cooperação financeira e de coordenação e competências por
parte de entidades supra e intermunicipais.
A interdisciplinaridade no exercício do Poder Local permite a
prossecução de projectos como o da Rede de Cidades Saudáveis, onde,
concedam-me esta referência, o Município do Seixal foi pioneiro, com
sucesso, presidindo a esse movimento.
Não nos podemos esquecer e devemos lembrar aos Governantes que o
movimento Autárquico já ultrapassou as fronteiras e que os
compromissos, desta forma de organização do poder politico, para com
os seus eleitores no sentido de uma vida melhor com desenvolvimento
sustentável, resulta da adesão a declarações como a do compromisso de
Allborg, com a sua carta e a agenda 21, ou a estratégia de Lisboa,
instrumentos para a sustentabilidade e uma melhor qualidade de vida,
onde a equidade, a justiça social e a governança são elementos
essenciais para se alcançar os parâmetros de desenvolvimento que todos
queremos, na base da execução de politicas alavancadas no
conhecimento e na investigação e formação dos agentes desportivos que
devem constituir prioridades no sistema desportivo.
Fracassada que está a regionalização, o caminho a percorrer, para já e
entre portas, é o da intermunicipalidade, mas também o da procura de
uma vida melhor em comunhão com eleitos de outros Países, no combate
à exclusão do acesso a bens essenciais e, por isso, no combate à
pobreza.
Ao nível da abrangência multimunicipal, designadamente quanto ao
planeamento, os instrumentos estão aí, apesar das experiências
acanhadas.
O que aconteceu ao PROTAML? Os PDM de primeira geração estarão
suficientemente avaliados para que os de segunda geração possam fazer
o seu caminho ao nível de equipamentos desportivos sem que haja uma
duplicação desnecessária dos mesmos, com a consequente multiplicação
de custos? Funcionarão as áreas metropolitanas e as comunidades
urbanas com competências suficientes para a transformação da realidade
onde intervêm? Repensar a organização do poder politico e o seu
funcionamento é repensar o sistema desportivo. Porquê?
Porque só teremos melhor desporto e mais desporto quando o Estado for
melhor e funcionar de forma mais eficaz. Concepção estatizante? Não.
Trata-se da minha percepção da realidade.
Deste modo fica uma,
Quarta nota: o poder local deve ser encarado na lei de bases como agente
activo no sistema desportivo, em parceria com a administração central ou
com competências próprias mas munido de meios financeiros para o
exercício das usas competências, executando politicas integradas de
sustentabilidade e desenvolvimento social humano e cultural, no combate
á exclusão e à pobreza.
Minhas senhoras meus senhores,
A discussão está lançada. O congresso em movimento. Espero que
destas breves reflexões se faça a luz necessária para a dignificação do
desporto.
Muito obrigado pela vossa atenção.
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José Assis Em primeiro lugar quero saudar a iniciativa que hoje