MALINALLI TENEPAL: RECEPÇÃO DA MULHER
NOS SÉCULOS XVI, XX E XXI.
Amanda Luana Rocha SILVA1(Universidade Estadual do Piauí – UESPI)
RESUMO:
Malinalli Tenepal, Dona Marina (para os espanhóis) ou Malinche (para os indígenas, “aquela
que preferiu aos estrangeiros”) foi uma índia maia, cuja infância sofrida iniciou-se com a
morte do pai e com conflitos no novo casamento de sua mãe, que culminou com sua venda à
escravidão, chegando, então, ao conquistador espanhol Cortés, começando assim seu papel na
Conquista do México. O objetivo geral deste estudo é pesquisar o papel de Malinalli Tenepal
na Conquista do México, fazendo uso da Teoria da Estética da Recepção, embasado na
contribuição dos teóricos Jauss (1994) e Iser (1996), e dos escritores Esquivel (2006), Paz
(1992) e Castillo (1939). Para tanto, fazemos um estudo sobre a teoria da recepção, uma
pesquisa sobre o contexto histórico da Conquista do México e analisamos a recepção da
figura da mulher Malinalli / Malinche nos livros de História e na fortuna crítica sobre ela dos
séculos XVI, XX e XXI. Pesquisamos e comprovamos que Malinalli realmente traz consigo
julgamentos que justificam e lhe dão a sentença de vítima, traidora e talvez heroína na
Conquista. As perguntas que respondemos são: que os textos escritos sobre a Conquista do
México dizem sobre a participação de Malinalli? Malinalli foi uma heroína ou uma traidora?
Como nos apresentam a figura de Malinalli partindo dos aspectos históricos e culturais dessa
mulher? Este trabalho trata-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico. Os resultados obtidos
na pesquisa comprovam que, por saber falar línguas como o náhuatl, maia e o castelhano,
Malinalli foi o elemento chave para a Conquista do México, pois sem sua participação Hernán
Cortés não teria conseguido vitória, ou pelo menos não em tão pouco tempo.
Palavras-chave: Recepção, Malinalli Tenepal, Conquista do México.
ABSTRACT
Malinalli Tenepal, Dona Marina (o the Spanish) or Malinche (to the Indians, “the one who
prefer the foreing) was an indian maia, whose suffered childhood had begun with her father’s
1
Graduada em Licenciatura Plena em Letras Espanhol, pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI. E-mail:
[email protected]
death and with conflits in the new mother’s marriage, what culminated in your sell to slavery,
approaching, then, to the spanish conqueror Cortés, starting as soon your role on Mexico
Conquer. The general purpose of this study it’s to search the part of Malinalli Tenapal on
Mexico Conquer, making use Aesthetics of Reception Theory, grounded on the contribution
of theriotician Jauss (1994) and Iser (1996), and the writers Esquivel (2006), Paz (1992) and
Castillo (1939). Therefore, we make a study about the reception theory, a search about the
historical context of Mexico Conquer and analyze the reception the figure of the woman
Malinalli / Malinche in he History books and at the critique fortune about her in the centuries
XVI, XX, XXI.We search and comprove that Malinalli really brings with herself judges that
deraign and give her the victm sentence, betrayer, and maybe heroin in the Conquer The
questions that we answer are: what the scripts about the Mexico Conquer say about
Malinalli’s participation? Malinalli was a heroin or a betrayer? How they present us
Malinalli’s figure from the historical and cultural aspects of this woman? .This job has
characterized for being an investigation of bibliografichal mark. The results obtained on this
research comprove that for know languanges like náhuatl, maia and castilian, Malinalli
Tenepal was the main element for Mexico Conquer, cause without your participation Hernán
Cortés wouldn’t had your vitory, or at least not in so few time.
Keywords:Reception, Malinalli Tenepal, Mexico Conquer.
INTRODUÇÃO
Malinalli Tenepal, Dona Marina (batizada pelos espanhóis) ou Malinche (nomeada
assim pelos indígenas, que quer dizer “aquela que preferiu aos estrangeiros”) foi uma índia
maia que sofreu muito em sua infância, pois,quando seu paifaleceu, sua mãe casou-se outra
vez e teve um filho com o novo esposo, que renegou Malinalli, obrigando sua mãe vender a
índiaà escravidão. Com isso, Malinalli chega até Cortés, conquistador espanhol, começando
assim seu papel na conquista do México. Malinche traz consigo julgamentos firmes que lhe
conferem sentençasdesde traidora, vítima, até heroína na conquista do México, entendimento
possívelpor meio da análise da recepção de teóricos da literatura hispano-americana sobre a
conquista do México.
A Estética ou Teoria da Recepção considera a literatura um sistema que visa romper
com o exclusivismo da teoria de produçãoe representação da estética tradicional, pois
considera a literatura por produção, recepçãoe comunicação, ou seja, uma relação dialética
entre autor, obra e leitor. Dessa forma,iremosanalisaros textos e livros de Literatura hispanoamericana acerca do papel de Malinalli Tenepal na conquista do México de acordo com a
Teoria da Recepção, e assim descobrir as variadas leituras que se pode fazer dessa figura tão
intrigante em textos dos séculos XVI, XX e XXI.
Apesquisa será de natureza bibliográfica, tendo por baseos teóricos da Estética da
RecepçãoJauss (1994) e Iser (1996), além de textos sobreMalinalli Tenepal elivros de
Literatura hispano-americana, como Díaz (1939), Paz (1992) e Esquivel (2006).
O artigo está dividido em três seções: na primeira, fazemos uma suma acercada
Estética da Recepção, explicitando as teorias de Jauss (1994) e Iser (1996); na segunda,
discorremos sobre a Conquista do México, conhecendo um pouco mais sobre a vida de
Malinalli Tenepal, além de destacar a participação política dessa figura nesse episódio; por
fim, na terceira seção, analisamos a recepção de Malinalli Tenepal noséculo XVI por Bernal
Díaz del Castillo na obra “Historia Verdadera de la Conquista de Nueva España”, no século
XX, na visão de Octavio Paz no ensaio “Los hijos de la Malinche” eno século XXI, sobre o
ponto de vista de Laura Esquivel na obra “Malinche”.
1. ESTÉTICA DA RECEPÇÃO
A Éstética ou Teoria da Recepção propõe uma reformulação da historiografia literária
e da interpretação do texto, visando romper a exclusividade da teoria de produção e
representação da estética tradicional, pois entende que a literatura é formada por produção,
recepção e comunicação, ou seja, uma relação dialética entre autor, obra e leitor.
Basicamente, essa teoria preocupa-se com o leitor, como este recebe o texto literário e
o interpreta. Essa teoria surgiu a partir das ideias de Hans Robert Jauss (1921 - 1997), na
Alemanha, em meados de 1960, e depois contou com contribuições de outros, entre eles o
alemão, Wolfgang Iser (1926-2007).
Jauss contoucom uma importante contribuição de Iser, que formulou o conceito de
estrutura de apelo de texto. Segundo esse conceito, o mundo imaginário é esquematizado e
representado em uma obra por meio delacunas e alguns pontos de indeterminação, assim Iser
(1976) tem condições de confirmar um dos principais postulados da estética da recepção, que,
segundoJauss,“coloca ao lado da teoria da recepção uma teoria do efeito estético, que conduz,
a partir dos processos de transformação, a constituição do sentido pelo leitor e que descreve a
ficção como uma estrutura de comunicação”(JAUSS, 1979, p.76).
Entãoa obra pode mudar de acordo com o público, da sociedade e do tempo em que é
consumida, pois, como nos esclarece Costa (2013), Iser (1996) apoia-se em Jauss (1994)
quando afirma que os textos comunicam-se não somente com os leitores contemporâneos,
mas dialogam com outros públicos.
Na Estéticada Recepção, oleitoréo mais importante sujeito e principal agente na obra
literária. Éele quem consegue capturar o que o autor deseja transmitir com a obra. Wolfgang
Iser amplia essas ideias: “[...] é sensato pressupor que o autor, o texto e o leitor são
intimamente interconectados em uma relação a ser concebida como um processo em
andamento que produz algo que antes inexistia.” (ISER, 1979, p.105). Com isso, a obra pode
estar relacionada a uma possível leitura, enquanto compete ao leitor encontrar essas variadas e
novas possibilidades e não deixar que o texto se esgote.
O textomodifica-seconforme a disposição do leitor, condicionada pela relação
dialógica que aquele que lê mantém com a literatura. Em vista dessa natureza dialógica, uma
obra somente permanecerá em evidência enquantopossa interagir como receptor. Conforme
explica Jauss:
A obra que surge não se apresenta como novidade absoluta num espaço vazio, mas,
por intermédio de avisos, sinais visíveis e invisíveis, traços familiares ou indicações
implícitas, predispõe seu público para recebê-la de uma maneira bastante definida.
Ela desperta a lembrança do já lido, enseja logo de início expectativas quanto a
“meio e fim”, conduz o leitor a determinada postura emocional e, com tudo isso,
antecipa um horizonte geral da compreensão vinculado, ao qual se pode, então – e
não antes disso, colocar a questão acerca da subjetividade da interpretação e do
gosto dos diversos leitores ou camadas de leitores. (JAUSS, 1994, p. 28)
Dessarte, percebemos que Jauss confirma essa interpretação do leitor pela sua
vivência, costumes e visão de mundo, fatores importantíssimos para a mudança de sentido do
texto que até o momento anterior à leitura, era um texto inacabado.
Baseado em tudo isso é que vamos analisar o papel exercido por Malinalli Tenepal na
Conquista do México e buscar respostas para os vários questionamentos que sãofeitos sobre
ela, a partir da visão dos escritores que a revivem, mudandosua forma e cor, segundoo ponto
de vista de cada um, relacionando a contribuição desses teóricos com a forma pela qual
Malinalli vem sendo recebida nos livros.
2. A PARTICIPAÇÃO DE MALINALLI TENEPAL NA CONSQUISTA DO
MÉXICO.
Malinalli Tenepal, Dona Marina (batizada pelos espanhóis), Malitzin ou Malinche
(nomeada assim pelos indígenas, que quer dizer “aquela que prefiriu aos estrangeiros”), esta
mulher chamada de tantos nomes, foi uma india maia que teve uma infência terrível, pois foi
vendida pela sua própria mãe.Ao se tornar escrava, foi vendida e dada como presente várias
vezes.
Malinallibuscou a melhor forma de agradar seus senhorese rapidamente aprendeua
língua maia, além do seu idioma de origem, onáuatle. Aprendeu aindao castelhano, língua que
a levaria a um grau superior ao das outras escravas.
Mas foi depois da batalha contra os tlaxcaltecas, aos 15 anos de idade, que Malinalli
chegou ao conquistador espanhol Hernán Cortés acompanhada de outras dezenove mulheres,
como tributo de guerra daquele povo aos espanhóis. Apartir desse momento, Malinalli –
depois batizada pelos espanhóisde Marina e apelidada pelos aztecas de Malinche– começou
seu papel singular na Conquista do México. Apalavra náuatle para estrangeiro era Malinche,
como nomearam depois Cortés“capitão Malinche”e, como Malinalli estava sempre ao lado de
Cortés, os aztecas passaram a chamá-la de Malinche – “aquela que prefiriu ao estrangeiro”.
Ao perceber as habilidades linguísticas de Malinalli Tenepal, Cortés passa a querê-la
sempre ao seu lado, servindo-lhe como intérprete, ajudando nas negociaciações entre as
culturas.
Dona Marina,além de ser intérprete de Cortés, foi sua amante e companheira, pois nos
momentos difíceis sempre estava a seu lado e cuidando dele, embora ele nunca a tenha
considerado sua mulher. Malinalli também teve umfilho com ele, Martí, primogênito
ilegítimo, porém, como nãoa queria como mulher e estava casado, casou-a com umfidalgo,
Juan Jaramillo, com quem teve uma filha, María Jaramillo. Por ter dois filhos mestiços,
Malinche é considerada por muitosa mãe da nação mexicana.
Por saber falar basicamente três línguas (onáuatle, omaia e ocastelhano), Malinalli
Tenepal foielemento chave para a Conquista do México, já que, sem sua participação, Hernán
Cortés não teria obtido êxito em sua empreitada, ou pelo menos não em tão curto prazo de
tempo.
Não foi somente a escravidãoe a paixão que fez Malinche ajudar Cortés, foi também
sua fé, por acreditar que o conquistador espanhol era na verdadeo deus Quetzalcóatl – Deus a
quem os maias temiam seu regresso por desobedecerem a ele. Malinalli não era de acordo
coma desobediência dos maias ao deus Quetzalcóatl e, assim, decidiu participar ativamente da
Conquista do México, sendo intérprete de Cortés. Essa desobediência se dava por meio
doImperador Moctezuma, que tinhao costume de oferecer sacrifícios humanos aos deuses,
prática que ela não aceitava, assim como os espanhóis também não por serem católicos.
Malinche preveniuos espanhóis sobre os costumes militares e sociais dos nativos e
possivelmente realizou tarefas que chamamos hoje de “diplomacia”, sendo a principal
tradutora da Conquista do México.
Outro evento que ocorreuna “Nova Espanha” que destacou Malinche foia famosa
“Matança de Cholula”. Ela soube da conspiração que se estava armando para os espanhóise
habilmente passou esta informação a Cortés, que imediatamente tomou suas providências
mandando matar todos daquela cidade.Com mais essa batalha bem sucedida, Hernán Cortés
ganhou mais espaçoe respeito de alguns povos e Malinalli Tenepal, considerada então
traidora, passou a ser odiada por muitos e recebeu o nome de Malinche.
Malinche está presente e ativa em todos os atos da Conquista. Ela é a protagonista de
todos os acontecimentos que se sucedem entre as duas culturas – a indígena ea espanhola.
Sem ela, a Conquista do México não teria acontecido tão rapidamente e é por conta de sua
participação que ela leva consigo julgamentos justificáveis que lhe sentenciam como traidora,
vítima e até heroína da conquista.
Na próxima seção deste trabalho, analisamos como se deua recepçãoda personagem
Malinalli Tenepal nos séculos XVI, XX e XXI, de acordo com os seguintes escritores: Bernal
Díaz del Castillo, Octavio Paz e Laura Esquivel.
3. A RECEPÇÃO DA PERSONAGEM MALINALLI TENEPAL NOS SÉCULOS
XVI, XX E XXI.
O principal objetivo desta seçãoé analisar como se deu a recepção da personagem
Malinalli Tenepal nos séculos XVI, XX e XXI, de acordo com Bernal Díaz del Castillo
(escritor do século XVI) na obra “Historia Verdadera de la Conquista de Nueva España”, de
acordo com a visão de Octavio Paz (escritor do século XX) no ensaio “Los hijos de la
Malinche” e por fim, sobre o ponto de vista de Laura Esquivel (escritora do século XXI) na
obra “Malinche”.
A recepção de Malinalli Tenepal no século XVI
Bernal Díaz del Castillo foi um cronista espanhol que escreveu sobre a história da
conquista espanhola no México liderada por Hernán Cortés, para quem prestou serviços.
Nosso principal interesse em sua obra é saber como esse cronista espanhol se referiua
Malinalli Tenepal, sob a luz da estética da recepção.
Encontramos muitas linhasescritas sobre Malinalli Tenepal na obra “Historia
Verdadera de la Conquista de Nueva España”, a primeira se refere da seguinte forma: “y no
fue nada todo este presente en comparación de veinte mujeres, y entre ellas una muy
excelente mujer que se dijo doña Marina, que así se llamó después de vuelta cristiana”2
(CASTILLO, 1939, p.141). Nessa citaçãopercebemos que o autor exalta Malinalli Tenepal a
seus leitores ao dizer que ela era uma excelente mulher e ao nomeá-la de Marina, para dizer
que ela se converteu ao cristianismo, fato que para os reis – seus leitores – era algo muito
importante, pois aquele povo estava se convertendo à religião católica e logo estariam sob
seus domínios.
Comprovamos mais um enaltecimento de Castillo a Malinalli neste trecho: “y luego se
bautizaron, y se puso por nombre doña Marina [a] aquella india y señora que allí nos dieron,
y verdaderamente era gran cacica e hija de grandes caciques y señora de vasallos, y bien se
le parecía en su persona”3 (CASTILLO, 1939, p. 143). Bernal opta pela representação de
uma mulher indígena, porém agora cristãe antepondo a seu nome sempre a referência dona,
da tradição cristã que significa que ela pertencia a uma classe alta e nobre. Tal descrição pode
ser explicada pelo desejo de representar de uma maneira favorável Cortés, já que Malinalli
Tenepal sempre estava ao seu lado ajudando nas relações com os indígenas.
A figura de Malinalli nãoé enaltecida por completo por ela ser uma indígena, uma
classe social vista como inferior aos europeus. Tal fato é compreesível, pois eles viviam em
uma sociedade patriarcal, em que a mulher não tinha direito nem voz, mas que, por elafazer
parte do povo que estava sendo conquistado esuas ações favorecerem o sucesso da conquista,
ela não é esquecida.
Constatamos também que o historiador em sua crônicachama Cortés de “Capitão
Malinche” – nomeado assim pelos indígenas, por ser o senhor de Malinalli Tenepal, e por essa
palavra significar “estrangeiro” emnáuatle. Fato que comprovamos nesta citação da crônica:
Y la causa de haberle puesto este nombre es que como doña Marina, nuestra
lengua, estaba siempre en su compañía, en especial cuando venían embajadores o
pláticas de caciques, y ella lo declaraba en la lengua mexicana, por esta causa le
llamaban a Cortés el capitán de Marina, y para más breve le llamaron
Malinche.4(CASTILLO, 1939, p. 258).
Por Malinalli Tenepal ser nomeada de Malinche pelos indígenas, Hernán pasou a ser
conhecido também por Malinche, já que ela estava sempre ao seu lado. Com isso, Bernal
2
“E não foi nada todo este presente em comparação de vinte mulheres, e entre elas uma excelente mulher que se
chamava dona Marina, que assim se chamou depois de se tornar cristã.”(Tradução nossa).
3
“E logo lhe batizaram, e chamaram-lhe pelo nome de dona Marina, aquela índia e senhora que ali nos deramera
verdadeiramente grande cacica,filha de grandes caciques e senhora de vassalos, e bemse notava em sua
pessoa.”(Tradução nossa).
4
“E a causa de terem lhe posto este nome é que, como dona Marina, nossa língua, estava sempre em sua
companhia, em especial quando vinham embaixadores ouconversasde caciques, e ela traduziapara a língua
mexicana, por este motivochamavama Cortés o capitão de Marina, e logo o chamaramde Malinche.”(Tradução
nossa).
assume o ponto de vista dos conquistados, embora fosse espanhol e cristão, apresentando-nos
uma visãoquase que ambígua da indígena maia e considerando a conquista como uma vitória
coletiva de Hernán, dos soldados e de dona Marina.
Assim, quando o leitor interage com esse texto, depara-se com duas Malinallis: uma
que é traidora de seu povoe outra que é heroína da conquista espanhola. O que se pode ter em
conta, já que Iser (1996) presupõe que o autor, texto e o leitor estão intimamente ligados em
uma relação que pode conceber algo que antes não existia.
Recepção de Malinalli Tenepal no século XX
No século XX, escolhemos o escritor mexicano Octavio Paz (1992) como ensaio
intitulado “Los Hijios de la Malinche”, cuja análiseda recepção deste personagem pelo autor
expomos nesta seção. “Los Hijos de la Malinche”é um capítulo da obra “Laberinto de la
Soledad”, em que Octavio Paz faz uma crítica ao capitalismo. Nosso objetivo é captar de que
manera Paz se refere à Malinalli Tenepal para seus leitores.
No ensaio, Paz nomeia Malinalli de Malinche ou de “Chingada”, chamando-a poucas
vezes de dona Marina, para ressaltar que o povo mexicano não perdoa Malinalli – que
também é considerada símbolo de mestiçagem da identidade mexicana, por ter o primeiro
mestiço com Cortés. Comprovamos esta afirmação na obra “Laberinto de la Soledad”, de
Octavio Paz:
Toda la angustiosa tensión que nos habita se expresa en una frase que nos viene a
la boca cuando la cólera, la alegría o el entusiasmo nos llevan a exaltar nuestra
condición de mexicanos: ¡Viva México, hijos de la “Chingada”!. Verdadero grito
de guerra, cargado de una electricidad particular, esta frase es un reto y una
afirmación, un disparo, dirigido contra un enemigo imaginario, y una explosión en
el aire. (PAZ, 1992 p.31).5
Quando os mexicanos se utilizam dessa frase, eles negam sua origem, insultando
Malinalli por “Chingada” – termo que, segundo Octavio Paz, “es la madre que ha sufrido,
metafórica o realmente, la acción corrosiva e infamante implícita en el verbo que le da
nombre”6(PAZ, 1992, p. 31). Que,além disso, traz consigo múltiplos significados, quase
sempre pejorativos.
5
“Toda a angustiosa tensão que nos habita se expressa em uma frase que nos vem à boca quando a raiva, a
alegria ou o entusiasmo nos levam a exaltar nossa condição de mexicanos: Viva México, fihos da “Chingada”!
Verdadeiro grito de guerra, carregado de uma electricidade particular, esta frase é umdesafioe uma afirmação,
um disparo dirigido contra uminimigo imaginário, e uma explosãono ar.” (Tradução nossa).
6
“é a mãe que sofreu, metafórica ou realmente, a ação corrosiva e vergonhosa, implícita no verbo que lhe dá
nome.” (Tradução nossa).
Paz (1992) analisa a figura da indígena Malinalli relacionando-aà figura da
“Chingada”, representando a passividade da figura femenina. Aofazer essa relação, ele
ressaltaa entrega do nacional ao estrangeiro sem nenhuma resistência, assim como Malinche
entrega-se a Cortés. Podemos observar isso nesta citação:
El símbolo de la entrega es doña Malinche, la amante de Cortés. Es verdad que ella
se da voluntariamente al Conquistador, pero éste, apenas deja de serle útil, la
olvida. Doña Marina se ha convertido en una figura que representa a las indígenas,
fascinadas, violadas o seducidas por los españoles.(PAZ,1992, p.39)7
Essa ideia contribui para afirmar à cultura mexicana que a entrega de Malinalli ao
estrangeiro fez com que os mexicanos perdessem sua verdadeira identidade, com a perda da
cultura azteca. Porém,nessa mesma citação, Octavio Paz deixao leitor surpreendido ao
transformar a imagem de Malinalli, que era sempre de traidora, para vítima, permitindo que o
leitor julgue de acordo com sua visião de mundo, experiência de vida e outros elementos
distintos que servem para formar a recepção do texto.
Na concepção de Paz (1992), o povo mexicano não perdoa Malinalli porque ela
encarna o aberto, a passividade, a condição natural femenina de entregar-se, de abrir-se. A
figura desta indígena maia trazaté hoje fantasmas interiorizados de um passado que os
mexicanos não queremlembrar, pois somente desejam ter sua identidade própria, semo
incômodo do estrangeiro.
Para Paz, essa visão mostra o quanto os mexicanos não querem aceitar sua
descendência, nem indígena por pertencer à Malinalli, nem espanhola por pertencer ao
conquistador espanhol Hernán Cortés, repudiando assim sua origem, sua mãe.
Recepção de Malinalli Tenepal no século XXI
No século XXI, escolhemos a escritora mexicana Laura Esquivel (2006) com a obra
intitulada “Malinche”, que analisamos a recepção de Malinalli, ilustrando com algumas
citações da obra.
Malinalli traz consigo julgamentos de ser traidora porque“entregou” oMéxico a
Cortés, como Octavio Paz escreve em seu ensaio, poréma escritora Laura Esquivel escreve
7
“O símbolo da entrega é dona Malinche, a amante de Cortés. É verdade que ela se dá voluntariamente ao
Conquistador, mas este, apenas quando ela deixa de lhe ser,a esquece. Dona Marina se converteu em uma figura
que representa as indígenas fascinadas, violadas ou seduzidas pelos espanhóis.” (Tradução nossa).
sua obra levando em conta outra imagem da indígena maia, uma mulher que somente queria
sua liberdadee de seu povo, que estava inserido naquela cultura de sacrifícios humanos.
A autora faz seus leitores crerem que Malinalli Tenepal não pensava que,escolhendo o
estrangeiro,estaria escolhendo o mal, e sim o bem, pois não apoiava a cultura azteca em que
vivia e que continha idolatria a vários deuses, além dos sacrifícios humanos. Percebemos isso
quando Esquivel afirma isto em sua obra:
Malinalli estaba en total desacuerdo con la manera en que ellos gobernaban, se
oponía a un sistema que determinaba lo que una mujer valía, lo que los dioses
querían y la cantidad de sangre que reclamaban para subsistir. Estaba convencida
que urgía un cambio social, político y espiritual.(ESQUIVEL, 2006, p. 24).8
Além de falar sobre a participação de Malinalli Tenepal na Conquista do México, a
autora descreve seu lado humano, destacando sua bondade, seus sentimentos, sua fragilidade,
seu desejo intenso de libedade e de libertar seu povo. Notamos também que a personagem tem
muitas memórias com sua avó, que está em seus pensamentos de maneira muito forte. Lemos
sua nostalgia em: “…recordó a su abuela y en su mente se infiltraron imágenes queridas y
dolorosas a la vez”9 (Esquivel, 2006, p. 22). Com essas memórias, o leitor conhece um pouco
da infância de Malinalli, embora fictícia em partes.
Asssim como os bonse frágeis sentimentos de humanidade são enaltecidos pela
escritora e percebidos pelo leitor, ele também percebe os maus, como o egoísmo, o interesse
pessoal, e o ressentimento que compõem Malinalli.
Para nos mostrar que ela não foi totalmente traidora como a intitulame sim uma pessoa
que quis o melhor para seu povo, livrando-os de uma cultura que não valorizava a vida
humana, enquanto a nova cultura e religião que se apresenta diante dela ensina que a vida é o
presente mais importante dado por Deus, Malinalli se converte ao cristianismo e passa a
ajudar os espanhóis, mesmo tendo medos e dúvidas, como podemos constatar a seguir:
La enorme culpa que Moctezuma cargaba sobre sus espaldas lo hacía no sólo creer
que había llegado la hora de pagar sus deudas sino que la llegada de los españoles
marcaba el fin de su imperio. Malinalli podía impedir que esto sucediera, podía
proclamar que los españoles no eran enviados de Quetzalcóatl y en un segundo
serían destruidos…, pero ella sería asesinada junto a ellos, y no quería morir como
esclava. […]Si los españoles podían lograr que sus sueños se cristalizaran valía la
pena ayudarlos.(ESQUIVEL, 2006, p. 74-75).10
8
“Malinalli estava em total desacordo coma maneira como eles gobernavam, opunha-se a um sistema que
determinava o que uma mulher valia, o que os deuses queriame a quantidade de sangue que reclamavam para
subsistir. Estava convencida de que era necessária umamudança social, político e espiritual.”(Tradução nossa).
9
“Lembrou-se de sua avóelogo em sua mente se infiltraram imagens queridas e dolorosas ao mesmo tempo.”
(Tradução nossa).
10
“A enorme culpa que Moctezuma carregava sobre suascostas o fazia não somente crer que haviachegado a hora
de pagar suas dívidas, e sim que a chegada dos espanhóis marcava o fim de seu império. Malinalli podia impedir
que isto acontecesse, podia proclamar que os espanhóis não eram enviados de Quetzalcóatl e em um segundo
Assim percebemos que a autora visa mostrar também esse sentimiento de medo que
pesa na decisão de ajudar aos espanhóis e não aos mexicanos, que eram seus inimigos. Com a
decisão tomada, ela passa a destacar-se no campo político e ascende de uma simples escrava a
uma intérprete que sempre estava ao lado do capitão Hernán Cortés.
Depois que Malinalli Tenepal é rejeitada por Cortés, ela se sente muito culpada por
toda matança que houve entre os espanhóise indígenas, porém já era tarde demais. Os
espanhóisjá não eram deuses e uma parte muito grande de seu povo foi assassinada, em vez de
liberto. Nesta citação podemos observar isso claramente:
Decidió entonces castigar el instrumento que había creado ese universo. De noche,
atravesó parte de la vegetación, hasta encontrar un maguey del cual extrajo una
espina y con ella se perforó la lengua. Empezó a escupir la sangre como si así
pudiese expulsar de su mente el veneno, de su cuerpo la vergüenza y de su corazón
la herida. (ESQUIVEL, 2006, p. 163)11
A escritora Esquivel,ao narrar a história de Malinalli nessa ficção, expõe seu ponto de
vista e sua subjetividade diante dos acontecimentos, destacando em toda obra as emoções dos
personagens. O leitor se depara muitas vezes com uma Malinalli Tenepal que é honradae
respeitada, e não uma mulher fácil, que trai seu povo: a essa construção poética da indígena
maia cabe ao leitor julgar e dar-lhe a sentença de vítima, traidora ou heroína.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao analisar as obras de Bernal Díaz del Castillo, Octavio Paz e Laura Esquivel,
percebemos que os autores fazem uma recepção distinta da personagem Malinalli Tenepal na
Conquista do México, embora todos concordem com o importantíssimo papel que ela
desempenhouna história da conquista.
Castillo, assim como todos os escritores, escreve pensando em seu destinatário, e
como seus principais leitores eram os reis, elenos passa uma imagemde Malinalli que deixa de
lado sua cultura e se converte ao cristianismo.Em sua obra, Castillo sempre chamaMalinalli
de dona Marina, a fim de mostrar aos reis que o conquistador Hernán Cortés estava ao lado de
uma pessoa que lhe ajudava na conquista e que aderiu aoscostumes e valores cristãos,
enaltecendo sempre sua inteligência e lealdade, mas nunca enaltecida por completo, por ela
seriam destruídos…, mas ela seria assassinada junto a eles, e não queria morrer como escrava. […] Se os
espanhóis podiamconseguir que seus sonhos se tornassem verdade, valia a pena ajudá-los.”(Tradução nossa).
11
“Decidiu, então, castigar o instrumento que havia criado esse universo. À noite, atravessou parte da vegetação,
até encontrar um mague do qual extraiu um espinho e com ele furou sua própria língua. Começou a cuspir
sangue como se assim pudesse expulsar de sua mente o veneno, de seu corpo a vergonhae de seu coração a
ferida.”(Tradução nossa).
ser uma indígena e uma mulher. O autor também escreve que Hernán Cortés foi nomeado de
Malinche, por ser dono de Malinalli, assim o leitor percebe como era forte a presença dessa
indígena maia,e não revela o significado donome “Malinche” para seus receptores, pois assim
eles saberiam também que Malinalli era vista como traidora de seu povo, o que a
transformava emheroína dos espanhóis na conquista.
A representação que Octavio Paz faz de Malinalli Tenepal para seus receptores já
édiferente porque ele mostra a rejeição do povo mexicano por ela ter ajudado os espanhóis na
Conquista do México. Octavio Paz nomeia Malinalli em seu ensaio de Marina, Malinche e
Mãe Chingada, reafirmando que sua traiçãonão foi esquecida pelo povo mexicano e que, por
ela, eles perderam sua verdadeira identidade ao mesclar a cultura azteca coma espanhola. Paz
sutilmente também descreve Malinche como vítima dos espanhóis, consentindo que o leitor
julgue o personagem de acordo com sua visão crítica.
Por fim, ao analisar a novela de Laura Esquivel, notamos a diferença impactante da
releitura que ela fez da indígena Malinalli Tenepal em comparação aos escritores Bernal Díaz
del Castillo e Octavio Paz, pois ela destaca a humanidade autêntica de Malinalli, descrevendonos uma pessoa que possui sentimentos bons, que pensa em seu povo, que sofre, que sente
medo, mas, como qualquer outra pessoa,também tem seus interesses próprios. A escritora
tenta desmistificar a visão de que Malinalli Tenepal é totalmente traidorae culpada, mostrando
que a personagem também foi uma heroína, ao livrar seu povo dos sacrifícios humanos,e foi
vítima por ser escrava e ter sido seduzida pelos espanhóis.
Malinalli Tenepal foi descrita de forma distinta pelos autores Castillo, Paz e Esquivel,
respectivamente nos séculos XVI, XX e XXI e recebida ao longo dos séculos por um público
de leitores variados que, dependendo da sua visão de mundo, tempo eda sociedade em que
vive, poderá interpretar os textos de acordo com esses elementos julgando a indígena
Malinalli de distintos ângulos.
REFERÊNCIAS
CASTILLO, Bernal Díaz de. Historia Verdadera de la Conquista de la Nueva
España. México, D.F.: Editorial Pedro Robredo, 1939.
COSTA, Margareth Torres de Alencar. Sóror Juana Inês de La Cruz: autobiografia e
recepção. Recife: O Autor, 2013. Argentina. Buenos Aires: Plus Ultra, 1978.
ESQUIVEL, Laura. Malinche. 1ª ed. – Buenos Aires: Aguilar, Altea, Taurus, Alfaguara,
2006.
ISER, W.
O
Ato
da
Leitura: uma
teoria
do
efeito
estético.
Tradução
de
Johann
es
Kreschmer
São
Paulo:
Ed.
34,1996.
JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária. São
Paulo: Ática, 1994.
_________________. A estética da recepção: colocações gerais. In: COSTA LIMA, L. (org.).
A literatura e o leitor, textos da estética da recepção. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
PAZ, Octavio. El laberinto de la soledad. 2ª ed. revisada y aumentada, 1959. México: FCE,
1992.
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Amanda Luana Rocha SILVA