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A FUSÃO DA ETNOLOGIA BRASIL/ÁFRICA
MATONDO MPATI
Mestre em Teologia (Etnoteologia e Antropologia Cultural)
Angola, África
RESUMO
O presente estudo tem como objetivo abordar a fusão da etnologia Brasil e
África, tendo em vista a contribuição dos africanos para a formação da cultura
brasileira. O estudo foi baseado em uma revisão de literatura sobre o tema,
fundamentada no método exploratório. Com a elaboração deste estudo
podemos afirmar que a fusão Brasil/África resultou em diversas referencias no
campo das artes e da estética, como por exemplo na literatura e nas artes
visuais, onde diversos atores negros buscaram construir uma identidade afrobrasileira autônoma.
Palavras-chave: África; Brasil; Etnologia; Fusão.
INTRODUÇÃO
O tema deste estudo é a fusão da etnologia Brasil e África. Ao chegarem
ao Brasil, em 1500, os portugueses iniciaram um intenso processo de
aculturação, denominado de Missão Civilizadora, cujo objetivo integrar o índio à
cultura ocidental para que o mesmo pudesse ser dominado. Deste modo, os
portugueses ensinaram aos índios sua língua, e o modo como deveriam se
comportar, o que deveriam temer, em quem deveriam acreditar e as leis que
deveriam respeitar.
Assim, a dominação política de Portugal foi realizada pela ocupação do
território brasileiro. Os portugueses faziam incursões em terras indígenas,
instalando capitanias e outras formas e ocupação comuns na época às regiões
invadidas.
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Para conseguir a mão-de-obra necessária para a colonização do Brasil e
a instalação dos portugueses no país, os colonizadores recorreram ao
processo de escravidão, destituindo as populações indígenas de todos os seus
direitos e submetendo-os ao trabalho escravo. Entretanto, a resistência do
índio ao processo de escravidão deu origem a sua massiva exterminação e,
consequentemente, a busca dos africanos para se tornarem escravos no Brasil.
A data da deportação dos primeiros africanos para o Brasil não é exata,
alguns autores indicam a primeira metade do século XVI, outros indicam a
segunda metade do referido século. Mas, é certo que os africanos chegaram
ao Brasil durante o século XVI, com a produção de açúcar que se constituiu na
primeira atividade rentável e a partir da qual teve início a economia brasileira.
Tendo em vista os argumentos supracitados, a questão que orienta este
estudo é a seguinte: qual a contribuição dos africanos para a formação da
cultura brasileira?
É certo que o povo africano muito contribuiu para o enriquecimento da
cultura brasileira, com sua língua, comidas típicas, religião, dança, música,
capoeira, entre muitas outras coisas, que serão apresentadas neste estudo.
O presente estudo tem como objetivo abordar a fusão da etnologia Brasil
e África, tendo em vista a contribuição dos africanos para a formação da cultura
brasileira.
O estudo foi baseado em uma revisão de literatura sobre o tema,
fundamentada no método exploratório.
O método exploratório, como representa o próprio nome, explora as
possibilidades e perspectivas de determinada situação. Segundo Yin (2005) a
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exploração começa com um fundamento lógico e com um direcionamento,
mesmo que no final do estudo, as suposições iniciais não sejam confirmadas.
Quanto ao tipo de pesquisa, esta se caracteriza como pesquisa
qualitativa. A pesquisa qualitativa é um estudo não-estatístico que identifica e
analisa profundamente dados não-mensuráveis – sentimentos, sensações,
percepções,
pensamentos,
intenções,
comportamentos
passados,
entendimento de razões, significados e motivações – de um determinado grupo
de indivíduos.
1 ÁFRICA: BERÇO DE DIVERSAS CIVILIZAÇÕES
Este capítulo tem como objetivo apresentar a imagem do continente
africano, como um berço das diversas civilizações. Na maioria das vezes, as
imagens que temos da África são distorcidas, não representam a realidade
cultural daquele continente.
Como observam Munanga e Gomes (2006), até hoje, nas imagens que
são veiculadas sobre a África, raramente são mostrados os vestígios de um
palácio real, de um império, as imagens dos reis e muito menos as de uma
cidade moderna africana construída pelo próprio ex-colonizador. Geralmente,
mostram uma África dividida e reduzida, enfocando sempre os aspectos
negativos, como atraso, guerras ‘tribais’, selva, fome, calamidades naturais,
doenças endêmicas, etc.
Mas, é importante destacar que não faltam imagens e registros
históricos capazes de mostrar uma África autêntica em sua múltipla realidade,
que possam até criar um sentimento de solidariedade com os países africanos
(MUNANGA; GOMES, 2006).
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De acordo com Nascimento (2006, p. 34),
A África é considerada o berço da humanidade e da civilização
porque podemos verificar que passando por ancestrais
pertencentes a várias espécies do gênero Australopithecus e às
espécies primitivas do gênero Homo (desde o Homo habilis até o
neandertal e seus pares) – que o caminho evolutivo conduz o
Homo sapiens ao homem moderno.
Nascimento (2006) afirma que, atualmente, é consenso entre
cientistas que esse processo evolutivo teve início na África.
Este consenso científico sustenta, ainda, que
O homem moderno (Homo sapiens) também evoluiu na África e
de lá saiu, há mais ou menos 150 mil anos, em uma segunda fase
de ondas migratórias através da Eurásia. Isso é comprovado
pelas ossadas fósseis, pelos indícios da manufatura de
implementos e da arte primitiva encontrada no continente
africano. E como se não bastassem às evidências acima, as
pesquisas na área genética indicam com nitidez uma origem
comum do homem moderno na África (NASCIMENTO, 2006, p.
34).
Entre as civilizações mais antigas da história da humanidade, algumas
desenvolveram-se no continente africano, como a egípcia, a cuxita, a axumita e
a etíope. A história do Egito faraônico talvez seja a mais popular, mas todas
essas civilizações sobreviveram a um longo período de história da
humanidade, desenvolvendo tecnologias e inúmeras formas de organização de
suas sociedades, e produzindo um enorme legado cultural para toda
humanidade (MUNANGA; GOMES, 2006).
Segundo Munanga e Gomes (2006), no vale do alto Nilo, entre a
segunda e sexta catarata, num território que correspondia mais ou menos ao
atual país Sudão, se desenvolveu o império de Kush ou a civilização cuxita.
Contemporâneo do Egito, do qual era vizinho e potente concorrente político, o
reino de Kush foi conquistado pelo faraó egípcio Tutmosis I por volta de 1530
a.C. Por sua vez, o rei do império de Kush invadiu o Egito por volta de 725 a.C
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e o anexou ao seu império, formando a XXV dinastia egípcia, da qual tornou-se
faraó, o faraó etíope.
As mútuas influências entre as duas civilizações negras se observam
notadamente na construção das pirâmides e no cuidado que ambas tinham
com o culto dos mortos.
Uma das características da civilização cuxita é o reinado feminino que
contou com diversas linhagens das rainhas-mães, as ‘Candaces’ (MUNANGA;
GOMES, 2006).
A civilização axumita, posterior às civilizações egípcia e cuxita, se
desenvolveu no princípio do século II da era cristã, no território que
corresponde mais ou menos à Etiópia atualmente. Uma das características
dessa civilização foi o cristianismo, que foi introduzido a partir de Alexandria,
durante a ocupação romana do Egito, no império bizantino. É por este motivo
que a Etiópia é considerada o país cristão mais antigo da África subsaariana,
sem que houvesse contato com a colonização. Além do mais, salvo uma curta
ocupação da Itália entre 1935 e 1945, a Etiópia nunca foi verdadeiramente
colonizada (MUNANGA; GOMES, 2006).
Durante muito tempo, pensava-se que o Egito tivesse sido povoado a
partir
da
Ásia,
até
então
considerada
o
berço
da
humanidade.
Consequentemente, a civilização egípcia teria origem fora da África. Mas a
aceitação geral de que a origem do Homem é africana transformou a visão
sobre o povoamento do Egito e sobre a origem dessa civilização. Portanto, se o
povoamento do Egito deu-se a partir dos africanos que habitavam o continente,
não resta dúvida de que foram eles os primeiros a construir essa civilização
(MUNANGA; GOMES, 2006).
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Devem ser citados também (MUNANGA; GOMES, 2006):
a)
O império de Mali, segundo do Sudão Ocidental depois de
Gana, formou-se a partir de uma província mandinga ao norte
de Fouta Djalon. A sua capital, Niani, situava-se na fronteira
entre o atual Mali e Guiné.
b)
O império de Songai. Por volta do século VIII, existiu, no topo
da curva do rio Níger, o mais longo da África ocidental, o
pequeno reino de Kukia, fundado por uma população de
camponeses, caçadores e pescadores. Gao, sua capital no
século IX, ficava na encruzilhada das grandes rotas de
caravana do Saara.
c)
Império de Kanem-Bornu. Segundo os escritores árabes, o
império
de
Kanem-Bornu
desenvolveu-se
a
partir
do
nascimento de um reino que teria existido entre os séculos VIII
e IX, a nordeste do lago nas dunas de Kanem. De acordo com
a lenda, a dinastia veio do Tibesti, país dos Tubu, onde os seus
reis foram durante muito tempo buscar as suas rainhas e onde
encontravam também os guias indispensáveis para seus
empreendimentos no Saara.
d)
A civilização Ioruba. Esta civilização desenvolveu-se a partir do
século XI, no sudoeste da atual Nigéria. Era uma civilização
caracterizada por dezenas de cidades, das quais muitas
ultrapassavam os 20 mil habitantes. Constituíam grandes
centros e artesanato com oleiros, tecelões, marceneiros,
ferreiros etc. Paralelamente às atividades artísticas, artesanais
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e comerciais praticavam-se atividades agrícolas baseadas no
plantio do inhame, da palmeira e outros produtos alimentares.
e)
Reino de Abomé. Situado na atual República de Benin, o reino
de Abomé foi fundado no início do século XVII, por Do Aklim.
Até o fim do século XVII, era apenas um pequeno Estado que
controlava somente uma centena de quilômetros quadrados em
torno de Abomé, capital do Reino. Mas a partir do início do
século XVII, os diversos sucessores do trono ampliaram as
conquistas. Obtiveram acesso direto ao mar, apropriando-se do
importante centro do tráfico negreiro de Ouidah, em 1747. O
que deu a Abomé as condições para se tornar um dos
principais centros negreiros da costa ocidental africana.
f)
Reino de Achanti. O reino de Achanti, que se situaria na atual
República de Gana, nasceu e se desenvolveu na região que
orla o Golfo da Guiné, chamada Costa do Ouro pelos
europeus. Foi o primeiro ponto do dito Golfo descoberto pelos
portugueses. Ali se estabeleceram para iniciar o tráfico negreiro
que levou à escravização de milhares de homens e mulheres
africanos. Nesse ponto, os portugueses fundaram, em 1481, o
famoso forte de São Jorge de Minas. Seguindo os mesmos
passos dos portugueses, mercadores franceses, holandeses,
suecos, dinamarqueses, ingleses e alemães freqüentaram
também a costa que, em pouco tempo, ficou marcada pela
construção de 35 fortes de várias nacionalidades ocidentais.
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Na África Central e Austral, destaca-se o Reino do Congo, que remonta
ao fim do século XIV e ocupou um território que se estendia do rio Kwilu-Nyari
(ao norte do porto de Loango) até o rio Loje (ao norte de Angola), do Atlântico
ao rio Kwango, cobrindo o Baixo Congo (na atual República Democrática do
Congo), o enclave de Cabinda, uma parte de Angola e do Congo-Brazaville.
Isto significa que quando o descobridor português Diogo Cão lançou a âncora
no rio Congo, em 1842, o reino do Kongo, uma das civilizações mais
prestigiosas da África Central, já tinha quase meio século de existência
(MUNANGA; GOMES, 2006).
O Estado Zulu localizava-se na região sudeste da África, entre as
montanhas de Drakensberg e o Oceano Índico e cobria cerca de 200.000 Km2.
Foi fundado por Chaca do grupo nguni que, no fim do século XVIII, tinha uma
organização política relativamente pouco elaborada. Nascido entre 1783 e
1786, Chaca tomou o poder depois da morte do pai, em 1816, após ter vencido
o conflito dinástico entre os possíveis herdeiros (MUNANGA; GOMES, 2006).
Devido à falta de conhecimento da riqueza do patrimônio cultural da
África e de seu reconhecimento como berço da humanidade, durante muitos
anos no Brasil, acreditou-se que o africano escravizado sofreu de maneira
passiva todos os maus-tratos praticados pelos senhores. Essa crença interferiu
e interfere, ainda hoje, no imaginário construído na sociedade brasileira a
respeito dos antepassados africanos e de seus descendentes na atualidade.
É importante conhecer a origem deste tipo de crença e como ela
interfere na visão social sobre as pessoas negras e no modo como se
relacionam. Além de influir na vida social de um modo geral, essa visão
também tem efeitos na construção da auto-estima e da identidade tanto das
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pessoas negras como das brancas. Na verdade, a crença da passividade do
africano escravizado no Brasil, na indolência e conformismo diante da
escravidão trata-se de um equívoco histórico (MUNANGA; GOMES, 2006).
Alguns fatores contribuíram e ainda contribuem para que tal equívoco
persista. Dentre vários, destacam-se (MUNANGA; GOMES, 2006):
a)
A existência do racismo na sociedade brasileira, produzindo e
disseminando uma visão negativa sobre o negro.
b)
O desconhecimento de uma grande parte da sociedade
brasileira, inclusive dos intelectuais, sobre os processos de luta
e organização dos africanos escravizados e dos seus
descendentes durante o regime escravista. Há também uma
falta de conhecimento sobre as ações do movimento negro na
atualidade.
c)
A falta de divulgação de pesquisas e livros que recontam a
história do negro brasileiro, destacando-o como sujeito ativo e
não como vítima da escravidão e do passado escravista.
d)
A crença de que no Brasil não há racismo e de que os
diferentes grupos étnico-raciais existentes, nos quais está
incluído o segmento negro, viveram uma situação mais branda
de exploração e escravidão quando comparados com a
realidade de outros países.
Existem outros fatores que poderiam ser considerados, destacamos
apenas os que consideramos principais para o estudo e a compreensão da
presença africana no Brasil.
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Como observam Munanga e Gomes (2006), se passarmos em revista a
história do negro no Brasil, descobriremos que esta não significou passividade
e apatia, mas, sim, luta e organização. Para compreendermos as estratégias e
as formas de luta que foram criadas, é preciso considerar o momento histórico
em que o africano escravizado vivia e o que significava ser negro e escravo no
Brasil colônia. Nesse sentido, quando pensamos a situação dos escravizados e
dos libertos, também temos que considerar o tipo de sociedade existente
naquele momento e as possibilidades desses sujeitos diante de um contexto
que não previa nenhum tipo de integração e inserção social tanto dos
escravizados como dos libertos na sociedade dos homens livres.
Segundo Munanga e Gomes (2006), essas formas de organização negra
revelaram que os africanos escravizados no Brasil e seus descendentes eram
homens e mulheres, crianças, jovens, adultos e velhos, integrantes de
diferentes etnias, produtores de cultura. Por mais humilhante e opressor que
tenha sido o regime da escravidão, ele não conseguiu roubar a humanidade
dessas pessoas. Sendo assim, temos que deixar de ver o negro que viveu sob
o regime da escravidão como ‘naturalmente escravo’.
O fato é que a população negra nunca aceitou passivamente tal
situação. Na luta pela construção da cidadania muito sangue foi derramado.
Quatro destas histórias de resistência e luta são descritas a seguir
(MUNANGA; GOMES, 2006):
a)
A Revolta da Chibata, movimento liderado por um negro, que
se opôs ao modo como eram tratados os marujos da marinha
brasileira, no início do século XX.
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b)
A Frente Negra Brasileira, uma forma de organização política
que surge a partir da ação de militantes negros paulistas pósabolição, com intenções de se tornar uma articulação nacional.
c)
O Teatro Experimental do Negro – TEN – cujo projeto
pedagógico destacava a educação como forma de garantir a
cidadania para o povo negro e que tinha a arte e o teatro como
instrumentos de expressão cultural e política.
d)
O Movimento das Mulheres Negras que destaca a articulação
entre raça e gênero dentro das relações étnicos/raciais na
sociedade brasileira de um modo geral e dentro dos
movimentos sociais em espécies.
De fato, o que aconteceu ao negro africano foi imposto pelo regime da
escravidão que o obrigou a viver durante séculos sob a condição de escravo. E
isso faz toda a diferença. Portanto, o negro africano é parte integrante da
cultura brasileira, sendo fundamental o conhecimento de sua história para que
se possa resgatar o conhecimento da verdadeira história do Brasil.
O capítulo a seguir apresenta as considerações sobre a fusão da
etnologia Brasil/África.
2 A FUSÃO DA ETNOLOGIA BRASIL/ÁFRICA
Este capítulo tem como objetivo apresentar o contexto da fusão Brasil e
África, tendo como foco a chegada dos africanos ao Brasil e suas contribuições
para a formação da cultura brasileira; o Movimento Negro no Brasil e a
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valorização e reconhecimento da cultura africana no Brasil; e, a educação dos
negros no Brasil e a importância do ensino da História da África nas escolas
brasileiras.
2.1 A CHEGADA DOS AFRICANOS AO BRASIL E SUAS CONTRIBUIÇÕES
PARA A FORMAÇÃO DA CULTURA BRASILEIRA
Os africanos chegaram ao Brasil durante o século XVI, por meio do
tráfico negreiro. O tráfico negreiro é considerado, por sua amplitude e duração,
como uma das maiores tragédias da história da humanidade (MUNANGA;
GOMES, 2006).
Segundo Munanga e Gomes (2006), todos os africanos trazidos para o
Brasil, o foram por intermédio do trafico negreiro, na rota transatlântica,
envolvendo povos de três regiões geográficas:
a)
África Ocidental, de onde foram trazidos homens e mulheres
dos atuais Senegal, Mali, Níger, Nigéria, Gana Togo, Benin,
Costa do Marfim, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Cabo
Verde, Guiné, Camarões.
b)
África Centro-Ocidental, envolvendo povos do Gabão, Angola,
República do Congo, República Democrática do Congo (antigo
Zaire), República Centro-Africana.
c)
África Austral, envolvendo povos de Moçambique, da África do
Sul e da Namíbia.
Sobre a contribuição dos africanos para o Brasil, pode-se dizer que, no
plano econômico, os africanos contribuíram com a força de trabalho,
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fornecendo mão-de-obra necessária às lavouras de cana-de-açúcar, algodão,
café e à mineração. Devido ao trabalho gratuito originado da escravidão negra,
foram produzidas as riquezas que ajudaram na construção do Brasil colonial e
na construção da base econômica do país (MUNANGA; GOMES, 2006).
No plano demográfico, os africanos contribuíram para o povoamento do
Brasil:
A título de exemplo, a evolução demográfica, segundo alguns
autores, mostra que, até 1830, os negros constituíam 63% da
população total, os brancos 16% e os mestiços 21%. A partir de
1850, data da abolição do tráfico negreiro, acompanhada pela
extinção da escravidão em 1888, a população negra começou a
decrescer sensivelmente por causa das más condições de vida
em que se encontrava e da mestiçagem com brancos e índios
(MUNANGA; GOMES, 2006, p. 20).
No plano cultural, os negros contribuíram com o seu idioma, a
religiosidade, a arte visual, a dança, a música, a arquitetura, entre outros.
No que se refere ao idioma, os africanos introduziram um vocabulário
desconhecido no português original e que faz parte da língua portuguesa no
Brasil, atualmente.
Em relação à religiosidade, os africanos legaram ao Brasil algumas de
suas religiões populares, como o Candomblé e a Umbanda que fazem parte do
patrimônio religioso brasileiro.
Segundo Munanga e Gomes (2006, p.140),
Compreender a tradição religiosa afro-brasileira, recontar a
história do povo negro na África pré-colonial, pós-colonial e, em
nosso caso específico, durante e após o regime escravista
brasileiro significa compreender um passado que para muitos de
nós é desconhecido. Este passado e o modo como foi construído
interfere e interferirá em nossas crenças e nas formas de inserção
e vivência do mundo atual, seja enquanto negros, brancos e
indígenas brasileiros.
Como arte dos negros africanos, temos as figas de madeira, os objetos
de ferro, os instrumentos musicais como tambor, cuíca, berimbau, entre outros.
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A música e a dança foram influenciadas pelo congado, jongo, maculelê,
maracatu, bumba-meu-boi, destacando-se o samba, um dos gêneros musicais
mais populares, que se constituiu numa identidade cultural brasileira.
A capoeira também é uma contribuição dos negros à cultura brasileira.
De acordo com Areias (1983, p. 8),
A capoeira é música, poesia, brincadeira, diversão e, acima de
tudo, uma forma de luta, manifestação e expressão do povo, do
oprimido e do homem em geral, em busca da sobrevivência,
liberdade e dignidade.
Areias (1983) afirma que a história da capoeira passou por quatro fases
importantes:
a)
A do início da escravidão, quando o escravizado, usando
apenas o instinto de sobrevivência, tentava usar o seu corpo
para livrar-se do sofrimento e fugir.
b)
A da áurea dos quilombos, na qual a capoeira já era uma das
armas necessárias aos quilombolas para a defesa.
c)
A da proibição oficial da capoeira após a Abolição.
d)
Por fim, a fase da sua liberação, no ano de 1932.
É importante relatar que os escravos não possuíam armas suficientes
para se defenderem e descobriram formas de enfrentar as armas inimigas e o
julgo da escravidão. A capoeira é uma delas.
Sobre a importância em se conhecer a cultura africana para o contexto
da educação, Gomes (2003, p. 77):
Cabe ao educador e à educadora compreender como os
diferentes povos, ao longo da história, classificaram a si mesmos
e aos outros, como certas classificações foram hierarquizadas no
contexto do racismo e como este fenômeno interfere na
construção da auto-estima e impede a construção de uma escola
democrática. É também tarefa do educador e da educadora
entender o conjunto de representações sobre o negro existente na
sociedade e na escola, e enfatizar as representações positivas
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construídas politicamente pelos movimentos negros e pela
comunidade negra. (...) Mas isso requer um posicionamento.
Implica a construção de práticas pedagógicas de combate à
discriminação racial, um rompimento com a “naturalização” das
diferenças étnico/raciais, pois esta sempre desliza para o racismo
biológico e acaba por reforçar o mito da democracia racial. Uma
alternativa para a construção de práticas pedagógicas que se
posicionem contra a discriminação racial é a compreensão, a
divulgação e o trabalho educativo que destaca a radicalidade da
cultura negra. Essa é uma tarefa tanto dos cursos de formação de
professores quanto dos profissionais e pesquisadores/as que já
estão na prática.
Tendo em vista a importância do conhecimento da contribuição cultural
dos africanos para o Brasil, a seguir abordamos a etnia brasileira e o
Movimento Negro no Brasil.
2.2 ETNIA E MOVIMENTO NEGRO NO BRASIL
A formação do povo brasileiro foi baseada nas seguintes etnias: branco,
negro e índio. Todas estas etnias trouxeram significativas contribuições para a
formação da cultura brasileira.
Os africanos chegaram ao Brasil no início do período colonial, trazidos
por navios de tráfico de escravos negros vindos da África.
Os africanos trouxeram para o Brasil muitas de suas tradições culturais,
que influenciaram significativamente a cultura brasileira, como: comidas típicas,
religiões (candomblé), roda de samba, capoeira, batucada, entre outros.
Em síntese, as importantes contribuições dos africanos para a formação
do povo brasileiro e seus costumes estão presentes na rotina diária de todos os
cidadãos brasileiros. Muitos desses costumes estão tão enraizados na cultura
brasileira que, atualmente, algumas pessoas desconhecem a sua origem, como
é o caso de muitas comidas, danças, músicas, entre outros.
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Com vistas a imprimir definitivamente a contribuição dos africanos para a
formação do povo brasileiro, a partir de 1980, o Movimento Negro, no Brasil
passou a se orientar pela racialização das relações sociais no Brasil.
Deste modo, passou a reivindicar uma identidade que contornasse a
lógica mestiça do ideário nacional. O que se pretendia era a tomada de
consciência racial dos negros brasileiros e de sua origem africana (SILVA,
2007).
Após a década de 1980, o Movimento Negro tomou, como relata
Guimarães (2002, p. 17), “um rumo cada vez mais ‘racialista’ e ‘africanista’
buscando redefinir como ‘negras’, ‘étnicas’, as práticas culturais que antes
eram pensadas
como
‘afro-brasileiras’,
misturadas
e
mestiças”.
Tais
características originaram à ‘consciência negra’, movimento que vigora no
Brasil até os dias atuais.
Deste modo, os negros passaram a buscar suas raízes e a estudar e
compreender sua história.
Assim, os termos raça e etnia passaram a fazer parte do vocabulário
educacional. Segundo Munanga e Gomes (2006, p. 176),
Devido à forma como o conceito raça é utilizado e funciona em
nossa sociedade é que militantes do Movimento Negro e alguns
outros intelectuais ainda o utilizam para dizer sobre a realidade do
negro brasileiro. Esses profissionais entendem a importância do
uso de outros termos para falar do pertencimento racial do
brasileiro como, por exemplo, o termo ‘etnia’, mas ‘raça’ por ‘etnia’
não resolve, no caso dos negros brasileiros, substituir o termo
altera totalmente a compreensão do que é o racismo em nosso
país.
Para Munanga e Gomes (2006), é preciso, portanto, conhecer em que
situação, por que, para que e por quem está sendo utilizado o conceito raça,
para distinguir seu significado. É preciso distinguir se a conotação empregada
lhe atribui um caráter negativo e racista, ou se está sendo atribuído um caráter
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positivo para a compreensão da história e o reconhecimento da presença do
negro na sociedade brasileira, como um cidadão que contribuiu e contribui para
o enriquecimento e formação da cultura brasileira.
Alguns educadores e intelectuais rejeitam o uso do conceito raça e
preferem usar o termo ‘etnia’ para se referir ao segmento negro da população
brasileira. Estes, acreditam que o conceito etnia é mais adequado não carrega
o sentido biológico, atribuído à raça, o que colabora para superação da idéia de
que a humanidade se divide em raças superiores e inferiores. Deste modo,
‘etnia’ é o outro termo ou conceito usado para se referir ao pertencimento
ancestral e étnico-racial dos negros e outros grupos na sociedade brasileira
(MUNANGA; GOMES, 2006).
O termo etnia é usado, principalmente, por alguns intelectuais, comum
ao campo acadêmico. Os que partilham dessa visão, entendem por etnia:
Um grupo possuidor de algum grau de coerência e solidariedade,
composto por pessoas conscientes, pelo menos em forma latente,
de terem origens e interesses comuns. Um grupo étnico não é
mero agrupamento de pessoas ou de um setor da população, mas
uma agregação consciente de pessoas unidas ou proximamente
relacionadas por experiências compartilhadas (CASHMORE,
2000, p. 196).
Segundo Hasenbalg e Silva (1990, p. 88),
Embora uma melhor situação socioeconômica reduza a proporção
de crianças que não têm acesso à escola, independentemente de
sua cor, ainda persiste uma diferença clara nos níveis gerais de
acesso entre crianças brancas e não-brancas, mesmo nos níveis
mais elevados de renda familiar per capita.
Nesse sentido, Henriques (2002) também afirma que a evolução e
expansão do ensino no Brasil, não reduziram as desigualdades entre brancos e
negros:
A escolaridade de brancos e negros nos expõe, com nitidez, a
inércia do padrão de discriminação racial. (...) apesar da melhoria
dos níveis médios de escolaridade de brancos e negros ao longo
18
do século, o padrão de discriminação, isto é, a diferença de
escolaridade dos brancos em relação aos negros se mantém
estável entre as gerações. No universo dos adultos observamos
que filhos, pais e avós de raça negra vivenciaram, em relação aos
seus contemporâneos de raça branca, o mesmo diferencial
educacional ao longo de todo o século XX (HENRIQUES, 2002, p.
93).
É importante compreender, portanto, que as diferenças são construções
sociais, culturais e políticas, que refletem toda a história de um povo.
Nesse sentido, é necessário que sejam implementadas
ações
afirmativas (promoção ativa da igualdade de oportunidades para todos), que
podem ser estabelecidas na educação, na saúde, no mercado de trabalho, nos
cargos políticos, enfim, nos setores onde a discriminação a ser superada se faz
mais evidente e onde é constatado um quadro de desigualdade e de exclusão
(MUNANGA; GOMES, 2006).
Segundo Munanga e Gomes (2006, p. 187),
O objetivo da ação afirmativa é superar as desvantagens e
desigualdades
que
atingem
os
grupos
historicamente
discriminados na sociedade brasileira e promover a igualdade
entre os diferentes. Isso pode ser feito de maneiras diversas,
como, por exemplo: bolsas de estudos; cursos de qualificação
para membros dos grupos desfavorecidos; reserva de vagas – as
chamadas cotas – nas universidades ou em certas áreas do
mercado de trabalho que, segundo pesquisas e dados
estatísticos, confirmam uma porcentagem mínima ou a total
ausência de sujeitos pertencentes a grupos sociais e raciais com
histórico de discriminação e exclusão; estímulo à construção de
projetos sociais e educacionais voltados para a população que
sofre um determinado tipo de exclusão e discriminação; estímulos
fiscais a empresas que comprovem políticas internas para a
incorporação de negros, mulheres, portadores de necessidades
especiais nos cargos de direção e chefia, entre outros.
A seguir são descritas algumas iniciativas de ações afirmativas voltadas
para a população negra no Brasil:
a)
A Lei federal 10.639, de 10 de janeiro de 2003, que torna
obrigatório o ensino de História da África e da Cultura Afro-
19
Brasileira
nos
currículos
da
educação
básica
dos
estabelecimentos públicos e privados brasileiros.
b)
A Lei estadual 3.708, de 9 de novembro de 2001, que institui
cota de 40% para as populações negra e parda no acesso à
Universidade do Estado do Rio de Janeiro e à Universidade do
Norte Fluminense.
c)
O Projeto de Lei 4.370, de 1998, do deputado Paulo Paim
(PTRS) que estabelece que os negros devem compor pelo
menos 25% do total de atores, atrizes e figurantes em filmes e
programas veiculados pelas emissoras de TV e cinema.
d)
A criação de cotas de 20% para negros em empresas
contratadas
em
licitações
públicas,
no
Ministério
do
Desenvolvimento Agrário.
e)
A criação de cotas de 20% para negros, 20% para mulheres e
5% para portadores de necessidades especiais em cargos de
confiança no Ministério da Justiça, em empresas terceirizadas
e em entidades conveniadas, no governo do presidente
Fernando Henrique Cardoso.
f)
O programa internacional de bolsas de pós-graduação da
Fundação Ford/Fundação Carlos Chagas – São Paulo.
g)
O programa Políticas da Cor na Sociedade Brasileira, do
Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, com apoio da
Fundação Ford.
20
h)
O programa Diversidade na Universidade, promovido pela
Secretaria
de
Educação
Continuada,
Alfabetização
e
Diversidade – Ministério da Educação – Brasília.
i)
O concurso de dotações para pesquisa Negro e Educação –
promovido
pela
Anped
(Associação
Nacional
de
Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação), pela ONG Ação
Educativa-SP, com apoio da Fundação Ford.
j)
A Primeira Mostra de Literatura Afro-Brasileira, promovida pela
Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte.
k)
Prêmio Nacional Educar para a Igualdade Racial – experiências
de promoção da igualdade racial/étnica no ambiente escolar,
promovido pela ONG Ceert (Centro de Estudos das Relações
de Trabalho e Desigualdades-SP).
As ações afirmativas constituem-se em políticas de combate ao racismo
e à discriminação racial mediante a promoção ativa da igualdade de
oportunidades para todos, criando meios para que as pessoas pertencentes a
grupos socialmente discriminados possam competir em mesmas condições na
sociedade (MUNANGA; GOMES, 2006).
As políticas de ações afirmativas, nas suas diversas modalidades, já
foram implementadas em outros países e não só nos Estados Unidos ou no
Brasil, como algumas pessoas pensam. Nos diversos lugares onde foram
implementadas elas tiveram muito bons resultados (MUNANGA; GOMES,
2006).
21
2.3 A EDUCAÇÃO DOS NEGROS NO BRASIL
2.3.1 Educação intercultural
No mundo globalizado a educação constitui um ‘valor’, calcado numa
ética da responsabilidade, tencionado pela efemeridade e pela velocidade dos
processos sociais, culturais, políticos e econômicos. Dos quais os negros
exerceram forte influência.
Como observa Silva (2007, p. 83),
Pensar a educação no mundo contemporâneo, significa, ainda,
estar disposto a enfrentar a rasura dos binarismos e dualismos
modernos: universal x particular, centro x periferia, dentro x fora,
tradição x modernidade, comunidade x cosmopolitismo, ou ainda
global x local. E mais, significa estar disposto a pensar sobre a
construção de saberes que possam articular, de forma criativa, as
demandas diaspóricas que embaralham as identidades, até então
asseguradas pelo teto político do Estado-nação, as diversas
temporalidades que circulam incessantemente no mundo da
cultura e, sobretudo, pensar uma educação para a alteridade,
para a descentração do sujeito cartesiano, uma educação para
além da noção de identidade cultural, como até então era
entendida e vivenciada com suas matrizes essencialistas e
naturalizantes. Numa palavra, pensar a condição humana no
universo de alteridade, que possibilite articular a diferença e a
distribuição de direitos para além das fronteiras fixas e sufocantes
das culturas locais e para além do universalismo homogeneizador.
Nesse sentido, Bauman (2003, p. 83), afirma que “da perspectiva da
‘Nação Estado’ culturalmente unificada e homogênea, as diferenças de língua
ou costume encontradas no território da jurisdição do Estado não passavam de
relíquias quase extintas do passado”.
A educação cumpre um papel relevante nessa construção. Como
observa Montiel (2003, p. 18), a cultura nesse processo tornou-se o “cimento
constitutivo, que tendeu a homogeneizar os traços de cada população,
22
constituindo, assim, um recurso fundamental do Estado para lograr a coesão
da Nação”.
Bauman (2003) também observa que a educação cumpriu papel decisivo
nessa construção. Foi ela quem promoveu a expansão e a disseminação do
discurso da nação, produzindo a “mobilização ideológica – a produção de
lealdade e obediência patrióticas” (p. 83).
Portanto, pode-se afirmar que a identidade nacional se estrutura sob a
égide de um espaço-tempo organizado, ordenado, simbolizado e significado,
cuja percepção de pertencimento se dissemina a partir de uma genealogia
estrutural, como memória primeira, organizada pela história e pelos mitos. Não
é sem sentido que a nação é vivida a partir de um construto imaginário sempre
reforçado e assegurado pelos símbolos nacionais (SILVA, 2007).
No Brasil, os negros representam uma forte simbologia na construção da
identidade nacional, pois contribuíram com a sua língua, sua religião, seus
costumes, suas danças, suas músicas, entre outros. Caracterizando, portanto,
o multiculturalismo no Brasil.
Mas, é importante relevar que a cultura não é algo fixo, fechado,
substancializado. Para Gadotti
(1992, p. 2), no
que se refere
ao
multiculturalismo,
Ele pode também estimular, contraditoriamente, o desprezo pelo
diferente, o racismo, o autocentrismo. Exemplos de violência
racial são muito frequentes. Isso significa que o multiculturalismo
também pode ser divisionista, criar guetos, ou pode ser utilizado
como um mecanismo de cooptação que procura integrar num
único princípio unificador as diferenças culturais.
Nesse sentido, Silva (2007) relata que a irredutibilidade da cultura impõe
que se entenda a diferença como absoluta e, nesses termos, o relativismo
radical pode impedir o reconhecimento das intertextualidades interculturais.
23
Assim, as identidades culturais devem ser pensadas em sua historicidade e,
portanto, no jogo do tempo e das relações de poder, para além das abordagens
essencialistas. Igualdade e diferença marcam o jogo político das relações
sociais nas sociedades multiculturais.
De acordo com Gonçalves e Silva (1998), existem diferenças de
perspectivas, conceituação e aplicabilidade do multiculturalismo, conforme o
contexto em que foram gerados. Segundo os referidos autores,
Buscar compreender o multiculturalismo e suas repercussões na
educação implica em destrinchar referências ideológicas, elucidar
encaminhamentos
teóricos,
descobrir
práticas
culturais,
resignificar práticas pedagógicas, posicionar-se politicamente e
situar-se socialmente (GONÇALVES; SILVA, 1998, p. 71).
Sobre a educação dos negros no Brasil, em tempos passados, com a
necessidade de se libertar da escravidão e usufruir a cidadania livre, os negros
africanos buscaram o saber escolar, conforme as exigências oficiais. É certo
que isto não ocorreu de forma massiva, nem mesmo os negros conseguiam
atingir um grau de instrução elevado. Entretanto, os negros podiam alcançar
níveis mais elevados de instrução por meio de escolas próprias; por instrução
de pessoas escolarizadas; na rede pública de ensino; ou ainda, em asilos de
órfãos ou escolas particulares.
Segundo Gonçalves e Silva (2000, p. 136-137),
O defensor da idéia de uma educação que preparasse os cativos
para a liberdade foi o não menos célebre historiador e
jurisconsulto Perdigão Malheiros. (...) nos chama a atenção para
uma passagem muito importante da obra Escravidão no Brasil, na
qual Perdigão Malheiros preconiza o tipo de educação que,
segundo ele, prepararia os escravos para a liberdade. Na
essência, deveria ser uma “educação moral e religiosa”, sem se
descuidar, é claro, de “uma educação profissional”, que garantisse
aos libertos um ofício do qual pudessem “manter a si e a família,
caso a tivessem” (Perdigão Malheiros, 1837). Mas, afinal de
contas, quem se ocuparia da educação dessas crianças? A
resposta a esta questão apareceu inicialmente em um projeto de
lei, em 1870, segundo o qual ficavam os senhores de escravos
obrigados a criar e a tratar as crianças nascidas de mães
escravas, devendo oferecer-lhes, sempre que possível, instrução
24
elementar. Em contrapartida, os libertos permaneciam em poder e
sob a autoridade dos proprietários de suas mães. Embora o
referido projeto de lei conservasse o direito de propriedade dos
senhores de escravos, ele produziu muita animosidade, pois feria
frontalmente seus princípios morais, uma vez que a educação
concedida aos escravos poderia representar uma mudança efetiva
na condição dos sujeitos emancipados do cativeiro.
Devido às ações de Perdigão Malheiros,
O registro de matrículas de crianças beneficiadas pela Lei do
Ventre Livre, entre 1871 e 1885, apresentado no relatório do
Ministério da Agricultura de 1885, revela que, na capital e nas 19
províncias, o contingente de matriculados chegava a 403.827
crianças de ambos os sexos. Destes, apenas 113 foram entregues
ao Estado mediante indenização no mesmo período
(GONÇALVES; SILVA, 2000, p. 137).
Em síntese conclusiva, Gonçalves e Silva (2000, p. 137) afirmam:
Quando nos interrogamos acerca do abandono a que foi relegada
a população negra brasileira no que se refere à educação escolar,
não podemos deixar de considerar os dados supracitados. Por
parte do Estado, houve, na segunda metade do século XIX, uma
iniciativa concreta que, se correspondida à altura, poderia ter
mudado a condição educacional na qual os negros ingressaram
no século XX.
Nesse sentido, Cruz (2005, p. 30) afirma que “a trajetória social e
histórica do negro brasileiro não deixa dúvidas sobre a existência peculiar de
uma história de escolarização”.
Tal escolarização não foi registrada oficialmente. E, embora a
característica principal da educação no Brasil ter sido o continuísmo de uma
reprodução do tratamento desigual (o que não ocorria apenas com os negros,
mas com a camada menos favorecida da sociedade, onde os filhos os filhos
dos senhores se tornavam doutores; e os filhos dos trabalhadores eram
treinados para ser trabalhadores), não se pode negar que existe um histórico
de educação e escolarização das camadas afro-brasileiras.
De acordo com Cunha Jr. (1999, p. 33),
25
Em São Carlos (SP), articula-se que por volta de 1978, o primeiro
grupo de negros preocupados em utilizar o espaço acadêmico
para desenvolver estudos contemplando a temática Negro e
Educação. O referido grupo, apesar das críticas recebidas, não se
intimidou, e procurou participar dos espaços de debate sobre os
problemas educacionais do Brasil a partir da visão dos negros.
Nessa época surgiu o primeiro artigo sobre negro e educação, em
1979, na revista de educação da Fundação Carlos Chagas. Essa
tendência tem se ampliado principalmente nos últimos anos,
quando podemos computar, até o final da década de 1990, mais
de 40 trabalhos acadêmicos em nível de mestrado e doutorado,
realizados por afro-descendentes e voltados para a temática
Negro e Educação.
O número de trabalhos sobre Negro e Educação, como afirma Cunha Jr.
(1999) tem aumentado nos últimos anos.
Segundo Cruz (2005), alguns estudos relatam a presença de crianças
negras, mesmo quando políticas públicas não os contemplavam, o que mostra
a busca do negro pela instrução formal e a criação de escolas pelos próprios
negros. No que se refere às escolas públicas, a partir da segunda metade do
século XIX existe maior evidência da participação dos negros no processo de
escolarização.
Nesse sentido, Pereira (2005, p. 43-44) cita um caso exemplar:
O surgimento dos cursos pré-vestibulares para negros e carentes.
Tanto pela sua demanda de igualdade de oportunidades no
acesso ao ensino superior e a intensa mobilização junto ao seu
público-alvo, quanto graças à repercussão das suas propostas e
práticas pedagógicas diferenciadas no âmbito do magistério, das
autoridades educacionais e junto às comunidades onde se
instalam – os professores são voluntários (sem remuneração); os
alunos partilham a coordenação e planejamento das atividades; a
utilização de escolas em áreas e tempos ociosos, e/ou de
espaços alternativos no seio da própria comunidade; a introdução
da disciplina Cultura e Cidadania (a designação varia de um local
para outro), em que se discute as razões daquele tipo de
iniciativa, o seu papel na sociedade, as suas relações com
questões políticas, econômicas, culturais, sociais... São milhares,
hoje, os Cursos Pré-Vestibulares criados de variadas formas com
esse princípio de solidariedade. Alguns não vinculam
explicitamente a questão racial – preferem os termos populares,
comunitários, e outros – mas, de qualquer maneira, atendem à
clientela majoritariamente de pele mais escura. Envolvem
atualmente milhares de jovens, principalmente no Sul-Sudeste,
mas rapidamente se espalham por outras regiões brasileiras, num
contexto que torna obrigatório refletir sobre democracia,
autonomia, identidade.
26
Em síntese, pode-se afirmar que as comunidades tornaram-se o último
reduto das identidades culturais reavivadas sob um novo teto político que não
mais o do Estado-nação em si, mas a região, o local, entendidos como espaços
de existência concreta e segura frente à sociedade de risco que caracteriza o
mundo global. Não é sem sentido que as identidades culturais e étnicas estão
associadas às comunidades (SILVA, 2007).
Como relata Silva (2007), o reavivamento das etnicidades, neste
processo, é evidente, pois as comunidades enquanto espaço possível de
pertencimento identitário procuram narrar sua existência a partir de
genealogias comuns que objetivam tomar os muitos como um, ou seja, garantir
as relações de confiabilidade e segurança que permitam as relações de
sociabilidade num nível mínimo de confiabilidade e segurança.
É nesse sentido que as relações de alteridade tornam-se problemáticas
pois as diferenças tornam-se rasuras e nódoas que borram as comunidades.
O que se busca para o fim da desigualdade no âmbito escolar, portanto,
não é o multiculturalismo, mas sim, a educação intercultural.
De acordo com Canen (2000, p. 3), “a educação intercultural visa
superar as visões exóticas e folclóricas da diversidade cultural, que a reduzem
a aspectos tais como rituais, receitas e costumes de povos diversos”.
Como afirma Silva (2004, p. 171),
A interculturalidade é concebida como as inter-relações entre
distintas expressões culturais que dinamicamente colocam em
relação de interpenetração cultural os sujeitos pertencentes a
grupos humanos diferentes. Mas é de fundamental importância
que a intencionalidade dessas inter-relações seja potencializada
como forma de colocar os sujeitos em contato entre si, de
estabelecer o intercâmbio e propiciar as trocas necessárias, em
última instância, uma intencionalidade que é marcada pela atitude
de quem deseja dialogar e colocar-se em contato com o outro e
com ele aprender.
27
Mas, para que a interculturalidade seja efetiva, a formação docente deve
ser repensada, pois, muitas vezes, esta é calcada nos paradigmas
monoculturais e etnocêntricos, pouco tem avançado no sentido de superar
visões naturalistas da cultura. Um outro problema, é o engessamento
curricular, pois a transversalidade de vários temas contemporâneos como a
cidadania, racismo, preconceito, ecologia, entre
outros, necessita
ad
flexibilização curricular, bem como do diálogo incessante entre as disciplinas
(SILVA, 2007).
A formação de docentes deve visar à capacitação dos educadores para
articular visões de mundo diversas, articular valores universais com
especificidades locais, capazes de pensar e dinamizar pedagogias que
objetivam a condição humana, para além das diferenças culturais. É nas
desnaturalização dos estereotípicos e conceitos arraigados que a educação
intercultural se insinua como projeto social (SILVA, 2007).
Deste modo, o foco pedagógico não está em um grupo étnico, mas sim
no que estabelece a igualdade na diferença.
2.3.2 Etnicidade e o ensino de história no Brasil
A Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003, altera a Lei 9.394/1996, que
determina as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura
Afro-Brasileira”, acrescentando os seguintes artigos: 26-A, 79-A (vetado) e 79B.
28
Conforme determinação do artigo 26-A, torna-se obrigatório o ensino
sobre História e Cultura Afro-Brasileira nos estabelecimentos de ensino
fundamental e médio, oficiais e particulares.
O parágrafo primeiro do artigo 26-A estabelece que o conteúdo
pragmático a que se refere o artigo em comento, incluirá o estudo da História
da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do
Brasil.
Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão
ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, sobretudo nas áreas de
Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (art. 26-A, §2°).
Por fim, o artigo 79-B da lei em comento determina que o calendário
escolar incluirá o dia 20 de novembro como “Dia Nacional da Consciência
Negra”.
Segundo Dias (2005, p. 59),
A lei 10.639/2003 teve como função responder às antigas
reivindicações do Movimento Negro, mas com novas
preocupações – principalmente com a implantação da mesma.
Com isso o Governo conseguiu não ser pressionado de imediato
pelo movimento social, o que poderia causar constrangimentos
para a gestão Lula logo no início. Parece que a estratégia foi
acertada, mas não impediu que as pressões internas do PT e
externas de setores do Movimento Negro que apoiaram a
candidatura Lula continuassem insistindo para a criação de um
órgão dentro da estrutura do primeiro escalão para tratar das
demandas da população negra, o que desembocou na criação do
prometido órgão responsável por promoção e igualdade racial no
País. Cria-se na estrutura do governo a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), no dia 21
de março de 2003, data em que se comemora o Dia Internacional
Contra a Discriminação Racial.
A Lei 10.639/2003 possibilitou a instituição da Resolução n.1, de 17 de
junho de 2004, denominada Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
29
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana.
Posteriormente, o Conselho Nacional da Educação, em 10 de março de
2004, aprovou unânime as ‘Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana’.
A Resolução 1/2004, em seu artigo 1°, institui as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, a serem observadas pelas
Instituições de ensino, que atuam nos níveis e modalidades da Educação
Brasileira e, em especial, por Instituições que desenvolvem programas de
formação inicial e continuada de professores.
De acordo com o parágrafo 1° do artigo 1°, da Resolução 1/2004, as
instituições de ensino superior devem incluir nos conteúdos de disciplinas e
atividades curriculares dos cursos que ministram, a Educação das Relações
Étnico-Raciais, bem como o tratamento de questões e temáticas que se
referem aos afrodescendentes, conforme determinação do Parecer CNE/CP
3/2004.
Para que as medidas determinadas pela Resolução 1/2004 sejam
cumpridas por parte das instituições de ensino, o conteúdo será considerado
na avaliação das condições de funcionamento do estabelecimento (art. 1°,§2°,
Res.1/2004).
As Diretrizes devem ser consideradas como orientações, princípios e
fundamentos para o planejamento, execução e avaliação da Educação. Deste
modo, as Diretrizes têm por objetivo promover a educação de cidadãos
30
atuantes e conscientes, em uma sociedade multicultural e pluriétnica, como a
do Brasil, tendo em vista as relações étnico-sociais positivas, rumo à
construção de uma nação democrática (art. 2°, Res. 1/2004).
Ao promover a educação das relações étnico-raciais, o objetivo principal
é a divulgação e a produção de saberes, bem como de atitudes, posturas e
valores que eduquem os cidadãos em relação à pluralidade étnico-racial no
Brasil. Deste modo, estes cidadãos serão capazes de interagir e de negociar
objetivos comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais e
valorização de identidade, na busca da consolidação democrática (art. 2°, §1°,
Res. 1/2004).
O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana visa o
reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afrobrasileiros, bem como a garantia de reconhecimento e igualdade de
valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas,
européias, asiáticas (art. 2°, §2°, Res. 1/2004).
Para que tais conteúdos sejam integrados ao quadro pragmático, os
mesmos devem ser desenvolvidos por intermédio de conteúdos, competências,
atitudes e valores, a serem determinados pelas instituições de ensino e seus
professores, com apoio e supervisão dos sistemas de ensino, entidades
mantenedoras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações,
recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP 3/2004 (art. 3°,
Res. 1/2004).
As referidas Diretrizes constituem o resultado do fortalecimento do
Movimento Negro no Brasil que, no avançar no campo institucional e político
brasileiro a partir do Governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
31
conseguiram fazer valer a tese do preconceito racial, amparados pelos estudos
das relações raciais no Brasil (SILVA, 2007).
As Diretrizes representam, de fato, um importante ato político que instiga
a reflexão sobre a cultura brasileira nos processos educativos, mas é preciso
manter uma postura crítica, principalmente no que se refere às categorias e
conceitos utilizados no documento.
Sobre o ensino de História, a ênfase das diretrizes nesse sentido é
apontada por Fernandes (2005), como estratégica:
O ensino de história, ao priorizar a construção da identidade
nacional, tem sido bastante omisso no tocante à valorização das
culturas das minorias étnicas. Constatamos, também, que a falta
de conhecimento das peculiaridades e das especificidades
regionais, em um país de continentais dimensões, bem como dos
elementos referenciais das culturas silenciadas de índios, negros
e imigrantes nos currículos escolares têm contribuído para a
formação de preconceitos e estereótipos por parte dos próprios
brasileiros (FERNANDES, 2005).
Nesse sentido, Hall (2003) afirma que a etnização das identidades
comunitárias se constitui como uma nova forma de racismo com outro figurino.
Mas quanto a etnicidade, adverte o referido autor que ela a etnização
gera um discurso em que a diferença se funda sob características culturais e
religiosas. Nesses termos, ela frequentemente se contrapõe a ‘raça’. Porém,
essa oposição binária pode ser delineada de forma muito simplista. O racismo
biológico privilegia marcadores como a cor da pele. Esses significantes tem
sido utilizados também, por extensão discursiva, para conotar diferenças
sociais e culturais. Assim, tanto o discurso da ‘raça’ quanto
o da ‘etnia’
funcionam estabelecendo uma articulação discursiva ou uma ‘cadeia de
equivalências’ entre o registro sociocultural e o biológico, fazendo com que as
diferenças em um sistema de significados sejam inferidas através de
equivalentes em outra cadeia. Portanto, o racismo biológico e a discriminação
32
cultural não constituem dois sistemas distintos, mas dois registros do racismo
(HALL, 2003).
Portanto, o ensino de história no Brasil deve privilegiar a etnicidade não
a etnização. Nesse sentido, Silva (2007, p. 103) afirma que
É necessário ampliar e investir em pesquisas que tomem
localidades e regiões como objeto de estudo das diversas formas
que o diferencialismo assume, sobretudo o comunitarismo
defensivo, tendente a aprofundar a naturalização das etnias como
condição de pertencimento identitário. A produção do racismo,
dos preconceitos e dos diferencialismos, em que pese estarem
assentados em categorias universais produzem práticas e efeitos
locais, o que faz dos estudos de caso um importante instrumento
de análise e diagnóstico, postura relevante para a discussão das
possibilidades de uma educação intercultural.
Portanto, as diversidades regionais, as culturas imigrantistas e as etnias
não podem ser essencializadas, pois isso acarretaria o risco de fundamentar
práticas culturais mais próximas do comunitarismo e menos atentas também a
princípios universais que não podem ser negligenciados. É de se lembrar que o
global e o local são articulados e inseparáveis e a produção de identidade no
mundo atual contempla essa articulação (SILVA, 2007).
Neste contexto, segundo Flores (2007), o texto das Diretrizes sustenta
que a pragmática para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana
deve partir dos seguintes princípios:
a)
Consciência política e história da diversidade;
b)
Fortalecimento de identidades e de direitos; e,
c)
Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações.
De acordo com Flores (2007, p. 80),
No que concerne à História da África, destaca-se a sugestão para
o estudo de temáticas em torno da modernidade, privilegiando-se
as grandes teses do Atlântico Negro: a ocupação colonial na
perspectiva dos africanos; a descolonização e seus impactos na
Europa e na América; as relações entre as culturas e as histórias
dos povos dos continente africano e os da diáspora; vida e
existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes
33
na América; relações políticas, econômicas, culturais e
educacionais entre a África e o Brasil. O texto também encaminha
para estudos de caso e pesquisas biográficas sobre o
protagonismo de políticos, cientistas, escritores e intelectuais
africanos, na perspectiva de superar a representação de uma
África sem criação tecnológica, tradição artística e luta social.
Sugere-se que as universidades incluam disciplinas em seus
cursos, criem grupos de estudo e de pesquisa e que realizem
avaliações sistemáticas sobre as experiências em processo.
Assim, pode-se afirmar que a Lei 10.639/2003 e as Diretrizes contribuem
para o avanço sobre os referenciais curriculares da etnicidade na história que
se afirma no tempo presente como diversidade cultural.
Não se pode negar a uma nação o conhecimento de sua história.
Portanto, se o povo brasileiro é formado por várias etnias é certo que se
conheça a história de todas elas, de um ponto de vista democrático, que
privilegie a ação dessas etnias no espaço-tempo em que se formou a história
do país.
No que se refere a etnicidade e o ensino de história, determinados pela
Lei 10.639/2003 e pelas Diretrizes (2004), considera-se este um avanço, um
novo passo para que se faça justiça ao patrimônio histórico e cultural dos
negros, africanos e afro-brasileiros, que vivem em nosso país e tanto
contribuíram para a formação de sua história.
E cumpre relevar, que a contribuição dos negros, bem como de outras
etnias, não foi apenas no papel de submissos e escravos, mas sim, para o
enriquecimento da cultura nacional, por intermédio de suas músicas, danças,
religiões, comidas típicas, língua, entre tantas outras contribuições.
A vinda de escravos africanos para o Brasil foi responsável por uma
miscigenação tanto populacional quanto cultural.
Como foi visto, os negros buscaram a educação do modo que puderam,
entretanto, sempre se depararam com a desigualdade permeada na educação
34
nacional. Mas, não se pode negar a existência de uma escolarização do negro
no Brasil.
O problema é que a referida educação não foi baseada na igualdade,
mas nas desigualdades impostas pela sociedade da época da colônia e do
império no Brasil. Tais fatores levaram a uma educação que privilegiava
apenas as classes mais favorecidas da sociedade. Posteriormente, esta
situação passou a ser revista e começaram a surgir ações em prol da
comunidade negra, geralmente, a partir do movimento da cultura africana no
Brasil.
Em suma, os africanos contribuíram em muitos aspectos para a
formação da identidade cultural brasileira. Portanto, no âmbito da educação a
interculturalidade deve ser privilegiada, reconhecendo-se a diversidade e as
especificidades de cada grupo social, sem gerar conflitos, e sim visando
impulsionar as reciprocidades e enriquecimento mútuos.
2.3.3 A importância do ensino afro-brasileiro nas escolas
O Parecer CNE/CP 3/2004 visa atender os objetivos indicados na
CNE/CP 6/2002, e regulamentar a alteração trazida à Lei 9.394/1996 de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, trazidas pela Lei 10.639/2003.
O referido Parecer foi elaborado para atender às todos os dispositivos
legais supracitados e, também, as propostas do Movimento Negro ao longo do
século XX, que apontam para a necessidade de diretrizes que orientem a
formulação de projetos empenhados na valorização da história e cultura afrobrasileiros e dos africanos, assim como comprometidos com a educação de
35
relações étnico-raciais positivas, a que tais conteúdos devem conduzir
(PARECER CNE/CP 3/2004).
Segundo o Parecer CNE/CP 3/2004, existe uma demanda da
comunidade afro-brasileira por reconhecimento, valorização e afirmação de
direitos no que se refere à educação.
Reconhecimento implica justiça e iguais direitos sociais, civis,
culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade
daquilo que distingue os negros dos outros grupos que compõem
a população brasileira. E isto requer mudança nos discursos,
raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas
negras. Requer também que se conheça a sua história e cultura
apresentadas,
explicadas,
buscando-se
especificamente
desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira;
mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem
os mesmos patamares que os não negros, é por falta de
competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades
seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos
para os negros (PARECER CNE/CP 3/2004, p. 3).
Tendo em vista tal necessidade de reconhecimento, é preciso
compreender o que significa ‘reconhecer’ (PARECER CNE/CP 3/2004, p. 3-4):
a)
Reconhecimento requer a adoção de políticas educacionais e
de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a
fim de superar a desigualdade étnico-racial presente na
educação escolar brasileira, nos diferentes níveis de ensino.
b)
Reconhecer exige que se questionem relações étnico-raciais
baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e
salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que,
velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de
superioridade em relação aos negros, próprios de uma
sociedade hierárquica e desigual.
c)
Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os
processos históricos de resistência negra desencadeados
36
pelos
africanos
descendentes
escravizados
no
Brasil
e
na contemporaneidade, desde
por
as
seus
formas
individuais até as coletivas.
d)
Reconhecer exige a valorização e respeito às pessoas negras,
à sua descendência africana, sua cultura e história. Significa
buscar, compreender seus valores e lutas, ser sensível ao
sofrimento causado por tantas formas de desqualificação:
apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto
sugerindo incapacidade, ridicularizando seus traços físicos, a
textura de seus cabelos, fazendo pouco das religiões de raiz
africana. Implica criar condições para que os estudantes negros
não sejam rejeitados em virtude da cor da sua pele,
menosprezados em virtude de seus antepassados terem sido
explorados como escravos, não sejam desencorajados de
prosseguir estudos, de estudar questões que dizem respeito à
comunidade negra.
e)
Reconhecer exige que os estabelecimentos de ensino,
freqüentados em sua maioria por população negra, contem
com instalações e equipamentos sólidos, atualizados, com
professores competentes no domínio dos conteúdos de ensino,
comprometidos com a educação de negros e brancos, no
sentido de que venham a relacionar-se com respeito, sendo
capazes de corrigir posturas, atitudes e palavras que impliquem
desrespeito e discriminação.
37
De acordo com o Parecer CNE/CP 3/2004, para reeducar as relações
étnico-raciais no Brasil, é preciso fazer emergir as dores e medos que têm sido
gerados. Há de se compreender que o sucesso de uns custa a marginalização
e desigualdade imposta a outros. E então decidir que sociedade se quer
construir deste ponto em diante.
Como disse Frantz (1979, p. 33),
Os descendentes dos mercadores de escravos, dos senhores de
ontem, não têm, hoje, de assumir culpa pelas desumanidades
provocadas por seus antepassados. No entanto, têm eles a
responsabilidade moral e política de combater o racismo, as
relações raciais e sociais sadias, em que todos cresçam e se
realizem enquanto seres humanos e cidadãos. Não fossem por
estas razoes, eles a teriam de assumir, pelo fato de usufruírem do
muito que o trabalho escravo possibilitou ao país.
Neste contexto, o ensino afro-brasileiro impõe aprendizagens entre as
diversas etnias presentes no Brasil, a troca de conhecimentos, a construção de
uma confiança em uma sociedade mais justa, igual, equânime.
Para alcançar os objetivos supracitados, o Parecer CNE/CP 3/2004 tem
como premissa três princípios básicos, descritos a seguir.
Consciência política e histórica da diversidade (PARECER CNE/CP
3/2004, p.9):
a)
à igualdade básica de pessoa humana como sujeito de direitos;
b)
à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas
que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem
cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em
conjunto constroem, na nação brasileira, sua história;
c)
ao conhecimento e à valorização da história dos povos
africanos e da cultura afro-brasileira na construção histórica e
cultural brasileira;
38
d)
à superação da indiferença, injustiça e desqualificação com
que os negros, os povos indígenas e também as classes
populares às quais os negros, no geral, pertencem, são
comumente tratados;
e)
à desconstrução, por meio de questionamentos e análises
críticas, objetivando eliminar conceitos, idéias, comportamentos
veiculados pela ideologia do branqueamento, pelo mito da
democracia racial, que tanto mal fazem a negros e brancos;
f)
à busca, da parte de pessoas, em particular de professores não
familiarizados com a análise das relações étnico-raciais e
sociais com o estudo de história e cultura afro-brasileira e
africana, de informações e subsídios que lhes permitam
formular concepções não baseadas em preconceitos e
construir ações respeitosas;
g)
ao
diálogo,
via
fundamental
para
entendimento
entre
diferentes, com a finalidade de negociações, tendo em vista
objetivos comuns; visando a uma sociedade justa.
Fortalecimento de identidades e de direitos (PARECER CNE/CP 3/2004,
p.9):
a)
o desencadeamento de processo de afirmação de identidades,
de historicidade negada ou distorcida;
b)
o rompimento com imagens negativas forjadas por diferentes
meios de comunicação, contra os negros e os povos indígenas;
c)
os esclarecimentos a respeito de equívocos quanto a uma
identidade humana universal;
39
d)
o combate à privação e violação de direitos;
e)
a ampliação do acesso a informações sobre a diversidade da
nação brasileira e sobre a recriação das identidades,
provocada por relações étnico-raciais;
f)
as excelentes condições de formação e de instrução que
precisam ser oferecidas, nos diferentes níveis e modalidades
de ensino, em todos os estabelecimentos, inclusive os
localizados nas chamadas periferias urbanas e nas zonas
rurais.
Ações educativas de combate ao racismo e a discriminações
(PARECER CNE/CP 3/2004, p.9-10):
a)
a conexão dos objetivos, estratégias de ensino e atividades
com a experiência de vida dos alunos e professores,
valorizando aprendizagens vinculadas às suas relações com
pessoas negras, brancas, mestiças, assim como as vinculadas
às relações entre negros, indígenas e brancos no conjunto da
sociedade;
b)
a crítica pelos coordenadores pedagógicos, orientadores
educacionais, professores, das representações dos negros e
de outras minorias nos textos, materiais didáticos, bem como
providências para corrigi-las;
c)
condições para professores e alunos pensarem, decidirem,
agirem, assumindo responsabilidade por relações étnico-raciais
positivas, enfrentando e superando discordâncias, conflitos,
contestações, valorizando os contrastes das diferenças;
40
d)
valorização da oralidade, da corporeidade e da arte, por
exemplo, como a dança, marcas da cultura de raiz africana, ao
lado da escrita e da leitura;
e)
educação patrimonial, aprendizado a partir do patrimônio
cultural afro-brasileiro, visando a preservá-lo e a difundi-lo;
f)
o cuidado para que se dê um sentido construtivo à
participação dos diferentes grupos sociais, étnico-raciais na
construção da nação brasileira, aos elos culturais e históricos
entre diferentes grupos étnico-raciais, às alianças sociais;
g)
participação de grupos do Movimento Negro, e de grupos
culturais negros, bem como da comunidade em que se insere a
escola, sob a coordenação dos professores, na elaboração de
projetos políticos-pedagógicos que contemplem a diversidade
étnico-racial.
Os princípios supracitados e seus desdobramentos determinam as
exigências de mudança de mentalidade, de maneiras de pensar e agir dos
indivíduos em particular, assim como das instituições e de suas tradições
culturais (PARECER CNE/CP 3/2004).
A importância do ensino afro-brasileiro nas escolas reside no fato de
que, no Brasil, a presença negra é significativa, constituindo uma das matrizes
mais importantes na formação do povo brasileiro. A cultura brasileira está
completamente impregnada da cultura africana, em seus gestos, língua,
religiosidade, dança, música, alimentação, o samba, entre outros. Deste modo,
não se pode omitir a presença do negro como sujeito ativo da história do Brasil.
De acordo com Munanga e Gomes (2006, p. 152-153),
41
O africano escravizado no Brasil e aos seus descendentes que
nasceram sob o regime da escravidão era interditado o acesso ao
seu próprio corpo. Seus corpos eram obrigados a trabalhar sem
cessar, de acordo com o ritmo da plantação, da mineração, da
Casa-Grande, ditado pelo mundo dos brancos. Também eram
obrigados a se comportar de determinada maneira e a atuar no
cotidiano inventado pelo colonizador da forma como este julgava
necessária e apropriada. O corpo do escravo era violentado pelos
senhores e senhoras de forma bestial, para atender desejos e
fantasias sexuais, as mais diversas.
Estas mutilações, físicas e morais, fizeram com que os negros
articulassem e organizassem uma complexa rede de resistência, onde o corpo
foi o principal veículo de resistência e transgressão. Deste modo, surgiu a
capoeira, que se tornou um traço marcante da cultura afro-brasileira.
A capoeira pode ser vista como um modelo desse processo, pois
há séculos sua presença demonstra o caráter aglutinador que
esta função lúdico-corporal vem cumprindo na história dos negros
e negras. A capoeira constituiu-se numa possibilidade para os
escravizados diante das adversidades e dificuldades colocadas
pelo regime escravista; em uma prática para cultivar as tradições,
as crenças e a dignidade humana de homens e mulheres negras
(TAVARES, 1997, p. 52).
É importante destacar que, com o advento da abolição da escravatura,
em 1888, e da República em 1889, os cientistas intelectuais brasileiros se
responsabilizaram em “transformar o escravo em negro” (CORRÊA, 2001, p.
50). Dentre todos os problemas enfrentados pelos intelectuais brasileiros nesse
período, a raça se sobressai flagrantemente, até porque estava na questão
racial, segundo os postulados deterministas da época, os entraves para o
processo civilizatório nacional, segundo os parâmetros do ‘mundo civilizado’
europeu (SILVA, 2007).
Como observa Santos (2006, p. 147),
A abolição da escravidão não garantiu a integração social do
negro na nova estrutura econômica e política do país. As formas
de luta coletiva contra a escravidão se deram por todo canto do
Brasil através dos quilombos, mocambos e pelas irmandades
religiosas que organizavam compras de africanos escravizados
para libertá-los. O negro, apesar de liberto pela lei, foi excluído
42
socialmente, e até hoje podemos observar esse fato observando a
população das periferias e das favelas nos grandes centros
urbanos de nosso país.
Na história da arte brasileira o trabalho escravo também teve a
sua importância. Em nosso imaginário o trabalho escravo está
associado à agricultura como a única forma de uso das mãos em
atividade produtiva. Mas vamos encontrar entre os escravos
ourives, ferreiros, pedreiros, carpinteiros, barbeiros, cozinheiras,
músicos, escritores, escultores.
Deste modo, buscava-se, nesse sentido, não apenas uma reavaliação
da originalidade nacional, mas, sim, sua autonomia mental. Segundo Ventura
(2001, p. 16) “procuraram converter a palavra em ação, transformar o mundo
pela força redentora do discurso”.
Portanto, é preciso que se conheça a real contribuição dos negros
africanos para a formação da história brasileira e, ainda, é preciso ressaltar que
tal contribuição não se deu apenas em tempos passados, mas continua atuante
em nossos dias, pois a cultura negra está presente marcantemente na cultura
brasileira que pode, portanto, ser denominada cultura afro-brasileira.
Nesse sentido, Lopes (2006, p. 14) afirma que
O currículo vem a ser a forma de organização do conhecimento
escolar. Ele não é e nem nunca foi neutro e desinteressado na
transmissão de conteúdos do conhecimento social. Ele vai
aparecer sempre imbricado em relações políticas de poder e de
controle social sobre a produção desse conhecimento.
Tendo em vista buscar uma resposta para tal situação, Lopes (2006, p.
22) indaga:
Como fica a auto-imagem e auto-estima do negro e do mestiço
num currículo em que o espelho oferecido é o da omissão de sua
imagem, da falta de prestígio social e histórico de seu povo. Há
no currículo “conteúdos não ditos, valores morais explicitados nos
olhares e gestos, apreciações e repreensões de conduta,
aproximações e repulsas de afetos, legitimações e indiferenças
em relação a atitudes, escolhas e preferências”. Essa violência
simbólica vem carregada de exclusões para esses alunos menos
favorecidos.
43
De acordo com Lopes (2006) não se trata de culpar os professores e a
escola pela perpetuação de práticas discriminadoras, mas sim, de refletir sobre
o papel da escola e dos educadores na transformação dessa situação.
Segundo Ratts e Damascena (2006), os currículos escolares não
prestaram o devido reconhecimento à contribuição dos negros para a formação
da cultura brasileira, reduzindo tal colaboração ao passado escravista e ao
mundo da música, dança, culinária e religião.
Não são, portanto, destacados nos livros de história brasileira que os
africanos trouxeram seus objetos, hábitos, textos orais e escritos, rituais, jogos,
folguedos, histórias, ou seja, um patrimônio cultural material e imaterial; que se
propagou e incorporou a cultura e a história do Brasil.
Assim, pode-se afirmar que os negros contribuíram com suas
lembranças e saberes, com suas religiões, tecnologias e trabalho.
Para compreender a contribuição do negro para a cultura brasileira e,
consequentemente, sua importância na história do Brasil, é preciso observar
que os africanos trouxeram para o Brasil sua história, sua memória e suas
práticas culturais.
De com Ratts e Damascena (2006, p. 168),
Tomar as diversas práticas sociais e culturais como práticas
educativas são vê-las em processo, sendo construídas
intensamente e carregadas de tensão entre diferentes indivíduos
e diferentes comunidades; elas criam contextos interativos que –
justamente por se relacionarem dinamicamente em distintos
ambientes culturais, nos quais diferentes indivíduos desenvolvem
identidades – contribuem para um ambiente formativo.
E mais:
As expressões culturais e religiosas de matriz africana trazem
processos educativos que dizem respeito ao próprio exercício das
apresentações no momento da festa e nos rituais religiosos.
Esses processos se revelam na música, na dança, no toque dos
instrumentos e nos gestos. São elementos impressos no corpo e
44
expressos através da prática e da tradição oral (RATTS;
DAMASCENA, 2006, p. 168).
Para os Ratts e Damascena (2006, p. 183), “não existe Brasil sem a
África e, portanto não existe identidade nacional sem a cultura afro-brasileira”.
Nesse sentido, devem ocorrer ações afirmativas com vistas erradicar o
preconceito de nossa sociedade, isto somente será possível por meio da
valorização de nossa história, dando o valor merecido à contribuição dos
africanos para a formação da cultura afro-brasileira.
Uma vez apresentados estes breves comentários acerca da fusão Brasil
e África, o capítulo a seguir apresenta a contribuição desta fusão para a
formação da cultura afro-brasileira.
CONCLUSÃO
Com a elaboração deste estudo podemos afirmar que a fusão
Brasil/África resultou em diversas referencias no campo das artes e da estética,
como por exemplo na literatura e nas artes visuais, onde diversos atores
negros buscaram construir uma identidade afro-brasileira autônoma.
Como foi visto neste estudo, a presença do negro no Brasil é marcante,
sendo uma das principais matrizes na formação do povo brasileiro. Sua
participação está presente na cultura, nos saberes, na tecnologia, no trabalho,
etc., posicionando o negro como sujeito ativo da história do Brasil.
As contribuições dos negros africanos, para a formação da cultura do
povo brasileiro e seus costumes, são parte da rotina de todos os cidadãos
45
brasileiros, tornando a cultura local, uma cultura afro-brasileira. A maioria
desses costumes estão enraizados de modo tão significativo na cultura
brasileira, que algumas pessoas chegam a desconhecer sua origem, como
ocorre com algumas danças, comidas, músicas, entre outros.
Deste modo, é de suma importância o ensino afro-brasileiro nas escolas,
tendo em vista desmistificar o fato de que os africanos serviram a este país
apenas como escravos. Na verdade, os negros africanos têm uma grande
participação na formação da população brasileira, de sua cultura, seus
costumes e tradições, enfim, de sua história. E não se pode negar ao povo o
conhecimento de sua história. Portanto, o ensino afro-brasileiro nas escolas é
fundamental para fazer justiça à contribuição dos negros africanos para a
formação cultural, social, política e econômica do Brasil.
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2001.
YIN, R.K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman,
2005.
ANEXO A: IMAGENS DA CULTURA AFRO-BRASILEIRA
As fotos abaixo foram retiradas do site de Reginaldo Prandi e referem-se às
religiões afro-brasileiras
http://www.fflch.usp.br/sociologia/prandi/fotos-mo.htm
49
50
51
A imagem a seguir representa a capoeira.
www.ilhadepalmares.com.br/?pag=novidades
O Encontro Cultural Palmares organizado pela Associação Cultural Ilha de
Palmares, Associação Jagunã de Palmares e a Associação Cultural
Brasileira de Capoeira Angola Palmares, vem propor o desenvolvimento do
52
conhecimento da cultura Afro-brasileira por meio de suas raízes históricas,
culturais e filosóficas.
Download

A Fusão da Etnologia Brasil/África. Matondo MPati.