ALIENAÇÃO: REFLEXÕES SOBRE SUA INFLUÊNCIA NA
ATIVIDADE DOCENTE
Adriano Maciel de Souza
André Siviero
Fábio Luiz Tognin
Lilian Luzia Tiezzi dos Santos
Nascimento
Luci Ramos Lisboa Zioli
Maria Elisa Gonçalves Moreira
Gouveia
Vivian Cristiane Teixeira*
O desenvolvimento real de indivíduos, num
contexto onde cada barreira é abolida,
conscientiza-os de que não há limites sagrados.
Karl Marx
RESUMO: Neste artigo fazemos, primeiramente, um breve estudo sobre o conceito de
alienação: de Feuerbach a Marx. Sob a ótica marxista, abordamos a alienação como um
fenômeno social e histórico e, finalmente, fazemos algumas reflexões sobre as implicações
da alienação na atividade docente.
Palavras-chave: Alienação. Atividade. Consciência. Leontiev. Marxismo.
*
Alunos do terceiro semestre de Pedagogia das Faculdades Integradas do Vale do Ribeira – SCELISUL.
Trabalho orientado pela professora Ms. Flávia da Silva Ferreira Asbahr, na disciplina Psicologia da Educação
III.
1
Introdução
Não podemos falar de alienação sem nos reportarmos a Feuerbach, filósofo alemão que,
além de Hegel, influenciou o pensamento de Marx. A partir da idéia de alienação colocada
por Feuerbach, desenvolvemos o significado de alienação para Marx. Analisamos o
trabalho como atividade especificamente humana e seus fatores de alienação. A partir daí,
baseados no materialismo histórico e dialético abordamos a alienação como um fenômeno
sócio-histórico e finalmente fazemos uma breve análise e algumas reflexões sobre a
influência da alienação, principalmente econômica, na atividade docente.
1. A alienação
A Essência do Cristianismo, livro escrito por Feuerbach e publicado em 1841 - em
meio ao processo de decomposição da escola hegeliana - segundo Engels (2005), restaura o
materialismo ao seu lugar de destaque,
De repente, essa obra pulverizou a contradição criada ao restaurar o materialismo
em seu trono. A natureza existe independentemente de toda filosofia, ela constitui a
base sobre a qual os homens cresceram e se desenvolveram, como produtos da
natureza que são; nada existe fora da natureza e dos homens; e os entes superiores,
criados por nossa imaginação religiosa, nada mais são que outros tantos reflexos
fantásticos de nossa própria essência.
Neste livro, segundo Chauí (2000, p. 168), Feuerbach, ao investigar o modo como
os homens buscam explicar a origem e finalidade do mundo, conclui que:
(...) os humanos projetam fora de si um ser superior dotado das qualidades que
julgam as melhores: inteligência, vontade livre, bondade, justiça, beleza, mas as
fazem existir nesse ser superior como superlativas, isto é, ele é onisciente e
onipotente, sabe tudo, faz tudo, pode tudo. Pouco a pouco, os humanos se
esquecem de que foram os criadores desse ser e passam a acreditar no inverso, ou
seja, que esse ser foi quem os criou e os governa. Passam a adorá-lo, prestar-lhe
culto, temê-lo. Não se reconhecem nesse Outro que criaram. Em latim, outro se
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diz alienus. Os homens se alienam e Feuerbach designou esse fato com o nome de
alienação.
Marx irá além da concepção religiosa de alienação colocada por Feuerbach e
apontará que a alienação religiosa não é a forma fundamental de alienação, mas apenas um
efeito de uma outra alienação real, que é a alienação do trabalho, isto é, a alienação
econômica.
– Trabalho e alienação
Em seu primeiro manuscrito econômico e filosófico, em que trata do trabalho
alienado, Marx (2005) questiona sobre o que constitui a alienação do trabalho,
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente ser o trabalho algo externo
ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza e, por conseguinte ele não se
realizar em seu trabalho, mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento
em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas,
mas ficar fisicamente exausto e mentalmente deprimido.(...) Ele não é a satisfação
de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu
caráter alienado é claramente atestado pelo fato de que, logo que não haja
compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho
exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho de
sacrifício próprio, de mortificação. Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para
o trabalhador é demonstrado por não ser o trabalho dele mesmo, mas trabalho para
outrem, por no trabalho ele não pertencer a si mesmo, mas sim a outra pessoa.
Marx (2005) expõe que a natureza e o homem (sua vida física e mental), são
interdependentes - o homem é um ente-espécie - e atenta para o fato de que, como o
trabalho alienado transforma a atividade livre e dirigida do indivíduo, também transforma a
vida do homem como espécie, portanto, o trabalho alienado
1. Aliena a natureza do homem.
2. Aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa,
de sua atividade vital, assim também o aliena de sua espécie.
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Dessa forma, o trabalho alienado transforma a vida da espécie em vida individual,
alienando o homem de sua própria espécie.
Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas
como meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física.
A vida produtiva, contudo, é a vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de
atividade vital, reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a
atividade livre, consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria
vida assemelha-se somente a um meio de vida.
O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele não distingue a atividade de si
mesmo. Ele é sua atividade.
O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e
consciência. Ele tem uma atividade vital consciente. Ela não é uma prescrição com
a qual ele esteja plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o
homem da atividade vital dos animais: só por esta razão ele é um ente-espécie. Ou
antes, é apenas um ser autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele,
porque ele é um ente espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O
trabalho alienado inverte a relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente,
faz de sua atividade vital, de seu ser, unicamente um meio para sua existência.
(Marx, 2005)
Segundo Pearlman (1969), em uma sociedade capitalista o trabalho é “uma
atividade abstrata que possui apenas uma peculiaridade: a de ser trocado ou
comercializado, de poder ser vendido por uma dada quantidade ou dinheiro”.
O trabalho, que é uma forma historicamente específica da atividade humana, um
modo de transformar a natureza a fim de servir às necessidades da espécie, passa a ser
meramente um meio de sobrevivência.
2. A alienação como um fenômeno socio-histórico
Não cabe aqui neste artigo, discutirmos ou analisarmos o materialismo histórico e
dialético, iremos simplesmente incorporar as análises de Leontiev (In: Duarte, 2004 p. 55),
sobre o processo de alienação na sociedade capitalista.
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Segundo Duarte (2004 p.56), Leontiev, “ao analisar o processo histórico de
desenvolvimento da consciência humana, mostra que a divisão social do trabalho e a
propriedade privada produziram historicamente uma determinada forma de estruturação
da consciência humana, forma essa que se caracteriza pela dissociação entre o significado
e o sentido da ação”. Leontiev (In: Duarte, 2004 p.56) exemplifica esse fato, por meio de
uma situação de trabalho sucedida em uma tecelagem:
A tecelagem tem (...) para o operário a significação objetiva de tecelagem, a fiação
de fiação. Todavia não é por aí que caracteriza sua consciência, mas pela relação
que existe entre estas significações e o sentido pessoal que têm para ela as suas
ações de trabalho. Sabemos que o sentido depende do motivo. Por conseqüência, o
sentido da tecelagem ou da fiação para o operário é determinado por aquilo que o
incita a tecer ou a fiar. Mas são tais as suas condições de existência que ele não fia
ou não tece para corresponder às necessidades da sociedade em fio ou em tecido,
mas unicamente pelo salário; é o salário que confere ao fio e ao tecido o seu sentido
para o operário que os produziu (...). Com efeito, para o capitalista, o sentido da
fiação ou da tecelagem reside no lucro que dela tira, isto é, uma coisa estranha às
propriedades do fruto da produção e à sua significação objetiva.
O trabalho passa a ter um valor monetário e, tendo um valor torna-se uma atividade
indiferente: indiferente à tarefa particular desempenhada e indiferente à finalidade para a
qual é direcionada (Pearlman, 1969). Várias poderão ser as atividades desempenhadas pelo
ser humano, esculpir, imprimir, calafetar, educar, mas todas serão trabalho na sociedade
capitalista e como tal, um meio de sobrevivência. O sentido do trabalho passa a ser
exclusivamente de sobrevivência.
A atividade produtiva na sociedade capitalista é um meio de autopreservação e
reprodução do capital. É isso que determina o sentido dessa atividade.
Duarte (2004 p. 59), ao referir-se aos processos psicológicos pertinentes à ruptura
entre o significado e o sentido das ações humanas, observa:
No que se refere aos processos psicológicos, a ruptura entre o sentido e o
significado das ações humanas tem como uma de suas conseqüências o
cerceamento do processo de desenvolvimento da personalidade humana. Isso
ocorre porque o indivíduo, por vender sua força de trabalho e, em decorrência
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disso, ter o sentido de sua atividade como algo dissociado do conteúdo dessa
atividade, acaba distanciando o núcleo de sua personalidade da atividade do
trabalho. O trabalho torna-se algo externo e estranho à personalidade do indivíduo
quando, na realidade, deveria a atividade centrar-se em termos do processo de
objetivação da personalidade do indivíduo. Sem a possibilidade dessa objetivação,
a personalidade fica restrita, limitada em seu desenvolvimento. Igualmente o
indivíduo não tem na atividade de trabalho, com raras exceções, algo que o
impulsione a se apropriar de conhecimentos e valores que o enriqueçam como ser
humano.
Leontiev (In: Duarte, p. 59-60) aponta mais um fator de alienação no trabalho, que é
a apropriação privada da cultura material e intelectual produzida coletivamente e que,
portanto, deveria ser um patrimônio de todos.
3. Influência da alienação na vida docente
Não é nosso intuito nos aprofundarmos em demasia nesta questão - até porque é um
tema vasto e rico – mas sim, fazermos algumas reflexões a fim de podermos compreender,
minimamente que seja, o que ocorre no íntimo do educador nos dias atuais, em face,
principalmente, da alienação do trabalho.
É sabido que a educação não se encontra nos patamares de qualidade que desejamos
- uma educação que viabilize o acesso aos conhecimentos teóricos, orientados para o
desenvolvimento do pensamento, produzindo indivíduos críticos que saibam lidar com
situações concretas de vida - e que o educador - além da política educacional
governamental – é um dos fatores preponderantes para a aquisição dessa qualidade.
O que ocorre com nosso educador?
Historicamente, a partir da expulsão dos jesuítas de nosso país 1 - por Marquês de
Pombal – o sistema religioso de educação foi suprimido e criou-se uma escola laica que
fosse útil aos fins do Estado. O professorado leigo, formado para ministrar as aulas régias,
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Segundo Caio Prado Junior, o papel dos jesuítas era o de proceder à domesticação dos naturais, abrindo
caminho para os colonizadores através da fé católica e do trabalho educativo.
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era composto por profissionais de baixíssimo nível, sem formação específica, em busca de
um meio de subsistência.
Os jesuítas tinham um objetivo – disseminação da fé católica e domesticação dos
indígenas – e o professor, qual seu objetivo?
Ainda nos dias atuais o único objetivo e sentido da atividade docente, para alguns
profissionais da educação, é a subsistência e há outros - para os quais a alienação do
trabalho é um pesado fardo – que além da sobrevivência, a atividade docente tem como
objetivo a transformação da sociedade.
Como vimos anteriormente, a atividade humana prática, o trabalho, ao receber um
valor, transforma-se em um meio de sobrevivência, caracterizando-se como um trabalho
alienado, perdendo o sentido para aquele que o produz por tornar-se alheio a ele.
Leontiev (In: Duarte, 2004. p.56), como já citamos, demonstra que na sociedade
capitalista há uma ruptura entre o significado e o sentido da ação, que em nosso caso, é
garantir aos alunos a apropriação do conhecimento não cotidiano e formação de uma
postura crítica, tendo como finalidade, segundo Asbahr (2005), a produção do
desenvolvimento psíquico e o acesso ao processo de produção do conhecimento.
Para Duarte (2004. p. 55),
Essa análise da relação entre significado e sentido das ações humanas tem decisivas
implicações para a educação. Um dos grandes desafios da educação escolar
contemporânea não seria justamente o de fazer com que a aprendizagem dos
conteúdos escolares possua sentido para os alunos?
A cisão entre o significado e o sentido da ação docente produz graves conseqüências
na atividade educacional, como já mencionamos, no âmbito psicológico cerceia o processo
de desenvolvimento da personalidade do educador, distanciando-o da atividade do trabalho
e do processo de objetivação de sua personalidade. No âmbito pessoal, o educador, alheio
ao seu trabalho, desmotivado e, segundo Marx em um processo de sofrimento, não tem em
sua atividade o impulso necessário para se apropriar de novos conhecimentos, habilidades e
valores. Não consegue estabelecer uma conexão entre a sua história e a história de sua
espécie; perde-se no mundo da sobrevivência; não é o senhor de sua história.
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Como dar sentido à aprendizagem dos conteúdos escolares, se o docente, ele
mesmo, perdeu o sentido de sua atividade? Há uma luz no fim do túnel?
Marx, em Teses sobre Feuerbach, menciona que “a coincidência da alteração das
contingências com a atividade humana e a mudança de si próprio só pode ser captada e
entendida racionalmente como práxis revolucionária”.
Entendemos que, para haver uma mudança do perfil educacional, faz-se necessário
que o docente participe ativamente de todo o processo “interno” e “externo” da educação.
Entenda-se por processo “interno”, aquele que é produzido dentro da própria escola, como:
planejamento escolar; projeto político pedagógico, conselho escolar e HTPC (Horário de
Trabalho Pedagógico Coletivo); e “externo”, as discussões de âmbito mais abrangente da
política educacional (estadual e nacional). Essas são ocasiões singulares para que o
professor reencontre nas discussões, no confronto com o outro, o sentido e o significado de
sua atividade. Atividade esta que continuará sendo um meio para sua sobrevivência, mas
não será mais uma atividade alienada, pois ele terá consciência de todo o processo histórico
de sua atividade educacional, será novamente, o senhor de sua história.
Por fim, concluindo nosso artigo, esclarecemos que há vários outros fatores em jogo
em todo esse processo de alienação e não alienação da atividade docente, e que nós demos
um breve panorama de alguns deles. Finalizando, fazemos nossas as palavras de Engels
(2005):
Os homens fazem sua história, quaisquer que sejam os rumos desta, na medida em
que cada um busca seus fins próprios, com a consciência e a vontade do que fazem;
e a história é precisamente, o resultado dessas numerosas vontades projetadas em
direções diferentes e de sua múltipla influência sobre o mundo exterior.
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Referências Bibliográficas:
ASBAHR, F. A pesquisa sobre a atividade pedagógica: contribuições da teoria da
atividade. Revista Brasileira de educação. Edição maio/set 2005. (no prelo).
CHAUÍ, M. O que é ideologia. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1980.
_________. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000.
DUARTE, N. Formação do indivíduo, consciência e alienação: o ser humano na psicologia
de A. N. Leontiev. Campinas: Cad. Cedes, vol. 24, n. 62, p. 44-63, abril 2004.
ENGELS,
F.
Ludwig
Feuerbach
e
o
fim
da
filosofia
clássica
alemã.
www.nucleomarxista.com.br. Acesso: 05/06/05.
MARX, K. Manuscritos econômicos-filosóficos. Primeiro Manuscrito: Trabalho alienado.
www.culturabrasil.pro.br/marx. Acesso: 05/06/05.
________. Teses sobre Feuerbach. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1987.
PEARLMAN, F. A reprodução da Vida Cotidiana. Ed. Virtual Revolucionária. 1969.
www.geocites.com. Acesso: 05/06/05.
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