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Compreender a Revolução Industrial: contextualização e antecedentes
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Tópico: Compreender a Revolução Industrial:
contextualização e antecedentes
Notas de leitura da obra:
José.V. Torres — Introdução à História Económica e Social da
Europa. Coimbra, Almedina, 1995 (capítulo 9 — Nascimento e
Desenvolvimento do Capitalismo)
Nota Prévia
Embora de leitura opcional, este texto permite compreender numa perspectiva mais ampla e
matizada os antecedentes do conjunto de processos e rupturas que irão conduzir, no decurso da
segunda metade do século XVIII, à passagem para a época contemporânea, graças às
transformações estruturais dinamizadas pelas revoluções socais, políticas e de ordem técnica e
científica na civilização europeia.
Esta síntese deve ser lida, deste modo, como uma introdução aos dois textos da secção
«Sínteses de suporte — 4ª Etapa» no site, dedicados ao tema ‘Compreender a Revolução
Industrial’.
Índice das matérias:
Iª Parte — Caracterização semântica das palavras «capital» e «capitalismo»
2ª Parte — A ruptura das estruturas feudais e pré-capitalistas e emergência do
sistema capitalista
2. 1. — A perspectiva de I. Wallerstein (análise do problema a partir da
questão: onde situar o início da era capitalista?)
2. 2. A perspectiva de Eric Hobsbawn (a importância da crise do séc. XVII)
1 — A expressão da crise
2 — Causas da crise
3 — Consequências da crise
Preparação da Revolução Industrial (corolários gerais)
***
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Iª Parte — caracterização semântica das palavras «capital» e «capitalismo»:
Os historiadores são unânimes, ao analisar a Crise Europeia do século XVII,
em que ela obriga a formular a questão das características históricas do
«Capitalismo», do seu nascimento e do seu desenvolvimento.
1.1. Palavra «Capital»
i) «Capitale» (de «caput» = cabeça) aparece no baixo latim dos
séculos XII-XIII, significando fundos, stocks de mercadorias, massa de
dinheiro ou também dinheiro que obtém juros (mas sem definição rigorosa).
[...]. No séc. XIII surge já com o sentido de capital de uma sociedade de
comércio. Durante o século XIV aparece nos mais variados escritores,
moralistas e mercadores: «espécie de semente de lucro, que comumente
chamamos capital» (sermão de S. Bernardino de Sena (1380-1444)).
ii) Só lentamente o sentido desta palavra se vai fixando no significado
de dinheiro de uma sociedade ou de um negociante. [...] Outras palavras ao
longo do século XVII e XVIII eram-lhe preferidas. Assim «fundos»,
«riquezas», «dinheiro», «bens», «haveres», «património», ou ainda
«cabedaes» em Portugal [...].
iii) Desde fins do séc. XVIII, e durante o século XIX, à medida que as
teorias económicas se vão forjando e vão elaborando uma certa linguagem
específica, a palavra «capital» se impõe e vai ganhando certo sentido
preciso:
•
Entre «todo o capital é um instrumento de produção»
(Quesnay);
•
os «capitais ociosos e os capitais activos» (Mocellet — 1764);
•
os capitais que não são apenas dinheiro (Turget), sejam eles o
montante de uma dívida ou de um empréstimo, ou de um fundo
de comércio, seu sentido tradicional de que dão testemunho os
dicionários, vai um longo caminho [...] até ao sentido que à
palavra lhe deu Marx — «meio de produção».
1.2. Palavra «Capitalismo»:
i) A palavra capitalista remonta, pelo menos, ao século XVII [...].
Jean-Jacques Rousseau escrevia, em 1759:
«não sou nem grande nem senhor, nem capitalista. Sou pobre e estou
contente».
ii) No séc. XVIII o seu significado é múltiplo, flutuante e tem sentido negativo:
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•
•
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Detentor de fortunas pecuniárias; possuidor de «papéis públicos»
(obrigações, títulos); de valores mobiliários ou de dinheiro líquido a
investir, — é o sentido da palavra «capitalista», na segunda metade do
século XVIII, que é empregada com sentido pejorativo e com
animosidade;
Tal animosidade é bem manifesta, durante a Revolução Francesa, nas
palavras do Conde de Custine, na Assembleia Nacional:
«A Assembleia, que destruiu todos os tipos de aristocracia,
inflectirá ela diante da dos capitalistas, esses cosmopolitas que
não conhecem outra pátria além daquela onde possam
acumular riquezas?»
Em suma:
«Capitalista» não significava ainda o investidor, o
empreendedor, mas só aquele que possuía dinheiro e
mercadejava dinheiro.
1.3. Palavra Capitalismo (é ainda mais recente):
i) É usada pela 1ª vez em 1850 (Louis Blanc numa polémica com Bastiat) e
entre aspas, com sentido específico a apontar para concepções sociais e
económicas ainda em elaboração:
o que chamarei «capitalismo», isto é a apropriação do capital por uns
com exclusão de outros»1).
ii) Depois será Proudhon a definir com mais precisão o sentido de
capitalismo:
«regime económico e social no qual os capitais, fonte de
rendimento, não pertencem em geral àqueles que o empregam
pelo seu próprio trabalho».
Notar que em 1867, dez anos mais tarde, ainda Marx ignorava a palavra2).
iii) Será Werner Sombart, em 1902, quem lançará o termo nos meios
científicos, com a célebre obra polémica DER MODERNE KAPITALISMUS. O
termo vinha sendo utilizado na Alemanha desde 1880.
iv) — Marx não o utilizava, mas os marxistas apropriaram-se dele, para
designar a etapa posterior ao feudalismo, que o comunismo pretendia
destruir. O último «modo de produção».
(1) BLANC, Louis—ORGANISATION DU TRAVAIL, 9ª ed., 1850, pp. 161-162 citado por BRAUDEL,
que o cita de DESCHEPPER (Edwin) na sua obra L'HISTOIRE DU MOT CAPITAL ET DÉRIVÉS,
tese dactilografada da Universidade Libre de Bruxelas, 1964, que BRAUDEL segue de perto. Cf.
BRAUDEL, o. c., pág. 552, nota 4.
(2) Engels já o usava desde 1870, bem como o economista alemão Albert Schaffle. Cf. BRAUDEL,
o. c., pág. 553. nota 48.
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v) O uso do termo e o sentido específico que adquiriu — determinado
sistema económico e social, — historicamente, situam-se na área de análise
científico-ideológica socialista. A carga ideológica e política provocou
resistência ao seu emprego nos meios científicos, durante decénios.
Mas acabou por não ser suficiente obstáculo à generalização do uso
do termo, com o seu significado genérico: sistema económico e social.
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IIª Parte — A ruptura das estruturas feudais e pré-capitalistas e
emergência do sistema capitalisma:
as perspectivas de Immanuel W allerstein e de Eric Hobsbawn
2. 1. A PERSPECTIVA DE I. WALLERSTEIN —
o autor analisa do problema a partir da questão: onde situar o início da
era capitalista?
Para Immannuel Wallerstein é com a expansão do «longo século XVI» (i.e., a
longa fase A do 2º ciclo logístico - 1450-1620 - ver abaixo), e numa perspectiva de
criação de um sistema económico mundial, que o Capitalismo nasce decisivamente.
2. 1.1. Nascimento do novo sistema económico mundial do capitalismo através da
análise dos ciclos longos logísticos (noção operatória proposta por Rondo
Cameron):
(«logísticos» porque têm a forma de uma curva logística estatística,
com duas fases A e B, mas em que se a A é de expansão, a B não é
de contracção, mas de estagnação com a duração presumível de 150300 anos)
É possível, deste modo, periodizar a História Económica e Social de acordo
com o quadro seguinte:
1º Ciclo Logístico (séc.XII-meados séc. XV)
— Entre 1100-1250/1300 Fase A
—
1300-1450 Fase B
2º Ciclo Logístico (meados séc. XV-meados séc. XVIII)
— Entre 1450-1600/1620 Fase A
—
1620-1750
Fase B
2.1.2. Diferenças entre os ciclos:
1) A Fase A do 1º ciclo:
•
conheceu expansão da população, do comércio, da terra cultivada,
fortalecimento dos aparelhos políticos, expansão das obrigações
feudais dos trabalhadores rurais para com os senhores;
•
a Fase B do 1º ciclo conheceu o declínio da população, do comércio e
da terra cultivada, enfraquecimento dos aparelhos políticos centrais,
declínio das obrigações feudais.
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Notar ainda que:
neste 1º ciclo as expansões e as contracções verificaram-se mais ou
menos uniformemente por toda a Europa.
2) A Fase A do 2º ciclo:
•
conheceu expansão da população, do comércio, da terra cultivada;
•
os aparelhos políticos foram fortalecidos em algumas zonas
(fundamentalmente na Europa Ocidental);
•
as obrigações feudais debilitaram-se ainda mais na Europa ocidental e
reforçaram-se na Europa oriental.
3) A Fase B do 2º ciclo apresenta maiores diferenças:
•
Conheceu apenas estagnação da população, do comércio e da terra
cultivada, pela sobreposição de curvas diversas, de expansão em
certas zonas, declínio noutras, e constância noutras;
•
Os aparelhos políticos e as obrigações feudais viram reforçadas, na
fase B, as posições e tendências da fase A: isto é, reforçadas as que
tendiam ao reforço e debilitadas as que tendiam a debilitar-se3).
Corolários gerais das diferenças dos processos de expansão/contracção antes de
meados do século XV e depois (i.e., antes e após o 2º ciclo):
•
Antes de meados do séc. XV:
tais movimentos dão-se mais ou menos uniformemente e pelas
mesmas causas em toda a Europa sob o sistema dito «feudal» ou
«senhorial» (ou para outros sob o «modo de produção feudal»);
•
Depois de meados do séc. XV:
os mecanismos de implantação do sistema capitalista [...] criam
necessariamente diferenciação e hierarquização crescentes dos
espaços sociais, que desenvolviam crescente interrelacionamento dos
seus processos económicos, mas diferenciando-se nas suas funções e
na sua posição hierárquica.
2.1.3. O nascimento do Capitalismo no «longo» século XVI:
Neste quadro, o «longo» século XVI é decisivo para o nascimento do sistema
capitalista. A Crise que o antecedeu é radicalmente diferente da crise do século
XVII, que não é mais do que «uma alteração de ritmo», dentro de uma continuidade
essencial.
(3) WALLERSTEIN, Immanuel—THE CRISIS OF THE SEVENTEENTH CENTURY.
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O «longo século XVI assiste na Europa à «passagem de um modo de
produção específico, redistributivo ou tributário, para um sistema social
qualitativamente diferente» — o sistema capitalista — que se caracteriza pelos
seguintes traços:
a)
Expandiu-se à dimensão do mundo inteiro.
b)
Evoluiu segundo um modelo cíclico, alternando fases de expansão e
de contracção (as fases A e B de Simiand), e segundo uma
distribuição geográfica dos papéis económicos essencialmente
instável (ascensão e declínio das hegemonias, desenvolvimento e
contracção dos centros, das periferias e das semi-periferias).
c)
Esta expansão está sujeita a um processo secular de transformação
interna, que se traduz globalmente nos seguintes vectores:
— progresso tecnológico; industrialização; proletarização;
aparecimento duma resistência, politicamente estruturada, ao próprio
sistema»4).
Corolário:
A recessão do século XVII não chega, portanto, a ser uma verdadeira
crise, porque o «limiar crítico» do sistema estava já ultrapassado, a viragem
estava dada com a crise do feudalismo.
Os meios capitalistas formavam um conjunto mesclado, uma classe em
formação, usando métodos de comportamento económico, que estão na raíz
dos mecanismos-chave do funcionamento capitalista: a concentração e a
acumulação crescente do capital. [...]
2.1.4. Comparação entre as contracções (as fases B) das 1ª metades do séc.
XIV e séc. XVIII:
uma comparação entre a crise de 1300-1350 e a de 1600-1650 ajuda a
compreender melhor a diferença entre elas:
Em ambas as datas terminam períodos de expansão, definidos por:
•
subidas de preços [...];
•
aumento de produção cerealífera e subida dos rendimentos
(privilegiando os cereais às pastagens e às vinhas);
•
expansão demográfica;
•
subida da «indústria urbana», criando circulação monetária, a
montante e a jusante, criando também contingentes de
assalariados, baixa de salários reais, crescente stock monetário
(em espécies, em papéis e em crédito) e crescente
aparecimento de agentes económicos marginais, rurais e
urbanos.
(4) WALLERSTEIN, Immanuel — Y-A-T-IL UNE CRISE DU XVII SIÈCLE? —op. c., pág. 128.
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Notar, porém, a diferença essencial — estas expansões terminam com
diferentes respostas por parte do sistema:
1)
enquanto a crise do século XIV teve, como sequência, quedas dos seus
sectores de dimensão paralela às anteriores subidas (i.e., na sua fase A), a
crise do século XVII caracterizou-se por uma estabilização dos níveis
alcançados (i.e., a fase B do 2º ciclo limitou-se à estagnação e não houve
regressão assinalável;
mas a resposta estrutural é mais importante:
a recessão do século XIV provocou a crise das estruturas sociais, enquanto a
estagnação do século XVII representou a consolidação das estruturas do
sistema capitalista.
Significa isto que:
•
se na Idade Média a crise agudizava os conflitos no interior da
aristocracia feudal;
•
já no século XVII, os conflitos e guerras não faltaram, mas não
foram entre as classes dirigentes, mas entre Estados,
reforçando as estruturas destes (pelo menos no Centro e na
Semi-periferia do Sistema), e favorecendo mais certas
potências económicas.
2)
A maior diferença entre os ciclos 1150-1450 e 1450-1750 reside no «modelo
de distribuição do rendimento dentro da economia global»5).
O desnível entre pobres e ricos acentua-se desde o século XVI. A crise da
economia feudal vem associada com um aumento dos salários reais, enquanto com
a implantação do sistema capitalista os salários reais se degradaram
continuamente6).
Explicar este fenómeno?
«A melhoria do nível de vida das classes inferiores e a
tendência para uma menor diferença relativa dos rendimentos é que
constituíram para os dominantes (senhores feudais) o verdadeiro
factor de crise.., muito mais do que um esgotamento do sistema». «A
(5) WALLERSTEIN, ibid., pág. 138.
(6) Id. ibid., pág. 139.
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crise económica e social enfraqueceu a nobreza de tal modo que os
camponeses viram aumentar rapidamente a parte do excedente que
lhes cabia, entre 1250 e 1450. Este facto é real em toda a Europa,
tanto oriental, como ocidental»7).
Ou seja: o capitalismo é que foi a solução para a crise do feudalismo.
À crise do Feudalismo reagiram os senhores, sem resultado, e foi tentada por
Carlos V a reacção pela criação de uma monarquia universal e imperial, que
fracassou.
Porquê em 1600-1750 as classes inferiores não aproveitavam a recessão
para exigir uma redistribuição do excedente — agora maior — que os favorecesse?
O sistema era já outro e o reforço dos aparelhos de Estado — o
«absolutismo» — que, paradoxalmente, parece querer reforçar os privilégios feudais
e a propriedade aristocrática, efectivamente (de modo diverso em cada espaço
diferente e hierarquizado do sistema) reforça o sistema e as diferentes funções que
ele atribui aos diferentes Estados e seus espaços económicos.
(7) HOBSBAWN, Eric J. — o. c., págs. 5-58.
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2. 2.
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A PERSPECTIVA DE ERIC HOBSBAWN —
este autor coloca a tónica na importância da crise do
século XVII...
E. Hobsbawn dá um significado mais relevante a crise do século XVII. Se tal
significado não implica uma visão essencialmente diferente do desenvolvimento do
sistema capitalista, o relevo que, na sua visão, toma um conjunto de factores desse
desenvolvimento ajuda a completar e a enriquecer a compreensão de uma época
histórica ainda polémica.
Do quadro proposto por este autor importa reter os seguintes momentos
essenciais quanto à crise:
1º — A EXPRESSÃO DA CRISE,
onde os factores essenciais são:
•
modificações de papel e das funções das diferentes áreas geográficas,
com evidentes regressões em algumas e estagnação noutras;
•
estagnação demográfica, baixa de produção numas zonas
(dezindustrialização do norte de Itália, da Alemanha e de parte da
França e da Polónia) e aumento noutras (Inglaterra, Países Baixos,
Suécia);
•
crise generalizada do Comércio Internacional (particularmente das
zonas do Mediterrâneo e do Báltico) sem ser contrabalançado por
evoluções favoráveis dos mercados internos (excepto nos maiores
centros marítimos);
•
a expansão colonial entra em crise;
•
grandes perturbações políticas e sociais atravessam a Europa:
(Guerra dos Trinta Anos — (1618-1648) — Levantamento de Portugal
e da Catalunha — (1640) — As Frondas francesas — (1648-1652) —
As Revoluções dos Servos no leste europeu: Revolução Ucraniana —
(1648-1654) — Revolta Russa — (1672) — Revolução da Boémia —
(1680) — A Revolução Irlandesa — (1641-1689);
•
implantação dos regimes absolutistas.
Esta crise, começada por volta de 1620, atingiu a fase mais aguda entre
1640-1670 e iniciou a sua recuperação após 1680.
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2º — CAUSAS DA CRISE:
O sistema capitalista não poderia implantar-se e desenvolver-se sem afastar
os obstáculos da estrutura social feudal. A crise significa a ruptura desses
obstáculos estruturais:
i)
A prevalência geral da estrutura feudal da sociedade, em particular do
seu sector rural, imobilizava: quer o potencial de mão de obra, quer o
excedente de potencial para investimento produtivo e para a procura de
mercadorias produzidas em massa, o que impedia a expansão capitalista.
ii)
Para que a expansão capitalista se processasse era necessário:
aumento macisso da produtividade, dos lucros e do consumo.
Ora isto exigia: a criação de um grande mercado em expansão e uma
abundante força de trabalho disponível;
iii)
Para aumentar a produtividade era preciso:
•
operar uma nova divisão social (e internacional de trabalho);
•
redistribuição da força do trabalho (desviando-a da agricultura
para a indústria), o que tornaria possível:
•
aumentar macissamente a parte da produção destinada à troca.
Notar, por outro lado, que só a passagem à produção macissa pode
criar incentivo ao investimento pela expansão de lucros — não de lucros
máximos por unidade de venda, mas de lucros máximos acrescentados por
grandes vendas (como foram as vendas de açúcar e algodão).
As áreas de expansão manifestam contradições profundas:
•
ITÁLIA — Um caso de «capitalismo parasita» num mundo feudal:
— controla enormes acumulações de capital que imobilizava em construções,
desbaratava em empréstimos improdutivos, desvia da indústria para o
investimento móvel,
em suma: incapaz de lograr campo para investimento progressivo, durante o
século XVII [...].
•
EUROPA DE LESTE — Um caso de expansão por especialização na
produção de grandes excedentes alimentares:
— isto, porém só foi possível pelo reforço do regime feudal e da regressão ao
regime de trabalho servil. A esta expansão contrapõe-se à da produção
manufactureira da
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•
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EUROPA OCIDENTAL — que viu criadas condições para alargamento do
seu mercado manufactureiro. Porém,
o regime em que tudo assentava conduziu:
a)
à perda da clientela rural dos países do Leste por perda de
capacidade de compra;
b)
à perda da clientela da baixa e média nobreza que desaparecia ante o
reforço dos magnates;
c)
à perda da clientela das cidades;
d)
à crescente opressão senhorial que fez desencadear a generalizada
Revolução dos Servos e catástrofes demográficas;
e)
à impossibilidade de alargamento do mercado manufactureiro.
•
MERCADOS MUNDIAIS — Globalmente foram sempre deficitários para a
Europa:
•
a Europa sempre importou mais do que exportou para o resto do
mundo. Os mercados orientais, africanos e americanos necessitavam
menos dos produtos europeus que estes necessitavam das suas
produções.
•
Após uma etapa transitória de lucros fáceis nos sécs. XVI e XVII por
contacto directo (sob força militar, evitando intermediários, diminuindo
encargos de transporte, aumentando reservas monetárias volumosas,
etc), os produtos coloniais foram tornando-se crescentemente mais
custosos, sem equilibrada contrapartida de alargamento de mercado
importador de produtos europeus, o que conduziu à crise neste sector.
Notar ainda assim que:
a Crise Colonial no século XVII até neste aspecto veio desbloquear o
capitalismo, iniciando a criação das colónias e dos mercados.
•
MERCADOS INTERNOS — Em termos gerais:
poderiam durante o século XVI ter criado condições para a generalização da
produção capitalista (através do aumento demográfico, aumento da massa
monetária, da subida dos preços, crescimento do capitalismo comercial e
alargamento da indústria rural («putting out», i.e., transição da manuf.
artesanal para a indústria em vias de concentração);
no entanto:
com excepção da Inglaterra, e mau grado as grandes e numerosas agitações
no campesinato, nenhuma «revolução agrária» acompanhou a «revolução
industrial».
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Assim:
a)
no Leste reinstaurou-se a servidão dos camponeses, que fez regredir
o mercado consumidor (caso clássico da Rússia);
b)
no Ocidente o investimento na agricultura não criou capitalismo rural:
tal investimento não passava de medida de segurança em época
inflacionária, ou de comportamento de rivalidade com a nobreza.
Tratava-se de investimentos de burgueses que se aristocratizavam, se
feudalizavam (o caso das burguesias em Portugal é paradigmático).
[...]
c)
Além disso, tal investimento na agricultura não cresceu à medida da
procura; daqui resultou escassez alimentar, diminuição de
rendimentos e opressão sobre o campesinato, pelo senhor, pela
cidade e pelo Estado;
d)
a subida dos preços agrícolas fez aumentar os custos da produção
manufactureira, estreitando as margens de lucro. A compensação era
obtida pela utilização de mão de obra barata, rural, cada vez mais
explorada;
e)
a subida dos preços agrícolas não alargou o mercado rural das
manufacturas. Camponeses com terra própria lucraram com o aumento
dos preços, mas investiam em mais terra e gado ou entesouravam.
Em síntese, a expansão económica do século XVI criou a sua própria
crise espartilhada numa estrutura social que não podia romper.
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3º — CONSEQUÊNCIAS DA CRISE:
a) considerável concentração do poder económico;
b) aumento da acumulação de capital;
c) alterações dos aparelhos comercial e financeiro;
d) condições para a Revolução Industrial.
Concentração Económica:
•
Na Produção agrícola :
— Surgem grandes proprietários a expensas dos pequenos e dos
trabalhadores rurais (isto é notório em países como a Inglaterra, graças a
uma certa revolução agrícola que se operou, pela utilização de inovações
técnicas e alargamento das áreas de cultivo [...]).
•
Na Produção Industrial:
— São eliminadas as indústrias artesanais e com elas as cidades em que
existiam; — alarga-se o sistema de «putting out» (que vinha do século XV), o
qual torna possível a concentração regional da indústria (ex. a concentração
na Saxónia da manufactura europeia da «folha de Flandres» «);
— este processo ajuda a dissolver a estrutura agrária tradicional, como
transição para o posterior sistema de «fábrica», permitindo o aumento rápido
da produção.
Acumulação de Capital
•
A concentração do poder económico favoreceu o aumento da acumulação de
capital [...];
•
porém, tal acumulação não se processou automaticamente: muito capital foi
mal investido (desviado, pela crise, para comportamentos aristocráticos,
improdutivos ou pouco produtivos).
•
A concentração económica e acumulação do capital favoreceu
essencialmente as economias marítimas (de Estados Marítimos),
privilegiando as suas capitais, onde também capitais foram desviados da
indústria e da agricultura para a exploração colonial (as Potências Marítimas
— Holanda e Inglaterra).
•
Os Estados, de poder centralizado, favoreceram a concentração económica e
de capitais. Alterações dos aparelhos comerciais e financeiros, e nas
Finanças Públicas de Inglaterra, com o desenvolvimento do espírito
empreendedor, foram também resultantes da Crise.
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PREPARAÇÃO DE REVOLUÇÃO INDUSTRIAL (corolários gerais)
Tal processo, decorrente e enquadrado no quadro sintetizado acima,
processou-se em ordem e graças aos seguintes vectores essenciais:
1. Pelo encorajamento da criação de manufacturas nas regiões com base
capitalista mais forte, e em larga escala para revolucionar gradualmente
outras regiões.
2. Estabelecendo o primado da produção sobre o consumo.
3. Criando e desenvolvendo Mercado Interno Nacional. Um exemplo clássico
é o caso da Inglaterra: em Londres, o número de navios costeiros triplicou
entre 1628-1683. Os Estados Marítimos, em certos aspectos, funcionavam
entre si como um grande mercado interno diversificado. Este mercado interno
ajudava a desintegrar a velha economia, transformando os cidadãos em
consumidores.
4. Os Estados e as Aristocracias, embora indirectamente, favoreceram o
alargamento do mercado interno, sobretudo com equipamentos militares e
indústrias de guerra.
5. Criando nova forma de colonialismo, que alargava o mercado de massa,
com colónias de povoamento e colónias de plantações. Em 1700 já 20% das
exportações inglesas iam para áreas coloniais. Em 1770 mais de 1/3 das
exportações inglesas iam para colónias britânicas. As suas exportações
coloniais (incluindo Irlanda e colónias portuguesas, espanholas, etc.)
ascendiam a 90% do total das suas exportações.
6. Implicava divisão social do trabalho, aumentando a proporção de
trabalhadores não agrícolas, assalariados, dispondo de dinheiro para
comprar8).
***
(8) HOBSBAWN, Eric J.— ob. cit., págs. 5-58.
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