VII Congreso Ibérico sobre Gestión y Planificación del Agua “Ríos Ibéricos +10. Mirando al futuro tras 10 años de DMA”
16/19 de febrero de 2011, Talavera de la Reina
A ÁGUA NO ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO
Antunes, C. R.* y Coutinho, M. A.**
* Universidade do Algarve, Faculdade de Ciências e Tecnologia.
** Instituto Superior Técnico, Secção de Hidráulica e Recursos Hídricos e Ambientais.
RESUMO
A água é um recurso fundamental para a vida e para a estruturação do território e da paisagem, desempenhando as linhas de água várias funções, nomeadamente, hidrológicas, biofísicas, ecológicas, paisagísticas e económicas.
A integração do recurso água, no processo de ordenamento do território, é fundamental, tanto para reduzir o risco para as comunidades urbanas, como para diminuir conflitos entre utilizadores, ou, ainda, para assegurar a protecção dos ecossistemas associados aos sistemas fluviais.
Assim, são necessárias intervenções integradoras e interdisciplinares, ligando o natural ao cultural.
No âmbito das Directivas Quadro da Água e de Avaliação e Gestão dos Riscos de Inundações apresenta-se um conjunto de intervenções de
bioengenharia, visando a correcção torrencial e fluvial, a recuperação e requalificação de linhas de água e zonas ribeirinhas, primordiais para
potenciar as funcionalidades dos sistemas fluviais e contribuir para a valorização e sustentabilidade do território.
Palavras chave: água, sistema fluvial, ordenamento do território, bioengenharia
1. ENQUADRAMENTO E OBJECTIVOS
A água é um recurso fundamental para a vida e para a estruturação do território e da paisagem, constituindo as linhas de água componentes
dinâmicas dos sistemas, que desempenham várias funções, nomeadamente, hidrológicas, biofísicas, ecológicas, paisagísticas e económicas. A
percepção da rede hidrográfica, como elemento fundamental na estruturação do território, associada à presença da vegetação marginal, constitui um elemento marcante na paisagem, contribuindo para a diversidade e sustentabilidade ecológica, bem como, para a viabilidade económica dos sistemas fluviais.
Na temática - definição do papel da água no processo de ordenamento do território - dado que esta constitui um vector na localização e implantação de povoamentos, destacam-se, as massas de água (lagos e rios) no espaço urbano, pois é neste enquadramento que surgem as questões mais relevantes associados à presença da água, representadas por ameaças naturais, como cheias e inundações, com efeitos na qualidade
de vida das populações.
A integração do recurso água no contexto do ordenamento do território, enquanto promotor de amenidades ambientais, económicas e sociais
é fundamental, tanto para reduzir o risco para as comunidades urbanas, como para diminuir conflitos entre utilizadores, ou para assegurar a
protecção dos ecossistemas associados aos sistemas fluviais. Este processo requer abordagens complexas, integradoras e interdisciplinares envolvendo simultaneamente as populações e estabelecendo ligações entre os elementos naturais e culturais.
Numa perspectiva de gestão integrada do território é essencial a valorização e ordenamento da rede hidrográfica, a recuperação e reabilitação de cursos de água e zonas ribeirinhas, em meio urbano, acções determinantes para a sustentabilidade local, com grande relevância social.
No âmbito de aplicação das Directiva Quadro da Água – DQA (Directiva 2000/60/CE, de 23 de Outubro de 2000) e Directiva relativa à Avaliação e Gestão dos Riscos de Inundações (Directiva 2007/60/CE, de 23 de Outubro de 2007), apresentam-se as intervenções, do domínio da
bioengenharia, que visam a correcção torrencial e fluvial, a recuperação e requalificação de linhas de água e respectivas zonas ribeirinhas, que
se revestem de grande importância pois potenciam as funcionalidades do sistema fluvial, contribuindo assim para a valorização e sustentabilidade do território.
Desta forma, com a apresentação do caso da intervenção na ribeira de Barcarena, junto ao Campus Universitário (antiga Fábrica da Pólvora),
a qual tem como objectivo a recuperação e requalificação da linha de água e respectiva zona ribeirinha adjacente, pretende-se contribuir para
a reflexão sobre o papel da água no processo de ordenamento do território, enquanto elemento fundamental da sua estruturação e, neste en1
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quadramento, tipificar os princípios básicos de intervenção em sistemas fluviais, os objectivos de reabilitação das linhas de água e as principais técnicas a utilizar, no domínio da bioengenharia.
2. A ÁGUA COMO ELEMENTO ESTRUTURANTE DO TERRITÓRIO
Os rios sempre fizeram parte da vida das populações pelo que, em presença de atributos e benefícios do binómio rio-urbe, onde o território
confinante e as paisagens ribeirinhas são vários e diversificados, o Homem deve tirar o maior partido dos múltiplos recursos, naturais e culturais com particular ênfase para o espaço, recreio e lazer. As intervenções no território devem ser integradas e sustentáveis, devendo a requalificação dos sistemas fluviais ser abordada especificamente para cada curso de água, como unidade da paisagem e entidade territorial,
contemplando aspectos biofísicos, ecológicos, sociais e económicos.
No contexto do uso e ocupação do território, a alteração da morfologia dos leitos e áreas de inundação
e a remoção de vegetação, particularmente em zonas
(ou corredores) ripícolas, têm sido responsáveis pela
degradação do sistema com efeitos manifestados por
grandes inundações, mesmo em locais relativamente
afastadas dos leitos normais das linhas de água. Na
Figura 1, representa-se esquematicamente um corredor fluvial que, associado à vegetação ripícola,
constitui um elemento básico de estruturação do território (FISRWG, 1998).
Figura 1. Corredor ripícola, elemento estruturante do território (FISRWG, 1998).
De acordo com McHarg, 1971, para os planos de
água (surface water), “Em princípio, só os usos da
terra que são inseparáveis das margens (waterfront
locations) as poderão ocupar, e mesmo estas devem
ser limitadas àquelas que não diminuem o valor presente ou futuro das águas superficiais, para abastecimento, recreio ou fruição”. Afirma ainda, “Cada
vez mais é reconhecido que as áreas de que se deve
excluir toda a ocupação devem corresponder a áreas
inundáveis com períodos de retorno de 50 anos,
salvo para usos que não sejam afectados por cheias
ou que sejam inseparáveis das planícies aluvionares”.
Os rios, e respectivos, corredores, providenciam serviços e funções no território de ordem variada: são fornecedores e reserva de água para diversos usos; constituem corredores de comunicação e transporte; são suporte de biodiversidade - o peixe existente serve de recurso alimentar
e tem valor para a pesca desportiva; propiciam diversas actividades de recreio e de lazer; e, desempenham outras funções ambientais diversas,
das quais se destaca a drenagem do excesso de água existente na bacia.
Os rios inspiram, ainda, o estabelecimento de corredores verdes, trilhos de caminhada, parques e outros elementos da paisagem, que aumentam o valor fundiário do território, pela atracção que promovem nas populações ou, pelo valor turístico que lhes está associado. A vegetação,
no leito e corredor ripícola, tem importante valor estético e ecológico, de sombra e protecção e de habitat para a vida animal (Riley, 1998).
3. VALORIZAÇÃO E ORDENAMENTO DA REDE HIDROGRÁFICA
As intervenções nos cursos de água não devem ser efectuadas isolada e pontualmente, mas resultar antes de abordagens globais e integradas que promovam o ordenamento e a valorização da bacia hidrográfica, através de medidas, obras e outros meios adequados.
No passado, e de modo geral, a natureza das intervenções efectuadas nos cursos de água revestia-se de aspecto intensivo e pesado (“intervenções duras”) que não contemplavam sinergias com a morfologia e os processos naturais. Também, as intervenções se revestiam de carácter sectorial, sem interdisciplinaridade não combinando valências específicas, no controlo do sistema físico, com valores lúdicos e paisagísticos.
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Mesmo com as novas tendências, sobre a ocupação e intervenção de zonas marginais, os conflitos e desajustamentos mantiveram-se nas últimas décadas do século XX e princípios do século XXI. No entanto, tem-se vindo a observar uma modificação das práticas de intervenção em
cursos de água, com os profissionais envolvidos a enunciarem novas abordagens para a gestão e planeamento, utilizando metodologias de intervenção ambiental mais sensíveis e eficientes e melhores modelos, para o dimensionamento hidráulico (Riley, 1998).
As intervenções não sendo integradas, menosprezando os valores ambientais, ecológicos e paisagísticos das linhas de água, deixaram marcas
e impactes adversos que abriram espaço para que novas tipologias de intervenção viessem colmatar as lacunas detectadas, explorando as valias destes sistemas, como corredores estruturantes do território, articulando o uso dos recursos - água, solo, biota e território - e potenciando
assim serviços associados aos ecossistemas fluviais e à paisagem.
Na Figura 2 evidenciam-se as interacções existentes entre recursos hídricos, edáficos e bióticos, disponíveis no território, no âmbito das funções sócio-económicas e
ambientais, condicionadas à envolvente climática.
Em diversos estudos realizados nos EUA, verificou-se que a valia atribuída aos cursos de água seria maior se a qualidade da água e das margens fosse boa. A aproximação e valorização seriam tanto maiores quanto maior fosse o uso e valor
afectivo atribuído ao curso de água. A investigação realizada sugeriu que a reabilitação dos cursos de água constituía uma forma eficaz de aumentar o valor fundiário (Riley, 1998).
Neste enquadramento, considera-se premente a adopção de princípios e regras Best Management Pratices (BMP) - que garantam mais eficazes respostas dos sistemas fluviais às condições hidrológicas, hidráulicas e eco-ambientais dominantes
Figura 2. Recursos Hídricos, Edáficos, Bióticos, Território e Clima.
na bacia hidrográfica. As BMP’s foram inicialmente desenvolvidas nos Estados Unidos da América, a partir de regulamentações e normas que várias Organizações
Estaduais e Locais decidiram propor com vista à aplicação de medidas para uma
gestão mais equilibrada dos recursos hídricos. Salienta-se que para as regiões de clima eminentemente mediterrânico ou semi-árido, como é
o caso da maior parte da Península Ibérica, as medidas sugeridas com maior ênfase na bibliografia nem sempre são as mais adequadas e requerem, pelo menos, adaptações na sua aplicação.
Adaptando os conceitos propostos por Riley, 1998, devem-se considerar cinco objectivos principais na obtenção de níveis adequados de qualidade dos cursos de água:
1. salvaguarda dos cursos de água, com boa qualidade ambiental, do impacto de intervenções urbanas (e outras) na sua proximidade, e
estabelecimento de medidas de regulamentação do uso e protecção do leito e das margens, particularmente para defesa da erosão das
margens e do efeito de inundações;
2. aplicação da melhor tecnologia disponível nas medidas e obras de intervenção no leito e margens, que garantam qualidade ambiental
e estética às soluções adoptadas;
3. adopção de medidas de manutenção do leito do curso de água, ambientalmente aceitáveis;
4. remoção de estruturas e revestimentos, no leito e margens, que desrespeitem a qualidade ambiental e sejam insatisfatórias esteticamente;
5. promoção de regimes fluviais e qualidade da água, adequados ao suporte da vida e desempenho ambiental.
A abrangência dos conceitos evidencia que a eficiência de algumas das intervenções, de natureza local, depende de actuações de âmbito global, ao nível da bacia hidrográfica. A competência para elaboração dos planos de gestão de bacia hidrográfica, enquanto instrumentos de planeamento dos recursos hídricos que visam a gestão, a protecção e a valorização ambiental, social e económica das águas ao nível das bacias
hidrográficas integradas numa região hidrográfica, está cometida às administrações de região hidrográfica.
Em Portugal, além das directivas comunitárias referidas, está actualmente em vigor um quadro legislativo que compreende, entre outros diplomas,
a Lei da Água (Lei nº 58/2005, de 29 de Dezembro), que transpôs para o ordenamento jurídico interno a DQA e a Lei da Titularidade dos Recursos Hídricos (Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro). Esta legislação introduziu novos conceitos e regulamentos para o planeamento e gestão dos recursos hídricos, focando-se a problemática das áreas inundáveis, sujeitas a cheias, procurando solucionar questões de má gestão dos
rios e da construção em zonas de risco de inundação, particularmente, no aumento da vulnerabilidade de pessoas e bens localizados em zonas
com risco de inundação.
A Lei da Água tem como objectivo estabelecer um enquadramento para a protecção das águas superficiais interiores, das águas de transição,
das águas costeiras e das águas subterrâneas, sendo o ano de 2015 a data limite até à qual os Estados membros devem atingir o bom estado
e bom potencial das massas de água.
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Para a adequada gestão e ordenamento das bacias hidrográficas, incluindo as zonas ripícolas, destacam-se as seguintes
ferramentas: planeamento do uso da terra; conservação do
solo; controlo da torrencialidade do escoamento e de cheias;
controlo da erosão e transporte sólido; monitorização e fiscalização (watersheed stewardship); protecção das galerias ripícolas e zonas húmidas; controlo de descargas de efluentes nas
linhas de água; e, requalificação da rede hidrográfica e zonas
adjacentes (better site design). A integração destas medidas
constitui tarefa prioritária das entidades envolvidas no planeamento de recursos hídricos e ordenamento do território.
A aplicação de medidas adequadas na mitigação dos problemas de gestão dos recursos hídricos passa pela prevenção, actuando na origem e controlo dos escoamentos (bacias de
detenção e retenção) e, em intervenções estruturais, aplicando
Figura 3. Sustentabilidade, vs. degradação ambiental.
abordagens integradas - hidrológicas, paisagísticas, biofísicas,
sociais, em articulação com o ordenamento do território. Na
Figura 3 evidenciam-se as relações existentes entre os domínios das componentes ambientais, económicas e sociais nas medidas de requalificação dos cursos de água. Da conjunção dos três domínios resulta a sustentabilidade das acções, pelo contrário o desrespeito pelos valores
sociais conduz à não aceitabilidade e ao afastamento do rio, medidas sem justificação económica conduzem à inviabilidade das soluções e desvalorização do espaço, assim como o desrespeito dos valores ambientais leva à degradação ambiental.
As intervenções de reabilitação e de requalificação da rede hidrográfica devem simultaneamente promover o envolvimento das populações ribeirinhas, partindo do seu conhecimento da realidade e com o seu apoio, pois é delas que depende, em grande parte, a manutenção e sucesso
das intervenções, sendo, também, as primeiras a usufruir dos benefícios das referidas acções.
4. INTERVENÇÕES EM LINHAS DE ÁGUA NO DOMÍNIO DA BIOENGENHARIA
Nas intervenções para requalificação e, no extremo, restaurar as condições de um curso de água, torna-se necessário resolver três aspectos concretos:
1. identificação das características do leito normal, ou cheio (bankfull channel), em termos de largura e profundidade, que satisfaçam as
condições de equilíbrio, sem erosão ou deposição generalizada;
2. ajustamento do desenvolvimento do canal - extensão e sinuosidade - adaptado aos declives do leito e do vale;
3. definição do leito de cheias (planície aluvionar / zonas inundadas) que permita absorver os caudais máximos (com velocidades extremas)
- transbordantes do leito normal - contemplando os ajustamentos do leito que ocorram devido à morfologia do terreno e ocupação das
zonas de inundação, condicionados pelos usos do território.
Face às questões e conflitos que habitualmente surgem no espaço fluvial e inter-fluvial, deverão ser identificadas soluções tipo e definido um
quadro de soluções e medidas de intervenção as quais devem combinar diferentes técnicas que concorram para a valorização e sustentabilidade do território.
A utilização de técnicas construtivas, em linhas de água, no domínio da bioengenharia é fundamental, revestindo-se estas intervenções de particular valor, dadas as potencialidades associadas a estas, pois a conjugação de vários materiais característicos do meio, permitem atingir de
forma mais eficaz a regeneração natural dos espaços.
De acordo com Tánago e Jalón, 1998, as funções principais da vegetação ripícola e da sua conservação residem, principalmente, nos seguintes aspectos: estabilização do leito e das margens; controlo da influência e do relacionamento da bacia hidrográfica com os cursos de água;
comportamento do ecossistema fluvial; e, enquadramento e valorização paisagística.
A requalificação e restauração dos cursos de água apresentam duas componentes tecnológicas distintas. A primeira do domínio das engenharias
civil e hidrológico / hidráulica, que trata de aspectos de estabilidade das margens, geometria do escoamento, capacidade dos leitos, transporte
sólido, erosão e equilíbrio do leito; a segunda do domínio das engenharias biofísicas e do ambiente que intervêm ao nível dos ecossistemas e
da requalificação ambiental, com a definição de parâmetros da qualidade da água, da biodiversidade e da vegetação aquática e ribeirinha.
As etapas principais das intervenções hidráulicas e biofísicas para a requalificação consistem nas seguintes actividades: determinação e delimitação geral dos leitos, para condições normais de escoamento e em cheia; restauração das morfologias naturais dos leitos, em perfil longi4
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tudinal e secções transversais; estabelecimento da vegetação aquática e ribeirinha adequadas; recuperação da sinuosidade dos leitos, para diferentes valores de caudais; estabelecimento de trechos com diferentes velocidades de escoamento, formando sequências de rápidos e fundões
(remansos); estabelecimentos de zonas húmidas, de transição entre os leitos, margens e zonas ripícolas.
A vegetação ripícola tem funções fundamentais para a qualidade ambiental dos cursos de água de que se destacam os seguintes:
1.
2.
3.
4.
regulação e beneficiação do comportamento hidrológico / hidráulico;
estabilização de forma e traçado do leito e fixação de margens;
beneficiação e valorização do ecossistema fluvial e da qualidade ambiental;
valorização da paisagem e estabelecimento de valores culturais e memórias perenes.
Em termos do comportamento hidráulico: a vegetação é responsável pelo aumento da rugosidade das margens, acarretando a diminuição da
velocidade de escoamento, o aumento da estabilidade das margens e a redução da erosão. Contribui, ainda, para a retenção e depósito de sedimentos e nutrientes.
O ecossistema fluvial beneficia dos efeitos da regulação hidráulica e é valorizado com a criação de refúgios e habitats. A vegetação é ainda
responsável pela criação de sombras que regulam a temperatura da água e providência afluxos de matéria orgânica e outros nutrientes ao solo
das margens e à massa de água. A vegetação ribeirinha desempenha os papéis de elementos estruturais e construtivos nas funções anteriormente mencionadas. O projecto de estabelecimento e requalificação da vegetação incorpora as vertentes estruturais e técnicas.
No projecto biofísico contemplam-se os seguintes aspectos fundamentais: identificação de zonas para a colocação de vegetação; selecção de
espécies vegetais a estabelecer; definição da geometria da zona intervencionada e de medidas de preparação do terreno; descrição de técnicas de plantação e de estabelecimento da vegetação; e, por último, programação e definição de um plano de manutenção.
5. INTERVENÇÕES NUM TROÇO DA RIBEIRA DE BARCARENA
5.1. Aspectos gerais
O caso de estudo apresentado foca um conjunto de intervenções, que visam a recuperação e requalificação da ribeira de Barcarena e respectiva zona ribeirinha, no troço adjacente ao Campus Universitário (antiga Fábrica da Pólvora), que se revestem de grande importância pois potenciam a funcionalidade hidráulica, ecológica e paisagística do sistema fluvial. As propostas de intervenção, no domínio da bioengenharia e
da arquitectura paisagista, preconizam a integração e articulação de aspectos que, naturalmente, promovem, estimulam e aceleram a requalificação e contribuam para a sustentabilidade deste espaço.
Figura 4. Extracto do Plano Geral da Área de Intervenção.
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5.2. O rio como elemento estruturante da intervenção
Sendo a ribeira de Barcarena o elemento central do espaço as intervenções foram projectadas a três níveis – linha de água, margens e taludes
- tendo por base a capacidade de regeneração natural.
Além das intervenções de natureza hidráulica no curso de água, a construção e reparação de pontes, preconizou-se um passeio ribeirinho, no
contexto da actual função urbana, para valorização do património arqueológico-industrial e recreio, para promover a aproximação da população ao corpo de água, conferindo uma nova imagem a este espaço. Previu-se, ainda, o estabelecimento de um centro de interpretação de sistemas ribeirinhos. Na Figura 4 apresenta-se um extracto do Plano Geral da Área de Intervenção.
Neste contexto o conceito de intervenção de carácter integrador compreende:
u Intervenções de natureza hidráulica no leito, construção e reparação de pontes;
u Construção do percurso/passeio, equipamentos e tratamento das áreas verdes;
u Construção do Centro de Interpretação dos Sistemas Ribeirinhos.
5.3. Intervenções no curso de água
Com base nos registos hidrométricos da estação de Laveiras (21B/03H) foi estabelecida a curva de duração de caudais e adoptados os caudais de referência para o dimensionamento de caudais no leito normal, nomeadamente:
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u
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Caudal de águas baixas (duração = 250 dias) – 0,14 m3s-1;
Caudal médio anual (duração = 90 dias) – 0,65 m3s-1;
Caudal nos meses chuvosos (duração = 20 dias) – 2,3 m3s-1;
Caudal médio diário máximo anual (duração = 1 dia) – 13,5 m3s-1;
Caudal de cheia, com período de retorno de 10 anos – 135,0 m3s-1;
Caudal de cheia, com período de retorno de 50 anos – 180,0 m3s-1;
Caudal de cheia, com período de retorno de 100 anos – 200,0 m3s-1.
Para simulação das condições de escoamento no curso de água recorreu-se ao programa HEC-RAS. Os princípios de intervenção, de natureza
hidráulica, foram os seguintes:
u Em caudais máximos - reduzir os efeitos de obstáculos no leito e nas margens;
u Para caudais baixos e intermédios - estabelecer leitos sazonais, inseridos e meandrizados no leito normal, através de soleiras e zonas de
acumulação de blocos, estabelecidos com material grosseiro existente no leito;
u Analisar as tendências recentes de evolução do leito - elevados níveis de erosão, cerca de 1 m em 30 anos (Figura 5) - tanto em aspectos hidráulicos como no risco de infra escavação em muros de alvenaria, pilares e apoios de pontões e nos revestimentos de margem.
No enquadramento da reabilitação do sistema hídrico, previu-se o tratamento do fundo do leito da ribeira, o qual incidiu essencialmente em
agrupar a pedra existente ao longo desse troço, criando soleiras. Os objectivos fundamentais desta intervenção foram o estabelecimento da
cota do fundo e a diminuição do declive do talvegue, através da criação de soleiras de fixação do nível de base, e a consolidação de fundação,
em zonas descalçadas. Na Figura 6 apresentam-se um corte representativo das intervenções em zonas de leito mais encaixado.
Figura 5. Vista de jusante do passadiço e leito da ribeira de Barcarena, em 1985 e em Maio 2009.
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Figura 6. Corte representativo das intervenções em zonas de leito mais encaixado.
Para a valorização dos sistemas ecológicos, a criação de habitats ricos e diversificados, assim como o estabelecimento de relações funcionais
com o espaço envolvente, as intervenções passaram, também, pelo restauro da protecção de margens e a recuperação das galerias ripícolas
nos seus diferentes estratos, o que terá resultados benéficos aos níveis biofísico, da paisagem, da fauna e da qualidade da água.
As técnicas construtivas, no domínio da engenharia biofísica, a utilizar nas soluções que promovam a protecção e consolidação das margens
da ribeira, revestem-se de particular importância pois potenciam a funcionalidade hidráulica e ecológica do sistema.
5.4. Percurso ribeirinho
De montante para jusante, o passeio ribeirinho de acessibilidade universal, inicia-se na margem direita da ribeira, junto à Reitoria da Universidade e termina, a cerca de 1 km, junto à Central Hidroeléctrica. Apesar da diversidade de situações e de soluções adoptadas ao longo do trajecto, pode-se considerar como uma unidade linear, que acompanha a ribeira, articulando o seu traçado com as valências presentes.
Para além do percurso ribeirinho propriamente dito, a proposta contempla alguns trilhos e caminhos de ligação complementar com vista a assegurar o usufruto do espaço, quer através da ligação ao Museu de Arqueologia e à Central Hidroeléctrica, quer permitindo o desenvolvimento
de actividades de educação ambiental e de observação de avifauna.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Perante as funções da água no território, considerou-se necessário estabelecer em primeiro lugar um quadro conceptual sobre as valias dos
cursos de água, particularmente da sua qualidade ambiental, definida como meta a atingir. Esta concepção prende-se com a definição cultural dos estados “naturais” das linhas de água. Em segundo lugar, considera-se necessário efectuar diagnóstico sobre o estado ambiental dos
sistemas fluviais e de eventuais conflitos de uso, nomeadamente dos recreativos, com os objectivos estabelecidos para a conservação da natureza.
Antes de se passar a intervenções concretas é necessário estabelecer um cenário global e integrado das bacias hidrográficas, em que se enquadrem as acções de beneficiação dos cursos de água. Em continuidade, importa hierarquizar os graus de intervenção que vão da reabilita7
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ção, à requalificação e restauro e definir o conjunto de medidas para promover o grau de aproximação ao estado “natural” e o desenvolvimento espacial das intervenções.
Nos requisitos a estabelecer para a intervenção, nas linhas de água, incluem-se as medidas biofísicas de consolidação do leito, margens e encostas e medidas hidrológico / hidráulicas de controlo e salvaguarda de caudais de base, equilíbrio do leito e contenção de cheias.
As intervenções preconizadas, no caso de estudo, permitem a valorização de um espaço que, além de criar uma ambiência para o Campus Universitário, convida a aproximação da população ao rio, ou seja, esta nova paisagem da água potencia o usufruto dos recursos, naturais e culturais, e disponibiliza um espaço de recreio e de lazer.
Por ultimo, deverá realçar-se que as medidas de intervenção em sistemas dinâmicos – cursos de água e vegetação marginal – deverão ser objecto de acompanhamento cuidado e monitorização de parâmetros ambientais, pois o estado destes sistemas altera-se no tempo e as soluções poderão eventualmente necessitar de ajustamento.
Referências bibliográficas
FISRWG (1998). Stream Corridor Restoration: Principles, Processes and Practices. Federal Interagency Stream Restoration Working Group. Natural Resources
Conservation Service, USA.
McHarg Ian L. (1971). The American Museum of Natural History. Doubleday / Natural History Press (paperback ed.). New York. USA.
Riley Ann L. (1998). Restoring Streams in Cities. A Guide for Planners, Policymakers, and Citizens. Island Press. Washington, D.C. USA.
Tánago, Marta G. y Jalón, Diego G. (1998). Restauración de Rios e Riberas. Escuela Técnica Superior de Ingenieros de Montes. Fundación Colde del Valle de
Salazar e Ediciones Mundi-prensa. Madrid. Espanha.
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