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RELIGIÃO E COLONIZAÇÃO EM MIA COUTO
Maria Perla Araújo Morais (UFT)
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As políticas adotadas nas colônias portuguesas ultramarinas buscavam reforçar a
autoridade colonial, ao se basearem, entre outros aspectos, em ações discriminatórias,
responsáveis por criar um espaço em que era natural a exploração da mão de obra da população
nativa e em que valores e crenças dessas comunidades fossem vistos como algo que deveria ser
suplantando. Cedo o projeto colonial dos portugueses se aliou aos interesses da Igreja Católica, a
ponto de a cada território conquistado enviarem comitivas de missionários para agirem como
agentes evangelizadores. Nesse sentido, a Igreja funcionava como mais um mecanismo de
controle e de exclusão social, pois impulsionava a separação entre os “assimilados” e os
“indígenas” e ratificava, quer seja pela língua que adotava (o português), quer pelo arcabouço
doutrinário judaico-cristão que apresentava, o poder colonial.
A relação com essa instituição nas colônias será bastante tensa, sobretudo no período de
independência de Moçambique. Próximo a esse momento, em 1940, a Igreja assinaria a
Concordata e o Acordo Missionário com a República Portuguesa. Esse documento seria
responsável por algumas manobras da Igreja frente ao Estado Salazarista. Dava, ainda, aos
arcebispos e bispos residenciais de Moçambique o estatuto de oficiais do governo com direito à
remuneração oferecida por Portugal. A Igreja ficou incumbida de oferecer os quatro primeiros
anos de educação à população africana. As relações, portanto, entre Estado e Religião se
estreitaram. (ARAÚJO, 2000)
Mas, diante da independência de alguns países africanos, a Igreja sentiu a necessidade de
constituir um clero africano dentro de Moçambique. Isso implicou na criação de seminários e na
oferta de maior escolarização para os nativos. Não estaria longe a criação da Igreja Católica
Nacional/Moçambicana que, segundo o professor Luís Benjamin Serapião, foi responsável por
trazer à luz questionamentos acerca da orientação colonial da instituição:
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Em 1976, O Cardeal Mazzoni com a bênção do Papa Paulo VI veio participar na
reunião do clero moçambicano que teve lugar em Guiua, Inhambane (26 de
Agosto de 1974). Esta conferência foi muito importante na história da Igreja
Católica de Moçambique por ter rompido oficialmente com a Igreja colonial, e
dado início à Igreja Nacional/Moçambicana. Nesta reunião, os sacerdotes
insistiram na identidade do clero e do povo moçambicano. Rejeitaram o conceito
do “homem novo” imposto do exterior como, por exemplo, o sistema colonial que
insistia em portugalizar os moçambicanos. Os sacerdotes queriam manter a
moçambicanidade genuína. Esta atitude custou-lhes muito caro, por que os que
rejeitavam abertamente o conceito colonial do “homem novo” eram presos e
postos nas cadeias. Este foi caso do Padre Domingos Ferrão de Tete e outros.
(SERAPIÃO, 2012)
Há, ainda, bastante controversa sobre os rumos dessa Igreja Nacional. Uns a acusam por
manter as mesmas estruturas coloniais e racistas do tempo português; outros veem nela um dos
capítulos da independência colonial.
Sobre o papel da Igreja Católica no território colonial moçambicano, temos dois textos
contemporâneos: o conto, “Entrada no céu”, do livro O fio das Missangas, e o romance O outro pé
da sereia, ambos de Mia Couto. O escritor procura captar nas duas narrativas a orientação colonial
da Igreja Católica e contrapôr a isso seu questionamento pós-colonial.
O conto “Entrada no céu” mostra a história de um rapaz, que, à primeira vista, está em seus
últimos momentos de vida, realizando uma confissão a um padre. Sabemos desse interlocutor por
meio dos diversos vocativos que são citados no texto:
Se faça-me o favor, senhor padre, me diga: (…) (COUTO, 2009, p.77)
Porque o que acontece, caro Excelentíssimo Padre, (…) (COUTO, 2009, p.78)
- Quero ser santo, senhor padre. (COUTO, 2009, p.79)
Esse padre tem nome: Padre Bento. Duplamente abençoado pelo nome, era ele o
responsável pela catequese do jovem que narra a história. A ironia do nome confirma-se ao longo
da narrativa, já que padre Bento não era muito afeito a escutar ou explicar as dúvidas que o
narrador tinha na catequese:
Nada é repetível, tudo é repetente? Era o que eu perguntava na catequese. E mais
buscava, em clareza:
-A vida, Santo e Deus, tem segunda via?
O padre Bento não queria nem escutar: só a dúvida, em si, já era desobediência.
(COUTO, 2009, p.77)
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Nítido está, nessa passagem, o confronto de culturas, no que concerne ao aspecto religioso.
O conto parece se passar em um ambiente colonial, período em que estavam chegando ao solo
africano não só os portugueses como todo o seu sistema representativo, dentre eles a religião
católica, por isso a menção à catequese. O padre do conto institui a imagem do colonizador que
desconhece o diálogo cultural. A diálogo, prefere um monólogo obtuso, por isso interpreta a
dúvida do protagonista como sinônimo de desobediência.
Entretanto, esse rapaz quer “ressignificar” o que aprende na catequese. Por isso, a
interrogação e o jogo de linguagem no começo do parágrafo: “Nada é repetível, tudo é
repetente?”. É um jogo sutil, mas muito refinado se pensarmos que o “repetível” poderia fazer
menção à maneira como a vida é (sem repetição, porque única) e o “repetente” apontaria para
como somos nessa vida: “pecadores”, aqueles que não aprendem com lições. O rapaz, portanto,
comporta-se, nessa reescrita de Mia Couto, não como uma página em branco, mas como uma
identidade que tenta articular seu mundo ao novo que se apresenta para ele (principalmente ao
mundo cristão). Nessa ressignificação, vários aspectos da linguagem e da cultura do europeu
branco e cristão são desarticulados. A começar pela estatuto da fala. Quem fala no conto é o
africano. O padre, salvo um único discurso direto, é silenciado. Há, por isso, um falso diálogo,
bem à maneira de subverter uma ordem colonial.
O conto é estruturado num falso diálogo de um jovem que relembra seu passado de
catequese e que agora, adulto e no momento crucial da sua vida, quer um espaço para debater o
que aprendera com o Padre. A narrativa, pela forma como foi construída, assemelha-se bastante a
um livro de um escritor por quem Mia Couto tem declarada afinidade: Grande Sertão: veredas, de
Guimarães Rosa. (ROSA, 1986)
Em todos os momentos do conto, o padre é tratado com ironia, porque o que ensina é uma
maneira de o africano se anular. Embora saibamos que há nesse procedimento algo inerente à
religião, que desvaloriza o mundano para uma valorização ao extremo do reino dos céus, esse
discurso, adaptado à visão etnocêntrica europeia, produziria, em território africano, um indivíduo
duplamente espoliado:
-Quero ser santo, senhor padre.
E o senhor se ria. Que santo não podia. E porquê? Porque santo, dizia, o senhor, é
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uma pessoa boa.
-E eu não sou bom?
-Mas santo é uma pessoa especial, mais único que ninguém.
-E eu, Padre, sou especialmente único. (COUTO, 2009, p.79)
No conto de Mia Couto, a um força aculturante do colonizador, percebemos a resistência
quando o escritor opta por deixar claro o diálogo desencontrado entre culturas. A linguagem em
Mia Couto aponta para essa impossibilidade, para essa desarticulação dos dados europeus na
realidade africana:
Se faça-me o favor, senhor padre, me diga: cuja essa entrada no Paraíso é à moda
da raça, ou das cláusulas de sermos um zé-alguém? Os pretos como eu, salvo sou,
apanham licença? Ou precisam pagar umas facilidades, encomendar um abreboca nalgum mandante? (COUTO, 2009, p.77)
Nesse momento, há uma tentativa de tradução que só evidencia o desencontro, a
diferença, mesmo que estejam falando o mesmo português. Na tradução de um sistema de
representação português, desloca-se o sentido para o real concreto com o qual o narrador tem
contato. À síntese integradora entre os dois sistema representativos, Mia Couto prefere o espaço
da tensão dos contrários, marcado pela diferença cultural. É na realidade concreta, marcada pela
exclusão e preconceito, que o narrador se fixa, porque o mundo metafórico a que o padre se
referia, para o narrador, será apenas uma extensão da vida no mundo real.
O imaginário colonial português, intermediado pela religião católica, confronta-se com a
tradução africana. O narrador quer entrar no céu, mas não sabe como, porque o padre fabrica
incertezas que funcionam como sistema de exclusão. A angústia do narrador, seu mal-estar, é a
condição que o sistema de representação colonial impõe a esse indivíduo. O colonialismo coisifica
o africano, aniquilando-o como cidadão, como sujeito. Nesse sentido, embora fale, o narrador não
tem nome, é só uma categoria narrativa.
Em relação à história e ao discurso rememorativo, o narrador inverte esse desejo colonial.
Transporta para o mundo ao qual está acostumado a fala do padre, por isso suas dúvidas quanto ao
que deve fazer para entrar no céu. Pauta-se no mundo concreto em que é excluído e silenciado
para entender esse reino:
Aquilo lá, nos porões celestiais, requer devida licença. E mais eu perguntava:
quem executa essa triagem, à entrada do paraíso? Um encartado porteiro? Um
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tribunal com seus veneráveis julgadores? (…) (COUTO, 2009, p.77)
Exemplo: a pessoa pode sair directamente da aldeia para o céu? Assim, sem
passar devidamente pela capital, nem estar documentado com guia de marcha,
averbada e carimbada nas instâncias? (COUTO, 2009, p.78)
O narrador, nessa passagem, reproduz o sistema colonial no céu. Portanto, se não tem
espaço na terra, também seria impossível entrar no céu. A não ser que fosse por uma sorte ou por
um engano, como acontecera com ele em outra situação especial: o baile do Ferroviário. Nesse
baile, espaço proibido por questões raciais para pessoas como o narrador, é confundindo com um
empregado do bar e consegue entrada. Seu interesse não era tanto a entrada, mas quem encontraria
lá dentro: a mulata Margarida, por quem era apaixonado. O narrador reflete se no céu também não
poderia contar com a sorte e ser confundido com a criadagem. Entrar por sorte, por engano, é
entrar pela porta dos fundos. Não é ser reconhecido como merecedor do céu. Por isso, nesse
pensamento, embora possa ser visto como uma tradução do céu católico, o narrador acaba
reproduzindo o mesmo sistema de exclusão observado na vida da qual quer fugir.
No baile, ele é humilhado e expulso do lugar, mas não é isso que o entristece
definitivamente. O golpe final é a falta de interesse de Margarida, que não se compadeceu com a
humilhação sofrida pelo narrador. Até o amor aparece colonizado.
No final da história, sabemos por que o discurso do narrador é de memória: ele está
morrendo e, ao que parece, suicidou-se. Sua conversa com o padre são seus últimos suspiros, por
isso também sua preocupação com o céu. Termina o texto num outro baile, o dos sonhos, em que
seria recepcionado por Margarida de braços abertos.
Nesse fim, Mia Couto deixa claro sua aversão à sorte, ao engano para que alguém usufrua
de qualquer bem, até o da entrada no céu. Nessa outra vida que vai, paradoxalmente ao que
acontece com o narrador, se descortinando no final do texto, não há céu, inferno, santos, só o
amor. Por isso, afirma: “A vida, sim, tem segunda via. Se o amor, arrependido de não ter amado,
assim o quiser.” (COUTO, 2009, p.80). Mia Couto subverte a exclusão colonial, a morte em vida
por uma vida na morte: o sonho e o amor se realizando no fim da narrativa.
Em outra obra de Mia Couto, O outro pé da sereia, o romancista também se dedica a um
estudo sobre o diálogo religioso entre portugueses e moçambicanos. Esse romance apresenta-se
dividido em dois tempos: um que diz respeito a uma história que estaria acontecendo em 1560 e
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outro que narra acontecimentos referentes a 2002. No século XVI, encontramos uma viagem do
jesuíta D. Gonçalo da Silveira, personagem que realmente existiu, e do padre Manuel Antunes,
ambos portugueses, que partem de Goa na nau Nossa Senhora da Ajuda para Moçambique, com o
propósito de evangelizar a região. Já na ambientação do século XX, encontramos o relato sobre
Mwadia Malunga na tentativa de encontrar na vila de sua infância, Vila Longe, um lugar para
uma imagem de Nossa Senhora que seu marido, Zero Madzero, encontrara onde ambos viviam,
em Antigamente. As duas histórias, a dos portugueses e moçambicanos, vão se entrelaçando aos
poucos, para no final descobrirmos que a mesma santa que Mwadia carrega é a que estava à bordo
do navio que levava D. Gonçalo da Silveira e Manuel Antunes.
O título do livro, O outro pé da sereia, seria uma metáfora que apontaria para as trocas
culturais entre portugueses e moçambicanos. A imagem contraditória de procurar um outro pé em
um lugar que não existe pé indica o espaço efêmero e imaginário em que as duas culturas
negociam o seu diálogo.
A sereia é Nossa Senhora, lida e traduzida à imagem local de Kianda. Na história
europeia, a imagem da santa é transportada pelos padres no navio que os leva à região africana. No
trânsito entre esses dois mundos, o europeu e o africano, o escravo Nsundi, intérprete dos
portugueses e responsável pelo fogo no navio, negocia a existência da deusa das águas na imagem
cristã. Por isso, arranca-lhe a perna. Na visão do escravo, ao amputar a imagem cristã, estaria
libertando a divindade africana; na visão dos padres, o escravo teria deformado a santa, ao
transformá-la em coxa. Imagem e tradução se encontram no discurso pós-colonial de Mia Couto.
Esse procedimento de fazer duas realidades se chocarem em forma de questionamento repete-se ao
longo do romance.
Na história da nau, D. Gonçalo reproduz o discurso eurocêntrico e trata os africanos
como diferença a ser cristianizada. Aos poucos, porém, essa visão vai sendo desconstruída,
principalmente pelo padre Manuel Antunes. Esse padre escolhera o sacerdócio por motivos alheios
à fé. Estava encarregado de fazer o registro da viagem, propósito que é interrompido logo dentro
do nau. Manuel Antunes e seus questionamentos tornam-se expedientes corrosivos ao discurso
colonial:
-Você, caro Manuel, põe na sua ideia a relevância da nossa missão em
Monomotapa?
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-É exatamente isso que eu me pergunto, D. Gonçalo: tem sentido tudo isto, D.
Gonçalo?
-Que perguntas é essa?
-Tem sentido irmos evangelizar um império de que não conhecemos
absolutamente nada?
-Você está cansado e o cansaço é inimigo do bem pensar.
-Pois eu nunca estive tão lúcido. Já pensou bem? Estamos descobrindo terras que
nunca conheceremos, estamos mandando em gente que nunca governaremos.
-Cale-se, peço-lhe que não blasfeme.
-Como iremos governar de modo cristão continentes inteiros se nem neste
pequeno barco mandam as regras de Cristo? (COUTO, 2006, p.160)
Passado e presente, colonialismo e pós-colonialismo, história e ficção estão dialogando
por meio desses dois padres. O questionamento lúcido do padre Manuel Antunes é encarado à luz
colonial como heresia e blasfêmia. Na pós-colonialidade, sabemos que essa discussão é um olhar
crítico em relação à empreitada cristã. A história de Moçambique aqui é ficcionalizada, porque,
embora o personagem histórico D. Gonçalo da Silveira apresente-se bem próximo ao discurso
colonial, há a existência do padre Manuel Antunes, desconstruindo a empresa evangelizadora.
Sobre D. Gonçalo da Silveira, esse personagem histórico presente no romance, sabemos
que, em 1556, fora nomeado para as Índias e em 1560 estaria em uma região do sudeste africano a
fim de evangelizar o território. Durante o tempo que permaneceu em território africano, o período
de sete semanas, converteu e batizou vários chefes, inclusive Makaranga, e nativos. Sua missão
consistia, ainda, em subir o rio acima do Manbezi, sempre com o propósito evangelizador. Muitos,
inclusive os árabes que residiam nessa região, não aceitaram essa intervenção católica. Silveira foi
estrangulado em sua tenda por ordem do mesmo chefe que batizara:
Mas o Padre Gonçalo da Silveira guardava no seu coração a vontade e o desejo
de ser missionário, desejo que viu concretizado em 1556, ano em que parte numa
expedição em direção a Goa. Lá ficou 3 anos, onde também se destacou pela
exigência. Essa, causou-lhe alguns dissabores entre os cristãos novos que
celebravam as suas festas judaicas à porta fechada. Foi alvo de críticas e escritos
deixados nas igrejas. A resposta do Padre Gonçalo da Silveira foi dura e os
responsáveis foram chamados à Inquisição. As condições para continuar na Índia
estavam cada vez mais frágeis e quando foi aberta uma missão para Moçambique
ofereceu-se como voluntário e foi aceite. (FUNDAÇÃO GONÇALO DA
SILVEIRA, 2013)
Gonçalo da Silveira, portanto, é uma figura histórica ficcionalizada no romance de Mia
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Couto. O escritor dá vida, voz a esse personagem e faz-nos rever os antecedentes e contexto em
que Silveira fora assassinato. As condições de sua morte e sua figura são redimidas do silêncio. No
história real, ninguém soube ao certo quem o assassinou e não encontraram o seu corpo.
A história do romance de Mia Couto só começa quando Zero Madzero encontra uma
imagem de uma santa e, ao lado dela, a ossada de uma pessoa. Os ossos, vamos saber durante a
narrativa, eram de Silveira. O resgate desse personagem histórico, tão importante para a história
do catolicismo na vida moçambicana, acontece na narrativa. As duas histórias da narrativa de Mia
Couto se juntam no momento em que, para impressionar Benjamin Southman, Mwadia começa a
ler o diário encontrado ao lado dos ossos de Silveira.
Silveira, assim como padre Antunes, é um expediente narrativo importante para se refletir
sobre o encontro dos dois mundos. Antunes centra-se no questionamento, Silveira na obediência e
crença dos ideais evangelizadores. Os dois de formas diferentes tentam estabelecer uma ponte
entre portugueses e moçambicanos.
Interessante é o fim de cada personagem na narrativa. Padre Manuel Antunes abandona o
sacerdócio e vira uma espécie de adivinho local. Ele próprio, portanto, transforma-se no “outro pé
da sereia”: “Aprendera a lançar os búzios e ler os desígnios dos antepassados. No terreiro, frente à
casa, o português misturava rituais pagãos e cristãos. E procedia como nunca nenhum adivinho
antes fizera: em cima de uma esteira colocava a pedra de ara que havia pertencido a Silveira.”
(COUTO, 2006, p.313)
Já D. Gonçalo da Silveira desiludira-se diante do território que encontrara: muitos
mouros, judeus, falsos cristãos convertidos e portugueses cultuados como deuses. É assassinado,
porque, diferente de Padre Antunes, seu discurso não cabe ali.
Nessas duas narrativas que estudamos, Mia Couto recria no tempo pós-colonial a
empresa colonial portuguesa, no que diz respeito ao aspecto religioso, questionando a pretensa
universalidade dos sistemas de sentido europeus e oferecendo a eles uma tradução moçambicana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Emílio Américo Lopes de. O contributo da Igreja Católica de Moçambique para o fim
do conflito armado entre a Frelimo/Governo e a Renamo: 1979-1992. Dissertação apresentada ao
Departamento de História, Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane. Maputo,
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2000. Disponível em: http://www.saber.ac.mz/handle/10857/991?mode=full. Acessado
em 20/08/2013.
COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo, Companhia das Letras, 2006.
____________. O fio das missangas: contos. São Paulo, Companhia das Letras, 2009.
FUNDAÇÃO GONÇALO DA SILVEIRA. Site institucional. Disponível
em: http://www.fgs.org.pt/pt/index.php?option=com_content&view=article&id=11&Itemid=6
Acesso em: 23/04/2013.
ROSA, Guimarães. Grande Sertão: veredas. Rio de janeiro, Nova Fronteira, 1986.
SERAPIÃO, Luiz Benjamin. Caso da Igreja Católica em Moçambique. Disponível em:
http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2012/08/caso-da-igreja-cat%C3%B3lica-emmo%C3%A7ambique.html. Acessado em 20/12/2012.
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