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Seminário de Direito Constitucional
CÉLULAS-TRONCO - UM ENFOQUE SOBRE PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS E VALORES HUMANOS
Elaborado em 04.2008
Vitor Vilela Guglinski
Graduado em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais
Vianna Júnior. Especialista em Direito do Consumidor pela Faculdade de
Direito da Universidade Estácio de Sá. Atualmente ocupa o cargo de
Assessor de Juiz da 2a Vara Cível de Juiz de Fora - MG. Integrou o corpo
jurídico do PROCON de Juiz de Fora. Articulista com diversos trabalhos
publicados nos mais importantes meios de comunicação jurídicos do
país.
Como
era
de
se
esperar,
a
edição
da
lei
brasileira
de
biossegurança, que permite a utilização de embriões humanos em
pesquisas com células–tronco, tem dividido opiniões, desde os cientistas
mais qualificados no assunto até os cidadãos mais leigos, em razão dos
bens
jurídicos
que
serão
atingidos,
caso
seja
reconhecida
sua
constitucionalidade e, assim, seja garantida sua vigência.
A ADIN ajuizada pela Procuradoria-Geral da República tentou
rechaçar a validade da lei em questão, argumentando, em síntese, que
a mesma vai de encontro aos princípios constitucionais da inviolabilidade
da vida e da dignidade humana.
Em entrevista publicada na revista Veja, de 05 de março de 2008,
a bióloga Mayana Zatz, uma das maiores autoridades no assunto, teceu,
à luz da ciência, algumas considerações acerca dos princípios cuja
proteção se pretende com o ajuizamento da referida ADIN, destacando
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que, embora não exista um consenso sobre o início da vida, há um
entendimento no sentido de que a vida termina quando cessam as
atividades cerebrais. Pelo mesmo raciocínio, conclui dizendo: “se não
existe vida sem um cérebro funcionando, um embrião de até catorze
dias, sem nenhum indício de células nervosas, não pode ser considerado
um ser vivo”.
Partindo desta afirmação, indago: que vida e que dignidade
humana
a
Procuradoria-Geral
da
República
deseja
resguardar,
impedindo que a lei de biossegurança vigore?
Sem intenção de atacar a liberdade religiosa, também alçada
como direito e garantia fundamental no art. 5º, VI, da Carta Política de
1988, há, no entanto, que se ponderar acerca da amplitude do direito à
vida e da dignidade da pessoa humana, bem como sobre que titulares
de tais direitos, no caso em apreço, devem ser protegidos pelo Estado.
Não é preciso ser um expert em medicina ou biociência para
perceber que milhares são os que hodiernamente vivem limitados por
doenças cuja cura seria potencial ou efetivamente garantida com os
avanços proporcionados pelas pesquisas com embriões humanos, pois
tais fatos são exaustivamente noticiados diariamente. São indivíduos
que, segundo a citada pesquisadora, “morrem prematuramente ou estão
confinados a uma cadeira de rodas, e poderiam se beneficiar dessas
pesquisas”.
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Diante de tais considerações, proponho neste breve texto que a
garantia e proteção da vida e da dignidade da pessoa humana devem
ser analisadas sobre outra ótica, isto é, observando-se tais princípios em
seu aspecto sócio–cultural, e não somente tomando-se a vida mera
manifestação biológica.
Como amplamente divulgado, os embriões humanos destinados às
pesquisas com células–tronco são organismos já destinados ao descarte,
isto é, sem qualquer possibilidade de vida para os mesmos, ainda que
se tentasse favorecer seu desenvolvimento. Estes são os seres cuja
proteção é pretendida através do ajuizamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade que visa negar vigência à lei de biossegurança.
De outro lado, temos indivíduos privados de um amplo convívio
social, “vivendo” em condições sub-humanas, e sem possibilidade do
gozo de outros bens jurídicos garantidos pela Constituição Federal! São
pessoas, ao contrário dos embriões, que já possuem uma história de
vida, componentes de um círculo social, enfim, indivíduos que já
agregaram valores à sua existência, e que esperam por uma chance de
viver plenamente, desfrutando do direito de ir e vir, da própria felicidade
e também da felicidade daqueles que os cercam e acompanham seus
dramas!
Vou ainda mais além. Abstraindo-me do fato de estarmos falando
em embriões destinados ao descarte, apenas para estimular o raciocínio
do leitor, coloque-se um embrião como uma expectativa de vida, uma
vez que, em que pesem todos os esforços e cuidados pré–natais, a fim
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de garantir uma gestação saudável, e conseqüente nascimento do
indivíduo, não existe uma garantia real de que o mesmo nascerá.
Por sua vez, aqueles que vêem nas células–tronco sua única tábua
de salvação já compõem efetivamente o seio social, como dito linhas
acima. Não são uma expectativa; são sujeitos de direito! A este
respeito,
José
Afonso
da
Silva
consigna
que
“vida,
no
texto
constitucional, (art. 5º, caput), não será considerada apenas no seu
sentido biológico de incessante auto – atividade funcional, peculiar à
matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva”. E
prossegue discorrendo sobre o direito à existência, como sendo o:
“direito de estar vivo, de lutar pelo viver, de defender a
própria vida, de permanecer vivo” (In Curso de Direito
Constitucional Positivo, 14ª ed., São Paulo: Malheiros,
1997, p. 194 - 195).
Há então, no nosso entender, que se promover um diálogo entre
os princípios constitucionais que garantem a vida e a dignidade humana
e o princípio da razoabilidade, ou seja, averiguar se é aceitável negar
vigência à lei de biossegurança, em detrimento de cidadãos que
esperam por uma chance real de finalmente usufruir suas faculdades, de
ter garantido o mínimo de igualdade, liberdade, de bem-estar, enfim,
assegurar que estes valores humanos sejam passíveis de fruição por
parte de seus titulares, pois, de nada adianta proteger o direito à vida
sem a garantir que a estarão atrelados estes bens jurídicos! Aí sim
poderemos falar em dignidade humana.
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Em sua entrevista, Mayana Zatz ainda atenta pra outro fato
importantíssimo no que diz respeito às pesquisas com embriões
humanos: muitas pessoas a estão confundindo com o aborto. Júlio
Fabbrini Mirabete nos fornece o conceito de aborto, como sendo:
“a interrupção da gravidez com a destruição do produto da
concepção. É a morte do ovo (até três semanas de
gestação), embrião (de três semanas a três meses) ou
feto (após três meses), não implicando necessariamente
sua expulsão” (In Manual de Direito Penal – parte especial.
São Paulo: Atlas, 1998, p. 93).
Tal conceito corrobora, então, o que foi dito pela cientista acima
nominada, isto é, os embriões destinados às pesquisas possuem no
máximo catorze dias, portanto duas semanas, não havendo que se falar
em aborto.
Diante disso, verifica-se que a população, de um modo geral,
carece de informação, ou seja, não se inteirou de dados importantes
para
a
formação
da
opinião
pública,
o
que
é
agravado
pelas
manifestações da Igreja Católica, principalmente. Há que se lembrar que
a todo o momento os meios de comunicação já noticiaram e continuam
noticiando atos praticados por padres pedófilos, pastores evangélicos
envolvidos em escândalos de corrupção e também em episódios de
pedofilia, enfim, indivíduos que se dizem mensageiros de Deus, porém
pregadores de dogmas que jamais respeitaram ao longo de sua
trajetória religiosa, e que agora vêm a altos brados se rebelarem contra
um avanço da ciência, este sim com inegável conteúdo ético e moral,
como se fossem um exemplo a ser seguido. Lembre-se, ainda, que a
Igreja Católica condenou a humanidade a séculos de trevas na Idade
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Média, tendo apenado diversos estudiosos da ciência em nome de Deus.
Nessa toada, gostaria de indagar se há na Bíblia alguma passagem
historiando o assassinato de outrem tendo Jesus Cristo como seu
mentor ou algoz? É claro que já sabemos a resposta!
Portanto, negar vigência à lei brasileira de biossegurança é nada
menos do que manter aqueles sujeitos titulares de direitos, privados de
seu direito à integridade física, moral, de existência digna, de liberdade,
privacidade, dos direitos da personalidade de uma maneira geral. Mais
do que isto é condenar o nosso país, já tão preterido em diversos
aspectos do desenvolvimento social e econômico, mais uma vez a um
obscurantismo
injustificado,
ou
pretensamente
justificado
por
instituições que não possuem qualquer legitimidade jurídica para
interferir em decisões de benefício coletivo, tampouco compreendem a
noção exata de democracia.
Excelente aproveitamento!
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clulas - tronco: interpretao e aplicao dos princpios constitucionais a