EDITORIAL
O artigo de Geraldo Pieroni, que abre o primeiro volume da Revista Justiça & História,
trabalha dentro da problemática dos direitos sociais, historiando o processo de confecção das
ordenações reais portuguesas e descrevendo as formas de aplicação das penas de degredo,
tanto no Direito régio quanto no eclesiástico. Indica-se, dessa forma, que parte da colonização
européia, no Brasil, foi desencadeada pela aplicação de penas judiciais.
Em seguida, Carla Maria Junho Anastasia desenvolve esforço para encontrar uma
regularidade explicativa para as rebeliões coloniais estaladas no Brasil, indicando, com muita
criatividade, os contornos do Direito consuetudinário, objeto fugidio para a análise do
historiador, bem como sua importância nas formas de relação entre colonos e Metrópole.
A problemática dos direitos sociais retorna no artigo da
que discute, num estudo de caso, a criminalidade escrava, no Município de Juiz de Fora,
O Dr. Sérgio da Costa Franco resgata a influência da Faculdade de Direito de São
Paulo sobre os gaúchos, listando os bacharéis sul-rio-grandenses que lá se formaram, de 1832 a
1897.
O Prof. José Miguel Arias, ao partir da análise de um requerimento dirigido por
marinheiros ao Imperador Dom Pedro II e ao Poder Legislativo, em 1866, traça um retrato das
condições de trabalho e de vida das praças da Marinha brasileira, avaliando a extensão do
direito de petições, previsto na Constituição de 1824, e tecendo considerações sobre a
construção da compreensão, ou recusa, dos direitos sociais, tanto entre a elite política imperial,
quanto entre comandos militares e marinheiros.
Gunter Axt articula um retrato da ideologia autoritária do período castilhista-borgista,
no Rio Grande do Sul, demonstrando a função desempenhada pelo ritual eleitoral em plena
sociedade coronelista e o papel de uma Justiça que não dispunha dos instrumentos necessários
para interferir no campo eleitoral, carência esta que atendia aos objetivos
obstaculizando o acesso do povo à cidadania. O texto, que resume ainda a legislação eleitoral
da época, é um exemplo da produção historiográfica produzida a partir de pesquisas realizadas
no Centro de Memória do Judiciário.
Schneider fez dos acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo, durante o
período da Primeira República, seu foco de estudo, construindo com muita criatividade um
novo objeto historiográfico. A autora retrata as contradições de um Poder Judiciário agindo na
fronteira entre uma formação social oligárquica e outra burguesa. De sua análise, emerge a
percepção do momento histórico que traduzia uma alteração do perfil constitutivo da
conseqüentemente, da função do aparelho de Estado na sociedade.
Diante desse quadro, a autora mostra uma Justiça em transformação, afirmando sua autonomia
como sujeito institucional em meio à tensão entre uma sociedade que não definia as fronteiras
entre público e privado e uma nova sociedade que se constrói com base em uma ótica mais
burguesa, segundo a qual o aparelho de Estado precisa ser infra-estruturalmente mais forte.
A problemática dos direitos sociais também está presente no artigo do Prof. Cláudio
Elmir que estudou as diferentes formulações discursivas em torno do conceito de
criminalidade para o Rio Grande do Sul dos anos 1950 e 1960, produzidas pelos campos da
política – Poderes Legislativo e Executivo –, Polícia – Brigada Militar e Civil –, Justiça e
imprensa. Esse texto é rico em estatísticas judiciais da época e descreve também as condições
de trabalho e funcionamento das polícias, indicando que muitas das polêmicas da época
conservam atualidade nos dias de hoje, enquanto outras permitem constatar pontos de
evolução e amadurecimento no tratamento da questão criminal pelo Estado.
O Prof. José Eduardo Faria apresenta uma discussão elaborada ao expor a contradição
entre a universalização de princípios básicos dos direitos humanos, a partir da Declaração de
1948, e a globalização do capital, a qual, segundo o autor, imprime forças que constrangem o
poder interventor dos estados nacionais nas questões sociais, em nome do enxugamento da
máquina administrativa e do equilíbrio das contas públicas, limitando a jurisdição dos poderes
judiciários nacionais, diante do processo de internacionalização de aspectos do Direito
Comercial. Nesse sentido, o autor descreve um uma tendência histórica diferente daquela
Schneider, quando ao capital financeiro - nacional e internacional - era
conveniente a afirmação da autonomia institucional da Justiça, a fim de garantir a limitação da
esfera de influência do poder privado, do Poder Executivo e das idiossincrasias das redes de
compromissos coronelísticos junto às decisões judiciais, situação esta abordada nos textos de
Gunter Axt.
Finalmente, o Prof. António Manuel Hespanha problematiza o processo de codificação
do Direito, desde as antigas Ordenações portuguesas até a globalização jurídica
contemporânea, ponderando “os custos, históricos e atuais, das políticas codificadoras e
neocodificadoras, e salientando os preços que se pagam com uma redução da complexidade
que ignore nomo-diversidade, radicada tanto no embebimento cultural dos valores jurídicos,
individualizadora da própria idéia de justiça”.
Na seção dedicada à reprodução de documentos históricos, Virgilina Gularte estudou
um dos mais famosos processos que já tramitou em foros brasileiros. Constitui aquilo que, em
França, denomina-se cause célèbre. A análise dos mais de mil volumes, uma autêntica pesquisa
arqueológica, foi a obra-prima da articulista, cuja realização exigiu muitos anos. O núcleo do
trabalho é o exame minucioso dos testamentos do Comendador e de sua mulher, Leonor
Maria Correa, pleno de cláusulas complexas, fruto do capricho dos testadores. Lendo-se o
artigo, compreender-se-á como um feito judicial normalmente simples findou mais de um
A entrevista do Sr. Noé Zelmi dos Santos, reproduzida também nessa seção, marca a
retomada do Programa de Memória Oral do Centro de Memória do Judiciário e o início da
coleta de depoimentos de funcionários do Poder Judiciário.
Importante ainda destacar:
Centro de Memória do Judiciário destaca-se justamente pelo investimento na pesquisa
histórica; daí a necessidade de criação de um veículo acadêmico para discussão da história do
direito e do Poder Judiciário, pois dessa forma tenta-se superar a dispersão da produção
historiográfica nessa área no Brasil.
A Revista Justiça & História é uma iniciativa inédita no Pai, não havendo outro veículo
dedicado ao mesmo recorte temático;
O projeto da Revista alcançou sucesso nesse primeiro volume, pois as contribuições
aqui reunidas abordam a Justiça e o Direito sob diversos prismas e de forma sempre muito
consistente;
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O artigo de Geraldo Pieroni, que abre o primeiro volume da Revista