IBAM NOV/DEZ 03 ANO 48 Nº244 Não pode ser vendiodo separadamente
Parte integrante da REVISTA DE ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL – MUNICÍPIOS
E
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C I TE
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ESPECIAL
Pensando a Autonomia
Municipal: dilemas e perspectivas
Mara Biasi Ferrari Pinto
Administradora e Superintendente Geral do IBAM
Marcos Flávio R. Gonçalves
Advogado, Mestre em Administração Pública e Consultor do IBAM
Maria da Graça Ribeiro das Neves
Administradora, Mestre em Engenharia de Produção e Assessora Técnica do IBAM
Introdução
Este artigo registra algumas rodadas de
discussão entre os autores que, preocupados
com a situação do Município brasileiro,
decidiram refletir sobre questões que afetam
o futuro imediato dessa esfera de Governo.
Em síntese, pretende apresentar algumas idéias
vinculadas à competência municipal hoje, em
face do que dispõe a Constituição da
República, e provocar debates a respeito da
capacidade que o Município possui para
cumpri-la, consideradas as demandas sociais
e as dificuldades provocadas pela falta de
recursos, pela simetria institucional e pela
ausência de uma visão de conjunto do que
seja, de fato, eficiência na prestação dos
numerosos serviços que devem estar à
disposição da coletividade.
Parte da premissa de que o Município é
imprescindível, de que as regras para sua
criação devem ser prudentes e de que o
tratamento diferenciado deve tornar as
competências municipais desiguais, ou seja,
deve-se aplicar o princípio da isonomia.
Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
Encarte Especial
1
Competências municipais:
concepção e transformação
No período imperial, o País era unitário, a
Administração era centralizada e o repasse de
competências se dava por outorga, isto é, o
Governo Central decidia o que passar à
competência provincial e municipal, caso a
caso.
A Constituição do Império, datada de 25 de
março de 1824, continha apenas alguns artigos
(167 a 169) sobre as Cidades e as Vilas (não se
utilizava a palavra Município). Era autorizada
a existência de Câmaras, às quais competia o
governo “econômico e municipal”; as
Câmaras teriam Vereadores em número
definido em lei, que também iria dispor sobre
o exercício de suas funções, expedindo-se a
Lei do Império de 1º de outubro de 1828,
denominada Regimento das Câmaras
Municipais, que veio a reger o Município
durante todo o tempo anterior à República,
recebendo nesse período algumas poucas
alterações.
Nela encontram-se as funções municipais,
vedada qualquer atribuição judiciária. Em
verdade, essas funções resumiam-se ao que
então compreendia-se como “posturas
policiaes”, voltadas basicamente para
regularizar a ocupação das vias públicas,
regulamentar as construções, dispor sobre
moralidade e sossego públicos, trânsito e
tráfego, animais, plantas, matadouros, feiras,
espetáculos públicos e medidas relativas à
conservação dos logradouros, entre outras de
menor importância.
A receita provinha da cobrança de valores que
hoje poderiam ser identificados como taxas,
embora sem as características destas.
Proclamada a República, a Constituição de
1891 contemplou referência ao Município, de
forma indireta, em seu art. 68, ao determinar
que os Estados se organizassem de forma que
assegurasse a autonomia do Município, “em
tudo quanto respeite ao seu peculiar interesse”.
2
Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
O chamado “Pacto republicano” (repartição
da competência policial, do fisco, do
patrimônio, da justiça) não alçou o Município
à sede constitucional, organizado que era pelo
respectivo Estado, conforme dispunha o
artigo citado no parágrafo anterior, e não
compunha a Federação, formada pela união
dos Estados, do Distrito Federal e dos
Territórios.
A Constituição promulgada em 1934 inovou
em relação ao tratamento dado ao Município,
que passou a ter sua autonomia, naquilo que
respeitasse ao seu peculiar interesse,
reconhecida. Falou-se (vide o art. 13) pela
primeira vez em autonomia política (eleição
de seus Prefeitos e Vereadores), financeira
(decretação de seus impostos, taxas e outras
rendas) e administrativa (organização de seus
serviços), porém não lhe coube menção ao
definir a forma federativa, mantendo-se
aqueles mesmos entes citados na primeira
Constituição republicana.
Decretada pelo Presidente da República, a
Constituição de 1937 também não incluiu o
Município como componente da Federação,
que ficou composta como nas duas Cartas
anteriores. Permaneceu o respeito à autonomia
relativa ao peculiar interesse municipal (art. 26),
bem como a eleição dos Vereadores, o poder
de decretar impostos e taxas e a prerrogativa
de organizar os seus serviços, porém os
Prefeitos seriam nomeados livremente pelo
Governador do Estado (art. 27).
Repetiu-se a listagem dos tributos de
competência municipal (art. 28) e possibilitouse o agrupamento de Municípios para atender
a serviços de interesse comum (art. 29),
embora sob regulação ditada pelo Estado.
É oportuno registrar que, mesmo outorgada,
a Constituição de 1937 referiu-se numerosas
vezes ao Município, atribuindo-lhe direitos e
obrigações de variada espécie.
A redemocratização do País consolidou-se
com a Constituição promulgada em 1946. A
Encarte Especial
Federação permaneceu composta pelos
Estados, Distrito Federal e Territórios, sem
incluir o Município. Bem ao contrário da
Constituição de 37, a nova Lei Maior negou à
União a possibilidade de intervir nos Estados,
salvo em determinados casos listados em seu
corpo. A intervenção poderia ocorrer,
excepcionalmente, para fazer observar alguns
princípios, entre eles o da autonomia municipal.
Esta foi garantida no art. 28, compreendendo
seus aspectos políticos, administrativos e
financeiros. Alguns Prefeitos, no entanto,
poderiam ser nomeados pelos respectivos
Governadores, conforme dispõem os §§ 1º e
2º do mesmo artigo, cabendo às Constituições
estaduais a disciplina da matéria.
A Constituição imposta em 1967 relativizou, em
seu art. 16, a autonomia municipal, especialmente
no concernente à escolha dos Prefeitos, que se
poderia dar pelo voto popular, pelo
Governador do Estado (capitais e Municípios
considerados estâncias hidrominerais) e pelo
Presidente da República (Municípios declarados
de interesse da segurança nacional, hipótese que
se tornou instrumento de manipulação política).
A organização municipal continuou
dependente de lei orgânica expedida pela
unidade federada, com incidência sobre todos
os seus Municípios, exceto em alguns Estados
que autorizaram, gradativamente, a edição de
leis municipais organizatórias. Nesse aspecto,
vale lembrar que o Rio Grande do Sul, desde
1946, havia permitido leis orgânicas elaboradas
pelos próprios Municípios.
A Emenda Constitucional nº 1, de 1969, veio a
constituir, no dizer de muitos, uma nova
Constituição, tal o nível de alterações que
introduziu na Carta de 1967. No que respeita
à autonomia municipal, seu art. 14 manteve a
competência estadual para ditar a lei orgânica,
repetiram-se, no art. 15, as normas sobre
autonomia financeira e administrativa e
mantiveram-se as limitações às eleições dos
Prefeitos, o que mais tarde veio a ser revogado
por meio de emenda, estendendo-se as eleições
a todos os Municípios, sem exceção.
Nova redemocratização, nova Constituição.
Em 1988, os constituintes atenderam a várias
proposições do movimento municipalista,
entre as quais a que integrava, como membro
efetivo da Federação, definida em seu art. 1º,
o Município, com autonomia idêntica à da
União, dos Estados e do Distrito Federal, a
teor do seu art. 18.
Importante, também, a redação dos arts. 29 e
30, os quais consagraram de vez a capacidade
de o Município elaborar sua lei orgânica, sem
interferência do Estado, e se responsabilizar por
uma série de atribuições, entre estas a de eleger
seus agentes políticos, legislar, prestar serviços
de interesse local e administrar suas rendas.
A partir da Constituição de 1946, no entanto,
o Município já era visto, por vários autores,
como parte integrante da Federação, mesmo
sem que fosse citado, a exemplo do que
escreveu Hely Lopes Meirelles em seu livro
Direito municipal brasileiro (6ª ed. São Paulo:
Malheiros, 1993), que remete às Constituições
passadas para assinalar que:
“Em todas as edições anteriores
sustentamos que o Município
brasileiro sempre fez parte da
Federação. E, agora, a Constituição
de 1988 assim o declarou em seus
arts. 1º e 18, corrigindo essa falha”
(cit., p. 39).
Na mesma linha de entendimento encontramse Diogo Lordello de Mello (Em defesa do
município e o município na próxima constituição.
Rio de Janeiro: IBAM, 1986) e Joaquim Castro
Aguiar (Competência e autonomia dos municípios
na nova constituição. Rio de Janeiro: Forense,
1993, p. 10-11), que lembra, ainda, que o
constituinte de 88 corrigiu o equívoco antes
cometido, ao deixar
“expresso que o Município é parte
integrante de nossa federação, uma
federação com traços muito
peculiares, bastante ímpar”.
A questão referente aos modelos federativos
é superada pelo que ensina Victor Nunes Leal
Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
Encarte Especial
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(Problemas de direito público. Rio de Janeiro:
Forense, 1960, p. 110):
“O regime federativo /.../ não é, pois,
um esquema rígido. O federalismo
apresenta graduações e, dependendo
ou não da presença de determinados
traços, há Estados mais federais ou
menos federais, federações mais
perfeitas ou menos perfeitas, segundo
o modelo ideal escolhido”.
O fato é que juristas e políticos da época da
Proclamação da República lutavam por uma
autonomia das antigas Províncias, espelhandose no exemplo dos Estados Unidos da
América, onde, ao contrário do Brasil
republicano, a Federação não se deu por
decreto ou norma constitucional, mas por um
pacto entre Estados soberanos. A
descentralização que aqui se desenhava era,
portanto, artificial, igualando-se federalismo a
descentralização de poder, enquanto nos
Estados Unidos a associação de Estados
significou a busca de objetivos comuns.
Os dilemas contemporâneos
O pacto federativo que balizou a Constituição
de 1988 explicitou o Município como ente
federado, o que garantiu sua autonomia plena
do ponto de vista formal. Intitularam-se as
competências, então, de exclusivas, privativas,
comuns, concorrentes e suplementares.
Ao Município foi atribuída a competência para
legislar sobre assuntos de interesse local, para
suplementar a legislação federal e estadual no
que couber e a competência dita comum,
exercida pelos diversos entes federativos,
representada por longo rol de temas que
devem ser objeto de ação por essas esferas.
Manteve-se até hoje, nesse aspecto, o que se
denomina “síndrome da simetria”, que remete
ao tratamento dado ao Município na
Constituição. Esta ignora a variedade da
situação dos Municípios, as particularidades
históricas, econômicas e culturais que
influenciam sua forma de agir.
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Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
De fato, em uma mesma região existem
Municípios que, fortalecidos pelos recursos de
que dispõem, resultantes de fatores
extremamente variados, podem oferecer à
população serviços diversificados e com alto
padrão de qualidade, ao passo que em outros
a carência de meios impõe a seletividade e a
modéstia no que concerne à prestação de
serviços que, a rigor, deveriam ser basicamente
os mesmos.
O grau de urbanização é outro aspecto que
também deve ser considerado ao pensar-se
na competência municipal para prestar
serviços. Alguns Municípios são altamente
urbanizados, enquanto outros possuem
população eminentemente rural. Fatores
climáticos podem também, por sua vez,
condicionar a ação do Governo Municipal.
O próprio nível de institucionalização do
Município deve ser motivo de atenção. Há
aqueles que alcançaram alto grau de
institucionalização, como há os que ainda
engatinham quanto a esse aspecto e não
dispõem de estrutura jurídico-administrativa
que propicie a oferta de determinados serviços
ou a sua prestação com eficiência e efetividade.
A combinação dessas e de outras condições
faz com que o papel do Município no quadro
governamental brasileiro se concretize de
forma distinta, embora constitucionalmente
seja o mesmo para todos, eis que o
ordenamento constitucional-legal não
contempla uma categorização de Municípios,
a exemplo do que ocorre em outros países,
fazendo com que haja a já mencionada
simetria de competências formais.
Para se contrapor à “síndrome da simetria”,
uma hipótese seria a de haver gradações nas
competências. O Sistema Único de Saúde é
um exemplo prático, com os diferentes graus
de credenciamento. O mesmo poderia ocorrer
com a educação – o Município dedicar-se a
determinado nível de ensino, exclusivamente,
deixando os demais para outras esferas, o que
não vem ocorrendo, posto que há Estados
que praticamente exigem que o Município
arque ou participe do serviço que é dele,
Encarte Especial
Estado, desviando recursos que poderiam ser
destinados ao atendimento de outras
necessidades da população.
Essa é uma questão relevante – entre os
chamados serviços comuns, estão algumas
funções básicas: as mencionadas saúde e
educação saltam aos olhos, porém deve-se
lembrar que também a assistência social, a
preservação do meio ambiente, a conservação
do patrimônio histórico, a difusão da cultura,
a proteção à criança, ao adolescente, ao idoso,
aos que necessitam de cuidados especiais, a
habitação, o saneamento, o combate à pobreza
e à marginalização, o desenvolvimento
econômico local, a criação de trabalho e renda,
o fomento econômico, todos estão nessa
categoria de serviço comum a todas as esferas,
vide o art. 23 da Constituição de 1988.
Haja recursos para atuar em toda a amplitude
da competência municipal, sem falar que
incontáveis vezes o Município é coagido a
assumir serviços atribuídos a outros entes, sem
a devida contrapartida em recursos financeiros
ou de outra espécie. Assim, o Município arca
com despesas de funcionamento da Junta de
Recrutamento Militar, cede servidores ao INSS
e à Justiça Eleitoral, fornece gasolina para veículos
policiais e mantém instalações e equipamentos
de diversos órgãos federais e estaduais, para ficar
apenas em exemplos corriqueiros.
O pacto, em decorrência, é ultrapassado, pois
o Município se esforça por cumprir as suas
atribuições e ainda assume outras, que não são
dele, mas que não pode ignorar em face de
sua importância para a população.
Exemplo atual pode ser dado com a
construção de presídios federais ou estaduais,
em que o Município é “convidado” a ceder o
terreno onde será feita a obra, quando não
partilhar o seu custo, mesmo que a
competência seja das duas outras esferas.
Embora listados na Constituição, não há, em
vários casos, formalização do que é da alçada
de cada ente governamental no que respeita a
esses serviços comuns. Note-se a ausência da
lei complementar prevista no parágrafo único
do citado art. 23, sob normas de cooperação
entre as esferas de Governo, que impede a
clareza do que cabe a cada um – União,
Estado, Município.
O pacto e seu impacto
O chamado “pacto federativo” com
freqüência é contestado ou torna-se objeto de
discussão: “é necessário rever-se o pacto
federativo”, bordão constante em congressos,
seminários, reuniões e todo tipo de encontro
em que se discute competência para fazer
versus recursos para poder fazer. É oportuno
lembrar que o pacto tem várias dimensões,
entre as quais as duas que encerram a frase
anterior.
A Constituição de 1988 organizou a repartição
de recursos de modo a melhorar a situação
do Município, tanto que, por esse e por outros
motivos, foi apelidada de “Constituição
municipalista”. Passados 15 anos de sua
promulgação, tantas foram as emendas, tantas
foram as medidas adotadas pelo Governo
Federal, que não mais pode receber essa
qualificação. Dados da Secretaria do Tesouro
Nacional mostram que em 1992 cabia aos
Municípios 18,5% da receita total, parcela que
em 2002 caiu para 14,8% do mesmo
montante.
As mudanças na legislação tributária propostas
pelo atual Governo não parecem reverter a
situação, pelo menos no estágio atual das
discussões, posto que no momento em que
este artigo era escrito não se tinha a versão
final da reforma.
O problema, contudo, está mais no pacto
definido constitucionalmente ou em sua falta
de regulamentação? Essa palavra deve ser
entendida não só como expressão formal das
normas, mas também como meio para
planejar, organizar, estruturar e colocar em
prática instrumentos que já existem.
As competências comuns podem representar
importante meio para compensar a
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Encarte Especial
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dificuldade derivada da “síndrome da
simetria”, desde que se dê a elas a definição
do campo de atuação de cada esfera, ou
compensações financeiras pela assunção de
serviços que não são propriamente da alçada
municipal, porque exigem normas que o
Município não pode expedir, ou, ainda, se
formalizem pactos estaduais, regionais,
intergovernamentais, intermunicipais, enfim
acordos, convênios, consórcios, entre e inter
as diversas esferas governamentais.
O objetivo deve ser o atendimento do que a
coletividade precisa. Certo é que nem tudo
pode ser atendido, por limitações de todo tipo
que independem da capacidade do Município
ou de vontade política. A seriedade e a
competência, todavia, são imprescindíveis no
setor governamental, que se deve pautar pelo
desejo de servir ao público, e não ao próprio
setor.
Assim, o aprimoramento da Administração é
fundamental, e pode-se dar de diferentes
modos, seja pela modernização da máquina
administrativa, seja pela capacitação do quadro
de servidores, seja, ainda, pelo uso responsável
dos recursos, respeitando-se os princípios da
moralidade, da legalidade, da impessoalidade,
da economicidade e da eficiência, entre outros.
A propósito de responsabilidade fiscal, notícia
publicada no jornal Valor Econômico, com
data de 24 de setembro passado, mostra que
a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF – foi
menos respeitada este ano do que em 2002.
Até aquele mês, 963 Municípios não haviam
ainda encaminhado suas contas relativas a 2002
à Secretaria do Tesouro Nacional, o que
deveria ter sido feito até abril, como ordena a
referida lei. No que respeita a 2001, cujas contas
deveriam ser entregues em 2002, apenas 150
Municípios deixaram de cumprir a norma.
Não se há de duvidar que, dentre os que não
atenderam à LRF, muitos terão explicações
plausíveis e coerentes para não fazê-lo,
inclusive justificadas pela inabilitação dos
recursos humanos e pela deficiência de infraestrutura, mas o crescimento do número de
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Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
inadimplentes é preocupante, além de o
descumprimento da LRF dificultar a
celebração de convênios com os Governos
federal e estadual.
A responsabilidade com o bem
público
Esse princípio apresentado no subtítulo, aqui
posto como sinônimo de eficiência, está hoje
presente na Constituição e precisa ser melhor
obser vado. O Município é importante
propulsor da economia, visto que lhe cabe
promover o desenvolvimento local e o
fomento econômico, como dito antes, e para
isso deve promover sua institucionalização, que
possui várias vertentes.
Deve-se reconhecer que a Federação brasileira,
na prática, possui quatro esferas
governamentais: (1) União; (2) Estados e
Distrito Federal; (3) grandes e médios-grandes
Municípios; (4) médio-pequenos e pequenos
Municípios.
Esses últimos talvez não tenham condições de
ser eficientes isoladamente, sem contribuição
das outras esferas, e se não possuem essas
condições, não têm como exercer a autonomia
que a Constituição lhes concede. Ou seja, não
basta
ter
autonomia
expressa
constitucionalmente, é indispensável dispor
dos meios para praticá-la.
Para minorar o problema, algumas propostas
podem ser colocadas na mesa, a despertar o
debate. Poder-se-ia, por exemplo, pensar em
graduações de competência, como antes se
falou. O Município pequeno, pobre, sem
possibilidade de arrecadar, sem movimento
econômico expressivo, poderia ser responsável
por menos serviços, assumindo apenas os
tradicionais e deixando os que exigem maior
especialização por conta do Estado ou da
União, ou de ambos.
Outra hipótese é a de incentivar o trabalho
conjunto, por meio da formação de
consórcios, da celebração de convênios ou de
Encarte Especial
outras formas de cooperação já previstas
legalmente, porém pouco praticadas. Nessa
linha, caberia pensar em pactos (formalizados
de diferentes maneiras) estaduais,
contemplando Municípios de um mesmo
Estado, pactos mesorregionais, atingindo mais
de um Estado e formado pelos Governos
dessa esfera e pelos Municípios da área de
interesse.
Uma terceira via deve incluir a União, os
Estados e os Municípios, sempre visando
atender, em primeiro lugar, aos serviços ditos
comuns, entre os quais, como já se viu, estão
alguns dos mais importantes para a população.
Sabendo-se que os consórcios possuem
limitações, somente sendo aceitos se
organizados horizontalmente, poder-se-iam
imaginar novos institutos, se não for possível
rever os que existem. Registre-se que as leis
previstas no art. 241 da Constituição em vigor
não foram ainda expedidas, a dificultar a
prática consorcial e convenial entre os
membros da Federação.
Assim, a formação de “pactos de cooperação”
envolvendo a União, o Estado ou Estados e
Municípios resultaria em alternativa formal
para atender ao que pede e espera a população
quanto a serviços comuns.
São modelos de atuação para alcançar a
responsabilidade com o bem público, atingir
a eficiência preconizada na Constituição, o que,
ao fim e ao cabo, significa servir ao público,
mas servir com proficiência, atendendo às
necessidades e contribuindo para melhorar a
qualidade de vida, em todos os sentidos –
saúde, cultura, lazer, educação, assistência
social, transportes etc.
A troca de experiências deve também ser
incentivada. O IBAM, a propósito, vem
construindo, desde 1996, um vasto acervo –
fruto de diversas iniciativas do próprio
Instituto e mais recentemente do programa
Melhores Práticas, parceria do Instituto com
a Caixa Econômica Federal e com o UNHABITAT – sobre ações que deram certo.
Entre essas, encontram-se algumas sofisticadas,
que exigiram elevado volume de recursos e
muita especialização, porém há também
aquelas que são o resultado de boas idéias,
criatividade e vontade política.
A título de conclusão
Cada vez mais é necessário institucionalizar o
Município, dar-lhe eficiência. A expedição da
legislação básica do Município, a capacitação
de pessoal, a aquisição de equipamentos, a
formação de parcerias (governamentais e com
a iniciativa privada) por meio de consórcios,
convênios e outros acordos, a racionalização
dos gastos, a adoção de medidas
desburocratizantes, o abandono de práticas
clientelistas e fisiológicas, o corte do
nepotismo, a formulação e a execução de
políticas públicas que atendam de fato ao
interesse público, a substituição de sistemas
obsoletos e o afastamento das dificuldades
de acesso do cidadão ao Governo são
medidas que podem auxiliar na luta pela
eficiência do serviço público.
A iniciação de programas visando explicar à
população o que se tem feito e o que deve ser
feito, como pode ela participar, quais os seus
direitos e deveres, como utilizar os serviços
oferecidos, é também importante para que se
conheça melhor a competência municipal e
seus mecanismos e deve estar entre os
objetivos da Administração.
Os agentes políticos – Prefeitos, Secretários,
Vereadores –, por sua vez, devem ser
proativos, visto que são atores de ponta na
corrida para alcançar transformações – leiase eficiência. Na área pública, nada se pode
fazer sem o respaldo legal e são os agentes
políticos que fazem as leis. É urgente fazê-las,
sempre, contudo, com o olhar na eficiência,
na participação e na satisfação da população.
Número considerável de habitantes, mesmo
em Municípios de grande porte onde há maior
grau de infor mação, desconhece, por
Revista de Administração Municipal – Municípios – IBAM
Encarte Especial
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exemplo, o papel do Município, suas
limitações, que leis podem ser votadas, qual o
alcance do poder do Vereador. Nesse aspecto,
também, deve ser feito trabalho de
conscientização, para explicar que nem tudo é
de responsabilidade do Município e que este,
por sua vez, deve fazer aquilo que lhe coube
no pacto federativo.
Não basta, todavia, fazer as leis; é preciso que
a Administração e a população as internalizem,
ou seja, tomem consciência de que só o fato
de a lei ter sido publicada não é bastante para
torná-la efetiva, aplicável, fazê-la “pegar”. Isto
somente ocorrerá quando as duas pontas
estiverem convencidas de que a lei é apenas
um instrumento para legitimar uma ação, que
deve ter um autor e um consumidor, ambos
com responsabilidades e direitos.
Eficiência é, por fim, a palavra-chave, o princípio
constitucional que se traduz por profissionalização,
planejamento, responsabilidade, eficácia,
efetividade e outros tantos conceitos retirados de
outros campos do conhecimento, e que resulta
naquele cuidado com o bem público que leva à
melhoria da qualidade de vida.
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