UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB
SEMINÁRIO INTERNACIONAL ACOLHENDO AS LÍNGUAS AFRICANAS - SIALA
LÍNGUAS E CULTURAS AFROBRASILEIRAS E AS NOVAS TECNOLOGICAS
22 a 26 de Setembro de 2014
Salvador – BA
A UMBANDA E OS MARGINALIZADOS: NA TRILHA DAS
REINVENÇÕES
Adilson Meneses da Paz
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O presente texto propõe-se a refletir 1sobre a Umbanda como um espaço religioso que
assegura tipos sociais marginalizados no seu panteão/comunidade como afirma Birman (1985)
invertendo os valores da hierarquia que ordena os espíritos, estabelecendo uma nova ordem onde
a singularidade de todos são valorizados. O homem branco, imagem ideal colocada no topo da
ordem evolutiva, não tem os poderes que possuem seus subalternos/grupos marginalizados . Esses
grupos estruturalmente inferiores ganham por meio da inversão simbólica um poder mágico
inigualável. Compreende-se, assim, na prática umbandística uma condição libertadora de grupos
historicamente silenciados e marginalizados: negros, índios, idosos, homem rural, a mulher e a
criança, estes que simbolicamente potencializam-se em entidades espirituais como: Preto-velhos,
Caboclos, Boiadeiros, Erês, Ciganas, Pombagiras e Orixás os quais têm poder e legitimidade para
intervir no mundo.
Palavras-Chave: Umbanda;Processos de singularização; Sincretismo
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Doutorando no Programa Multi-institucional e Multidisciplinar em Difusão do Conhecimento(UFBA); Mestre em
Educação (UQUAC/UNEB) Graduado em Filosofia (UFBA)
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Nas trilhas da Umbanda
Segundo Silveira (2010) as mais antigas manifestações religioso afro-brasileiro resultaram
de trocas culturais entre os africanos da área do Congo-Angola e os índios Tupinamabás, grupos
estes que foram oprimidos pelos Portugueses. Esses fenômenos conhecidos como Santidades eram
constituídas de elementos da cultura indígenas e da religiosidade católica, constituindo-se como
processo de resistência aos colonizadores portugueses e a sua imposição religiosa.
Os pesquisadores Sousa e Vainfas (2002, p.19) apresentam peculiaridades sobre uma das
manifestações ocorridas no século XVI.
A mais importante dessas “santidades” ocorreu em Jaguaripe, ao sul do Recôncavo Baiano,
liderada por um índio que fugira do aldeamento inaciano de Tinharé, nos Ilhéus. Chamavase Antônio, nome de batismo, mas dizia ser Tamandaré, ancestral mítico dos Tupinambá.
(...) [Entre outras coisas, ele afirmava também ser o verdadeiro papa, nomeava bispos e
sacristãos,sagrava índios com o nome de santos, são Luiz, são Paulo, e tinha por principal
esposa uma índia chamada “Santa Maria Mãe de Deus”. A santidade do “pontífice”
Antônio erigiria uma igreja nos domínios de um senhor de engenho da Bahia (...),
encenando rituais verdadeiramente híbridos. Cerimônias de batismo com fumaça de tabaco
ou com “os santos óleos”;bailes tribais e orações com rosários feitos de sementes de
frutas;confissões em cadeiras de “um pau só” com sucções de fumo em longos caniços,
num transe coletivo a um só tempo cristão e indígena.
Desafiando as estrutura colonialista, a escravidão e a obra missionária
inaciana,
ás
santidades difundiram-se não apenas entre o povo Tupinambá, mas também acolheu brancos,
negros e mamelucos. Como nos informa (VAINFAS, 1995, pag.158 ) “ Na verdade, a santidade não
foi monopólio dos “índios cristãos”, mas acabou vivenciada por “gentio pagão”,” negros da Guiné”,
brancos, mamelucos...”
A adesão de todos esses grupos étnicos, até mesmo dos negros da Guiné, como eram
chamados os negros africanos, se atribuía por conta das práticas religiosas Tupimanbás que
anunciavam o fim da escravidão, a destruição da catequese jesuítica e se fincavam na forte crença
do mito da terra sem males, onde haveria uma era de prosperidade e abundância.
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O movimento da Santidade, ocorreu inicialmente em São Vicente em 1551, ganhando força
no Sul do recôncavo baiano em 1580, suas ações preconizavam fugas e revoltas contra engenhos,
fazenda e igrejas. A Santidade do Jaguaripe, como ficou conhecida no recôncavo, foi destruída em
1585, por representar perigo ao poder colonial.
As santidades configuraram-se como espaços de tensões e negociações, assim como, campo
estratégico de luta das minorias étnicas. Como afirma Cardoso “ Assim construíram mecanismos
de resistência adaptaram ritos, propagaram os seus próprios símbolos e crenças e influenciaram
outras culturas e grupos étnicos [...]” (2013,p.13)
Diante da experiência de imposição do colonizador português,
escravizados
nos engenhos e fazendas, estabeleceram
assim,
índios e
negros
trocas culturais, brincolando
experiências religiosas, forjando assim, modos de resistência sem excluir a cultura do colonizador.
No século XVII, percebe-se a presença de práticas religiosas de diferentes matrizes culturais
em vários lugares da colônia, cuja característica é a combinação, em seus rituais de elementos
oriundos de matrizes diferentes. Denominado de Calundu, essas manifestações religiosas reuniam
elementos africanos, indígenas e católicos.
Para Silva (2005, pg.45) os calundus eram:
[...] cultos que englobavam uma grande variedade de cerimônias misturando os elementos
africanos (atabaques, transe por possessão, advinhação por meio de búzios, trajes
rituais,sacrifícios de animais, banhos de ervas, ídolos de pedra, etc.) aos elementos católicos
(crucifixos,anjos católicos – o anjo angélico- sacramentos como casamento) e ao
espiritismo e supertições populares de origem européia ( advinhação por meio de espelhos,
almas que falam através de objetos ou incorporadas nos vivos, etc.
O antropólogo Silveira (2010, p.16) nos atenta para importância da cooperação afroameríndia nas religiões afro-brasileiras,
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[...] pelo final do século XVI nossos primeiros africanos participaram de rituais religiosos
de contestação da ordem colonial organizados pelos indígenas tupinambás, brincolando
fragmentos da doutrina cristã em práticas pagãs ameríndias e africanas dando origem ao
Cristianismo popular. No início do século seguinte eles já organizavam cultos próprios,
com uma ou outra participação de nativos da terra, de modo que, quando na década de
1630os primeiros cultos afro-brasileiros começaram a ser identificados pela burocracia da
Santa Inquisição, muitas trocas de experiências já haviam sido realizadas.[...] a
transferência dos segredos das plantas e dos minerais da terra viabilizou a concretização de
muitos “fundamentos” indispensáveis à implantação dos diversos cultos africanos.
Os calundus enquanto manifestações religiosas afro-brasileiras, já se afirmavam enquanto
espaço de negociação e trocas culturais estabelecendo adaptações no cristianismo vigente, a partir
de seus ritos e festas nos espaços das igrejas, assim como, introduzindo os elementos da religião
oficial em suas práticas.
Segundo Silva (2005) os primeiros calundus tiveram muitas dificuldades, pois confinados
aos espaços da fazenda, seus cultos só podiam ser realizados nas senzalas sob á ação vigilante do
capataz. Porém, com o crescimento das cidades, negros libertos e escravos urbanos, as
manifestações religiosas encontraram melhores condições para se desenvolverem.
Os casebres e sobrados possibilitaram
o encontro para os cultos, podia-se garantir a
realização de festas religiosas, iniciação de vários fiéis e a preservação dos primeiros altares
consagrados as divindades. Segundo Souza (1986) os rituais possuíam características diversas,
porém existia unidade nestas práticas como; evocação de espíritos, oferendas,trajes de inspiração
africana, práticas de adivinhações, caráter coletivo da prática, música marcada pelos instrumentos
de percussão.
Apesar da opressão do regime escravista os Calundus vão se constituir enquanto ofertas de
saberes práticos aos habitantes da Colônia, que vão desde cura de tuberculoses, varíolas, lepra,
doenças mentais até curas espirituais. No contexto colonial, esses manifestações religiosas eram
combatidas se seus líderes se tornassem visíveis, articulassem revoltas ou atraíssem contingentes de
clientela branca.
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Para Silveira (2008) Desse lado do Atlântico, os calundus de diversas origens africanas,
como a Banto (das regiões ao Sul da África, como Angola, Congo, Moçambique) e Jeje (da África
Ocidental, atual República de Benin), por exemplo, acabaram aderindo ao catolicismo. O
sincretismo com os cultos ameríndios deu-se apenas com os bantos. Alguns, como de Luzia Pinta,
misturaram tradições africanas, católicas e indígenas no mesmo ritual, dando origem ao que se
convencionou chamar umbanda.
Muitos dos elementos formadores da Umbanda estavam presentes nas religiões populares
do final do século XIX, sobretudo nas práticas religiosas de matriz banto, como na Macumba e
Cabula. Nesta última, encontramos termos como engira, cambone, embanda, pemba, termos que
até os dias atuais são usados nos espaços de culto da Umbanda.
Reinvenções Umbandistas
A Umbanda se constitui como uma religião afrobrasileira que teve influência dos cultos
de entidades africanas, do catolicismo popular, da religiosidade indígena e do espiritismo
Kardecista, caracterizando-se como uma religião híbrida resultante da bricolagem de diversos
elementos religiosos que assegura no seu panteão espíritos de Caboclos, Boiadeiros, Pretos-velhos,
Êres, Pombagiras, Orixás outras divindades.
Para Luz (2011) a Umbanda pauta-se na idéia do contato com o mundo espiritual, a partir
crença da existência de dois mundos, o visível e o invisível, na presença dos espíritos ancestres que
são cultuados e invocados para intervir no mundo dos vivos e na forte crença de forças cósmicas
que sustentam e dinamizam a existência do universo.
Existem alguns elementos essenciais que caracterizam a prática umbandista. O primeiro é a
incorporação de divindades/espíritos que a distingue das religiões de veneração como o
cristianismo; já o segundo consiste no trabalho com espíritos que são considerados marginalizados
pela sociedade civilizada que a distingue do Kardecismo; e, por fim, o terceiro que se constitui da
conversa direta entre a entidade incorporada e o consulente que procura o centro de Umbanda,
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distinguindo-o do Candomblé em que os orixás/divindades não conversam com os frequentadores
do culto.
Na Umbanda os grupos estruturalmente inferiores ganham, por meio da inversão simbólica,
um poder mágico inigualável, pois a sua prática religiosa atua com determinados espíritos
considerados tipos ideais de indivíduos “marginalizados” na sociedade. Contudo, no seu panteão
são divinizados e se tornam a base central de seu culto. Como afirma Birman (1985), podemos dizer
que o poder religioso na umbanda decorre de uma inversão simbólica em que os estruturalmente
inferiores na sociedade são detentores de um poder mágico particular, advindo da própria condição
que possuem.
Compreende-se, portanto, que na prática umbandística há uma condição libertadora de
grupos historicamente silenciados e marginalizados: negros, índios, idosos, homem rural, a mulher e
a criança, indivíduos estes que simbolicamente potencializam-se em entidades espirituais como:
Pretos-velhos e Pretas-velhas, Caboclas e Caboclos, Orixás, Boiadeiros, Erês, Ciganas, Pombagiras
e outras divindades as quais têm poder e legitimidade para intervir no mundo e proporcionar práxis
de inclusão e alteridade.
Neste sentido, é possível afirmar que na sua prática cotidiana os centros de Umbanda
tornam-se espaços de resolução de uma infinidades de pequenos conflitos que afligem adeptos e
consulentes em seu cotidiano profano (BARROS, 2004). Apropriados de uma ritualística de onde
os marginalizados simbolicamente podem intervir no mundo, assumindo um protagonismo que se
caracteriza em uma estética expressa em gestos, rezas, cânticos, oferendas e gírias.
Segundo os estudos de Santos (2008), no Mapeamento dos Terreiros de Salvador foram
localizados vinte terreiros/centos de Umbanda, percebendo-se um decréscimo com relação aos
dados do censo de 1981 em que havia cinqüenta casas/terreiros de umbanda. Ainda segundo o
autor, nas últimas décadas, a forte influência dos discursos de tradições e da afirmação de uma
identidade negra no espaço público soteropolitano favoreceu os espaços religiosos tradicionais,
discursos estes presentes nas entidades negras, bem como nas políticas institucionais ( governo
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municipal e estadual), reforçando, assim, o pertencimento quase que exclusivos aos terreiros de
origem africana na cidade de Salvador.
Ao realizarmos incursão sobre o espaço urbano de Salvador encontramos diversas casas de
Umbanda que desenvolve ofertas de saberes práticos aos habitantes dos bairros populares, que vão
desde saberes sobre a farmacopéia para cura de doenças até curas espirituais. Porém, percebe-se que
muitas dessas casas preferem manterem-se invisíveis há qualquer tentativa de mapeamento do poder
público. De acordo com Santos (2008), as razões para esta estratégia podem ser compreendidas,
pois, dos séculos XVIII ao XX, os terreiros/casas foram vítimas da imprensa, da igreja católica, do
poder público e nas últimas décadas, de grupos neopentecostais.
A Umbanda enquanto religião oriunda de diversas matrizes religiosas, foi compreendida
pelos primeiros estudiosos clássicos
das religiões afrobrasileiras, como um culto religioso
degradado. O pioneiro sobre os estudos do negro , o médico maranhense, Nina Rodrigues não
tecerá nenhuma análise sobre a Umbanda, porém, em seus registros supervaloriza a influência e
presença Sudanesa e deprecia a presença Banto da qual deriva-se a Umbanda ao afirmar que “ os
negros Bantos, cuja pobreza mítica é hoje bem reconhecida e demonstrada, o que lhes permitiu
adotar uma caricatura da religião católica dos colonos”(1935,p.86).
O médico legista Arthur Ramos dará continuidade ao trabalho de Nina Rodrigues, porém
se afastará do evolucionismo de Nina ao buscar compreender as religiosidades das populações
negras em termos culturais e não raciais. Acreditava que essas populações incultas e com
mentalidade pré-lógicas poderiam ser modificadas pelos padrões do mundo moderno e racional, já
que essa mentalidade atrasada era adquirida e não inata. Segundo Ramos, o sincretismo é um
processo onde os traços africanos entram em degeneração. Como afirma:
Em suma , já não existem no Brasil os cultos africanos puros de origem. Em alguns
candomblés, principalmente na Bahia, a tradição jeje-nagô é mais ou menos conservada.
Mas não pode deter a avalanche do sincretismo.Os vários cultos se amalgamaram a
príncipio entre si, e depois com as religiões
brancas : o Catolicismo e
espiritismo.(Ramos,2001:138)
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Ramos (2001) constrói uma classificação em ordem crescente para o sincretismo, na qual
o primeiro lugar é o Jeje-nagô/ seguido do Jeje-nagô-mulçulmi/em terceiro Jeje-nagô-banto/em
quarto Jeje-nagô-mulçumi-banto/em quinto Jeje-nagô-mulçumi-banto-caboclo/em sexto Jejenagô-mulçumi-banto-caboclo-espírita/e
sétimo
Jeje-nagô-mulçumi-banto-caboclo-espírita-
católico. Afirma que: “ esta última modalidade que predomina no Brasil, entre as classes
atrasadas- negros, mestiços e brancos - da população.” (2001,p.150).
Arthur Ramos, compreendeu a macumba carioca ,como esta ultima modalidade citada
acima, caracterizada como sincrética e com extrema simplicidade de rituais, contrastando com a
complexidade Jeje-nagô. Segundo Silva (1993) Arthur Ramos, descrevia a Umbanda enquanto uma
das linhas da macumba e o termo na macumba também designava o chefe do culto, uma
equivalência a um chefe sacerdotal.
A partir do exposto, compreende-se que a umbanda é
entendida por este estudioso como uma religião degenerada, com terreiros toscos e mitologia
paupérrima.
Para os autores Bastide (1971) e Ortiz (1991) A Umbanda é uma forma degradada de
culto, pois, para estes estudiosos, fundiu-se com práticas católicas, indígenas e espíritas, tornandose sincrética, degenerando, assim, a pureza africana. Percebe-se, portanto, que o mito da pureza, isto
é, o chamado nagocentrismo serviu para intelectuais e praticantes, em especial, da nação nagô se
afirmarem como detentores de uma autenticidade africana em contraposição aos terreiros de
caboclos e centros de Umbanda que se misturam com outras tradições.
Ao analisarmos os Centros de Umbanda é perceptível enquanto religião afrobrasileira,
readaptou os cultos africanos no território brasileiro, uma vez que incluiu em seu panteão outras
entidades espirituais, mesclando-se com outras matrizes, forjando, assim, uma dinâmica estética
que, pautada em novos símbolos, reinventam a lógica de estar/interpretar o cotidiano.
Na Bahia ainda são poucos os espaços acadêmicos que se dedicam ao estudo da Umbanda,
percebe-se um certo silenciamento sobre este espaço religioso. Para Santos (1995), há uma
passionalidade exemplar dos estudiosos para com os terreiros em que foram realizadas a maioria
das pesquisas, notadamente os de origem nagô, onde é ressaltado o discursos tradicionalistas .
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A Umbanda enquanto religião afrobrasileira que constituiu-se através de diversas matrizes
religiosas, nos leva a pensar o sincretismo religioso. Segundo Ferretti:
apesar da vasta literatura, curiosamente o sincretismo religioso até hoje tem sido tratado
com certo “desinteresse” e mesmo com menosprezo por diversos autores. Entre estudiosos
e conhecedores do tema, como entre participantes e interessados nas religiões afrobrasileiras, é comum ouvirmos expressões de rejeição, de negação, de recusa ou
menosprezo pela palavra sincretismo. (...) Nota-se que existe certo tabu contra este
fenômeno. Parece que se procura negá-lo ou ocultá-lo, embora se reconheça que todas as
religiões são sincréticas ( 1995, p. 87).
Compreende-se que essas misturas e reinvenções são a força motriz da Umbanda que a fez
resistir as perseguições e preconceitos, estabelecendo-se como religião onde os periféricos adquirem
poder, demarcando, assim, como uma prática religiosa pautada em princípios políticos e éticos
fundados no respeito ao outro e na solidariedade.
Percebe-se, na inversão simbólica da umbanda reinvenções que se contrapõe as práticas do
modelo dominante vigente. Diante do exposto, podemos compreender essas reinvenções à luz de
Guattari (1996) que entende esses processos de singularização como uma espécie de desvios, de
escapatória frentes as tentativas de reduzir a existência ao crivo dominante do capital. Ainda de
acordo com Guattari & Rolnik, (1986, p.47) “o que chamo de processos de singularização é algo
que frustra esses mecanismos de interiorização dos valores capitalísticos, algo que pode conduzir à
afirmação de valores num registro particular, independente das escalas de valor que nos cercam por
todos os lados”.
A Umbanda pode ser compreendida como modos de subjetivação singulares que
desembocam na construção de novas formas de sensibilidade, de relação com o outro, processos de
educação que reinventam o lugar dos marginalizados na sociedade.
Certeau (1990), nesta mesma direção, contribuí para a análise das estratégias de poder e das
táticas de resistência encontradas nas práticas e suas influências na subjetivação dos sujeitos. Para o
autor o cotidiano corresponde a uma dimensão histórica na qual o sujeito comum elabora suas
práticas de interpretação do mundo, construindo pequenas liberdades e resistências que subvertem a
racionalidade do poder. Acrescenta ainda “esses modos de proceder e essas astúcias, compõem[...],
no limite, a rede de uma antidisciplina.”(CERTEAU, 1994 p.41,42).
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As reflexões trazidas por Certeau (1994) nos permite pensar como as culturas de
resistências driblam os sistemas vigentes, revertendo as práticas excludentes e construindo atos de
resistência nas suas práticas cotidianas. Na umbanda, por exemplo, essas resistências podem ser
caracterizadas a partir de seus cultos, onde as entidades espirituais trazem nos seus discursos
lógicas de interpretação de mundo,
modos de pensar que, muitas vezes, se contrapõem as
imposições dos modelos impostos.
Diante desse cenário de modelos impostos socialmente, podemos perceber que nos espaços
religiosos reservados aos sujeitos marginalizados há subversões, pois quando analisamos a entidade
espiritual Pomba-gira pertencente, também, ao panteão umbandista, percebemos que nos seus
discursos ela não se reduz ao mero lugar de esposa, ou mãe, mas tende a escapar desses
aprisionamentos e se realizar como mulher. Um outro exemplo da não conformidade aos lugares
pré-estabelecidos é também observado nas entidades como os Boiadeiros ou
Baianos que
tipicamente marginalizados pelos habitantes dos grandes centros, por sua pertença ao território
Nordestino estigmatizado como “atrasados e incultos”
revertem este estigma constituindo o
panteão umbandista povoando os centros de Umbanda do Sudoeste do território brasileiro com seus
saberes e lógicas, anunciando assim, resoluções para o cotidiano dos habitantes dos grandes centros
a partir de uma estética de intervenção do subalternizado, ou seja, o nordestino.
Neste sentido, a trajetória teórica aqui apresentada são dispositivos iniciais para
compreensão do campo de estudo e não se propõe a dar conta das questões propostas. Acreditamos
que outras perspectivas teóricas poderão nos subsidiar a partir do contato com o campo de pesquisa,
seus sujeitos, suas tensões, lacunas, resistências e descobertas.
Referências
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possessão. Tese de doutorado em sociologia. Brasília,UNB.
BIRMAN, Patrícia. O que é Umbanda. São Paulo, 1985.
CERTEAU, Michael. A invenção do cotidiano.vol.1,Petrópolis,vozes,2012.
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possibilidades. In:Revista Tempo. Vol.6,n1, UFF: Niterói, julho/2001. (p.13-26).
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SILVEIRA, Renato da. Do calundu ao candomblé. In: FIGUEIREDO, Luciano. Raízes
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Casa dos Olhos do Tempo que fala da Nação Angolão Paquetan Kunzo Kia Mezu Kwa Tembu
Kisuelo Kwa Muije Angolão Paquetan. Salvador: Asa Foto, 2010. Pp. 11-45.
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SOUZA, Laura de Melo. O Diabo e a Terra de Santa Cruz : feitiçaria e religiosidade popular
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VAINFAS,Ronaldo. A heresia dos índios : catolicismo e rebeldia no Brasil. São Paulo:
Companhias das letras,1995.
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