AINDA EXISTEM FLORES NO JARDIM! Monólogo de: PAULO SACALDASSY PERSONAGEM ROSA CONTATO: [email protected] http://psacaldassy.wordpress.com TEL: (13) 8809-7085 1 CENÁRIO: QUARTO SIMPLES, UMA JANELA ENCOBERTA POR UMA CORTINA DE RENDINHA, UMA PORTA, AO CENTRO, UMA CAMA, SOB A CABECEIRA DA CAMA, UM TERÇO EM FORMA DE CRUCIFIXO, EMBAIXO DA CAMA, UMA MALA, DO LADO DA CAMA, UM CRIADO-MUDO, SOBRE ELE, UM ABAJUR. UMA CADEIRA DE BALANÇO, UM VELHO ARMÁRIO DE DUAS PORTAS, TENDO DE UM LADO, UM MANCEBO E DO OUTRO, UM ESPELHO DE CORPO INTEIRO. AO ABRIR A CORTINA, UMA SENHORA ESTÁ SENTADA EM UMA CADEIRA DE BALANÇO, CANTA UMA CANTIGA: ROSA Se essa rua, se essa rua Fosse minha Eu mandava, eu mandava Ladrilhar Com pedrinhas, com pedrinhas De brilhantes Para o meu, para o meu amor Passar... OUVE-SE BARULHO DE MÓVEIS SENDO ARRASTADOS DO LADO DE FORA. ALGUÉM BATE A PORTA, ROSA VAI ATENDER. ROSA Olha lá! Acho que eles chegaram, Antônio! ROSA VOLTA COM UMA CARTA NA MÃO. ROSA De quem será esta carta?... Justo hoje!? ROSA FAZ MENÇÃO DE ABRIR A CARTA, MAS RECUA. DOBRA-A E COLOCA-A ENTRE OS SEIOS. ROSA É Antônio, estou ficando preocupada. Daqui a pouco a mudança acaba e eles não chegam. Quase todo mundo já foi embora, acho que só eu ainda estou aqui!... Filha!... Filho!... Pra onde é que eu vou? A clínica vai fechar de vez! Por onde andam vocês, meus filhos?... Vocês me prometeram que se a clínica fechasse, vocês viriam me buscar! Eu nunca pensei que a solidão fosse ser minha compa2 nheira!... Quantas da minha idade já foram para um lugar melhor... A clínica vai fechar mesmo, acho que o melhor que tenho a fazer, é morrer!... Na verdade, acho que já morri pra eles!... Quem sabe se eu rezar e pedir com toda a minha fé, um anjo que talvez esteja de plantão, leve meu recado à Deus?... Melhor, vou falar direto com Deus!... ROSA SE APROXIMA DA CAMA, AJOELHA-SE E COMEÇA REZAR. ROSA Olha aqui, meu Deus, hoje não vou fazer nenhuma oração, não dessas que as pessoas conhecem e rezam quando sentem dificuldades. Hoje eu quero conversar, uma conversa definitiva. Quero pôr um ponto final nisso tudo. Já não tenho o que agradecer, não tenho o que me queixar. Hoje, meu pedido é único, não tem rodeios e nem promessas a cumprir. Hoje, eu quero lhe pedir que me mande os meus filhos, pois se eles não vierem, quero que me leve!... Isso mesmo! Prefiro morrer! ROSA COMEÇA A CHORAR, LEVANTA-SE E APANHA UMA MALA QUE ESTÁ DEBAIXO E A PÕE EM CIMA DA CAMA E CAMINHA PELA CENA. ROSA Lembra, Antônio, quando a gente se conheceu? Você pegava todo dia o mesmo bonde que eu... ficava me olhando... me paquerava... E, eu? Toda exibida, fazia de conta que nem era comigo, mas por dentro, morria de vontade de falar com você. Teve um dia, quando saí do colégio e apanhei aquele bonde e não vi você, que dor!... Meu coração apertou tanto dentro do meu peito, que achava que ele ia sair pela boca. Enchi minha cabeça de minhocas... Está vendo, sua exibida, quem mandou não dar bola pra ele? De certo, ele já arrumou outra garota! Foi a volta pra casa mais triste desde o dia em que te conheci! Mas, para minha surpresa, você estava lá. (ROSA SURPRESA) – O que você está fazendo aqui, Antonio? Vai embora! Se meu pai pegar você aqui, ai, meu Deus! (IMITANDO A VOZ DE ANTONIO) – Vim pedir para namorar contigo! Não, papai vai me matar!... Seu louco!... Fiquei vermelha, sem graça, mas, já estava completamente apaixonada por 3 você, e você por mim, não é mesmo, Antônio? E eu que nem tinha falado nada em casa, nem para minha mãe, fiquei toda orgulhosa de você, que chegou lá, peito aberto e o enfrentou. Quando meu pai chegou e me chamou com aquela sua voz forte – Rosa, vem cá! Tremi! Minha mãe pegou minha mão e fomos as duas até a sala certas de que um castigo me esperava. E você, Antonio, já havia amansado a fera e papai todo orgulhoso, deixou que eu namorasse você... ROSA VAI ATÉ O ARMÁRIO E COMEÇA A PEGAR ALGUMAS PEÇAS DE ROU-PAS E AS LEVA ATÉ A MALA. ROSA ... Quando você me beijou pela primeira vez, um frio subiu da ponta do pé até último fio do meu cabelo! Que saudades daquela sensação! (ROSA VAI E ABRAÇA O MANCEBO) E a nossa primeira vez? Resisti o quanto pude, mas, não consegui resistir até o casamento! Tenho que confessar, eu também queria!... Foi uma noite de sonhos!... (ROSA DEITA-SE COM O MANCEBO) – Você vai ser, carinhoso e delicado comigo? (IMITANDO ANTONIO) - Não fique preocupada! – Aí, estou tão nervosa! (IMITANDO ANTONIO) - Não chore! Não precisa tremer de medo! Vou apagar a luz, tá? (ROSA LEVANTA-SE) A cada dia, mais e mais eu me apaixonando por você! Você, meu príncipe, iguais aqueles das histórias de contos de fadas, só não tinha cavalo branco. Como tudo vira poeira! De repente, me vi sem chão! Como eu pude me deixar chegar nessa situação? Logo eu, que sempre fui ativa, decidida! Não acredito que me entreguei desse jeito! ROSA AJEITA AS ROUPAS NA MALA. OUVEM-SE VOZES E BARULHOS DE MÓVEIS ARRASTADOS. ROSA VAI ATÉ A PORTA, FAZ QUE OLHA PELA FE-CHADURA. ROSA Vem ver, Antônio, vem ver! Os filhos da Dona Chiquinha já estão levando ela embora!... Enfermeira!... Enfermeira!... Meus filhos já deram notícias? ROSA PEGA OUTRA VEZ A CARTA ENTRE OS SEIOS E AMEAÇA ABRI4 LA. ROSA Que será que tem aqui dentro?...O que você acha, Antônio?... Acho melhor eu me arrumar, afinal hoje nós vamos embora daqui Antônio! ROSA SE PÔE EM FRENTE AO ESPELHO. ROSA É Rosa, você está um caco, hein? Parece uma morta viva! Também, quem mandou se fechar desse jeito?... Eu sempre tive horror de cabelos brancos! Olha só isso, Rosa!... Eu já não me conheço mais, logo eu que sempre fui vaidosa! Ah, minhas pernas, meu rosto, meus seios... Como é difícil envelhecer! (ROSA ANDA PELA CENA) O pior é se entregar do jeito que eu me entreguei! Nossos filhos não podiam ter feito isso comigo, viu Antônio! Se não querem ficar comigo, por que não falam? Acham que eu ainda não sei me virar sozinha? Mas me abandonar aqui, eu não merecia esse castigo! Ah, se eles soubessem como dói a solidão! Ah, se eles sentissem com eu, as dores que nunca foram minhas, e que eu sentia a cada injeção que eles tomavam, a cada sofrimento que eles passavam... Mas a culpa é tua Rosa, agora tua vida ficou pequenininha, sem sentido, sem razão... Pra onde você vai? Me diz, meu Antônio!... Será? ROSA SE AJOELHA NOVAMENTE E SE PÕE A CONVERSAR COM DEUS. ROSA Olá aqui, meu Deus! Acho que chegou mesmo a minha hora! Não tenho mais nada pra fazer por aqui! Não tenho mais filhos, eles me abandonaram, meus netos, eu não vejo há tempos! (ROSA VAI, PEGA O MANCEBO E COLOCA AO SEU LADO) Vai, meu amor reza comigo! Eu lhe peço meu Deus, me de forças pra enfrentar a morte! Me leve daqui! Minha vida é tão sem nada, que não tenho nem mais pecados para confessar! Só lhe peço, meu Deus, que minha morte seja hoje, e que seja de uma forma sem dor!... Vem Antônio, deite-se aqui! (ROSA COLOCA O MANCEBO EM SUA CAMA E DEITA-SE AO LADO) Vou fechar os olhos, e o senhor, meu Deus, me 5 mata!... Vai Antonio, você também! Só não demore, meu Deus! Me mate antes da mudança acabar... ROSA VIRA-SE PRA LÁ E PRÁ CÁ, DE REPENTE, COMEÇA A RIR E LEVAN-TA-SE EXPLODINDO NUMA GARGALHADA. ROSA Desculpe, meu Deus! Mas falando de morte desse jeito, me lembrei de uma brincadeira que fiz contigo, lembra Antonio? Você morria de medo de morrer, não podia nem tocar no assunto com você, que você se arrepiava todo! (ROSA ANDA PELA CENA) Eu devia ter uns quarenta anos, um pouco mais talvez, sabe como que é, dois filhos, o corpo da gente muda, e como muda!... Resolvi fazer plástica! Você não queria, porque não queria que eu fizesse. (COMO FOSSE O ANTONIO) – Você continua linda! Puro galanteio. Você sempre foi um homem romântico, jamais diria algo que me magoasse! Mas, eu estava decidida, e acabei te convencendo. Marquei a plástica. Mesmo contrariado, você me acompanhou e ficou aguardando, estava mais nervoso de que quando eu tive meus filhos, suava que nem bica. Graças a Deus a operação foi bem sucedida, fui pro quarto e quis fazer uma brincadeira contigo. (IMITANDO ANTONIO) – Então, satisfeita? (ROSA COM A VOZ MOLE) – Ai Antonio, não sei!... Cuide de tudo!... Acho que a minha hora chegou... (IMITANDO ANTONIO) – O que você tem?... Enfermeira!... Enfermeira!... (ROSA COM A VOZ NORMAL) – Eu estou bem, Antônio! Foi só uma brincadeirinha!... Quase que te matei de susto, não foi Antonio?... Realmente fiz uma brincadeira de muito mau gosto com você. Mas à noite, pareceu castigo, passei tão mal que achei que fosse morrer de verdade! Você que tinha saído com raiva de mim, nunca acreditou que quase morri de verdade. Ficou um bom tempo de cara virada comigo!... ROSA PEGA UMA FOTO DE ANTONIO E ABRAÇA O MANCEBO. ROSA Perdão Antonio, perdão! A solidão faz a gente lembrar de cada coisa! (ROSA SILENCIA POR UM INSTANTE) Acho que estou me acostumando com o silêncio! Na maioria 6 das vezes é ele que enche o meu tempo. Será que perdi o juízo? Falo, falo, falo! Lembro, lembro, lembro! Acho que o fato da clínica fechar e essa ansiedade da espera pelos nossos filhos, está me angustiando. Minha cabeça está um turbilhão! ROSA SENTA-SE NA CADEIRA DE BALANÇO. ROSA Já falei que não quero ser transferida para outra clínica! Não vou! Eu sei me virar sozinha! ROSA LEVANTA-SE E VAI EM DIREÇÃO A PORTA. ROSA Seu Claudio!... Ô, seu Claudio! O senhor já foi? Não tenho nada com ele, viu Antônio? Enfermeira!... Enfermeira!... Como as coisas devem ter mu-dado, não é mesmo?... Enfermeira! Alguma notícia dos meus filhos?... ROSA ANDA PELO PALCO. ROSA Queria ser mais decidida como eu era! Como as pessoas mudam com o passar dos tempos. Eu mudei! Tenho certeza que mudei! Até hoje não acre dito ter ficado passivamente tanto tempo nesse lugar! Lembro que dificilmente eu me amedrontava diante de qualquer situação!... Mas o que teria me feito ficar desse jeito? Tão indecisa, tão angustiada, tão sem saber o que fazer? BATEM FORTE NA PORTA. OUVEM-SE VOZES. BARULHO DE CARRO. ROSA VAI ATÉ A JANELA. ROSA Tchau, Dona Cleide! Depois que eu for pra casa dos meus filhos, eu lhe ligo pra marcar uma visita! ROSA VOLTA A DIRIGIR-SE AO MANCEBO. ROSA Olha aí, Antônio, mais uma já foi, e nada dos nossos filhos! ROSA APANHA NOVAMENTE A CARTA, RASGA O ENVELOPE, MAS NÃO 7 ABRE O PAPEL QUE ESTÁ DOBRADO. RECOLOCA-A ENTRE OS SEIOS. BATEM A PORTA. ROSA Eu não vou! E não adianta insistir, que hoje não vou tomar remédio nenhum! Chega!... Eu nunca fui de tomar remédio! Antonio não gosta que eu fique tomando remédio! Fala pra eles, Antônio! Conta que você não deixava tomar remédio nem quando tinha uma dor de cabeça. E só foi eu vir pra cá, que eles me entopem de comprimidos!... Vou contar um segredo: Acho que estou viciada, viciada, viciada... Mas, olha só, Antônio! Não conte pra ninguém! (ROSA VAI ATÉ O ARMÁRIO E COMEÇA A TIRAR COMPRIMIDOS DOS BOLSOS DAS ROUPAS E JOGA PELO CHÃO) Escutem só vocês aí fora! (ROSA VAI ATÉ A PORTA) A minha filha vem me buscar e nunca mais vou tomar remédio na minha vida. Meu remédio vai ser cuidar dos meus netos, viu, seu viciadores! (ROSA VOLTA E COMEÇA A PEGAR OS REMÉDIOS NO CHÃO) Porque eles, são uns viciadores de remédio, viu Antônio? E viciam a gente pra ganhar dinheiro, eu sei de tudo! (GRITANDO) - Vocês acham que estou caducando, mas eu escuto a conversa de vocês, viu! (IMITANDO A ENFERMEIRA) - Dá esse remedinho pra ela que ela fica calminha!... Aqui pra vocês, ó! (E FAZ O GESTO DE UMA BANANA). VOLTA ATÉ A PORTA E GRITA. ROSA Eu não vou tomar remédio nenhum! Eu vou encontrar os meus netos! ROSA SE SENTA NA CADEIRA DE BALANÇO. BALANÇA RÁPIDO, DEMONS-TRA NERVOSSISMO. ROSA Você acha que eles vêem, Antônio? Como eu queria cuidar dos nossos netos! Sonho anos com isso! Poder fazer aqueles bolinhos de chuva, brincar com eles pelo chão, enchê-los de mimos e fazer todas as suas vontades... Talvez Deus tenha me castigado pela brincadeira de mau gosto que fiz com você, viu Antonio? Mas, não merecia 8 um castigo desse tamanho! Ser esquecida pelos próprios filhos é muito castigo para uma mãe! E ROSA REPETE A CANTIGA. ROSA Se essa rua, se essa rua Fosse minha Eu mandava, eu mandava Ladrilhar Com pedrinhas, com pedrinhas De brilhantes Para o meu, para o meu amor Passar... ROSA SE PÕE A CHORAR. AINDA EM SOLUÇOS, LEVANTE-SE E SE AJOELHA EM FRENTE À CAMA. ROSA Meu Deus, acho que não quero morrer ainda, não sei, acho que estou confusa. Não, acho que é melhor morrer mesmo, a solidão não é uma boa companheira. Espere só um pouco, meu Deus! ROSA LEVANTA-SE, VAI ATÉ O ARMÁRIO E APANHA UM VESTIDO CHIQUE E SE VESTE. ROSA Se for pra eu morrer, preciso estar linda, não é mesmo Antônio? Olha só isso, Antônio! Esse vestido ainda está novinho, nunca tive coragem de usar! Você me comprou para gente comemorar quarenta anos de casamento, os quarenta anos mais felizes de toda minha vida, mas pra tristeza da minha vida, isso não chegou a acontecer! Nunca tive coragem de vesti-lo, mas agora, a ocasião merece, afinal, estou indo ao encontro de nossos filhos, nossos netos... Aposto que vai ser uma surpresa daquelas! (IMITANDO ANTONIO) – Adoro te ver bonita, alegre, sorridente!... Isso mesmo, Antonio, chega dessa melancolia!... Por onde andam meus batons, minhas maquiagens, minha alma que transbordava de felicidade? Preciso sorrir! Lembra da minha gargalhada, Antônio? (COMEÇA A RIR ATÉ DAR UMA GARGALHADA)... 9 ROSA ABRE AS GAVETAS DO ARMÁRIO, REVIRA SUA MALA, A PROCURA DE SUAS MAQUIAGENS. O BARULHO DE MÓVEIS ARRASTANDO CONTINUA. ROSA Por onde andam minhas pinturas?... Acho que não te contei essa história, Antonio! Me lembro de uma vez, estava perto dos meus quinze anos, re-solvi passar uma maquiagem no rosto e, quando meu pai me viu com a cara pintada, me deu um tapa que rodei e me estatelei no chão. (REPETE O GESTO). - O que eu fiz, papai? (LEVANTASE) Meu pai era uma pessoa boa, mas quando ele bebia, ficava transtornado, nunca admitiu que nem eu, nem a mamãe, usássemos maquiagem no rosto. (COMO FOSSE O PAI) - Onde vais desse jeito? És vagabunda? E era só um batom, coisa pouca, servia mais para proteger os lábios, do que realçar o rosto... Mas, chega de tristeza! Preciso de alegria, não é, meu amor? ROSA APANHA O MANCEBO E COMEÇA A DANÇAR UMA VALSA. ROSA Preciso confessar uma coisa: Há muito tempo eu não me lembrava de certas coisas! Não sei como me veio esse turbilhão de recordações, mas estou sentindo uma sensação deliciosa! Ter ficado sem tomar aqueles remédios me fez bem! Poder lembrar de você, sempre me faz bem! Dança Antônio, Dança! ROSA VAI DANÇANDO POR TODO PALCO, FELIZ, CANTAROLADO UMA VALSA. ROSA Sabe, Antonio, acho que ainda posso viver! Acho que vou esperar um pouco pra morrer!... Desculpe, Antonio! Acho que vou recomeçar!... Mas, olha só Antonio! Eu sempre vou te amar, pra sempre!... Não quero que você sinta ciúmes de mim! OUVE-SE O TELEFONE TOCAR LÁ FORA. ROSA PÁRA DE DANÇAR, LARGA O MANCEBO E CORRE ATÉ A PORTA. ROSA Enfermeira!... Dona Maria!... É para mim? 10 ROSA VAI ATÉ A JANELA, OLHA, MAS NÃO RECONHECE NINGUÉM. ROSA Acho que não é aqui!... Ô Antonio, levanta desse chão! Que você está fazendo ai? ROSA COLOCA O MANCEBO DE PÉ, VAI E VASCULHA SUA BOLSA, ONDE ENCONTRA SEU ESTOJO COM AS MAQUIAGENS. CAMINHA E SE PÕE EM FRENTE AO ESPELHO. ROSA Hoje eu vou ficar mais bonita do que nunca! Vou remoçar! Quero que quando nossos filhos chegarem, me encontrem bem! Vou ficar linda! Vou... Quando a solidão aperta, a gente perde o juízo, não é mesmo? Eu tive uma vida feliz! Eu tenho coisas boas para lembrar!... Quando eu engravidei do primeiro filho, fui a mulher mais feliz do mundo! Primeiro: por sentir aquela nova vida crescendo dentro de mim. Segundo: pela satisfação de ter dado um filho homem, pra o meu Antônio. Lembra como você ficou feliz, Antonio? (IMITANDO ANTONIO) – Obrigado querida, obrigado!... Olha só? Vai se chamar Antonio! E quando nasceu nossa filha Tereza? Você ficou numa felicidade só! (IMITANDO ANTONIO) – Flores para mãe mais linda do mundo! (ROSA FAZ QUE PEGA O BUQUÊ)... Meus filhos me adoravam! (ROSA SE DEIXA ENTRISTECER NOVAMENTE E RABISCA O ESPELHO COM BATOM). ROSA ABRE A GAVETA DO PEQUENO CRIADO-MUDO E PEGA ALGUMAS FOTOS, SENTA-SE NA CAMA. ROSA Toninho sempre foi um menino inteligente! Tereza sempre foi uma menina linda! Por que vocês me esqueceram aqui, meus filhos? Por quê? Eu não vou dar trabalho pra vocês! E posso ajudar a cuidar dos seus filhos! Contar histórias, assim como eu fazia com vocês!... E posso contar todas aquelas histórias que contei pra vocês! Levá-los ao parque, ao circo, ao teatro, ao cinema... Ai meu Deus!... BATEM A PORTA, ROSA SE AGITA. CORRE ATÉ A PORTA E VOLTA AO CENTRO DO PALCO. 11 ROSA Eles chegaram Antonio, chegaram!... Espera! Já estou indo! Preciso guardar as coisas! É tanta coisa que acabei deixando tudo desarrumado no quarto... Enfermeira, manda ela esperar! ROSA VAI ATÉ O ESPELHO NOVAMENTE E COMEÇA A SE MAQUIAR. ROSA Só mais um minutinho! Preciso retocar o batom!... ROSA APANHA NOVAMENTE A CARTA. SEGURA FIRME NA MÃO, MAS NÃO ABRE. VAI DE NOVO ATÉ A PORTA E VOLTA. ROSA Já estou indo!... Lembra como você ficava uma arara comigo, não é mesmo Antonio? Toda vez quando a gente tinha que sair, eu trocava a roupa mais de mil vezes. No verão, você suava tanto, que de tanto eu trocar de roupa, você acabava sempre tendo de trocar a camisa que ficava toda suada. Engraçado, me lembrei do dia em que você me levou para conhecer sua família. Uma família distinta, Seu Onofre, um cavalheiro! Homem elegante, sempre bem vestido. Não admitia de jeito nenhum que qualquer homem que fosse, andasse pela sua casa sem camisa. Seu irmão Alberto que era um sarrista sem tamanho, fazia questão de desfilar sem camisa, só pra irritar o seu pai, lembra? Seu pai ficava sempre sem graça, e seu irmão fazia de propósito sempre que eu estava lá. Não tem importância, seu Onofre! Eu já sou de casa! (IMITANDO SEU ONOFRE) - Isso é falta de educação, Alberto, respeite a moça! Já a sua mãe, Dona Candinha sempre foi bem cordial comigo. É verdade que nunca chegamos a ser grandes amigas, mas também nunca tivemos nenhuma desavença. Nunca se intrometeu no nosso casamento. Éramos uma família feliz, não éramos, Antônio? OUVE-SE VOZES, ROSA VAI ATÉ A PORTA E VOLTA DECEPCIONADA, SE PÕE A CHORAR. ROSA Está vendo, Antônio, não são eles! Eles não vêem, eles não vêem! Acho que é melhor morrer! 12 AS VOZES AUMENTAM DE VOLUME. ROSA VAI ATÉ A PORTA E ESBRAVEJA. ROSA Calem essa boca! Não me encham!... E agora, o que eu vou fazer? A culpa é sua Antônio!... Preciso tomar meu calmante!... Droga! Quando a gente envelhece, vira estorvo, ninguém quer! Eu preciso tomar coragem pra fazer alguma coisa da minha vida! Vou ter que sair daqui de qualquer jeito. E agora, Rosa? Vai mergulhar na solidão ou vai criar coragem, se levantar e caminhar sua vida? Chega de fugir, não é mesmo? Se seus filhos não te querem, e daí? Mas, se você quer morrer, precisa morrer logo, aqui, agora! Assim, não atrapalha a mudança!... O que você acha, Antônio? ROSA APANHA A MALA, PÕE SOBRE A CAMA, VAI AO ARMÁRIO APANHA MAIS ROUPAS E RECOMEÇA A ARRUMAR A MALA. ROSA Quanto tempo eu tenho? Eu tenho tempo pra me refazer? Claro que tenho! Não posso e não vou me entregar desse jeito!... Quando meu pai morreu, eu suportei tudo! Quando minha mãe morreu, eu suportei tudo! Por que ficar nessa vidinha? Já perdi tempo demais! Sabe o que são dez anos jogados pela janela? Porque é esse o tempo que estou aqui, não é Antônio? Quantas coisas eu deixei de viver por me deixar convencer pelos meus filhos? Aqueles ingratos! Eles vão ver do que eu ainda sou capaz! Quando a ditadura te prendeu Antônio, eu cuidei deles, fui pai e mãe! Nunca, nunca deixei que faltasse qualquer coisa que fosse pra eles! Eles não puxaram você, Antônio! Pra proteger os seus amigos, você passou três anos preso pela ditadura militar, lembra? (ROSA CORRE ATÉ A PORTA E GRITA) Seus ingratos! Como puderam largar sua mãe aqui! (ROSA VOLTA A ARRUMAR A MALA) Mas não tem importância, já que estou abandonada mesmo, vou me agarrar a vida e seguir em frente! Graças a Deus, eu tenho saúde, tenho meus calmantes, tenho minhas lembranças, tenho a aposentadoria, tenho a memória sadia, tenho vontade, tenho coragem, eu vou!... 13 ROSA FECHA A MALA E ARRUMA A CAMA. OUVI-SE BARULHO DE CARRO. ROSA VAI ATÉ A JANELA, ACENA A ALGUÉM, MAS VOLTA DECEPCIONADA. ROSA Não eram eles, Antônio!... Sabe de uma coisa? Eu não me lembro muito bem o dia em que eu cheguei aqui! Você lembra?... Só me lembro que me disseram que estava em depressão, mas por quê? Acho que perdi um pouco a noção das coisas! Lembro que nos primeiros anos, nossos filhos vinham me ver, me davam força, me reanimavam, traziam até os nossos netos, não era isso que acontecia, Antônio?... Mas de repente, de uma hora pra outra, não vieram mais! Foram me abandonado aos poucos... O que aconteceu, hein Antônio? ROSA AGARRA O MANCEBO E COMEÇA A SACUDI-LO. DEPOIS O EMPURRA AO CHÃO. SE ARREPENDE. ROSA Meu Deus! Perdão Antônio, perdão! (ROSA VAI E LEVANTA O MANCEBO DO CHÃO) Eu ando muito nervosa! Será que eles não vêem, Antônio? (ROSA CORRE ATÉ A PORTA) Enfermeira Maria!... Enfermeira! Meus filhos já ligaram?...(OUVE-SE PASSOS E MURMURINHOS, ROSA VOLTA CONTENTE) Devem ser eles, Antônio! Eu sabia que eles não me deixariam aqui! Chega do abandono desse lugar frio! Vou passear pelas ruas, conhecer pessoas, me relacionar de novo. Só não quero um novo amor! Meu amor foi único e será eterno! (ROSA SE DIRIGE AO MANCEBO) Não se preocupe, viu Antônio? Vou logo procurar a Berenice, ela sempre foi uma boa amiga, a única que de ano em ano vinha me ver! Sempre me chamou para morar com ela! Ela sim, sempre foi amiga! Foi ela que teve a coragem de me contar que nossos filhos venderam tudo! A nossa casinha! (FICA NERVOSA) Sabia, Antônio? É, os teus filhos tiveram a coragem de vender nossa casa!... Como eu pude deixar? Berenice sempre me dizia: (IMITANDO A AMIGA) Não é bom ficar mergulhada em lembranças num lugar frio como esse, você precisava reagir!... Mas, nunca consegui reagir, ainda mais quando soube que os nossos filhos venderam tu14 do!... A última vez que a Berenice esteve aqui me disse: (IMITANDO A AMIGA) Vamos! Vem morar comigo! Eu disse: Não! Tenho certeza que meus filhos vão me tirar daqui! E esse dia vai ser hoje! Tem que ser! OUVE-SE BARULHO DE MÓVEIS SENDO ARRASTADOS. ROSA ESTÁ NERVOSA. ABRE NOVAMENTE A MALA, CONFERE AS ROUPAS. VAI ATÉ O ARMÁRIO. SE PÕE EM FRENTE AO ESPELHO. ROSA Estou me sentido como no dia do nosso casamento! Ter que começar uma nova vida, sair da casa dos meus pais, dividir os dias e as noites com uma outra pessoa... Olha só isso, mamãe! O vestido não me entra, será que eu engordei? Mamãe!... Mamãe!... A grinalda arrebentou! Olha só isso, o penteado está horrível! Assim eu não quero! Tinha que chover? Justo hoje! Olha só, parece que está caindo o mundo! (ROSA IMITA AS VOZES DAS PARENTES QUE ESTAVAM NA CASA NO DIA DO SEU CASAMENTO) Essa calcinha é minha! Ei, devolve o meu sutiã! Alguém viu a toalha?... Não enche! Mamãe, não consigo fechar! Olha a hora! Já estou mais de duas horas atrasada para chegar a igreja!... (ROSA PEGA O MANCEBO E ANDO COMO ESTIVESSE ENTRANDO NA IGREJA. TOCA A MARCHA NUPCIAL) Você está lindo, Antônio! Parece um príncipe!... A festa está linda, não está Antônio? (ROSA FAZ QUE VAI JOGAR O BUQUÊ) Olha lá, vou jogar o buquê!... É um!... dois!... e já vão os... dois e meio... e agora... três! (ROSA FAZ O MOVIMENTO DE JOGAR O BUQUÊ) Raquel!... A Raquel pegou o meu buquê!.... Nunca mais ouvir falar da Raquel!... Lembra dela Antônio? Me lembro que logo depois do nosso casamento, ela mudou de cidade, mas, nunca mais soube dela. Ah, agora me lembro! A última vez que soube dela, me falaram que ela continuava solteira! E dizem que quem pega o buquê casa logo! Eu nunca acreditei nisso!... Agora estou me sentido como que se fosse casar novamente! Dá medo, mas é bom!... ROSA APANHA A CARTA ENTRE OS SEIOS, ABRE, PASSA OS OLHOS, PÔE AS MÃOS NOS OLHOS E COLOCA A CARTA SOBRE A MESINHA AO 15 LADO DA CAMA, VAI ATÉ A PORTA E GRITA. ROSA Maria!... Enfermeira!... Ainda falta muita gente para ir embora?... Se meus filhos chegarem, me avise logo, viu? ROSA VAI ATÉ O ESPELHO E COMEÇA A CANTAROLAR UMA MARCHINHA DE CARNAVAL. ROSA Lembra, Antônio?... (APANHA O MANCEBO E COMEÇA A DANÇAR PELO PALCO CANTAROLANDO MARCHINHAS) Engraçado! Por que será que me lembrei dessa música logo hoje?... Deve ser de alegria! Carnaval é uma coisa tão alegre que... Como a gente gostava de carnaval, não é Antonio? Todo ano a gente ia para o clube, você sempre de calça branca, camisa florida e um quepe de marujo e eu, me vestia sempre de melindrosa! (IMITANDO ANTÔNIO) - Já disse que não gosto que você use essa roupa!... Já vai fazer bico? Olha só seu bico!... Vamos pro salão, Antônio! (ROSA TRAZ O MANCEBO PARA JUNTO DE SI COMO SE APERTASSE ALGUÉM) Ai, Antônio! (IMITANDO O ANTÔNIO) Chega mais perto! Sabia que você fica demais de melindrosa? Gostosa! Pára Antônio, já estou ficando toda vermelha de vergonha! Pára com isso! Velho assanhado!... Não belisca aí! Está todo mundo olhando. (IMITANDO O ANTÔNIO) Ninguém tá vendo! (E CONTINUA DANÇANDO COM O MANCEBO PELO PALCO) Lembra daquele ano, Antônio? É, o ano e que a gente se casou!...Acho que não, nós já tínhamos uns três anos de casado... Onde você foi mesmo? No bar ou ao banheiro? Não consigo lembrar... Gozado, quanto tempo eu não lembrava dessa história!... E você, Antônio? (ROSA SOLTA O MANCEBO E DANÇA SÓ, CANTAROLA) “A estrela Dalva... (COM SE AVISTASSE ALGUÉM) - Oi, quando tempo? Não, não estou sozinha não! O Antônio foi pegar uma bebida... Você está bonito de Sheik, hein?... Não Antônio, não!... (ROSA FICA NA FRENTE DO MANCEBO COMO QUEM TENTA APARTAR UMA BRIGA) Pára! Essa briga não vai levar a nada!... Que briga mais feia!... Ele não fez nada! Coitado! É o meu amigo Agostinho!... Pára com isso Antônio... 16 Como você é esquentado, hein Antônio?... ROSA APANHA O MANCEBO, CANTAROLA UMA MARCHINHA E VAI DANÇANDO PELO PALCO. ROSA Quanto tempo nós não íamos a um baile de carnaval!... E as matinês? Lembra, Antônio? Depois que as crianças nasceram, você fez sempre questão de levá-los a matinê. Vestia o Toninho sempre de pirata e a Tereza de bailarina... E saía com os dois pelo salão, jogando confetes e serpentinas... (ROSA FAZ OS MOVIMENTOS DE QUEM JOGA CONFETE E SERPENTINA) Engraçado eu me lembrar disso justo hoje! A última vez que nós fomos a um baile de carnaval, quando foi, hein Antonio?... Quando foi mesmo? Não consigo me lembrar direito!... E DANÇA ABRAÇADA AO MANCEBO CANTAROLANDO A MARCHINHA. ROSA Isso!... Claro!... Foi isso, sim!... Tenho certeza! Agora estou me lembrando!... Você estava feliz como nunca naquele carnaval! Uma felicidade que transbordava! Me disse até assim: (IMITANDO O ANTÔNIO) - Hoje não vou nem beber! Hoje vai ser o carnaval das nossas vidas, não vou nem beber para não deixar a tristeza chegar perto. E lá fomos nós! Você com a sua calça branca, sua camisa florida e seu quepe de marujo e eu é claro, de melindrosa. Foi a primeira vez que você não se importou com a minha fantasia. E como dançamos pelo salão... Ficamos no baile até o fim, e saímos dançando e cantando pelas ruas até chegar no carro... Aí meu Deus! Agora me lembro de tudo! (ROSA JOGA O MANCEBO E CORRE DESESPERADA PELO PALCO. A MARCHINHA VAI TOCANDO BAIXINHO) Entramos no carro, cantávamos, riamos... Você levava o carro bem devagar, até que... Irresponsável!... Irresponsável! Aquele carro veio e acertou em cheio... Eu me lembro! Você caiu no meu colo, sua calça branca, estava vermelha de sangue... Só escutei: Foge que o homem morreu! Foge que o homem morreu! Olhei aquele menino com o braço sangrando saindo correndo... Você no meu colo... tudo rodando... passei a mão na mi17 nha cabeça, vi sangue... Olhei você... Antonio!... Antonio!... Tudo escureceu!... Como eu pude me esquecer disso? Aquele moleque irresponsável matou você Antonio!... Que dor meu Deus!...Aquela cena... ROSA DESABA NO CHÃO A CHORAR. A MÚSICA PÁRA. ROSA Irresponsável!... Moleque irresponsável!... AOS POUCOS ROSA, COM O APOIO DO MANCEBO, VAI SE LEVANTANDO. PÕE-SE DE JOELHOS. ROSA Perdão, meu Deus!... Perdão, Antonio!... Eu não pude me despedir de você!... Toninho me contou que fiquei em estado de choque... Eles me esconderam tudo! Eu não lembrava!... Por que não me levaram pra casa? Será que foi por isso que me trouxeram pra cá? Como eu não pude me despedir de você?... Eles tinham que deixar!... Eu tinha que ter me despedido de você! Perdão, Antônio!... Quanto tempo essas lembranças ficaram escondidas?... Sempre evitavam falar na sua morte, agora entendo!... Por você, meu amor, vou mudar minha vida! Eu vou sair daqui! Mesmo que eles não venham! OUVEM-SE BARULHOS. ROSA VAI ATÉ A PORTA E COMEÇA A SOCÁLA. ROSA Cadê meus filhos!... Cadê meus filhos! ROSA VOLTA, ENXUGA O ROSTO, PEGA A MAQUIAGEM, VAI ATÉ O ESPELHO, SE ARRUMA. ROSA Eu vou!... Vou sim! ROSA APANHA A CARTA. DOBRA-A NOVAMENTE E SEGURA FIRME NA MÃO. ROSA Acho que saí daquele acidente hoje!... Eu juro que vou recomeçar! Só preciso encontrar um jeito de retomar minha vida! Quem sabe procurar minhas velhas amigas que não 18 se entregaram a velhice, a solidão? Daqui pra frente, minha vida vai ser outra! Ainda tenho um pouco de saúde, e vou dar um jeito de me sustentar, não sei como, mas vou!... Só uma coisa já decidi: Não vou para outra clínica, isso não vou!... Você não acha que estou certa, Antônio?... Só preciso me cuidar!... Talvez cortar o cabelo! Ou quem sabe passar uma tintura? Vou ficar loira!... Não, Ruiva!... Acho que não vou ficar bem! Melhor eu pintar o cabelo de preto, afinal, essa sempre foi a cor dos meus cabelos... Preciso comprar uns vestidos novos, esses meus estão todos sem vida... Confesso que estou com medo! Talvez, por isso, me escondi aqui, aceitei o abandono! Não, eu não me escondi, me esconderam aqui, ou melhor, me abandonaram aqui!... A clínica vai fechar, já não escuta a voz de quase ninguém... Eu ainda não acredito que meus filhos não vêem me buscar! O que eu faço? ROSA CONFERE DE NOVO A MALA. PEGA O TERÇO PENDURADO NA PAREDE E COLOCA DENTRO DA MALA. SENTA-SE NA CADEIRA DE BALANÇO E RESOLVE LER A CARTA. ROSA “Olá Rosa! Quanto tempo, não é mesmo? Fiquei muito triste quando soube do acidente com você e o Antônio... A gente gostava tanto de carnaval, lembra?... Fiquei sabendo que a Clínica em que teus filhos te colocaram logo depois da morte do Antônio, vai fechar, então... Não me entenda mal, viu Rosa? Eu sei que seus filhos te abandonaram aí, venderam tudo o que vocês tinham, e o pior! Acho que você nem sabe. Eles te interditaram!... (ROSA PÁRA POR UM SEGUNDO, RESPIRA FUNDO, E CONTINUA) Como eu tinha certeza que eles não viriam te buscar, quero que você me espere, que antes da clínica fechar, estarei chegando por aí para te apanhar!... Estou viúvo também, e tenho um cantinho para você na minha casa, não precisa se preocupar, não quero nada de você! É só pela nossa amizade!... Ah, ainda sou advogado, e vou te ajudar a cancelar a interdição que teus filhos pediram... Até já!... Um beijo carinhoso... Agostinho! OUVEM-SE BARULHOS DE JANELAS SENDO FECHADAS. OUVE-SE UM 19 CARRO ESTACIONANDO. ALGUMAS BUZINADAS. ROSA LEVANTA-SE VAI ATÉ A JANELA, ACENA, VOLTA E PÕE-SE EM FRENTE AO ESPELHO. ROSA Agostinho!... Não acredito!... NOVAS BUZINADAS. ROSA CORRE ATÉ A JANELA E ACENA. ROSA VOLTA, ESTÁ SURPRESA. ROSA Nunca pensei que ele gostasse tanto assim de mim! ROSA VOLTA ATÉ A JANELA, ESTÁ ANSIOSA. ROSA Você veio me buscar, Agostinho? VÃO SENDO DADOS TOQUES DE BUZINAS, COMO SE FOSSE UMA BREVE CONVERSA. ROSA SE MOSTRA FELIZ. DANÇA. ROSA Isso, Rosa! Agora você pode ir!... Você ainda tem coragem! Já que você tem que mudar, mude de verdade! Coragem! Coragem, Rosa!... Você não acha que perdeu muito tempo aqui dentro?... Não foi em vão o tempo que passei aqui! (NOVA BUZINADA) Já vou!... Ai, meu Deus!... Não foi em vão! Passei pra poder ter o meu Antonio sempre perto de mim, das minhas lembranças! (ROSA CORRE NOVAMENTE ATÉ A JANELA, ACENA E VOLTA) Mas vou voltar a ser quem eu era!... Agostinho, já estou indo!... Bem que a Berenice dizia que ele no fundo sempre foi apaixonado por mim! ROSA VAI ATÉ A JANELA. NOVAS BUZINADAS COMO RESPOSTAS PARA OS ACENOS. ROSA Já estou indo Agostinho! ROSA VOLTA E SE AJEITA. ROSA ... Não pensei que pudesse ter uma nova chance de viver!... 20 OUVEM-SE NOVAS BUZINADAS. BARULHOS DE PORTAS E JANELAS FECHANDO. ELA APANHA AS FOTOS SOBRE A CAMA, APANHA A MALA, OLHA EM VOLTA COMO QUEM SE DESPEDE DO LUGAR. ROSA Estou indo, Agostinho!... Adeus! Agora vou olhar a vida daqui pra frente, pois ainda tenho um sonho: voltar a ser feliz! E sei, que apesar de tudo, ainda existem flores no jardim! ROSA SAI DECIDIDA. APAGAM-SE AS LUZES. FECHAM-SE AS CORTINAS. - FIM - 21