O
SR.
RAUL
CUTAIT
-
Ministro
Gilmar
Mendes,
estimado
Ministro Cezar Peluso, senhoras e senhores.
Inicialmente, quero dizer ao meu
caro Ministro Gilmar Mendes que seu convite, para mim, foi
uma convocação. E espero, de alguma forma, contribuir para
este debate - aliás, o último da série -, fazendo algumas
reflexões e algumas sugestões sobre um tema que tem um
tremendo impacto, porque deve ser visto não apenas nas
situações de exceção, mas na rotina do atendimento do SUS
como um todo, que é responsável, como os Senhores todos
sabem,
pelo
atendimento
de
75%
a
80%
da
população
brasileira.
Vou procurar transmitir minha posição, tendo
em
vista
que
sou
um
médico,
e,
como
todo
médico,
interessado em oferecer o melhor para os meus pacientes.
Mas um médico que tem uma atividade acadêmica e que já, em
algum
momento
de
sua
vida,
esteve
envolvido
com
o
Executivo, na Secretaria de saúde, e, portanto, entendendo
ou procurando entender a conexão entre o que faz o médico,
o
que
faz
o
Sistema
de
Saúde,
tendo
como
base
o
que
o
conhecimento científico.
Hipócrates,
lá
atrás,
disse-nos
objetivo maior da medicina é o bem do paciente. Então, todo
o raciocínio tem que ser feito a partir dessa visão. O
médico deve devolver a saúde às pessoas. Isso dito há 2.500
anos. Ele deve agir de acordo com as possibilidades e de
acordo
com
seus
conhecimentos,
evitando
o
mal
e
a
injustiça. Isso continua extremamente atual. Só que deixou
de ser algo que só o médico pensa, mas a população como um
todo, a sociedade civil e o governo constituído.
Portanto, cabe ao Poder Público, nas suas
três instâncias de poder, agir para que a cidadania como um
todo
seja
também
exercitada
no
quesito
saúde
para
a
que
o
população.
A
partir
dessas
premissas,
sabemos
SUS, que é um modelo exemplar de sistema público de saúde,
tem vários princípios. A integralidade, tema de hoje, é
talvez o de mais difícil execução, porque ela implica a
utilização de todos os outros que são mais ideológicos,
vamos dizer assim, e esse é o prático: como fazer chegar às
pessoas tudo o que elas precisam, em termos de assistência,
prevenção de doenças e promoção de saúde.
Na verdade, como diz a Constituição, é tudo
para todos. E na prática, como fica?
É
questão
de
decisão.
O
médico
tem
que
decidir junto com o que as políticas de saúde permitem e
baseado no conhecimento científico. Então, os meus próximos
diapositivos são para tentar analisar essa situação e ver
como o processo decisório tem que ser encaminhado.
Primeiro, é preciso entender que, no Brasil,
existem trezentos e trinta mil médicos, formados por cento
e setenta e seis faculdades de medicina. O Brasil é o
segundo País, depois da Índia, que tem mais faculdades de
Medicina
no
mundo
-
uma
grande
parte
delas
formando
médicos, infelizmente, com baixo grau de competência devido
às qualificações das suas próprias estruturas de ensino.
Apenas
dois
programas
terços
de
dos
médicos
residência
que
formados
são
têm
fundamentais
acesso
a
para
a
qualificação do profissional.
O SUS é um grande empregador. A maioria dos
médicos, pelo menos 70% deles, tem algum vínculo com o SUS.
Agora, devido à baixa remuneração, do SUS em especial, a
grande maioria dos médicos tem três ou mais empregos. Ou
seja, basta olhar esses números para perceber a dificuldade
para o indivíduo exercer a medicina de maneira apropriada.
Ele
tem
que
atualizado,
graduada,
ter
às
para
custas
congressos,
padronizadas,
o
de
seu
uma
cursos
processo
formação
de
decisório
graduada,
reciclagem
e
um
pós-
condutas
uma vez que ao existirem ajudam o médico a
seguir melhores caminhos para suas posições em relação aos
seus pacientes.
Mas,
aliado
a
tudo
isso,
existe
a
experiência, o tempo de atividade, o número de casos que
ele vivenciou em cada situação, o discernimento pessoal,
individual, aplicabilidade e tudo o que ele tem de fazer
para os pacientes - em relação ao paciente em si -, porque
passou, felizmente, aquela fase em que o médico mandava e o
doente
fazia.
Hoje,
as
decisões
são,
cada
vez
mais,
compartilhadas. E ele tem de aprender também a trabalhar
com as limitações dos seus locais de trabalho. Nem todos os
lugares têm tudo o que é necessário para o bom atendimento
médico, e, como já comentado, respeitando as condições do
paciente e sua vontade. Então, no processo decisório, o
médico
trabalha
pergunta:
será
compromisso
com
compromisso
que
com
o
isso
é
o
sistema
com
seu
suficiente?
de
saúde
tem
paciente.
A
Será
o
de
que
ser
algo
intrínseco à atuação do médico? Algumas vezes, sim; algumas
vezes, não. Tentarei explicar isso um pouquinho melhor nos
próximos diapositivos.
O
SUS
é
um
sistema
público
que
tem
seus
gargalos: financiamentos – como já foi amplamente discutido
aqui pelo Professor Jatene em outras situações -; gestão –
a
Administração
Pública
é
amarrada,
dificulta
decisões
dinâmicas; e os seus próprios recursos humanos, uma vez que
ele não estimula como um sistema, de um modo geral, a
reciclagem de todos que nele trabalham. Ou seja, muitos dos
que
estão
trabalhando
no
SUS,
médicos
e
outros
profissionais de saúde, nem sempre estão com os melhores
conhecimentos
para
os
momentos
do
dia-a-dia.
E,
na
integralidade, é necessário que haja uma interferência para
que isso seja real, ou melhor, nos quesitos financiamento,
gestão e formação de recursos humanos.
Quando se fala de gestão no SUS, a discussão
é
sempre
sobre
a
gestão
do
atendimento,
sempre
sobre
processos
administrativos,
“softwares”
para
processos
administrativos, mas pouco se discute quanto à gestão do
conhecimento científico; esse, sim, é chave para que os
processos
administrativos
atendimento,
em
possam
melhor
resultar
utilização
em
dos
melhor
recursos
disponibilizados.
Então, é preciso entender que a ciência é
algo dinâmico. Novos conhecimentos são agregados no dia-adia. E novos métodos diagnósticos, terapêuticos substituem
outros que, até pouquíssimos anos atrás, eram o estado da
arte. E isso é preciso que o médico entenda; é preciso que
o sistema de saúde entenda; e é preciso que sejam criados
mecanismos para que tudo o que é novo seja incorporado de
uma
forma
mais
ou
menos
automática,
não
apenas
quando
existe uma demanda, uma pressão, tipo um processo judicial.
A dificuldade, então, de atualização, tanto
para
os
médicos
trabalhar.
Mais
como
de
para
cem
quem
mil
dirige
artigos
sistemas,
científicos
de
são
publicados, em média, por ano. Então, aí, o conhecimento
precisa
ser
avaliado,
empregando-se
as
modernas
metodologias científicas, hoje disponíveis, que dão um grau
de compreensão melhor às “verdades” científicas; ou seja,
essas
verdades
determinada
são,
atitude
muitas
vezes,
é
melhor;
a
transitórias.
hoje,
Hoje,
determinado
conhecimento é a verdade; amanhã, não é mais, porque novas
coisas chegam no dia-a-dia.
E a medicina baseada em evidências – que
muitos dos senhores já conhecem – permite fazer uma análise
um pouco diferente do que é uma verdade científica. Existem
maneiras de chegar à conclusão de que as verdades são umas
mais
verdadeiras
do
que
outras;
ou
seja,
determinadas
condutas médicas são ditadas com graus de recomendação, que
são
chamadas
evidência
são
de
“A”.
Quer
favoráveis
dizer,
para
todos
aceitar
os
aquilo
níveis
de
como
uma
grande verdade, pelo menos naquele dia de hoje.
Em outras situações, essa não é a realidade. Existe a falta
de informações científicas, ou informações um pouco mais
consistentes, o que faz com que sejam gerados graus de
recomendação
inferiores,
gostaria
dizer
de
é
“C”,
que
“D”.
Ou
praticamente
seja,
o
tudo
que
pode
eu
ser
questionado. E como os médicos e o sistema de saúde se
adaptam
a
isso?
A
possibilidade
de
se
obter
condutas
padronizadas, que virou algo bastante frequente nos últimos
15 anos, tem que ser colocada na prática, usando medicina
baseada em evidências, utilizando “experts”, instituições
acadêmicas e sociedades médicas para definir essas várias
condutas, que devem ser adaptadas aos recursos econômicos e
humanos existentes.
Então,
existem
exames
que
são
“estado
da
arte”, mas que não estão disponíveis para todo mundo. Qual
é o plano “B”? Isto, em medicina, é fundamental: sempre ter
um plano “B”. Às vezes, o plano “B”, para a doença, não é o
melhor, mas, para o que existe, é o que dá para ser feito.
Precisamos também aprender a raciocinar dessa maneira e
entender
que
essas
condutas
padronizadas
variam
na
sua
complexidade, porque as doenças são mais complexas; varia a
abordagem delas em função dos recursos disponíveis.
Aqui, no Brasil, nós criamos – tenho a honra
de ter sido o idealizador e o coordenador, nos primeiros
anos,
desse
Brasileira
projeto
e
do
–
diretrizes
Conselho
Federal
da
Associação
de
Medicina,
Médica
que
se
propõem a fazer diretrizes e padronização de condutas por
meio das sociedades médicas. Hoje, já existem quase 300
diretrizes escritas - até aí é relativamente fácil, porque
estimula o lado científico dos médicos. Porém, existe um
problema grave: como passar uma diretriz do papel para a
prática médica. Então, embora este fórum seja o fórum dos
medicamentos não-padronizados, basicamente, existe um passo
enorme a se dar em relação a tudo que já tem algum grau de
padronização e que também não consegue sua implantação.
Gostaria,
essa
discussão
não
senhores
só
para
Ministros,
os
de
estender
medicamentos
não-
padronizados, mas para aquilo que também hoje permite uma
padronização,
para
que
melhores
práticas
médicas
sejam
parte do dia-a-dia do SUS.
alguns
deles
Existem
vários
-,
só
mas
vou
exemplos
citar
um
-
aqui
que
eu
me
listei
toca:
a
quimioterapia do câncer metastático do intestino. Tem sido
empregada uma droga muito cara, um desses moduladores –
cetuximab -, que até a pouquíssimos meses atrás acreditavase ajudar a todos os pacientes. Aí, foi feita uma nova
descoberta científica: alguns doentes têm uma modificação
genética em um gene chamado “KRAS”. Quem tem essa mutação
não
só
não
responde,
como
responde
pior.
Então,
dar
o
cetuximab é gastar dinheiro à toa e piorar o prognóstico do
paciente.
Como essas informações são incorporadas no
dia-a-dia? Isso foi publicado há pouco tempo. Vamos esperar
a reunião da Comissão de discussão de não-sei-o-quê para
ver como se age em relação a isso? É muito difícil. Em
benefício do tempo, eu diria que o processo de decisão
passa pelo julgamento do médico, mas também por um aval do
Sistema de Saúde, que é a fonte pagadora.
Gostaria de estender essa mesma discussão
para o lado do sistema privado, que também tem a obrigação
de oferecer a seus pacientes o que é melhor. Não vou gastar
tempo mostrando quanto se gasta, mas o Estado de São Paulo
já
gastou
quase
400
milhões
de
reais
em
processos
judiciais, financiando drogas que nem sempre são realmente
necessárias; fornecendo drogas que, quando são entregues
por via judicial, custam para o Sistema muito mais do que
quando o próprio sistema fornece, porque, aí, existe algum
controle sobre a necessidade, sobre o uso dos medicamentos.
Gostaria
de
terminar
fazendo
algumas
considerações. Tendo em vista que a quase totalidade dos
pedidos é para as situações crônicas; que uma considerável
parte desses pedidos vem do setor privado; que a equação de
resultados
gastos,
uma
equação
melhor
do
que
custo/eficácia, no setor público é regida pelo SUS – o SUS
deve
se
preocupar
com
o
que
ele
oferece
em
termos
de
resultados para as pessoas, para os cidadãos -, enquanto
ele gasta para isso – e gastar não significa economizar, às
vezes significa até gastar mais -, o que chama a atenção é
o resultado.
E, usando o fato de que existem condutas
onde a evidência científica nem sempre é muito forte, mesmo
quando parece promissora, eu gostaria, Senhor Ministro, de
fazer
algumas
sugestões.
Primeiro,
que
o
Ministério
da
Saúde, conjuntamente com as secretarias estaduais, nomeasse
comissões
especialistas
compostas
por
médicos,
e,
eventualmente, outros profissionais de saúde de reconhecida
competência
condutas
científica,
nos
casos
e
com
a
incumbência
questionamentos
de
definir
diagnósticos
e
terapêuticos. Seriam comissões muito focadas, às vezes por
uma única doença, para uma única situação, e que teriam
condições
de
conhecimento
dar
posições
científico.
E
as
respeitáveis
posições
dentro
dessas
do
comissões
podem ser consideradas pelo SUS como políticas para o SUS,
e pelo Poder Judiciário como a orientação que ele precisa,
uma
vez
que
não
se
pode
querer
que
um
juiz
tenha
o
conhecimento científico profundo para analisar as tantas
situações esquisitas que chegam aos juízes no dia-a-dia.
Dessa forma, criando-se algum grau de jurisprudência que
permitirá, sem dúvida, resolver a grande maioria dos casos
com poucas reuniões.
As outras propostas: que essas comissões têm
que dar suas posições em curtíssimo prazo, senão elas não
fazem sentido, e, nos casos de medicamentos, quando são
liberados, que os centros de referência, os médicos de
referência, avaliem o adequado uso desses medicamentos para
que
não
haja
desperdícios.
E
lembrar
que
existe
um
problema; essas comissões especialistas podem definir, às
vezes, o que é melhor, mas cabe ao Ministério da Saúde,
também,
e
posicionarem,
equação
às
por
secretarias
mais
resultado/custos
estaduais
difícil
é
a
que
de
seja,
melhor.
Ou,
saúde
quando
como
se
que
já
a
foi
comentado, quando o indivíduo e o coletivo colidem na hora
do processo decisório.
Muito obrigado pela atenção.
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Raul Cutait