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O PROCESSO DE DESAPARECIMENTO DO TRABALHO DAS
PARTEIRAS EM ANTA GORDA (1960-1975)
Rafaela Moresco Viecilli
Lajeado, novembro de 2010
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BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES
CURSO DE LICENCIATURA EM HISTÓRIA
O PROCESSO DE DESAPARECIMENTO DO TRABALHO DAS
PARTEIRAS EM ANTA GORDA (1960-1975)
Rafaela Moresco Viecilli
Monografia apresentada no Curso de
Graduação em História, como exigência
parcial para obtenção do título de
licenciado em História.
Orientador: Prof. Ms. Mateus Dalmáz
Lajeado, novembro de 2010
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AGRADECIMENTOS
As minhas bisavós Anita e Carolina (in memorian) que foram a fonte de inspiração
para a minha pesquisa histórica, ambas auxiliaram no nascimento de muitas
crianças antagordenses.
A minha família por eu existir e me ensinar os verdadeiros valores da vida.
Ao meu amor Carlos que demonstrou paciência em ouvir minhas preocupações,
dificuldades e me apoiar na continuidade deste trabalho.
As pessoas que entrevistei por dedicarem confiança nas entrevistas, relatando fatos
importantes e indispensáveis para o trabalho.
A equipe dos “Serviços Notariais e registrais de Anta Gorda- RS” que organizaram a
pesquisa de dados numéricos dos nascidos nos anos de 1960 a 1975.
Ao professor orientador Professor Mateus Dalmaz por transmitir segurança e mostrar
o caminho certo que deveria seguir.
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“Conquistas sem riscos são sonhos sem méritos.
Ninguém é digno dos sonhos se não usar suas
derrotas para cultivá-los.”
Augusto Cury
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RESUMO
O município de Anta Gorda, no Vale do Taquari, por volta de 1900, foi
povoado por imigrantes italianos que escolheram o local para criar suas famílias com
dignidade. Por muitas décadas a cidade foi evoluindo lentamente na economia,
política, educação e saúde. As famílias de imigrantes tinham um grande número de
filhos e estes passariam a fazer parte da mão de obra da lavoura e também da casa.
Para o nascimento dessas crianças foi utilizado o trabalho das parteiras. Esta
pesquisa tem o objetivo de analisar o processo de desaparecimento do trabalho das
parteiras no município, relacionando tal processo à modernização vivenciada pela
cidade. Mesmo com a chegada dos médicos no município, as parteiras exerceram
grande importância até a década de 1970. Posteriormente, observa-se a decadência
deste trabalho.
Palavras chaves: Anta Gorda, Modernização e Parteiras.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................
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1 O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DE ANTA GORDA..........................
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2. O TRABALHO DAS PARTEIRAS...............................................................
2.1 A Importância das Parteiras....................................................................
2.2 O Desaparecimento do Trabalho das Parteiras.....................................
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CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................
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REFERÊNCIAS................................................................................................
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ANEXOS...........................................................................................................
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INTRODUÇÃO
A temática escolhida para este trabalho é o “desaparecimento do trabalho
das parteiras em Anta Gorda (1960-1975). As parteiras fizeram parte das
sociedades, marcaram a história da humanidade e atualmente as suas existências
são desconhecidas pela maior parte da população. Muito importantes, eram
reconhecidas como essenciais para o nascimento das crianças de todas as raças.
Pouco se sabe sobre essa existência, não há produções escritas sobre o
seu trabalho e sobre os materiais utilizados pelas mesmas no município de Anta
Gorda. Apenas o que existe são relatos de pessoas, ou melhor, de mulheres que
tiveram seus filhos com parteiras, mas existem documentos denominados “Certidão
de Nascimento” que estão arquivados no Cartório Municipal e que apenas relatam o
local do nascimento, sendo no domicílio ou no hospital.
Por estes motivos buscarei as mais variadas informações sobre a presença
e o trabalho tão importante das parteiras, profissionais que realizavam suas tarefas
não só por amor, mas também para suprir a carência de unidades hospitalares na
cidade, que pudessem atender a demanda da comunidade pelos serviços de parto.
O enfoque da pesquisa estará na análise da relevância do papel das parteiras e
principalmente no processo de decadência deste trabalho verificado no município de
Anta Gorda no período de 1960 a 1975.
É importante destacar que o município de Anta Gorda foi basicamente
habitado por descendentes de italianos que escolheram a região para viver e criar
uma vida melhor para seus familiares. Neste local pouco organizado, sem energia
elétrica, saneamento básico, estradas acessíveis a muitos locais, com muita mata e
com poucas condições financeiras, os habitantes por muito tempo passaram por
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sérios problemas, entre eles a falta de recursos para a saúde, como com os
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atendimentos médicos e hospitalares.
Em meados de 1944, Anta Gorda pertencia ao município de Encantado e
inaugurou o Hospital Padre Catelli, um local dirigido pelas Irmãs Scalabrinianas que
tinham a finalidade de trabalhar com os descendentes de Italianos, já que seu
fundador, bispo Scalabrini, da Itália, tinha como objetivos trabalhar e auxiliar os
imigrantes italianos que migravam para a América.
Neste momento já se pensava em uma melhor qualidade de vida para os
habitantes, mas por falta de condições financeiras era quase impossível a maior
parte das mulheres frequentarem o hospital para a realização de partos, somente
pessoas de poder aquisitivo melhor podiam usar o trabalho hospitalar ou em caso de
emergência.
Por este motivo é que as maiorias das mulheres que estavam esperando
bebês precisavam de um trabalho anônimo, mas muito reconhecido, que foi o
trabalho realizado pelas parteiras. Estas surgem pela necessidade e tornam-se
especialistas no decorrer dos tempos com as experiências vividas, criaram técnicas
de partos nunca mais vistos e talvez já esquecidas pela maior parte da população
atual.
Questionam-se, então, quais foram os motivos que levaram à decadência do
trabalho das parteiras em Anta Gorda, visto que por muitas décadas elas foram tão
essenciais para o crescimento da população.
Como respostas provisórias ao questionamento proposto acima, foram
consideradas as seguintes hipóteses:
a)
Que as parteiras perderam seu espaço com a presença e o
trabalho dos médicos do hospital existente no município.
De acordo com Angelina Lodi, uma das mulheres que usufruíram do
trabalho das parteiras, percebe–se o desuso da função a partir do atendimento da
demanda de partos pelo hospital. Ela afirma
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que a parteira era considerada como uma profissão, bem valorizada, além
de que ir no médico custava muito e não se tinha dinheiro, eram poucas
parteiras. E quando eu ganhei a Mari [décimo terceiro filho] a nona Iná [uma
das parteiras] disse que não vinha mais porque os médicos tinham proibido
daí eu fui baixar o hospital prá ganhar (entrevista à autora, 26/03/2010).
A partir do relato acima podemos concluir que a decadência das parteiras
acontece pelo aumento da importância e da presença do trabalho dos médicos,
fazendo com que a ciência ocupasse o lugar dos costumes e hábitos de um povo
que acreditava no trabalho das parteiras como essencial para o nascimento das
crianças. Uma das entrevistadas que tinha como parteira a sua mãe e também sua
sogra, lembra delas com tanto carinho que diz: “A minha sogra Adelina já está no
céu de tanta reza que recebia das pessoas, saía no temporal com o feraleto
[lampião a óleo] na mão. Acho que ela é mesmo uma santa” (Claudina Rigoni,
entrevista à autora, 14/04/2010).
Este trabalho ainda apresenta como segunda hipótese: b) As parteiras não
ensinaram seu trabalho para as pessoas mais jovens e, assim, foram facilmente
substituídas por médicos.
A humanidade passa por uma transformação muito grande onde o
nascimento dos filhos estava relacionado com o trabalho de mulheres que
realizavam o trabalho de parto e os homens médicos ocupam o lugar das parteiras e
transformam esse costume. Segundo Ricardo Herbert Jones a razão desta
transformação está relacionada com
uma série de eventos, entretanto, rompeu este vínculo do nascimento com a
natureza. O surgimento de várias conquistas científicas na área da biologia
(como a circulação do sangue, a noção mais exata da anatomia pelas
dissecações, os estudos de patologia etc.) aliadas ao molde conceptual e
filosófico trazido pelo mecanicismo de Renée Descartes produziram o caldo
cultural para a entrada do saber médico na obscuridade mágica e úmida do
nascimento humano. A razão, enquanto ferramenta, começava a ocupar o
lugar outrora ocupado pela intuição e pela experiência. Os homens, a partir
de meados do século XVII, iniciavam na tarefa de atender as gestantes e os
partos, deslocando paulatinamente as parteiras, curiosas e "bruxas", que
durante milênios foram as únicas "cuidadoras de mulheres" no momento de
parir. Era a "vingança" daqueles que durante milênios estiveram alijados do
milagre. Agora os homens também seriam co-criadores. Era a "couvade"
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(mecanismo pelo qual os homens se "apoderam" do nascimento nas
culturas primitivas, como os índios brasileiros, por exemplo) se
manifestando de forma avassaladora. Mais do que os homens, o
"masculino" entrava no mundo das mulheres, trazendo com ele as luzes da
razão, na tentativa de iluminar o obscuro e até então impenetrável mistério
do nascer (www.amigasdoparto.com.br, acesso em 10/05/2010).
Pode-se dizer ainda que o trabalho das parteiras, por não ser
metodologicamente ensinado para as mulheres mais jovens, não permaneceu
passando de geração em geração dando um final para este trabalho. E mesmo as
mulheres aprendiam por mera necessidade, como comprova um dos relatos
ouvidos: “Minha sogra aprendeu no momento de uma necessidade por que sua
cunhada por um tempo viveu junto com ela por que seu irmão, marido da minha
cunhada tinha ido pro exército e como estava na hora do parto e não tinha ninguém,
foi ela que teve que ser a parteira” (Claudina Rigoni, entrevista à autora,
14/04/2010).
Por não existir mais nenhuma parteira viva no município, sente-se a
necessidade de buscar relatos de pessoas, ou melhor, de mulheres que tiveram o
nascimento de seus filhos realizados por parteiras, consideradas no local como
“profissionais”.
Por isso que é necessário reconhecer a importância da nova história que
visa valorizar a história oral com relatos contados por pessoas que viveram as
experiências do parto realizado pelas parteiras. É nesse sentido que Thompson diz
que a história oral “oferece uma tendência que é básica a todos em direção de uma
história mais pessoal, mais social, mais democrática” (1992, p. 336). Uma história
contada por quem viveu essa experiência se torna mais rica de detalhes, transforma
o resgate da memória numa vivência de emoções e sentimentos que vem a tona no
momento dos relatos.
Podemos dizer que a memória é um dos fatores para perpetuar a relação
entre dois períodos, o passado e o presente, entre o que já aconteceu e o que está
acontecendo. Segundo Eclésia Bosi:
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A memória permite a relação do corpo presente com o passado e, ao
mesmo tempo, interfere no processo atual das representações. Pela
memória o passado não só vem a tona das águas presentes, misturando-se
com as percepções imediatas, como também empurra, desloca estas
últimas, ocupando o espaço todo da consciência. A memória aparece
subjetiva, ao mesmo tempo profunda e ativa, latente e permanente, oculta e
invasora (1998, p. 46-47).
O passado tem seu sentido quando relacionado às memórias produzidas
pelos indivíduos através de representações manifestadas pelos sentimentos. Assim,
a palavra memória está relacionada também com o termo recordar. Afinal, conforme
Marilene Chauí,
Somos capazes de lembrar e recordar. As lembranças podem ser trazidas
ao presente tanto espontaneamente como por um trabalho deliberado de
nossa consciência. Lembramos espontaneamente quando, por exemplo,
diante de uma situação presente nos vem a lembrança alguma situação
passada. Recordamos quando fazemos o esforço de recordar (Chauí, 2005,
p. 142).
Além de um resgate da memória, é necessário considerar que os médicos
ganharam um papel importante e de destaque na sociedade de Anta Gorda na
medida em que a modernidade substituiu o tradicional e o popular, fazendo com que
as parteiras lentamente perdessem seu espaço e sua credibilidade. Aos poucos,
uma nova profissão, a do médico, passou a ser valorizada pela população. Para
Berman:
O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes:
grandes descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa
imagem do universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da
produção, que transforma conhecimento cientifico em tecnologia, cria novos
ambientes humanos e destrói antigos, acelera o próprio ritmo de vida (2000,
p. 16.)
Nessa mudança que ocorreu tanto na substituição de um profissional como
também numa nova maneira de pensar, dando credibilidade a um profissional que
pouco antes se achava necessário para o nascimento das crianças, é que a
sociedade passa a enfrentar certas mudanças no que diz respeito a forma de pensar
e as novas mudanças que ocorrem dentro do município. Segundo Black, a
sociedade em modernização tem de enfrentar o confronto inicial de uma sociedade
de estrutura de conhecimentos tradicionais, com idéias e instituições modernas
(1971, p. 73).
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Buscar
a
lembrança
das
parteiras
é
também
reconhecer
seu
desaparecimento, tornando a partir desse momento o papel do médico importante,
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fazendo
a
substituição
desse
trabalho
que
antes
não
era
reconhecido
economicamente, apenas quem o fazia o realizava com amor à vida e atualmente os
médicos ocupam uma posição de status na sociedade atual. É o que se percebe no
seguinte depoimento: “Se pagava um pouco, dava o que queria. Era chuva, vento,
temporal, não importava o tempo ela vinha fazer seu trabalho, acho que as parteiras
todas estão no céu” (Luci Moresco, entrevista à autora, 01/04/2010).
Este trabalho tem a relevância de contribuir com a história local e do Vale do
Taquari, levando em consideração que a história regional carece de uma pesquisa
que desvende parte do passado. E relaciona-se muito bem com uma nova proposta
que vem ao encontro de investigar, a partir de relatos de pessoas, as recordações
das mesmas, amparando-se em documentos, bibliografias e principalmente em
entrevistas.
Nele constam dois capítulos onde o primeiro descreve fatos históricos,
políticos e econômicos que o município de anta Gorda sofreu desde sua
colonização, modernização e emancipação política. Já o segundo parágrafo é
dividido em dois subtítulos, sendo que o primeiro relata a importância das parteiras
no nascimento das crianças filhos de descendentes de italianos bem como
realizavam esta profissão tão marcante para a história não somente de Anta Gorda,
mas para a história da humanidade; enquanto que o segundo parágrafo busca-se a
comprovação do desuso ou da decadência do trabalho das parteiras, sendo
substituídas por médicos e mudando o local do nascimento não mais em casa e sim
no hospital do município, principal e único local de prevenção e tratamento de
doenças.
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1. O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DE ANTA GORDA
Anta Gorda é um pequeno município do Alto Vale do Taquari e que
atualmente se destaca por sua organização, pela qualidade de vida dos moradores,
tendo uma vida tranquila, além de modernizado tanto na agricultura com a evolução
das máquinas, formas de plantio, evolução na criação de animais quanto nos
setores econômicos urbanos, várias indústrias contribuem economicamente e
apresenta um comércio bem diversificado. Mas, para que todos esses aspectos
assim se tornassem, ocorreu uma longa caminhada com muitas transformações, que
iniciaram no século XX e que continuam atualmente.
A cidade foi basicamente habitada por descendentes de italianos que
escolheram a região para viver e criar uma vida melhor para seus familiares. É por
meio destes que Anta Gorda herdou uma cultura extremamente italiana, preservada
no dia a dia de cada habitante. A partir de 1902 suas terras começaram a ser
organizadas e entregues pelo Governo do Estado às famílias de italianos que
vinham de Encantado e de outros municípios. Neste local pouco organizado, com
muitas matas, possuindo poucas terras propícias para a agricultura é que os
primeiros habitantes descendentes de italianos
por muito tempo passaram por
sérias dificuldades de sustentar suas famílias, sendo que os alimentos eram
escassos, o vestuário muito simples e na maioria das vezes produzido pelas
próprias mulheres barateando o custo , além de encontrarem grandes problemas
relacionados à falta de atendimento médico.
Os novos habitantes da localidade sentiram a necessidade de desenvolver o
local, construir suas moradias, ter água potável, saneamento básico, entre outros.
Como o início da nova vida dos migrantes italianos não era nada fácil, os mesmos
agarraram-se à fé e às crenças religiosas da religião católica, a fim de obter maior
força para enfrentar suas dificuldades. É nesse sentido que no mesmo ano (1902)
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da chegada dos primeiros moradores foi construída uma pequena capela, que era
atendida por um padre que procurava além da formação cristã despertar a busca
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pelo conhecimento.
Em 1910, o local hoje conhecido pelo nome de Anta Gorda passou a ser
distrito de Lajeado, não mais de Estrela, e recebeu a denominação de “Carlos
Barbosa”. Cinco anos após, tornou-se segundo distrito do novo município de
Encantado, que havia se emancipado de Lajeado. Segundo Gomes, “Encantado era
o segundo Distrito de Lajeado e ansiava emancipar-se do Município-mãe e por isso
criou uma Comissão Emancipacionista” (Gomes, 2003, p. 22). A partir do momento
em que Anta Gorda se torna distrito de Encantado, até a própria emancipação, em
1963, o município sofre muito por ser basicamente agrícola, pelas famílias
trabalharem somente para sua subsistência, pelas taxas de analfabetismo serem
altas e pelas dificuldades financeiras serem grandes.
Como a fé destes moradores era cada vez maior, sentiu-se a necessidade
de ter no local um padre que lá residisse para prestar auxílio aos necessitados e
pregar a religião católica. Por isso em 1919 chega para trabalhar em sua missão o
padre Hermínio Catelli. Este desempenha uma função tão importante que mais tarde
tem seu nome dado à rua em frente à prefeitura municipal. É comprovado seu
trabalho no município com um documento encontrado e que perpetua o dia da
primeira comunhão de uma jovem, filha de italianos, e este documento está escrito
na língua oficial italiana, demonstrando ao mesmo tempo em que esta fazia parte da
vida dos moradores (Ver anexo A).
No ano seguinte chega a Anta Gorda o primeiro médico, chamado Michelle
de Patta. Este atendia a população a domicílio e, quando necessário, os pacientes
eram levados para o hospital de Bento Gonçalves. Somente os familiares das
pessoas muito doentes é que o chamavam em casa para uma consulta, pois não
tinham com efetuar o pagamento.
O primeiro hospital construído em Anta Gorda foi em 1923 (Ver anexo B),
manifestando inovações que iriam beneficiar os que concentravam melhor renda
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econômica ou os que não tinham outra escolha e que estavam muito doentes. Um
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relato mostra como era este hospital:
Era um hospital de madeira, tinha dois pisos, embaixo tinha os quartos e
consultavam [os médicos] e em cima tinha também quartos, mas tudo de
madeira. Quando eu era guri cheguei abaixar [internar] no hospital. Esse
hospital existiu até que ficasse pronto o atual. Ele era particular (Entrevista
com Pedro Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
Além das dificuldades com a saúde dos moradores, o padre Hermínio Catelli
percebe que a maioria dos habitantes é analfabeta e acredita que são necessárias
escolas para alfabetizar adultos, jovens e crianças. Levando em consideração estes
fatores, o padre fez o convite para que as irmãs Missionárias de São Carlos
Borromeo Scalabrinianas viessem para Anta Gorda a fim de educar e trabalhar com
ele na Igreja.
A comunidade organizada pelo padre construiu uma simples casa para ser a
residência das irmãs e ao lado outra construção também de madeira com quatro
salas onde serviria de escola, mas somente onze anos, após vários convites é que
as irmãs chegaram e a partir de 1º de março de 1930 iniciou-se o ensino escolar.
Mesmo com progressivas mudanças na fé com a presença de padres e irmãs que
auxiliam a população aprofundando os ensinamentos da religião cristã, na educação
alfabetizando os moradores, os mesmos permaneciam com uma vida muito simples.
Segundo um relato de um morador de Anta Gorda em 1940, o centro da cidade era
assim:
Aqui [na cidade] não tinha quase casas, aqui perto tinha um casarão de
madeira onde moravam os Felinis e o resto era puro potreiro, nós tínhamos
de vizinho o Balen, onde tem o Cupimac [loja de materiais de construção]
era o David Lazari, tinha o Correio e o centro telefônico onde mora o Inácio
Testa (Pedro Cavagnoli, entrevista realizada 1º de junho de 2010).
É possível visualizar esta realidade a partir da fotografia que mostra como
era o centro de Anta Gorda (ANEXO C). Nela se observa poucas moradias, todas
muito simples, tendo como destaque a Igreja matriz e ao fundo da foto, do lado
esquerdo, a moradia e a escola das Irmãs comentadas anteriormente. Percebe-se
que as estradas são muito simples, de chão batido e sem a presença de postes da
energia elétrica, mas nota-se que já possui as quadras definidas, dando assim uma
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organização ao local. Percebe-se, assim, um processo de modernização na cidade.
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Para Berman,
o turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes
descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do
universo e do lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que
transforma conhecimento cientifico em tecnologia, cria novos ambientes
humanos e destrói antigos, acelera o próprio ritmo de vida (2000, p. 16).
É surpreendente pensar que as pessoas que viveram num passado recente
sofreram tanto por não terem condições básicas no local de moradia, como
saneamento básico, energia elétrica e água potável. Era algo que já se sentia falta e
que ainda não estava presente para a maior parte da população. Seu Pedro contou
que:
Quando casei não tinha água, calçamento, esgoto, não tinha nada...
Pegávamos água duma fonte, bem longe, sofríamos muito. O banheiro era
uma casinha lá fora, com uma lata, tínhamos que subir numa escadinha
para colocar a água quente que esquentávamos no fogão a lenha. Não
tinha luz, usávamos vela ou uma bateria (Pedro Cavagnoli, 1º de julho de
2010).
Pelos relatos acima citados, percebe-se que a vida dessas primeiras
famílias não foi fácil, tendo uma situação econômica baixa, também a saúde era algo
que preocupava os mesmos. De acordo com Ferlin “Os recursos na área da saúde
restringiam-se a cura através da medicina popular bruxarias, simpatias, medicina
caseira, medicina Homeopática e procura de pessoas com habilidades como as
parteiras” (FERLIN, 1988, p. 161). Um relato de um morador diz que, “quando tinha
um pouco de dor de barriga davam óleo de rícino [risos] e raros os casos que iam
para o hospital, não existia posto de saúde; o doente se adoecia ia pro hospital”
(Entrevista de Demétrio Zuffo, realizada no dia 27 de junho de 2010).
Já a partir de 1940 a população local manifesta a necessidade de melhorias
nas condições de atendimento da saúde e por isso um grupo de moradores
organiza-se, fazendo reuniões e colaborações espontâneas a fim de unir recursos
para a construção de um novo prédio, onde seria o novo hospital da localidade;
todos os contribuintes se tornariam membros de uma associação. Segundo Ferlin
“surgiu um movimento que tentava organizar campanhas para a construção do
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Hospital PE. Hermínio Catelli S. A., através da compra e venda de ações. ( Ferlin,
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1988, p. 163).
É lembrado pelo entrevistado o momento que isto ocorreu: “Para a
construção do prédio atual foi criada uma sociedade e o chefe [responsável] era o
Caetano Períolo, até o meu pai era sócio também. Todo mundo ajudava, quem
podia dar 50, quem podia dar 100, tinha quem podia dar menos, era tudo fichado
[anotado]” (Pedro Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
As irmãs assumiram a administração do Hospital PE. Hermínio Catelli em
cinco de dezembro de 1942, quando a construção não estava totalmente pronta. A
partir do relato, recorda-se deste período de grande importância para a história do
hospital do local:
Fizeram negócio, eu me lembro bem como é que era, tinha gente que ficou
queimado [chateado] não queria , queria que continuasse as mesmas
pessoas, mas o Períolo e outras pessoas não queriam mais ficar na
sociedade, administrando, então acharam melhor vender, por causa
também de conseguir mais auxílio do governo, verbas, então resolveram
vender; mas ali foi uma choradeira de muita gente. (Pedro Cavagnoli, 1º de
julho de 2010)
Contudo, no dia 9 de janeiro de 1943 ocorreu a inauguração do Hospital
Padre Catelli (Ver anexo D), sendo a partir desta data
dirigido pelas Irmãs
Missionárias de São Carlos Borromeo Scalabrinianas, lembrando que é a mesma
congregação que se instalou também no município
em 1º de março de 1930
iniciando as atividades escolares. Segundo o fundador dessa Congregação, bispo
Scalabrini, Italiano que tinha como filosofia o auxilio aos imigrantes italianos que
saiam da Itália em busca de melhores condições de vida no Brasil
Tudo conspira contra o migrante. Frequentemente, suas desgraças
começam ainda antes de deixar sua humilde habitação, sob as vestes do
agente de emigração que o força a partir, fazendo resplandecer diante dele
uma conquista fácil de riqueza, envia-o para onde lhe agrada e convém, e
não aonde o intesse do emigrante exigiria. SCALABRINI apud RIZARDO,
s.d.,55)
Neste momento já se pensava em uma melhor qualidade de vida para os
habitantes, mas por falta de condições financeiras era quase impossível, sendo que
a maior parte das mulheres não frequentava o hospital para a realização de partos.
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Por isso, no momento em que percebiam que era a hora do nascimento do filho, o
marido ia buscar a parteira (mulheres da localidade que não tinham cursos para
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exercer esta profissão, mas era a experiência que lhe auxiliam esta tarefa tão
importante) ou em caso de emergência é que as famílias procuravam o hospital.
Na década de 1940 o município recebia a energia elétrica da usina
hidráulica de Aléssio e Cavagnoli, substituindo a usina de Albino Potrich que
funcionou desde 1918 até este período:
Lá no moinho nós tínhamos uma máquina de fazer fogo, o aucomóvel,
onde fervia água e com a pressão formava energia, tinha um relógio e
quando tava no ponto produzia-se a energia. Nós produzíamos luz de dia e
de noite, de noite nós dávamos luz para a cidade e de dia tocava
[funcionava] o moinho [que produziam farinha de milho para vender ], por
que ninguém tinha o moinho , só nossa família. Quando no hospital faziam
alguma operação [cirurgia] nós tínhamos que cuidar para não faltar energia
elétrica por que era um perigo, então os médicos telefonavam antes para
nós ficarmos de olho, fogo e fogo, uma turma trabalhava de dia e uma de
noite. Vinha gente de vários locais moer o milho.... Isso foi mais ou menos
no 40 (Pedro Cavagnoli, entrevista em 1º de julho de 2010).
Porém, ainda as famílias fizeram por muito tempo o uso de lampiões e velas
para iluminar suas casas, suas igrejas e mesmo sem obterem meios de transporte
para se locomoverem, usavam este método para fazer os tradicionais filós, um
costume muito tradicional das famílias se visitarem.
No decorrer da década seguinte, surgem inovações na forma de receber
energia e o local passa a ser abastecido pelo distrito de Putinga. Todavia, em 1953,
a barragem da Usina estourou e por este motivo o distrito de Anta Gorda ficou
novamente sem energia.
Existia uma subprefeitura, esta construção abrangia aspectos políticos que
tinham total ligação com o município sede de Encantado. Muito era resolvido dentro
do próprio distrito sem passar por Encantado. Faz parte da recordação dos
moradores mais antigos esta construção e de acordo com Pedro:
Antes de Anta gorda de tornar município tinha uma subprefeitura lá onde
tem a farmácia do Vando, era uma casa de madeira grande e quem
trabalhava ali era um tal de Artur Mariotti, ele morava ali e ficava ali prá
cuidar, ele era um empregado da prefeitura de Encantado (Pedro Cavagnoli,
1º de julho de 2010).
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A localidade tinha uma economia principalmente agrícola, onde os
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agricultores precisavam usar muito sua força, sendo um trabalho bem braçal e
manual. Nas pequenas propriedades criavam porcos em cercados ou em pequenos
paióis. Algumas vacas serviam para obter o leite para o alimento da família ou para
a fabricação de queijos. Para as plantações se fazia uso de bois e da carroça.
Plantadeiras a mão eram úteis para o plantio e a foicinha era muito utilizada para a
colheita de pasto, arroz ou trigo. Para moer o milho utilizavam o trabalho de alguns
moinhos que existiam.
Nesta década de 1950 existiam algumas fábricas, mas que necessitavam de
poucos moradores: “tinham poucas indústrias, tinha o Lazari [indústria de móveis] e
o Baldi [indústria de móveis ] no Borghetto. Ah, tinha o frigorífico no Borghetto que
era forte naquele tempo” (Pedro Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
Dez anos após acaba com a Sociedade que deu base para o surgimento do
Hospital e definitivamente as Irmãs de São Carlos Borromeo Scalabrinianas
adquirem o hospital, denominando de “Hospital Beneficente Pe. Hermínio Catelli.” E
em 1963 foi ampliado o prédio do Hospital e construído uma residência para o
médicos. (Anexo E)
Somente o Hospital é reconhecido como Entidade Filantrópica pelo
Conselho Nacional de Serviço Social em seis de outubro de 1971 (Anexo F).
Mesmo havendo este prédio para a administração local, os moradores
perceberam que os outros distritos de Ilópolis e de Putinga estavam se mobilizando
para buscar a emancipação e a partir disso, organizar o mapa dos novos municípios.
Alguns moradores de Anta Gorda ficaram sabendo da mobilização destes dois locais
e manifestaram também o interesse em se emancipar, levando em consideração
que poderiam perder parte do território, que além de diminuir a área também afetaria
na diminuição do número de habitantes. Relata “seu” Demétrio, um dos membros
dessa comissão emancipadora:
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
20
Aqui [Anta Gorda] pertencia ao município de Encantado e em 1963 foi
criada ima comissão emancipacionista por que Ilópolis e Putinga também
queriam se emancipar e queriam pegar terreno de Anta Gorda, então Anta
Gorda se avivou e criou também um comissão emancipadora prá não
perder o território. No mesmo dia foi criado três municípios Anta Gorda,
Ilópolis e Putinga (Demétrio Zuffo, entrevista realizada no dia 29 de junho de
2010).
Outro relato mostra o momento em que Anta Gorda se mobilizou, unindo
força para buscar a emancipação:
Naquele tempo o Arminho Miotto era o chefe que organizou o processo de
emancipação, eu ia junto fazer campanha, nós dizíamos pro pessoal que
queríamos tornar anta Gorda um município, engrandecer nosso território. O
pessoal da colônia era bem de acordo, ajudavam quando era prá fazer uma
obra (Pedro Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
Segundo André Bozetto “foi realizado o plebiscito aos 8 de dezembro de
1963, verificou-se haverem comparecido às urnas 1.453 eleitores dos 1.984 inscritos
na zona emancipada. A apuração dos votos era evidenciou o desejo da população
em elevar Anta Gorda à condição de município, de forma que 1.209 pessoas
votaram a favor da emancipação e apenas 223 votaram contra, ainda foram
apurados 9 votos em branco e 12 votos nulos” (Bozetto, 2003, p.15)
Após esse resultado, foi oficializado no dia 26 de dezembro de 1963 o
marco inicial para a história do novo município. Através da Lei Nº 4.686, assinada
pelo governador da época, Ildo Meneghetti, e que tem escrito no artigo primeiro: “É
criado o município de Anta Gorda, com sede na localidade do mesmo nome,
constituído de territórios de Anta Gorda e parte de Itapuca e Doutor Ricardo,
pertencentes ao município de Encantado”. Neste dia os moradores de Anta Gorda
festejaram esta nova etapa de desenvolvimento político:
Foi feito uma pequena festa por que foi gasto muito dinheiro com a
emancipação, com viagens, percorrendo a região para conseguir
assinaturas. Encontramos resistência em Itapuca porque não queria se
emancipar conosco porque o Padre Rosa era contra, ele queria se incluir
com o município de Arvorezinha, afirmava que as capelas dele tava todas
no município de Arvorezinha. .(Demétrio Zuffo, entrevista realizada no dia
29 de junho de 2010)
21
Outro relato afirma esta comemoração: “quando o município se emancipou
foi feita uma festinha, veio gente de Encantado, veio gente grande [importante]
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
(Pedro Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
E em 29 de março do ano seguinte, realizou-se a eleição para prefeito, vice
e vereadores. Nesta ocasião, concorria um candidato único para prefeito, Arminho
Miotto, e para vice, Milton Bertuol, alcançando ambos, respectivamente 1.241 e
1.183 votos. (Bozetto, 2003, p. 21)
E de acordo com Ata Nº 1 da Câmara de Vereadores (Ver anexo G), foi
empossado no dia sete de abril de 1964 o primeiro grupo a administrar o município
pelos próximos quatro anos. Neste primeiro mandato político muito se ouve de
elogios a partir desta emancipação e percebe-se que a prioridade deste prefeito foi a
construção de poços de água potável para beneficiar a população local:
O primeiro prefeito foi o Arminho Miotto, ele em seu governo deu água prá
gente, ele começou furando um poço lá embaixo do campo e lá deu zebra
[errado], não tinha muita rocha, ai abandonou depois ele furou um aqui na
praça, ali encontrou água logo, mas não era uma água boa e logo foi
condenada, ai furou lá embaixo, lá deu certo encontrou água boa, depois
furou outro aqui em cima perto do hospital atual, ali também tinha água boa,
achou ainda que era pouco e furou outro lá em cima perto dos Galão e tudo
o Miotto que fez isso. Em seu governo mais se prestou na água (Pedro
Cavagnoli, 1º de julho de 2010).
O novo município a partir desse momento vive uma nova história, onde se
torna independente e tudo o que será feito será em benefício e para o interesse do
mesmo e para melhorar a vida de cada habitante, pois os recursos do governo
estadual e federal ingressariam ao território auxiliando nas estruturas físicas e de
melhorias do local que agora se chama município de Anta gorda.
Nas próximas administrações municipais os prefeitos deram prioridade em
organizar o território, as ruas, o saneamento básico, a água potável, a energia
elétrica, a saúde, enfim tornar a vida de cada habitante mais fácil de ser vivida e
também integrar o município com o vale do Taquari, Estado e União. (Ver anexos H)
Após analisado o processo de modernização de Anta Gorda, em especial o
surgimento da unidade hospitalar do município, parte-se para o exame das
22
atividades das parteiras no município e seu gradual desaparecimento. É o que se
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verá no próximo capítulo.
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2. O TRABALHO DAS PARTEIRAS
2.1 A Importância das Parteiras
As parteiras fizeram parte das sociedades, marcaram a história da
humanidade e atualmente as suas existências estão desconhecidas pela maior parte
da população. Muito importantes, eram reconhecidas como essenciais para o
nascimento das crianças de todas as raças e condições sociais. Após o exame do
processo de modernização do município de Anta Gorda, analisa-se o grande
problema que o mesmo tinha com a falta de recursos para o atendimento dos
doentes, que necessitavam de cuidados médicos, e também com as mulheres
gestantes, que não possuíam o acompanhamento pré-natal e que necessitavam de
auxílio para o nascimento dos filhos.
Desde o início da colonização italiana os habitantes deste local faziam uso
de ervas medicinais para a cura de doenças e utilizavam muitos conhecimentos
populares, como benzedeiras, chás e simpatias. Na falta dos médicos, o trabalho
das parteiras era fundamental para o nascimento das crianças, filhos desses
imigrantes.
Era costume uma família ter muitos filhos, dez, onze ou até mais, para que
quando crescessem pudessem servir de mão de obra dessas famílias na agricultura,
auxiliando no aumento da economia familiar ou tendo a primeira filha mulher, esta
ajudaria a mãe cuidando dos irmãos mais novos. Segundo Loira Giron, o homem
“procurava escolher uma mulher forte e trabalhadeira, que poderia garantir a
existência da numerosa prole e a realização das numerosas tarefas. A mulher era
escolhida com tanto cuidado quanto era escolhida a terra, ambas deveriam produzir
riquezas e filhos” (Giron, 2008, p. 36).
As mães não falavam para suas filhas sobre sexo ou como seria sua vida de
casada. Muitas moças ficavam pensativas e com medo da nova vida que teriam ou
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até com receio do que aconteceria com
elas após o casamento. Passado o
matrimônio, elas engravidavam, pois não sabiam de que maneira poderiam evitar a
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gravidez e pelo fato da igreja também acreditar que o sexo seria basicamente para a
procriação das famílias. De acordo com Giron, as mulheres “sem ter qualquer
orientação, sem saber como eram gerados os filhos, encaravam o sexo como uma
prova de força do homem sobre sua integridade física” (Giron, 2008, p. 36).
Ao engravidarem, essas mulheres tinham uma vida normal, trabalhavam
muito nas lavouras, criavam animais e cuidavam da casa. Sem nenhum
acompanhamento médico, era através das experiências das outras mulheres (mãe,
sogra ou vizinhas) que tinham as noções básicas de uma gravidez. Ou, após o
nascimento do primeiro filho, seguiam sua própria experiência. Segundo Boni e
Costa:
Tudo o que se refere à gravidez e ao nascimento permanecia assunto
restrito à conversa entre senhoras e se caracterizava com a expressão
“roba da done”, ou “coze da done”, ou “ mestieri da done”, expressões que
significam “assuntos e afazeres da mulher”significando pouco viril ao
homem interessar-se por assuntos dessa ordem (Boni e Costa,1982, p.160).
Não era costume ficar expondo a barriga, usando roupas mais justas para
demonstrar que a mulher estava esperando um bebê. Segundo um relato, “naquele
tempo era tudo meio escondido, não se mostrava a barriga, não é como hoje” (Gilda
Canton, 7 de abril de 2010). E muito menos contar para as crianças de que maneira
haviam nascido, onde ficavam antes de nascer ou como seus pais haviam lhe
concebido. Segundo Angelina, “os filhos não sabiam nada, quando ia nascer o nenê
nós levávamos eles na vizinha... Eu dizia que foi a parteira que levou o nenê, que foi
a noninha que levou dentro da sacola que ela levava os objetos para a hora do
parto. E eles [filhos] acreditavam” (Angelina Lodi, 26 de março de 2010).
Como a situação econômica dessas famílias que viviam em Anta Gorda era
difícil durante a gravidez, as mulheres organizavam o pequeno enxoval da criança
ou arrecadavam as roupas dos filhos anteriores que serviriam para o bebê que iria
nascer. E ainda “guardavam os panos velhos [lençóis], rasgavam e faziam fraldas”
(Claudina Rigoni, 14 de abril de 2010). Com poucas condições para receber o novo
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membro da família, sem um belo e completo enxoval, as mulheres apenas se
preocupavam com o momento em que dariam luz à criança. Rezavam para que a
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criança nascesse com saúde para logo crescer e ser mais uma que trabalhasse
contribuindo com a mão - de - obra familiar. Por não possuir condições econômicas
para pagar o médico ou os serviços do hospital é que as parteiras eram tão
importantes para a sociedade local. Além de auxiliarem no trabalho de parto, não
cobravam e, por serem mulheres, não constrangia as mães. De acordo com Boni e
Costa, “o andamento da gravidez, as alterações orgânicas que provocava o êxito ou
dificuldades do parto eram assuntos que o pudor feminino dificilmente confiava a
quem quer que seja, senão a alguma vizinha ou amiga de confiança. O recurso
médico buscava-se só em casos extremos” (Boni e Costa, 1982, p. 160).
Ao perceber o momento do nascimento da criança, sentindo as dores que
antecipavam o parto ou no momento em que sentia que a bolsa havia estourado, a
mulher pedia ajuda a seu marido ou familiares mais próximos para buscarem a
parteira, mesmo sabendo que no município já havia o hospital Padre Catelli, mas
que este era só procurado em caso de emergência ou por algumas poucas famílias
que tinham o poder aquisitivo melhor.
A parteira era uma mulher que habitava a região e que tinha experiência
com o método de realizar os partos. Esta experiência era aprendida por necessidade
e não porque alguém lhe ensinou. É o que se observa no relato: “Minha sogra
(Anexo 9) aprendeu no momento de uma necessidade por que sua cunhada por um
tempo viveu junto com ela por que seu marido tinha ido pro exército e como estava
na hora do parto e não tinha ninguém, foi ela que teve que ser a parteira” (Claudina
Rigoni, 14 de abril de 2010).
Como a partir da década de 1950 ainda poucos moradores do município
possuíam carros e os meios de comunicação eram escassos, o marido ou vizinho
buscava a parteira “a cavalo, prá fazer mais rápido cortavam as taquaras que
encontravam pelo caminho [atalhavam no meio do mato]” (Angelina Lodi, 10 de
março de 2010). Também se percebe o alto grau de improviso na hora dos partos
em relatos como de uma senhora que teve seus filhos em 1964 e 1966: “meu marido
ia buscar a parteira com a camionete do vizinho” (Luci Moresco, 1º de abril de 2010).
26
Outra entrevistada relata que, “primeiro de tudo deixava tudo pronto, arrumava a
casa, tirava leite e o marido ia buscar [parteira], uma vez o vizinho foi buscar ela de
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jipe, e no outro o filho a cavalo” (Jamile dos Santos, 27 de março de 2010).
Como o parto sempre acontecia dentro da própria casa, as mulheres
organizavam a casa e encaminhavam os filhos na casa de vizinhos para não verem
o nascimento do irmão e nem entender o que aconteceria. E enquanto o marido
buscava a parteira o quarto era organizado para o trabalho de parto, a mulher
tomava banho porque na maioria das vezes estava trabalhando na lavoura ou nas
atividades domésticas.
Este momento tão importante era visto como uma forma de mostrar o
quanto a mulher precisava ser forte. Favaro afirma que, “se a gravidez é um gerar,
um produzir, o parto é um momento de prova, no qual a mulher é chamada a
demonstrar, mais que qualquer outra situação, a própria resistência física e a
capacidade de suportar a dor” (2002, p. 189).
A parteira sempre chegava a casa com uma esporta, sacola feita de palha
de trigo e nela trazia panos, tesoura, algumas já tinham um remédio que seria
aplicado no caso de uma hemorragia. Costa e Boni afirmam que o material usado
por ela era uma tesoura para cortar o cordão umbilical, linha para amarrar ou
costurar, álcool para desinfetar, algodão para usos eventuais (1982, p.176).
De acordo com um relato de uma mulher que teve onze dos seus treze
partos feitos por parteira:
Quando ela chegava, ela ia se levar as mãos e depois ela se colocava o
avental e de lá começava fazer exame prá mim e de lá se a criança tava a
frente daí ela dizia poucos minutos o nenê vai nascer, mas as vezes
demorava uma hora antes de nascer, porque ela notava se a criança tava
quase lá, tava chegando lá ... daí ela entrando com as mãos dela ela sentia
a cabeça, então ela ia abrindo assim até que a cabeça vinha a frente,
quando que a cabeça vinha a frente ela ia pegando na cabeça e ela ajudava
[pegava] nos quartinho [ombros] assim para passar os ombros , quando que
passava os ombros tava salvo. Eu sempre tive sorte que os meus partos
saíram bem. Ah eu lembro que quando chegava a parteira ela colocava os
panos atrás das costas, era uma calça de homem, do meu marido e um por
lado pegava a calça e levantava as costas prá fazer mais força e sair [nenê]
mais fácil, então a parteira ficava lá trabalhando, ela cuidava prá ela abri .o
27
marido participava do parto, ajudava a segurar o pano [calça] para levantar
as minhas costas. (Angelina Lodi, 26 de março de 2010)
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
Ainda outra mulher lembra que antes de iniciar o processo do parto, a
parteira “dava café preto com um pouco de cachaça para ajudar no parto e depois
que ganhava ela dava óleo de rícino” (Jamile dos Santos, 27 de março de 2010). Era
muito frequente estar no quarto além da parteira a mãe da mulher que estava em
trabalho de parto e o marido que ficava auxiliando se precisasse pegar algo que
estava fora do quarto ou se necessitavam ajudar a fazer força na barriga para
empurrar o nenê: “O meu marido ficava junto, ele ficava pra se precisava ajudar, ir
buscar um chá... Não tinha luz, ele pegava a vela tanto se era de noite ou de dia,
acendia, com a fé que a nossa senhora ajudasse. A vela servia pra iluminar e prá
proteção” (Claudina Rigoni, 14 de abril de 2010).
Para muitas mulheres esse momento do parto foi muito difícil e até
inconscientemente algo para pouco falar ou lembrar:
Foi muito sofrido [ risos] eu lembro que ela limpava bem as mãos era bem
limpinha. Foi muito sofrido, o Vande parecia ter nascido com duas cabeças
de tanto forçar e puxar. Ela não cortava nada e nem fazia pontos, daí
sarava mais fácil. Ela ajudava fazer força, acalcava aqui em cima [barriga]
(Luci Moresco, 1º de abril de 2010).
Realizado o parto, a parteira, já com a criança nas mãos, procedia aos
próximos cuidados com o novo ser. É o que relata:
Quando o nenê nascia a primeira coisa, ela pegava a tesoura passava no
álcool e ela pegava a linha e daí ela cortava o umbigo, primeira amarrava
bem e daí depois ela cortava e depois daí ela não lavava , ela pegava
aquela criança lá, colocava nos panos e ela enrolava bem e enfaixava.
Depois ela começava a cuidar de mim. (Angelina Lodi, 26 de março de
2010)
Outra depoente ainda conta que, “para o nenê, a parteira fazia uma
chupetinha de manteiga com açúcar e deixavam o nenê chupando porque às vezes
demorava prá vir o leite, davam antes umas colherinhas de café, diziam que limpava
o corpo do nenê” (Jamile dos Santos, 27 de março de 2010). É revelado em outra
entrevista o cuidado da parteira com o recém nascido:
Passava um pano e depois enfaixava, com uma faixa comprida, depois ela
dava um chazinho de menjorana, agora não se costuma mais. Ela fazia m
bico roupa, de pano branco e colocava dentro açúcar e pão ralado e depois
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colocava na boca do nenê como um bico, molhava no chá doce (Gilda
Canton, 7 de abril de 2010).
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
Era costume da época que a mulher, após o nascimento do filho, ficasse de
quarentena, onde devia ter cuidados especiais com ela própria e também com seu
bebê durante os quarenta dias após o nascimento do filho. Isso é afirmado por Boni
e costa:
A quarentena era o espaço de quarenta dias de repouso e de cuidados
especiais que a mãe deveria observar, logo após o parto. Deixava os
trabalhos pesados, evitava umidade e atividades em contato com a água,
alimentava-se mais frequentemente com comidas leves, especialmente
caldo de galinha (brodo), sopa de pão torrado com caldo ou de “tagliadelle” (
massa especial) e caldo, carne Lessa, alguma verdura cozida... (Boni e
Costa, 1982, p. 160)
Muitas viveram este período com cuidados exagerados que, visto por nós
atualmente seriam fora do comum: “na quarentena não deixavam nem tomar banho,
nem comer coisas, nada, nada,, quarenta dias sem tomar banho, tu acredita, se
lavar com pano por que tomar banho não se podia” (Luci Moresco, 1º de abril de
2010). Percebe-se a importância da quarenta com este relato:
A quarentena era uma coisa sagrada, não podia comer de tudo, não podia
caminhar com os pés no chão [descalços] , tinha uma conhecida que até o
lenço na cabeça usava, pouco banho, não tinha nem banheiro por isso ,
algumas ficavam quarenta dias sem lavar a cabeça mas eu não (Jamile dos
Santos, 19 de março de 2010).
As parteiras levavam o seu trabalho a sério, com amor e doação. Sem
cobrar pelo serviço, apenas recebiam de bom grado o que as famílias podiam dar
em reconhecimento.
2.2 O Desaparecimento do Trabalho das Parteiras
Mesmo existindo a presença de médicos no município de Anta Gorda, os
quais, conforme vistos no capítulo anterior cresciam numericamente, as parteiras
tinham uma função importante na sociedade e seu trabalho era visto pela população
como “profissão, bem valorizado, além de que ir no médico custava muito e não se
tinha dinheiro e eram poucas parteiras” (Angelina Lodi, 10 de março de 2010). O
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trabalho de parto oferecido pelas mulheres era considerado um “trabalho legal,
porque médico mesmo era só em caso de emergência, num dos partos me deu
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hemorragia, daí o médico veio na minha casa, chamaram ele” (Jamile dos Santos,
17 de março de 2010).
Era tão importante esse trabalho que as parteiras o realizavam como uma
missão que deveriam exercer e que para muitas pessoas foi tão grandioso o
trabalho das parteiras que consideram as parteiras santas após sua morte: “a minha
sogra Adelina já está no céu de tanta reza que recebia das pessoas, saía no
temporal com o feraleto [lampião a óleo] na mão. Acho que ela é mesmo uma santa”
(Claudina Rigoni, entrevista em 14/04/2010).
É possível observar o tão grandioso trabalho dessas mulheres com a
análise dos dados obtidos no Cartório Municipal. No período de 1960 a 1970, deixase bem claro que o período anterior não é analisado, mas certamente o número de
crianças nascidas nos domicílios foram muito maiores que em relação ao Hospital 1.
TABELA 1 – NASCIMENTOS EM DOMICÍLIO E HOSPITAIS (1960-1970)
300
250
200
Hospital
150
casa
100
50
0
1960
1961
1962
1963
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1970
Fonte: Serviços Notariais e Registrais de Anta Gorda.
De acordo com Angelina Lodi, uma das mulheres que usufruíram do
trabalho das parteiras, percebe–se o processo de decadência dessa função a partir
do atendimento do trabalho dos partos no Hospital Padre Catelli, que já
disponibilizava de médicos que fariam este trabalho. Ela afirma “ quando eu ganhei
a Mari [décimo terceiro filho] a nona Iná [uma das parteiras] disse que não vinha
1
Os dados foram obtidos pela equipe dos Serviços Notariais e Registrais de Anta Gorda, solicitados pela
pesquisadora.
30
mais porque os médicos tinham proibido daí eu fui baixar o hospital prá ganhar
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(Angelina Lodi, entrevista em 26/03/2010).
A partir do relato acima podemos concluir que a decadência das parteiras
acontece pelo aumento da importância e da presença do trabalho dos médicos,
fazendo com que a ciência ocupasse o lugar dos costumes e hábitos de um povo
que acreditava no trabalho das parteiras como essencial para o nascimento das
crianças. De acordo com TANAKA e ALVARENGA:
A mudança de valores se dá em função do progresso científico da
tecnologia e da visão dominante do mundo do médico que passa a hostilizar
o ofício das parteiras como práticas irregulares, perdendo credibilidade na
cidade. O saber da obstetrícia e da ginecologia se apresenta na sociedade
moderna como uma lógica masculina, com enormes preconceitos em que a
anatomia e a fisiologia predominam sobre a psique feminina e assim, o
próprio corpo da mulher é visto como um canal de parto. Esta é uma prática
médica determinante que despersonifica a mulher em nome do saber e do
avanço da medicina moderna. (TANAKA e ALVARENGA, In: Galvão e Diaz,
1999, p. 201-202)
Essa é uma grande transformação que ocorreu na humanidade e
principalmente no que diz respeito ao município de Anta Gorda que passa a mudar
seus paradigmas e sua consciência de que o nascimento dos filhos estavam
relacionados com o trabalho de mulheres que realizavam o parto e os homens
médicos passam a ocupar o lugar das parteiras e transformam esse costume. Estes
a partir de 1971 no município de Anta gorda passam a exercer maior influência com
seu trabalho que neste ano são registrados 116 nascimentos no hospital e tendo
somente 87 nascidos em casa .
Analisando estes dados é possível perceber a transformação que se inicia
com o processo da decadência do trabalho das parteiras. Segundo Ricardo Herbert
Jones a razão desta transformação está relacionada com
os homens, a partir de meados do século XVII, iniciavam na tarefa de
atender as gestantes e os partos, deslocando paulatinamente as parteiras,
curiosas e "bruxas", que durante milênios foram as únicas "cuidadoras de
mulheres" no momento de parir. Era a "vingança" daqueles que durante
milênios estiveram alijados do milagre. Agora os homens também seriam
BDU – Biblioteca Digital da UNIVATES (http://www.univates.br/bdu)
31
co-criadores. Era a "couvade" (mecanismo pelo qual os homens se
"apoderam" do nascimento nas culturas primitivas, como os índios
brasileiros por exemplo) se manifestando de forma avassaladora. Mais do
que os homens, o "masculino" entrava no mundo das mulheres, trazendo
com ele as luzes da razão, na tentativa de iluminar o obscuro e até então
impenetrável mistério do nascer (www.amigasdoparto.com.br, acesso em
10/05/2010).
Após analisar essas mudanças no modo de trabalho das mulheres que por
suas mãos auxiliaram muitas crianças nascerem descendentes de italianos e após
serem substituídas por médicos, principalmente homens que passaram a cuidar
estritamente da saúde dos moradores do local e principalmente realizar os partos
das crianças. Para confirmar essa decadência do trabalho das parteiras é
interessante fazer uma análise sobre os dados obtidos no Cartório 2 no período de
1971 a 1975.
TABELA 2 – NASCIMENTOS EM DOMICÍLIO E HOSPITAIS (1971-1975)
140
120
100
80
Hospital
60
casa
40
20
0
1971
1972
1973
1974
1975
Fonte: Serviços Notariais e Registrais de Anta Gorda.
É possível visualizar no gráfico a decadência do número de nascidos em
casa a partir de 1971 e lógico o grande aumento dos nascidos no Hospital local.
Desta maneira percebe-se que os saberes das parteiras começam a ser ignorados
pela população e o médico vai ganhando mais confiança.
De acordo com o que foi analisado no capítulo anterior, em 1960 o hospital
Padre Catelli foi adquirido definitivamente pelas irmãs Scalabrinianas e, terminada a
associação que deu inicio a essa obra grandiosa e tão necessária para a população,
2
Os dados foram obtidos pela equipe dos Serviços Notariais e Registrais de Anta Gorda, solicitados pela
pesquisadora.
32
chegam ao município novos médicos que passam a trabalhar com a saúde dos
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moradores.
Outro fator importante para essa decadência foi o interesse das famílias em
terem seus filhos no hospital para receberem os benefícios do INSS (Instituto
Nacional de Seguridade Social). É o que afirma Demétrio Zuffo: “foi obrigatório ter os
filhos no hospital porque quem contribuía com o INSS e queria receber o abono
família precisa ter o filho no hospital” (Demétrio Zuffo, 27 de junho de 2010).
As novas leis, de fato beneficiavam as mulheres que trabalhavam fora de
casa e que deveriam receber seus direitos:
Para garantir esse movimento, a Organização Internacional do Trabalho
recomendava que os custos da licença maternidade passassem a ser pagos
pela Previdência Social. No Brasil, isso aconteceu a partir de 1973. Mas a
mulher gestante não tinha garantia de emprego, e muitos empregadores
dispensavam as grávidas, mesmo que a Previdência arcasse com a licença.
A juíza do trabalho e professora da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Maria do Perpétuo Wanderley, aponta que os movimentos sindicais
começaram a se mobilizar para garantir mais direitos para a mulher.
(http://www.camara.gov.br/internet/radiocamara/default.asp?selecao=MAT&
Materia=58053 , acessado em 18 de julho de 2010)
Essas conquistas foram a semente das leis estabelecidas pela Constituição
de 1988, que garantiram a estabilidade para todas as empregadas gestantes, além
de ampliar o período da licença de 84 para 120 dias.
Mas como pensar que pessoas e profissão tão importante deixam de existir
e tornam-se esquecidas pela maioria da população, ou ainda que as novas gerações
nem saibam que elas existiram e que foram indispensáveis para o nascimento das
gerações anteriores?
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas considerações finais desta pesquisa, faz-se necessário relembrar
algumas das propostas estabelecidas anteriormente como básicas para o
desenvolvimento da monografia. A mesma objetivou principalmente analisar o
crescente desuso das parteiras no município de Anta Gorda, durante os anos de
1960 a 1975, período este posterior à emancipação política do mesmo.
Elaborou-se como primeira hipótese que o processo de desaparecimento
das parteiras ocorreu a partir da presença dos médicos no hospital do município.
Anta Gorda se modernizou lentamente, possuía como principal economia
basicamente a agricultura e ainda bem primária, poucas indústrias e péssimas
condições de saúde para prestar cuidados médicos para os moradores. Por estes
motivos, usavam-se muitos costumes e crenças populares para buscar a cura de
várias doenças, além de que o nascimento dos filhos das famílias dos descendentes
de italianos era feito por mulheres da própria localidade, às vezes vizinhas. Outras
vezes necessitava-se de meio de transporte, como carros ou o cavalo, para buscar a
parteira para realizar o trabalho.
Como a renda familiar destes moradores era pouca, as famílias precisavam
de mão- de- obra para trabalhar nas lavouras e era comum o casal ter muitos filhos
e estes, quando crescessem, fariam parte da mão de obra familiar e com isso
ampliariam a renda dessas famílias. Ainda é possível ressaltar que era incomum
dentro das famílias falarem em sexo ou prevenção da gravidez e muitas vezes as
mulheres nem conheciam métodos anticoncepcionais. Também é necessário
lembrar que esses descendentes de italianos e integrantes, fiéis da Igreja Católica,
tinham uma visão de que o sexo era apenas para a procriação.
É possível perceber que as mulheres gestantes durante os setenta
primeiros anos de colonização local utilizaram o trabalho das parteiras, mas como o
hospital foi evoluindo e com ele novos médicos foram se integrando na instituição, a
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população percebeu a importância de ter os filhos no hospital, eliminado assim o
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risco de vida do bebê ou da própria mãe.
A segunda hipótese analisada neste trabalho foi a de que as parteiras não
ensinaram seu trabalho para as pessoas mais jovens e, assim, foram facilmente
substituídas por médicos.
A partir das entrevistas realizadas com as algumas
mulheres que tiveram seus filhos com parteiras, é possível perceber que a
mentalidade da população foi mudando. Ela percebeu que o hospital era o local mais
seguro para se ter um filho, além de que os médicos tinham um conhecimento
científico e desta forma estariam melhores preparados para este momento tão
importante na vida de uma pessoa. Em conseqüência disso, as parteiras existentes
no município, percebendo a diminuição de seu trabalho, acabaram não ensinando a
nenhuma moça ou mulher o processo de realizar o parto. Para comprovar estas
hipóteses, foram elaborados dois capítulos, embasados grande parte na história
oral, pois somente a partir dela pude realizar uma parte da história de meu
município, além de confrontar com os dados numéricos encontrados no Cartório
Municipal (Serviços Notariais e Registrais de Anta Gorda).
O primeiro capítulo deste trabalho é algo inusitado e inédito, pois há
pouquíssima bibliografia a respeito e o que contém foi baseado em lembrança de
moradores. Nele consta que a partir de meados do século XX o município iniciou um
processo de colonização, onde lentamente evoluiu a economia agrária, foram
surgindo noções básicas para a população como água, energia elétrica, esgoto,
estradas, educação e principalmente evoluindo a área da saúde tão necessária para
estes moradores.
Resgatar a história das parteiras, profissionais que trabalharam com doação
total e sem remuneração, foi o propósito do segundo capítulo, .além de identificar a
causa do desuso das mesmas no local. As parteiras até meados dos anos 70 no
município foram incansavelmente as que mais realizaram partos nos domicílios, com
muita simplicidade e com poucos materiais para seu trabalho. Usavam
conhecimentos populares e principalmente a experiência para sua missão. Ainda
neste segundo capítulo foi possível analisar que somente a partir de 1971 é que os
médicos começaram ocupar um lugar de destaque, fazendo mais partos no hospital
35
que as parteiras, percebendo a partir deste ano o iniciam da decadência destas
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profissionais.
Ao finalizar este trabalho é possível perceber o quanto a história oral foi
importante para a realização do mesmo, uma vez que as entrevistas realizadas
resgataram ricas e verdadeiras informações, deixando as emoções e sentimentos
fazerem parte deste momento. Acredito que este trabalho contribuirá com o
município de Anta Gorda e também com o Vale do Taquari, fazendo com que uma
parte da história do município quase já esquecida possa ser lembrada e valorizada.
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REFERÊNCIAS
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58053 , acesso em 18 de julho de 2010
ENTREVISTAS
LODI, Angelina. Depoimento Oral. Anta gorda, 26 de março de 2010.
SANTOS, Jamile dos. Depoimento Oral. Anta Gorda, 27 de março de 2010.
COPINI, Luci. Depoimento Oral. Anta Gorda, 1º de abril de 2010.
CANTON, Gilda. Depoimento Oral. Anta Gorda, 7 de abril de 2010.
RIGONI, Claudina. Depoimento Oral. Anta Gorda, 14 de abril de 2010.
ZUFFO, Demétrio. Depoimento Oral. Anta gorda, 29 de junho de 2010.
CAVAGNOLI, Pedro. Depoimento oral. Anta Gorda, 1º de julho de 2010.
FONTES DOCUMENTAIS
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Livro de Atas Nº 1 da Câmara Municipal de Vereadores, ata 01 a 51 de 04/1964 até
05/1970, Anta Gorda, RS
Lembrança da 1ª Comunhão, Anta gorda, 27 de Abril de 1927 (arquivo pessoal)
Fotos do arquivo do Hospital Padre Catelli (Anexos 4 e 5)
Livro Nº 1 – subsídios Históricos do Município de Anta Gorda (Arquivo de Fotos –
Anexos 3 e 8)
Livro Nº 1 – História de Anta Gorda desde a origem até a emancipação, 1ª
administração de Arminho Miotto, 2ª administração de Genoíno Dallé e 3ª
administração de Neori Dalla Vecchia (Arquivo da Prefeitura Municipal de Anta
gorda)
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ANEXOS
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LISTA DE ANEXOS
A. Lembrança da 1ª Comunhão realizada pelo Padre Hermínio Catelli em
1927......................................................................................................................40
B. Primeiro Hospital, 1923...................................................................................41
C. Igreja Matriz de Anta gorda e aos fundos A Casa das Irmãs e primeira
Construção da escola Santa Teresinha..........................................................42
D. Construção do Hospital Padre Hermínio Catelli inaugurada em 1943.........43
E. Ampliação do Hospital em 1963......................................................................44
F. Cópia do documento que identifica o Hospital Padre Hermínio Catelli como
entidade Filantrópica.......................................................................................45
G. Ata nº 1 da Câmara de Vereadores do Município de Anta Gorda...................47
H. Fotos da Evolução do Município após a emancipação...................................50
I. Adelina Rigoni uma das parteiras mencionadas nas entrevistas....................51
J. Foto de outra parteira Carolina Lampertti........................................................52
K. Dados registrando o número de crianças nascidas no hospital e no domicilio
durante 1960 e 1975 obtidos no Cartório Municipal.......................................53
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ANEXO A. Lembrança da 1ª Comunhão realizada pelo Padre Hermínio Catelli em
1927. Fonte: Acervo Particular.
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ANEXO B. Primeiro Hospital, 1923. Fonte: cópia da foto do Livro “Anta gorda,
visão de ontem e de hoje”.
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ANEXO C. Igreja Matriz de Anta gorda e aos fundos a Casa das Irmãs e primeira
Construção da escola Santa Teresinha. Fonte - Livro Nº 1 – subsídios Históricos
do Município de Anta Gorda
.
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ANEXO D. Construção do Hospital Padre Hermínio Catelli inaugurada em 1943.
Fonte. Arquivo de Fotos do Hospital Padre Catelli.
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ANEXO E. Ampliação do Hospital em 1963. Fonte: Arquivo de fotos do Hospital
Padre Catelli.
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ANEXO F. Cópia do documento que identifica o Hospital Padre Hermínio Catelli
como entidade Filantrópica. Fonte: Arquivo do Hospital Padre Catelli.
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ANEXO G. Ata nº 1 da Câmara de Vereadores do Município de Anta Gorda.
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ANEXO H. Fotos da Evolução do Município após a emancipação. Fonte: Arquivo de
Fotos da Prefeitura Municipal.
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ANEXO I. Adelina Rigoni uma das parteiras mencionadas nas entrevistas. Fonte:
Arquivo particular.
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ANEXO J. Foto de outra parteira Carolina Lampertti. Fonte: Arquivo Particular
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ANEXO K. Dados Numéricos registrando o número de crianças nascidas no
hospital e em domicílio durante 1960 e 1975 obtidos no Cartório Municipal.
Download

o processo de desaparecimento do trabalho das