“Santiago não é Chile”
- As consequências e os desafios do país após mega terromoto e tsunami –
Por Carolina Coral de Santiago do Chile
O diretor do Centro Internacional de Investigação de Terremotos da
Universidade do Chile, Jaime Campos, destaca que um terremoto de magnitude 8,8 na
escala Ritcher - que teve como epicentro o centro do sul do Chile, na cidade de
Cauquenes, na madrugada de 27 de fevereiro de 2010 - é classificado como um mega
terremoto e ocorre raramente; tem chance de voltar a ocorrer a cada vinte anos em
alguma parte do planeta. Nos últimos 100 anos ocorreram cinco mega terremotos
(iguais à escala 8,8, ou superiores) no mundo: na península de Kamchatka na Rússia em
1952, na cidade de Valdivia no Chile em 1960, no Alasca nos EUA em 1964, em San
Salvador no Equador em 1986, e na ilha de Sumatra na Indonésia em 2004. Devido a
logística desse terremoto de 2004, não foi possível ser realizado um grande estudo desse
acontecimento natural; e sendo o estudo da sismologia uma ciência nova, o terremoto
de Cauquenes representa a primeira oportunidade mundial da qual pesquisadores por
meio de novas tecnologias e novos instrumentos irão poder avaliar a evolução e o
comportamento sísmico de um mega terremoto, capturando informações extremamente
importantes para o estudo dessa área.
No Chile, os terremotos fazem parte do histórico do país. Até agora, o de maior
magnitude foi de 9,5, que ocorreu em Valdivia em1960, e teve dois milhões de pessoas
machucadas e aproximadamente 1700 falecidas. O que ocorreu esse ano em Cauquenes
foi a o segundo maior, e teve até o momento, uma estimativa de 342 mortos
identificados, e 95 denúncias de desaparecimento tanto pelo terremoto, como pelo
tsunami – dados que desde o dia posterior ao terremoto tem sido alterado muitas vezes –
sendo atualizado diariamente pela Subsecretaria do Interior, que tem concentrado todas
as informações; esse terremoto durou aproximadamente 90 segundos, e pelos próximos
seis meses, dezenas de réplicas irão possivelmente ocorrer.
Em seguida, foram os terremotos de Chillán em 1939 com a magnitude de 8,3,
totalizando 28.000 mil mortos. Com a mesma magnitude o de Talca, em 1928, com
apenas 225 falecidos. Já o de Santo Antonio, em 1985, teve magnitude de 7,8 e 177
mortos.
Jaime Campos acentua que todos os tipos de terremoto que existem no mundo
estão presentes no Chile. O terremoto de Cauquenes consistiu no contato da placa de
Nasca - que fica no fundo oceânico - com a placa continental sul americana.
Diferentemente de todos os outros terremotos ocorridos no país, esse foi o primeiro no
qual os cientistas chilenos já haviam advertido publicamente a possibilidade de um
mega sismo no centro sul do país. A publicação científica circulou no Chile e no
exterior desde 1990, tanto para a comunidade em geral, como para as autoridades. Para
o geólogo da Universidade do Chile, Gabriel Vergara, um dos maiores erros nas
políticas de planificação chilenas é a ausência de políticas de prevenção. Ele revela que
é mais comum que o governo se posicione de modo reativo pós-tragédia, do que
preventivo em caso de fenômenos naturais tão frequentes no país. Campos também
agrega que é muito difícil convencer as autoridades em realizar maiores investimentos,
tanto em pesquisas, como no aumento de compras de instrumentos de última tecnologia
para aprimorar os estudos na área de ciências da natureza. Vergara ressalta que a falta
de ação do governo diante à informação científica impossibilitou uma diminuição do
impacto na sociedade chilena; a ausência de uma planificação de ocupação territorial e a
falta de rigidez quanto ao cumprimento de normas sísmicas intensificou os problemas
gerados tanto pelo terremoto quanto pelo tsunami que atingiu a região costeira do país.
Além disso, a falta de um protocolo de segurança mais adequado e ausência de
instruções prévias à população chilena também potencializou a quantidade de vítimas e
de pânico social .
Vergara afirma que a falta de equipamentos adequados e pessoas qualificadas
nos institutos do governo geraram informações imprecisas sobre as primeiras tentativas
de localização do terremoto. Revela ainda que primeiramente pensaram que a origem do
terremoto tinha sido no continente, o que fez com que a presidenta Michele Bachelet
nas primeiras horas pós terremoto fizesse um pronunciamneto nacional afirmando que
as regiões costeiras não precisavam se preocupar com o risco de um possível tsunami.
Sabendo que as primeiras horas depois de um terremoto - principalmente dessa
magnitude - são as mais cruciais, essa dificuldade de delimitar o epicentro - que na
verdade estava localizado na região marítima - foi um dos erros mais graves cometidos
pelo governo. A ilha de Juan Fernadez foi uma das localizações que sofreu diretamente
com o tsunami, além da ilha de Orrego, na qual somente se salvaram oito pessoas que
conseguiram subir em uma árvore. As outras regiões da costa chilena foram afetadas
pelo crescimento de ondas, que formaram massas de água de até 13 metros na sétima
região, onde se encontra a região de Maule, e na sexta e oitava regiões que vão de
Rancagua até Concepción com massas de 4 a 8 metros, que arrasaram regiões costeiras
inteiras, destruindo casas, embarcações, e provocando mais mortes. Na cidade costeira
de Talcahuano, por exemplo, as próprias pessoas que trabalhavam para o Serviço
Hidrográfico e Oceanográfico da Armada (SHOA) morreram devido ao tsunami. Em
detrimento a esse equívoco, uma semana após o terremoto, o capitão Mariano Rojas
Bustos, diretor do serviço do SHOA, responsável por transmitir essa informação
confusa à presidenta Bachelet, foi substituído pelo capitão Patrício Carrasco e destinado
a outro departamento. Além disso, uma das causas da falha operativa do governo,
segundo o cientista político e professor da Universidade Diego Portales e Universidade
de Nova Iorque, Patrício Navia, foi que na madrugada de 27 de fevereiro, o governo e
seus ministérios já estavam com a guarda baixa desde o fim de 2009; muitos
funcionários haviam deixado a administração para se somarem à frustrada campanha
presidencial de Eduardo Frei; outros já estavam de férias, pois deixariam seus cargos em
11 de março na troca presidencial, e alguns já se preocupavam com seus novos
trabalhos. Navia destaca que devido a essas circunstâncias, o governo de Bachelet
acabou reagindo com negligência ante a advertência de tsunami realizada pelo Pacific
Tsunami Warning Center do governo norte americano, minutos após o terremoto.
Apesar das comunidades costeiras não terem recebido o alerta de tsunami,
muitas pessoas subiram nos morros como medida preventiva, e desse modo
conseguiram salvar suas vidas. As principais comunidades costeiras afetadas foram as
pesqueiras, a qual fazem parte as comunidades indígenas mapuche, localizadas entre as
regiões de Arauco e Bio Bio. Existem rincões totalmente devastados, com perdas total
explica Alfredo Segel, responsável pelo site Mapuexpres, que juntamente com outras
entidades, redes de ações pelos direitos ambientais, inúmeras associações a favor dos
direitos indígenas como o Observatório Cidadão e a organização Meli Wixan Mapu,
além de rádios comunitárias, conseguiram ajudar diretamente as vítimas indígenas do
terremoto e tsunami. Um dos coordenadores de Meli Wixan Mapu, Enrique Antileneo,
comentou que a organização conseguiu organizar manifestações civis que ajudaram a
arrecadar mais de uma tonelada de doações para essas regiões. Antileneo revela que o
processo de reconstrução dessas comunidades indígenas tem contado somente com o
esforço de organizações civis, pois à maioria desses lugares ainda não chegou a ajuda
governamental. Destaca também que a condição social das comunidades pesqueiras
antes da tragédia já era precária e que agora a situação agravou a pobreza existente
nessas regiões. Além da inexistência de casas para essas famílias, da falta de
instrumentos de trabalho e da perda de embarcações -única fonte de renda para essa
população-, Segel ressalta a urgência desses pescadores de recuperar suas embarcações,
e também da necessidade que o governo, nesse momento, os isente de pagar o imposto
referente ao uso delas, ou seja, que deveria existir por parte das autoridades uma maior
flexibilidade frente a essa tragédia.
Dias após o terremoto e o tsunami, sismólogos e geólogos, entre eles Campos e
Vergara, realizaram um sobrevoo de helicóptero sobre os 500 quilômetros afetados para
averiguar as tranformações naturais ocorridas e as dimensões da tragédia. Por meio de
GPS e diversos equipamentos, constataram que na direção horizontal do continente,
parte da zona costeira havia se deslocado até 4 metros, o que fez com que a fisionomia
do mapa do Cone Sul fosse alterada. Já na vertical, as regiões como a península de
Arauco, a costa chegou a levantar até um metro e meio, e em muitas localidades onde a
água do mar não alcançou. Devido a isso, ocorreram mudanças no ecossistema
marítimo, prejudicando diretamente as atividades pesqueiras.Uma das autoridades
mapuche, Armando Marileo Lefio, destaca a importância de se manter as campanhas de
ajuda nessas regiões durante muito tempo, pois as comunidades indígenas mais afetadas
ainda sofrem de fome, frio, e de grande impacto psicológico já que existe um clima de
desolação pela perda de tudo o que tinham.
No dia após o terremoto, a presidenta decretou, a partir da Oficina Nacional de
Emergência (ONEMI), zona de catástrofe os territórios que compreendem desde as
regiões de Valparaíso até de Araucania. Entre todas essas regiões, foi a sexta, a de
Colchagua, a que teve maior número de mortos. O ex-presidente da Associação
Iberoamericana de Engenharia Sísmica, Rodolfo Saragone, explica que essa localidade
foi a mais afetada porque a maior parte das casas ainda é de adoble (tijolo de terra não
cozido), sendo que atualmente as novas construções estão proibidas de serem feitas com
esse material, pois essa arquitetura não é apta a resistir aos terremotos. Saragone explica
que desde 1928, depois do terremoto de Talca, já existem normas de engenharia antisísmica no Chile. Atualmente, regem duas normas: a 433 de proteção de vida, para
moradias e escritórios, e a 2369 para desenhos sísmicos de estruturas industrias, que tem
como objetivo manter os espaços públicos como o metro em operação pós terremoto.
O Chile é o país de maior atividade sísmica do mundo, tem uma frequência em
número de terremotos três vezes maior que o Japão; em 1960, o país latino sofreu o
terremoto de maior magnitude já registrado nesse século, 9,5 na escala Ritcher. No
entanto, a destruição de obras industriais e edificios, a paralização de atividades e
perdas humanas na história sísmica chilena são consideradas menores do que países
desenvolvidos como Estados Unidos, a ex- União Soviética, Nova Zelândia e México.
Apesar desses dados e das normas que regem as obras e contruções chilenas, dois
grandes edifícios, um em Concepción e outro em Santiago, tiveram suas estruturas
totalmente destruídas, provocando mortes, pois ambos não cumpriram as normas e não
haviam sido fiscalizados. Outras exceções, foram as auto-pistas e pontes que vieram
abaixo. Sagarone revela que todas as estruturas que não resistiram foram as construídas
pelas concessionárias espanholas, pois também não seguiram as normas. Ressalta,
porém, que o erro maior foi do governo, que cedeu às pressões e aceitou essas
contruções irregulares. O engenheiro afirma que não basta ter normas - é fundamental
ser estrito ao aplicá-las e fiscalizá-las. Além disso, ressalta que o mais importante
depois de um terremoto dessa magnitude é que os serviços básicos continuem operando,
como foi o caso do metrô de Santiago; entretanto, ocorreram sérios problemas em
estruturas de colégios, hospitais e aeroporto. O aeroporto, por exemplo, foi construído
equivocadamente a partir da norma de segurança de vida (433), e não pela norma de
continuação de operatividade (2369), e por isso esteve fora de operação por alguns dias,
impossibilitando a entrada e saída de pessoas do país, inclusive atrasando a chegada de
ajuda do exterior.
Apesar dessas falhas, a capital já retomou todas as suas atividades, e circulando
pela cidade é difícil de acreditar que o país passou por um mega terremoto. Devido a
essas condições, atualmente estão presentes no país dezenas de profissionais e
pesquisadores internacionais, que estão aqui para analisar as estruturas da cidade e
averiguar os avanços em engenharia que a cidade possui e que foram testados, como os
edifícios comerciais Costanera Center, que ainda está em construção, mas pretende
alcançar 300 metros de altura, e será considerado o arranha-céu mais alto da América
Latina, e o edifício Titanium, que até momento é o mais alto do Chile, com 52 andares,
sendo que ambos tiveram suas estruturas intactas após o terremoto. Porém, ao caminhar
pelas ruas mais antigas do centro de Santiago, que passam pela Praça das Armas, bairro
Yungay, Brasil e Comuna Independente, percebe-se que grande parte das antigas casas e
dos patrimônios históricos desmoronaram, pois essas estruturas são de adoble e nunca
passaram por uma restauração adequada. A maioria desses bairros tiveram destaque no
fim do século XIX e início do século XX, períodos de desenvolvimento da indústria
manufatureira no país, e por isso foram construídas importantes arquiteturas, que fazem
parte da identidade e memória da cidade. Somente no ano passado, a mobilização de
Vizinhos por Defesa do Bairro Yungay conseguiu, junto às autoridades municipais e
nacionais, declará-lo Zona Típica, a qual o protegeria dos avanços imobiliários,
ajudando a preservar a cultura local dando-se início ao processo de restauração.
Entretanto, após o terremoto, o que se pode ver é que o patrimônio arquitetônico será
dificilmente recuperado. Além disso, foi possível averiguar a presença de inúmeros
imigrantes peruanos dormindo em barracas nas praças dessa localidade.
Atualmente, a imigração peruana é a maior do país. Milhares de pessoas chegam
em busca de possibilidades de trabalhos e de melhores condições de vida, mas devido à
ilegalidade, não obtêm benefícios de saúde, educação e outros direitos legais. Os
peruanos se concentram nos bairros do centro, devido à proximidade a seus trabalhos, e
ao custo baixo dos aluguéis, pois a maioria vive com uma média de 30 pessoas
amontoadas em casas antigas. Com a queda do teto e das paredes, a única alternativa
para protegerem-se foi a ida para as praças. Victor de la Rosa, membro do Comitê de
Refugiados Peruanos, explica que a universidade pública tem sido um pilar na ajuda
dessas pessoas, pois juntamente com os vizinhos desses bairros, são os únicos que estão
conseguindo auxiliar diretamente esses imigrantes que não têm para onde ir, nem o que
comer. Rosa revela que até agora a única medida do governo do Peru foi proporcionar a
opção de repatriá-los, mas a grande maioria, apesar da baixa condição de vida, não
pretende deixar o país; a política chilena também viu o terremoto como uma
oportunidade para pressionar o retorno desses imigrantes ilegais ao seu país, por isso
poucos dias pós-terremoto, a polícia municipal já havia os retirado das praças. Victor
pontua que o terremoto provocou uma acentuação das problemáticas sociais já
existentes, além de torná-las ainda mais visíveis. O papel desse comitê tem sido o de
cadastrar esses imigrantes para organizar a ajuda, além de auxiliá-los nas questões
relativas à documentação chilena, e também pressionando as autoridades para a
legalização deles no país. Victor explica que o governo chileno deveria assumir o custo
e a responsabilidade de ter imigrantes, pois apesar da discriminação que recebem por
parte do Estado e da sociedade, contraditoriamente eles são aceitos como permanente
mão de obra barata no país.
Desde o terremoto, tanto o governo da Concertação como o de Piñera estão
focados nas regiões mais afetadas, pois a ausência de condições básicas como água, luz
e meios de comunicação levaram
muitas cidades ao pânico por medo de
desabastecimento de comida e de combustível, e também devido ao saqueamento de
mercados e lojas, e assalto a casas. Para o cientista político Patrício Navia, foram
grandes equívocos a resposta lenta do estado depois da tragédia e a demora em enviar as
tropas militares para as zonas mais arrasadas. Além disso, ocorreram falhas logísticas,
que retardaram a chegada de ajuda a essas cidades; assim, como o rechaço inicial da
ajuda internacional por parte do governo. Navia explica que inicialmente o governo da
Concertação teve como parâmetro a estrutura de Santiago, pois a grande maioria resistiu
bem; destaca que entretanto “Santiago não é o Chile”, e que as autoridades tentando
passar uma imagem de tranquilidade à população chilena, não conseguiu ter uma
avaliação rápida e realista sobre os efeitos do terremoto em regiões como Maule e BioBio, nas quais a destruição foi susbtancialmente maior. Por isso, 72 horas depois do
terremoto, quando o clima de descontrole e tensão já havia se instalado em muitas
cidades do centro sul, o governo enviou milhares de militares que foram para as ruas
controlar a situação e instalar o toque de recolher numa tentiva de reestabelecer a ordem
social.
Conversando com a brasileira e médica Elsie Pessoa, que já vive há 5 anos em
Santiago junto com seu marido chileno e sua filha, ela revela que eles partiram para a
cidade de Lota - que fica a 30 minutos de Concepción- para levar comida e outras
necessidades para a família de seu marido, cinco dias pós-terremoto, e que ao chegarem,
foram confrontados por militares que não os queriam deixar entrar na cidade, pois já
haviam dado o toque de recolher, e inclusive afirmaram que eles poderiam ser presos
por estarem transitando sem uma permissão. Após explicarem o motivo da ida e a
demora que tiveram devido aos vários desvios e filas nas auto-pistas, eles foram
liberados, porém deveriam manter-se até o outro dia para não contrariar o horário de
restrição de circulação. Apesar do choque emocional que teve ao cruzar as estradas do
país e constatar a real destruição que havia causado o terremoto, ela e sua família não
pensaram em nenhum momento em retornar ao Brasil, pois estão bem inseridos na
cultura e se vêem parte desse processo de solidariedade e reconstrução do Chile.
Segundo Luis Felipe Magioli e Mello, cônsul-geral adjunto do Brasil no Chile,
estima-se que cerca de 12 mil brasileiros vivam no país. O perfil médio é de pessoas de
classe média, de condição financeira estável; são professores, empresários, estudantes,
cônjuges de chilenos(as). Depois do terremoto, foram atendidos cerca de mil brasileiros
no Consulado Brasileiro. O cônsul enfatizou que a maioria das pessoas estava muito
apreensiva, e alguns até mesmo exaltados exigindo um repatriamento imediato mesmo
quando o aeroporto estava fechado para voos militares. Durante a primeira semana da
tragédia - quando os voos comerciais ainda estavam restritos - partiram da capital cinco
vôos da Força Aérea Brasileira com um total de 152 brasileiros.
Nas cidades devastadas, os supermercados, armazéns e lojas foram saqueados à
luz do dia; muitas pessoas foram em busca da garantia de comida a seus familiares;
entretanto, outros aproveitaram a situação de caos levando artigos desnecessários como
máquinas de lavar roupa e televisão de plasma. Para a psicóloga e professora da
Universidada de Santiago, Isabel Puga, esses episódios são atribuídos a um efeito de
massa, que ocorre frequentemente pós situações de desastres, pois existe uma queda no
controle social que permite esse tipo de comportamento. Já para Navia, o terremoto
revelou a necessidade de construir mais pontes de acesso que permitam um fluxo mais
rápido do “Velho Chile” de exclusão e pobreza ao “Novo Chile” de oportunidades e
riquezas, representado por Santiago. Navia pontua também que os saqueamentos
desnudaram a impossibilidade e frustação de muitas pessoas, por não estarem inseridas
no padrão de consumo da alta sociedade chilena, revelando explicitamente nas telas de
televisão de todo mundo a desigualdade social presente no país até então mascarada por
uma propaganda internacional de austeridade e prosperidade que não corresponde com a
realidade de todo o território nacional.
Pós tragédia, as instituições governamentais, as entidades religiosas, as
organizações nacionais e as internacionais como a Cruz Vermelha, estão diariamente
coletando e distribuindo doações para entregar às cidades mais necessitadas. A
campanha Teto para o Chile, por exemplo, tenta, por meio de ajuda de universitários,
construir casas de emergência para desabrigados. Entretanto, a psicóloga Isabel Puga
destaca que alguns prefeitos têm certo receio em aceitar esse tipo de ajuda do governo,
pois a exemplo de terremotos anteriores, muitas pessoas acabaram se mantendo nesses
tipos de moradia e nunca mais conseguiram ajuda para se recuperar ou construir casas
mais adequadas.
Uma das maiores campanhas nacionais de solidariedade foi promovida pela
Fundação Teletón em conjunto com as instituições Lar de Cristo, Teto para o Chile e
Serviço País. O programa televisivo da campanha se intitulou “Chile ajuda Chile”, que
teve 24 horas de duração em todas as redes de televisão aberta do país. Coordenado pelo
apresentador Don Francisco – de grande carisma pelos chilenos- e muitos outros
apresentadores, músicos, artistas e atletas destacados nacionalmente, alcançaram a meta
de 30 milhões de dólares de arrecadação por meio de depósito numa conta do Banco do
Chile. Esse suporte financeiro obviamente não é sufiente para enfrentrar as demandas de
toda a destruição causada no país. Estima-se que com esse dinheiro apenas beneficiaria
uma cidade gravemente atingida. Entretanto, o cientista político Patrício Navia ressalta
que o mais importante foi que essa campanha televisiva ajudou a gerar um sentimento
de força coletiva, com um efeito psicológico nacional positivo importante depois das
imagens transmitidas pela televisão de saques e roubos, que envergonharam a maioria
da nação chilena.
Além dessas instituições e organizações, muitos civis se mobilizaram para ajudar
parte da população mais atingida. A estudante de gastronomia Francisca Sanheuza, 22
anos, por exemplo, assim que chegou de suas férias no sul do país e se inteirou da
gravidade do terremoto em outras regiões fora de Santiago, entrou na internet para
buscar onde seria mais útil sua ajuda, e por meio de um convite via email resolveu
ajudar um grupo de volutários de Cumpeo, uma cidade a 230 km de Santiago. A
população dessa cidade é camponesa, e vive em casas de adoble, por isso muitas
desmoronaram e outras se encontravam com graves riscos de queda. Na tentativa de
buscar mais voluntários para enfrentrar a tarefa de levar mantimentos e ajudar a
derrubar e construir casas com ajuda de engenheiros e arquitetos, Francisca por meio do
Facebook, divulgou o pedido, e no dia seguinte recebeu mais de 300 emails. Das
pessoas que mandaram emails, 70 eram desconhecidos e foram junto com Francesca
para Cumpeo e ajudaram por todo o fim de semana nos trabalhos demandados pela
comunidade atingida. Sanheuza conta que essa região não é considerada zona de
catástrofe, por isso ressalta a importância de todas as pessoas que não sofreram com o
terremoto e tsunami deveriam coloborar com os que foram atingidos, pois somente as
instituições não darão conta de suprir as necessidades mais urgentes. Seguindo essa
mesma visão, a psicóloga Isabel, enfatiza que o país estava preparado para um
terremoto dessa magnitude, mas não dessa extensão, de mais de 500 quilômetros de
áreas gravemente afetadas. Isabel ressalta que a maior urgência é criar espaços de
segurança tanto físico como psicológico para as pessoas mais afetadas, pois a
reconstrução do país será um processo lento e talvez longo. Destaca também a
importância de instruir os líderes comunitários, tanto professores, como médicos,
estudantes e outros para ajudar diretamente as comunidades num sentido de apoio
psicológico, já que algumas consequências pós-trauma começarão a ser percebidas com
o tempo.
O economista Raphael Bergoeing, diretor da Escola de Pós-graduação de
Economia e Negócios da Universidade do Chile, é otimista com relação à reconstrução
do país. Ele revela que apesar de todos os danos sociais, o Chile está economicamente
preparado para enfrentar essa situação. Revela que a tarefa será dura, mas que o país
tem recursos para enfrentar: possui um Fundo de Estabilização Econômica e Social de
aproximadamente 22 milhões de dólares no exterior, tem uma dívida externa baixa para que se necessário tem credibilidade o suficiente para pedir ajuda ao exterior – e
que se no cenário político as forças opositoras unirem força junto ao governo, será mais
fácil de se recuperar dessa crise. Além disso, Bergoeing pontua que é fundamental que
parte dos recursos para recontrução sejam não somente para a resconstruir as
infratestruturas do país, mas que também sirva para gerar linhas de crédito para pessoas
e pequenas empresas serem capazes de se recueperarem sozinhas, sem necessariamente
a ajuda direta do Estado. O economista ressalta que os desatres são regressivos, pois
afetam mais as pessoas de baixa renda e por extensão aos países menos desenvolvidos.
O terremoto que atingiu Chile foi 100 vezes mais intenso que do que ocorreu no Haíti,
no entanto, o país resistiu melhor e sairá com mais rapidez de suas consequências.
Segundo estudos, as variáveis mais importantes que reduzem a vulnerabilidade de um
país diante dos desastres naturais são os níveis altos de educação, maior nível salarial e
um mercado financeiro mais profundo integrado ao mundo. Por isso, Bergoeing destaca
a importância de um desenvolvimento cada vez maior dos países latinos, para que esses
dependam cada vez menos do exterior, e possam, assim como o Chile, enfrentar com
mais força os momentos de instabilidade e apreensão como os que o país está
enfrentando.
Revisão: Leyla Spada, jornalista e tradutora de inglês.
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