UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
FACULDADE DE MEDICINA
DEPARTAMENTO DE MEDICINA PREVENTIVA
DISCIPLINA DE EPIDEMIOLOGIA
Vigilância epidemiológica
Do Livro: Epidemiologia Geral - Exercícios para Discussão - Luiz F. Marcopito
EXERCÍCIO 1 - O método epidemiológico (parte I)
Traduzido e adaptado de "Princípios de epidemíología para el Control de
Enfermedades", OPS, sem data.
Antecedentes
No começo de setembro de 1959, na cidade de Meknés, Marrocos, um tecelão de tapetes
observou, ao despertar pela manhã, que não podia mover os braços nem as pernas. Nos dias
anteriores, ele e também sua mulher haviam sentido dores nos músculos das espáduas, dos braços
e das pernas, porém essas dores haviam desaparecido.
Tratou de despertar sua mulher, que observou dificuldade semelhante em movimentar as
extremidades. A paralisia aumentou durante o dia e, à noite, a mulher estava tão incapacitada
quanto o marido.
Na mesma semana, dezenas de outras famílias de Meknés - pais, mães ou filhos, muitas
vezes famílias inteiras - foram igualmente afetadas.
Ao redor de 18 de setembro eram relatados cerca de 200 casos por dia.
Em dezembro, o número de vítimas passava de 9.000 e continuava aumentando.
Investigação epidemiológica
Para conhecer melhor o problema, foi realizado o estudo de um bairro inteiro, com um total
de 10.000 pessoas. Nesse bairro conviviam muçulmanos, cristãos e judeus, e todos os tipos de
classes sociais. Em cada grupo etário, 50% da população era masculina. Nele foram identificados
3.000 casos.
QUESTÃO 1 - Porque foi estudado um bairro com as características descritas?
A primeira etapa do método epidemiológico consiste na coleta de dados, visando descrever
as características epidemiológicas do processo saúde-doença em estudo. É a chamada
Epidemiologia Descritiva. Os dados obtidos nesse bairro de Meknés estão apresentados nas
Tabelas 1. 1. a 1.4.
QUESTÃO 2 - Que características epidemiológicas tem a doença?
QUESTÃO 3 - Por que também foi apresentada a composição etária da população
estudada?
A partir dos dados epidemiológicos existentes, podem ser formuladas algumas
hipóteses. Esta é a segunda etapa do método epidemiológico.
QUESTÃO 4 - Pode tratar-se de uma infecção por vírus desconhecido que se transmite de
forma rápida entre as pessoas?
QUESTÃO 5 - Pode ser uma infecção propagada por insetos?
QUESTÃO 6 - Pode ser uma infecção que se propaga de pessoa a pessoa?
QUESTÃO 7 - Pode ser urna doença carencial?
QUESTÃO 8 - Pode tratar-se de uma doença disseminada por fonte comum, talvez alimentar?
Informações adicionais
Na área de estudo havia um quartel com 100 soldados, dos quais dois adoeceram. A
investigação junto ao grupo de soldados esclareceu que os dois que adoeceram tinham estado fora
do quartel nos dias anteriores. Suspeitou-se de contaminação alimentar, pois a única diferença
entre os soldados era o fato de que aqueles dois haviam tomado refeições fora do quartel.
Observaram-se também evidências da doença em vários cães.
Urna dona de casa chamou a atenção dos médicos para o óleo comestível Le Cerf que
comprara. Não lhe agradou a cor escura do óleo. Separou algumas frituras feitas com o mesmo e
as deu para seu cachorro. Observando que nada acontecera ao animal, a senhora decidiu comer as
frituras e continuar utilizando o óleo Le Cerf. Duas semanas depois, todos - a dona de casa, seu
marido, os filhos e o cachorro - estavam paralisados.
Esse óleo comestível tinha um preço relativamente barato, se comparado com as marcas
concorrentes.
0 quadro clínico apresentado pelos pacientes de Meknés era semelhante ao descrito em
surtos de envenenamento por orto-cresil-fosfato observados na Alemanha, Suíça e Estados
Unidos em torno de 1939.
QUESTÃO 9 - A existência de um óleo comestível contaminado poderia explicar os fatos
epiderniológicos?
A análise química do óleo comestível Le Cerf comprado nas tendas de Meknés revelou que
este continha tri-orto-cresil-fosfato (TOCP).
0 TOCP entra na composição de óleo para limpeza de armamentos e é muito neurotóxico.
Descobriu-se que alguns comerciantes haviam comprado o óleo de uma partida excedente
da base aérea de Nouasseur, da Força Aérea dos Estados Unidos, próximo à Casablanca, no mês
de março de 1959. Havia uma grande quantidade de óleo e parte com o TOP como aditivo.
Continuação da epidemia
O mais chocante ocorreu depois que as populações de Meknés e Rabat tinham sido alertadas
contra o uso do óleo contaminado. Alguns comerciantes inescrupulosos, ao observarem que suas
vendas baixaram nessas cidades, enviaram seus estoques de óleo para outros povoados mais
distantes, onde os avisos não haviam chegado. O rei Mohamed V e a Assembléia Marroquina
decretaram pena de morte para ser aplicada a pessoas que de forma consciente venderam o óleo.
A polícia apreendeu 800 toneladas de óleo e prendeu 27 negociantes. A epidemia terminou.
Deste modo ficou demonstrada a etiologia da epidemia, pois retirado o suposto fator causal
houve cessação do efeito. Este "teste de hipóteses" é a chamada terceira etapa do método
epidemiológico.
Conseqüências
Os nervos destruídos pelo TOCP jamais se recuperariam. Por muitos anos, Meknés e outras
cidades tiveram de carregar o fardo de milhares de pessoas incapacitadas para o trabalho.
Das 10.000 vítimas, 600 ficaram permanentemente acamadas. Cerca de 8.000 necessitaram de
reabilitação intensiva por longo período. É fácil imaginar as dificuldades para um país pobre
como o Marrocos enfrentar essa situação junto com os problemas concomitantes de Saúde
Pública.
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EXERC 7 Vigilância epidemiológica