Hepatites Víricas e Cirrose Hepática
Hepatites Víricas e Cirrose Hepática
Seminário de Biopatologia
10º Seminário
15/11/2006
Seminário leccionado por: (não consegui o nome...professor brasileiro)
Seminário desgravado por: Leonel Filipe Araújo Barbosa
Não segui a tradição de colocar a tipos de letra diferentes o que foi dito pelo
professor e as adendas que fiz a partir do livro. Isto porque as informações cedidas pelo
iluminado docente foram confirmadas no manual, estando plenamente de acordo e sendo
complementadas com informação do Robbins. Como presumi que o que vos interessa é saber
a matéria, sem erros, achei que a fonte da informação era irrelevante, desde que a
informação não fosse acessória ou redundante. Têm sempre a hipótese do “preguiçoso”.
Deliberem enquanto estiverem a descansar dos segundos de estudo seguidos que fizerem.
Ou então vejam “Lost”. Bom estudo!
Existe uma grande quantidade de vírus não pertencentes ao grupo dos vírus de
hepatite, que podem causar inflamação hepática : Epstein Barr, HPV, CMV, etc. Podese definir, porém, um conjunto de vírus com particular aptência para os receptores
hepatocitários (e logo para os hepatócito), assim denominados hepatotrópicos.
Pertencem a este grupo os vírus da hepatite A,B, C, D e G (frequentemente referidos
pelas siglas HAV, HBV, etc, significando Hepatite A Virus...). Apesar de existir o vírus
da hepatite E (menos comum), o mesmo não ocorre relativamente a um vírus da hepatite
F. Durante algum tempo achou-se que existia um novo agente viral ao qual se atribuiu a
letra. Porém, após já se ter descoberto o vírus da Hepatite G, determinou-se que aquele
que recebia a designação de F se tratava apenas de uma variação de outro vírus,
abolindo-se assim a letra da sequência.
Os virus hepatotrópicos são os mais relevantes em situações de hepatite de
etiologia vírica, e têm diferenças fundamentais. Por exemplo:
O único vírus que tem DNA é o HBV, todos os outros têm RNA;
O HDV não tem a capacidade de infectar o homem sozinho, necessitando do
HBV. O vírus da hepatite δ, ou HDV necessita da cápsula do HBV para infectar os
hepatócitos. Assim,uma hepatite D implica sempre co-infecção com o vírus da
hepatite B.
Uma diferença fundamental prende-se com a transmissão. O vírus da hepatite A
tem transmissão fecal e oral, enquanto os vírus de hepatite B,C,D e G são de
transmissão parentérica ( principalmente sanguínea – a causa mais comum de
infecção por vírus C é a transfusão sanguínea – embora outros fluidos corporais
possam ser relevantes – o suor, lágrimas, saliva são uma importante via de
transmissão do HBV).
Outro importante fenómeno é a possibilidade de evolução de uma hepatite vírica
para hepatite crónica. Os vírus de hepatite A e G, por exemplo, não evoluem para
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um quadro crónico. Já os restantes evoluem, embora o façam em proporções
distintas (ver quadro). No caso do HCV, por exemplo, mais de 70% dos casos
evoluem para hepatite crónica, por uma série de razões: é a infecção mais subclínica
(manifestações muitos subtis), não tem vacina e por propriedades intrínsecas ao
vírus, a propensão para evolução é maior.
De enorme relevância é também a relação da hepatite vírica com o quadro de
cancro hepático, o hepatocarcinoma (ver quadro). É de notar que, apesar de uma
infecção por HCV implicar obrigatoriamente uma co-infecção HBV, sabe-se que o
primeiro vírus não está relacionado com a neoplasia pelo facto de não serem
encontrados exemplares nas células tumorais, ao contrário do que acontece com o da
Hepatite B.
Vírus
A
B
C
D
E
G
Agente
ssRNA
dsDNA
ssRNA
ssRNA
ssRNA
ssRNA
Transmissão
Fecaloral
Parentérica
Parentérica
Parentérica
Água contaminada
Parentérica
Hepatite
Crónica
Não
5-10%
>70%
>50%
Desconhecido
Não
Carcinoma
Hepatocelular
Não
Sim
Sim
Não
Desconhecido,
mas improvável
Não
ss – single stranded; ds-double stranded
Estes vírus são capazes de criar no fígado:
Inflamação (hepatite);
Neoplasia (alguns deles);
Processos degenerativos ( por exemplo, esteatose – vacúolos lípidicos no
interior dos hepatócitos).
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Hepatites
Manifestações Clínicas:
- febre;
- hepatomegalia;
- icterícia;
- fadiga
Agudas
(auto-limitadas)
HAV
HEV
Evolução:
- Cirrose
- Hepatocarcinoma
Crónicas
HBV
HCV
HCD
Serão de seguida apresentados quatro casos clínicos que vão corresponder a
quatro vias possíveis para o desevolvimento de cirrose hepática. A etiologia desse
processo lesional hepático pode relacionar-se, deste modo, com dois sistemas
principais:
- doenças hepatocitárias (caso 1 e 2);
- doenças das vias biliares(casos 3 e 4);
Caso 1
Dados relevantes da história clínica:
- fadiga, falta de apetite, hepatomegalia discreta ligeiramente dolorosa – quadro de
hepatite;
- quadro com duração de 9 meses, até ao momento – hepatite crónica (aguda apenas até
aos 6 meses)
- Testes de função hepática :
Elevação de transaminases: lesão com morte hepatocitária;
Níveis normais de fosfatase alcalina: as vias biliares não são, aparentemente,
afectadas;
Resposta á questões:
Figura 1 :
A- Ramo da veia porta
B- Ducto biliar
C- Linfócito
D- Hepatócito
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Espaço porta aumentado pela presença de infiltrado inflamatório. A classificação da
hepatite como crónica é apoiada pela presença de elementos celulares típicos
(mononucleares - linfócitos) e pelo facto destes se encontrarem no espaço porta, ao
contrário do que ocorre na inflamação aguda, em que o infiltrado é intralobular.
Figura 2
Piece meal necrosis, necrose do tipo lítico, ou necrose de interface – infiltração
linfócitária envolvendo hepatócitos na periferia do espaço porta (entre este e o lobo
hepático), que deste modo apresenta limites irregulares.
Figura 3
A- Foco de necrose do tipo lítico
B- Hepatócito apoptótico – citoplasma mais eosinófilo e núcleo mais
condensado que os restantes;
Adicional – hepatócito com esteatose; hepatócito em balooning degeneration
(degeneração balonizante) no canto susperior direito;
Há alterações inflamatórias:
- no espaço porta - exclusivamente presente em todos os casos de hepatite crónica;
- no interface entre o espaço porta e o lobo hepático (piece meal necrosis) - pode estar
presente em casos de hepatite crónica;
- no lobo hepático (focos de necrose e hepatócitos apoptóticos).
Figura 4
Hepatócito com citoplasma eosinófilo, homogéneo.
Hepatócito ground glass ou vidro fosco.
Aspecto provocado pela presença de um antigénio de superfície do HBV, o
HBVsAg (HBV surface antigen) no hepatócito, infectado, deste modo, pelo vírus.
Nota: antigénio de superfície da cápside vírica e não da superfície da célula infectada.
Figura 5
Coloração castanha no citoplasma de hepatócitos intralobulares. Estudo
imunocitoquímico positivo com recorrência a anticorpo anti-HBVsAg. A observação
microscópica usando o método HE revelararia o aspecto ground glass apresentado na
imagem anterior.
Figura 6
Estrela – infiltrado inflamatório no espaço porta;
A – coloração castanha no núcleo de hepatócitos (o que revela
imunoreactividade nuclear para o anticorpo utilizado na inmunocitoquímica);
B – coloração castanha ténue no citoplasma de hepatócitos (revela
imunoreactividade citoplasmática para o anticorpo utilizado na imunocitoquímica).
O antigénio pesquisado é o HBVcAg (HBV core antigen)
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Não poderia tratar-se do HBVsAg uma vez que há presença antigénica nuclear,
inexistente no caso deste antigénio vírico.
Nota: apesar de frequentemente o antigénio HBVcAg estar presente tanto no citoplasma
como no núcleo em situações de hepatite vírica por HBV, é possível que se restrinja ao
núcleo ou ao citoplasma. Neste último caso, o fenómeno indica que de algum modo está
a ocorrer uma resposta imunológica eficaz contra esse agente patogénico, não havendo
integração genómica do ADN viral.
Restantes questões
Diagnóstico da doença: Hepatite crónica por HBV.
Identificação do agente causal: Vírus da Hepatite B. Este vírus pertence à família dos
Hepadnaviridae (Hepa – infectam hepatócitos; adn- vírus cujo material genético é o
AND; viridae – vírus). Estes vírus causam hepatite em várias espécies animais: esquilo,
pato de Pequim (“pátu tchi pêquim, qui é um patu chiquie”) e a marmota. Este vírus
tem, deste modo, um reservatório animal de relevância elevada para a infecção humana.
Estrutura genómica do vírus e seus principais transcritos: Dos vírus da hepatite, o HBV
é o mais complexo: contém tanto ARN como ADN(no centro), que codifica
fundamentalmente quatro peptídos. Estes são o HBVcAg, HBVsAg (na cápsula viral),
HBx (factor de transcrição) e o peptídeo P ( polimerase de ADN – fulcral para a
replicação vírica).
Notas: 1- existe um HBVeAg, que é um peptídeo originado após proteólise do peptideo
pré HBCcAg. Após a referida clivagem, o peptídeo HBVe é libertado para a corrente
sanguínea, não desempenhando qualquer papel infectante (não está esclarecido, caso
exista,o papel que desempenha).
2 – tendo em conta que o mecanismo patogénico da infecção por HBV implica
um resposta auto-imune, indivíduos imunodeprimidos que contactam com o vírus
tornam-se portadores mas não desenvolvem hepatite de qualquer género.1
Quadros clínicos associados à infecção por HBV: Um factor importante relativamente à
infecção por HBV é a evolução da mesma. Em 60-65% dos casos a infecção tem
carácter subclínico (o indivíduo sente mau estar, febre, fadiga, embora não haja
manifestações mais graves), havendo uma recuperação completa .
Em 20-25% dos casos a hepatite aguda manifesta-se com o quadro típico: fadiga,
febre, hepatomegalia e icterícia. Nesta situação ~99% dos indivíduos recupera,
enquanto menos de 1% evolui para um tipo muito raro de inflamação hepática, a
hepatite fulminante (ocorre necrose hepática maciça, que conduz a insuficiência
hepática aguda e/ou hemorragia com morte subsequente do doente).
5-10% dos infectados tornam-se portadores sãos, podendo transmiti-la, embora
não sofram de qualquer manifestação patológica relacionada com o vírus. 4% dos
indivíduos com infecção por HBV desenvolvem uma infecção persistente que em 1030% evolui para hepatite crónica. Quanto a esta, 25-50% das situações conduzem a
cirrose hepática que levará à morte do indivíduo ou a hepatocarcinoma (10% dos casos).
1
Está a fazer sentido srs doutores? Vulgo: está a fazer sentido suas abéculas igorantes afogados na inépsia
das letrinhas muito juntas que decoram sem lhes perceberem o sentido?(isto com um sorriso
condescendente).
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Subclínica
(60-65%)
Quadro de hepatite
Aguda
(20-25%)
Portadores sãos
(5-10%)
Recuperação
(~99%)
Hepatite fulminante
(~99%)
Cirrose hepática
(20-25%)
Hepatite crónica
(10-30%)
Hepatocarcinoma
(10%)
Infecção peristente
(4%)
Mantém a infecção até
resolução
(70-90%)
A vacina para a o vírus de hepatite B passou a ser elemento integrante do Plano
Nacional de Vacinação há 15 anos.
Patogénese das lesões causadas por este vírus: devido à afinidade da superfície viral
para receptores hepatocitários, o vírus penetra facilmente no hepatócito. Uma vez dentro
deste, penetra no núcleo, iniciando-se a transcrição dos peptídeos virais (HBVsAg,
HBVcAg, etc), processo que conjuntamente com a replicação do seu material genético
conduzirá à formação de novos exemplares do vírus. Estes poderão deixar o hepatócito
e atingir outras regiões através da corrente sanguínea.
Durante a colonização hepatocitária, os antigénios HBVs associam-se a alguns
peptídeos que modificam proteínas da superfície do hepatócito, principalmente da classe
MHC. Estes passam a não ser reconhecidos como self pelos Linfócitos T (por
intermédio do contacto TCR – MHC) que desse modo desencadeiam uma resposta
imune (por exemplo, activam a via apoptótica extrínseca, directa ou indirecta) contra os
hepatócitos. Na imagem 6, por exemplo, é possível observar-se focos de piece meal
necrosis, em que os linfócitos que circundam os hepatócitos são linfócitos T citotóxicos
a exercer a referida resposta imune.
Nota:
quando somos vacinados contra o HBV, o objectivo é sermos sensibilizados
contra o HBVsAg. Deste modo é possível determinar-se se um indivíduo foi
devidamente imunizado contra o HBV ou se algum dia foi infectado por este, fazendose um doseamento serológico dos anticorpos anti-HBVsAg.
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Caso 2
Dados relevantes da história clínica
- Dados do exame físico – diagnóstico clínico de cirrose (uma vez que há manifestações
de hipertensão portal):
Fígado de consistência dura: acumulação de colagénio (principalemente tipos I
e III) nos espaços porta, entre hepatócitos, etc.
Esplenomegalia: consequência do desvio do sangue proveniente do tubo
digestivo para a veia esplénica, devido à resistência à passagem pelo fígado;
Ascite: a resistência ao fluxo sanguíneo no fígado aumenta a pressão
hidrostática no pool venoso a montante do mesmo, levando à transudação do
plasma para o espaço peritoneal, onde se acumula.
Circulação venosa peri-umbilical (aspecto “Cabeça de medusa”): dilatação das
veias peri-umbilicais devido ao desvio do sangue para vias de circulação
colateral que comunicam a circulação portal com a circulação sistémica.
Hematemese: no contexto do quadro de cirrose,pode indicar hemorragia de
varizes esofágicas, criadas pelo aumento do fluxo sanguíneo por esta via de
circulação colateral.
- História de transfusão sanguínea em 1990 – possível via de infecção parentérica com
um vírus de hepatite, cuja inflamação subsequente tenha conduzido a hepatite crónica,
com cirrose. Não se pode excluir uma etiologia alcoólica, devendo-se por essa razão
avaliar a história de consumo de álcool pela paciente.
Figura 7
Estrela - espaço porta com agregado linfóide.
Círculos – focos de esteatose hepatocitária.
Fígura 8
Elipse - septo fibroso com presença de linfócitária (atravessa espaço interhepatocitário. Não se trata de um espaço porta, uma vez que não está presente nenhum
dos elementos da tríade porta.)
Adicional – piece meal necrosis no canto superior direito da imagem.
Figura 9
Coloração com Tricrómio (usado para revelar colagénio).
Tracejado – septo fibroso com presença linfocitária.
Círculo – nódulo de hepatócitos (“Nódulo de regeneração”).
Nota:
enquanto vai havendo deposição de colagénio entre hepatócitos, formam-se
septos que envolvem quase totalemente grupos destas células. A proliferação destes
como resposta compensatória à morte de outros hepatócitos devido ao bypass
circulatório a algumas regiões do fígado (como consequência da reorganização vascular
subsequente à fibrose) leva à dilatação destes aglomerados, o que forma os nódulos.
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Figura 10
(Saída brilhante do professor em que afirma categoricamente que “Chiara”, um tradicional
cantar de acasalamento aborigena australiano – ok, nome italiano – é muito frequente na
Malásia... quase como Gegisberto em Trás-os-Montes.)
A
Seta – varizes esofágicas (dilatação das veias do plexo venoso submucoso
esofágico).
B
Corte histológico de uma das varizes esofágicas, com trombose.
Seta – sangue
Adicional – o material compacto à direita do sangue é um trombo
Restantes questões
Conclusões da avaliação dos resultados do estudo analítico
Anti-HCV positivo
RNA-HCV positivo
Infecção por HCV
HBVsAg negativo
HBVcAg negativo
Não há infecção actual por HBV
Anti- HBVsAg positivo – contacto anterior com HBV ou indivíduo vacinado contra o
vírus.
Diagnóstico final da doença – cirrose hepática associada a hepatite crónica compatível
com etiologia vírica, relacionada com o HCV.
Nota:
recordar que a paciente foi submetida a uma transfusão sanguínea em 1990, e que
dos vírus que mais frequentemente se servem de vias parentéricas para infecção, o HCV
é aquele que epidemiologicamente mais se associa a contágio por transfusão.
Causa das hematemeses – hemorragia das varizes esofágicas desenvolvidas como
consequência do fluxo sanguíneo aumentado pelas vias colaterais de comunicação entre
a circulação porta e a sistémica.
Caracterização do HCV
Este vírus, tal como o da hepatite G, pertence à familia dos Flaviviridae;
Estrutura genómica mais simples que o HBV, sendo um pequeno vírus
capsulado com uma molécula de RNA de cadeia única;
O genoma codifica apenas uma poliproteína que é processada de modo a
originar as proteínas funcionais. Parte delas são proteínas estruturais: uma
proteína do core do nucleocápside, e duas proteínas do envelope, E1 e E2. As
proteínas não estruturais são designadas NS2, NS3, NS4A, NS4B, NS5A e
NS5B. Esta última é uma polimerase de RNA, RNA dependente. As restantes
desempenham uma série de outras funcões enzimáticas fundamentais para a
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replicação vírica (metaloproteínases, helicases e proteases). A dificuldade em se
desenvolver vacinas para o HCV prende-se com a enorme variedade dos
polimorfismos dos antigénios de superfície entre diferentes estirpes do vírus, não
se tendo ainda conseguido identificar uma região comum que possa funcionar
como antigénio alvo.
Quadros clínicos associados à infecção
Para além da inexistência de vacina e das manifestações ténues ou inexistênicia
de manifestações da infecção pelo vírus nas fases iniciais (ausência de fase aguda),
existem outros dados que o tornam mais preocupante que qualquer outro vírus
hepatotrópico. Apenas em 15% das situações de infecção há resolução da mesma,
estimando-se que em aproximadamente 85% dos casos os indivíduos acabem por
desenvolver hepatite crónica. Destes, 80% apresentam uma situação estável, enquanto
os restantes evoluem rapidamente para cirrose hepática. Por sua vez, 50% dos
indivíduos com cirrose mantêm um quadro estável por tempo prolongado, enquanto a
outra metade falece após um curto espaço de tempo, quer como consequência da cirrose
ou porque desenvolvem hepatocarcinoma.
O aumento do número de campanhas preventivas relacionadas com o HCV
deve-se em grande parte ao crescente número de infectados, uma vez que a transmissão
sanguínea por agulhas, ou transfusão tem-se tornado mais frequente. Não se têm
grandes certezas relativamente à transmissão sexual do vírus (ao contrário do que
acontece com o HBV para o qual essa é uma importante via de contágio). Como nesta
infecção silenciosa grande parte dos casos são detectados quando o indivíduo já
desenvolveu cirrose, sendo o transplante a única solução, o papel destas campanhas
tem-se revelado fulcral.
Subclínica
(15%)
Quadro estável
(80%)
Hepatite Crónica
(85%)
Cirrose
(20%)
Morte (cirrose ou
hepatocarcinoma)
(50%)
Outras causas de cirrose hepática, que não a infecção por vírus hepatotrópicos (10% dos
casos).
- Doença alcoólica hepática (60 a 70%)
- Doenças das vias biliares (5 a 10%)
- Hemocromatose primária (5%)
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- Doença de Wilson (rara)
- Deficiência de α1antitripsina (rara)
- Cirrose criptogénica2 (10 a 15%)
As próximas três imagens são cortes histológicos hepáticos que remetem para casos de
cirrose com três etiologias distintas
Figura 11
Círculo - esteatose
Setas – corpos de Mallory
Diagnóstico de cirrose hepátita subsequente a doença alcoólica hepática. Apesar
da esteatose não ser exclusiva desta situação (estava presente, por exemplo, no caso de
hepatite crónica por HCV) a sua combinação com corpos de Mallory torna o
diagnóstico bastante claro.
Nota: Corpos de Mallory ou “hialina alcoólica” são inclusões eosínofilicas
intracitoplasmáticas dos hepatócitos que são características da doença alcoólica do
fígado, embora possam estar presente em outras patologias. Estas inclusões são
compostas essencialmente por filamentos intermediários de queratina e são uma
manifestação de alterações no citoesqueleto como consequência de lesões celulares.
Figura 12
Setas – focos hialinos de α1-antitripsina. Coloração PAS positiva.
Diagnóstico de cirrose por deficiência de α1-antitripsina.
Figura 13
Coloração com Azul da Prússia.
Coloração utilizada para identificar Ferro.
Diagnóstico de cirrose hepática associada a hemocromatose congénita (o que é
indicado pela acumulação de pigmento de ferro tanto nos hepatócitos como no epitélio
biliar. Na hemocromatose secundária a acumulação é essencialmente hepatocitária).
Neste tipo de hemocromatose há uma mutação no gene HFE, um gene próximo do locus
do gene do HLA, no cromossoma 6. Este gene codifica uma molécula semelhante ao
HLA classe I que regula a a absorção intestinal de ferro proveniente da dieta, o que
explica a perda desta capacidade de regulação nos indivíduos com a esta doença
hereditária homozigótica recessiva.
Caso 3
Dados relevantes da história clínica
Prurido - indica a acumulação de sais biliares na pele como consequência da passagem
destes para a circulação sanguínea devido à incapacidade de serem devidamente
excretados.
Colestase – consequência da incapacidade de drenagem da bile.
Elevação de fosfatase alcalina – típica da lesão do epitélio biliar.
2
Casos de cirrose que não são explicados por nenhumas das causas apresentadas. A causa primária é
desconhecida.
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Figura 14
A
Círculo – ducto biliar num espaço porta;
Coloração azul – coloração com tricrómio marcando o colagénio dos septos
fibrosos. No geral, a fibrose rodeando o aglomerado hepatocitário constitui um nódulo
de um fígado numa situação de cirrose.
B
Seta - ducto biliar com epitélio irregular e alterado.
Círculo – está presente uma alteração degenerativa epitelial com fibrose
concêntrica designada fibrose em “casca de cebola”. A evolução deste processo poderá
levar ao desaparecimento do ducto com substituição por uma cicatriz.
Diagnóstico da doença – colangite esclerosante primária (inflamação das vias biliares
com fibrose, de carácter primário e não secundária a qualquer outra alteração ou
patologia).
Trata-se de uma doença colestática crónica e progressiva caracterizada por
inflamação e fibrose obliterativa dos ductos biliares intra e extra-hepáticos. Afecta
predominantemente homens (provavelmente a única doença das vias biliares que é mais
comum nos homens que nas mulheres).
Não está esclarecido se a patogenia é imunológica, isquémica, etc. Em 70% do casos de
colangite esclerosante primária há associação com colite ulcerosa.
Caso 4
Dados relevantes da história clínica
Anticorpos anti-mitocondriais – indica o desenrolar de uma resposta auto-imune.
Provavelmente os anticorpos actuam sobre os antigénios mitocondriais após a morte
celular, quando o referidos antigénios ficam expostos, sendo improvável uma incursão
pelo interior da célula quando esta ainda está intacta.
Figura 15
A
Está representado um espaço porta com presença abundante de mononucleares
(plasmócitos e linfócitos). No centro, um ducto biliar parcialmente destruido está
rodeado com linfócitos que protagonizam o processo necrótico não supurativo que está
a decorrer.
B
A lesão representada designa-se granuloma.
A patologia apresentada designa-se cirrose biliar primária, uma doença
colestática crónica caracterizada por destruição inflamatória, não supurativa, dos ductos
biliares intra-hepáticos e pela presença de granulomas no tecido hepático. Afecta
predominantemente mulheres, numa proporção de 6:1 e patogenicamente é uma doença
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auto-imune. Esta conclusão parte de uma série de evidências: os indivíduos com esta
doença têm expressão aberrante de moléculas da classe HLA tipo II(ou MHCII); existe
uma acumulação peri-portal de linfócitos T; detecção de anticorpos anti-mitocondriais.
Esta doença tem a particularidade relevante de poder ser diagnosticada antes de
se desenvolverem as expressões lesionais mais graves da cirrose, como a fibrose. Esse
diagnóstico pode ser feito através da identificação das duas caracteríticas histológicas
documentadas.
Nota:
Caso a necrose fosse supurativa, o quadro poderia ser semelhante embora,em vez
de linfócitos, estariam presentes neutrófilos. Nesse caso, porém, a patologia não seria
uma cirrose biliar primária, mas sim uma colangite aguda causada, por exemplo, por um
obstrução das vias biliares (cálculos, tumor, etc).
Pontos realçados pelo entusiasmo do professor no final do seminário:
- Diferenças entre os vírus da Hepatite (principalmente os HAV, HBV e HCV);
- A Hepatite C é aquela que mais frequentemente evolui para hepatite crónica e cirrose;
- A etiologia mais comum de cirrose é alcoólica;
- Colangite ulcerante primária, mais frequente em homens e sempre associada a colite
ulcerosa;
- Cirrose biliar primária, mais frequente em mulheres e de patogenia auto-imune;
E agora uma homenagem ao exotismo do caro docente com um excerto de um autor da sua
nacionalidade:
“Encheram a terra de fronteiras
Carregaram o céu de bandeiras.
Mas só há duas nações – a do vivos e a do mortos.”
Mia Couto, escritor Moçambicano
Fui infomado tardiamente que o sr era brasileiro...durante as cinco horas em que o ouvi
incessantemente com frases como ”fazê esporte” e “Deveim tá lôcus para ir emborá” não
me apercebi...Até procurava Jorge Amado, mas um “Sautá nú colu du paizinhu Tieta” não é
propriamente uma homenagem. Vai ter de ficar assim... Bom estudo!
Reclamaçõe para [email protected] ou para a CCquenã[email protected].
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